Ideia de Monumento: projetos para o porvir

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central reproduzido nesta publicação (p. 141 a 149). Essa instalação

artista montou uma estrutura com 16 escoras de metal erguidas a

foi produzida a partir de uma réplica, construída em madeira, do

quatro metros e meio do chão; elas chegam muito perto de encostar

Obelisco da Memória, o mais antigo monumento da cidade de São

no teto, impedidas por uma pilha de materiais diversos (compensados,

Paulo; o entorno do monumento (o espaço público que o circunda)

telhas, pedaços de caixa d’água e de lona) que é, ao mesmo tempo,

foi fundido em escala real com materiais de construção e entulho. O

sustentada pelas escoras e espremida por elas contra o teto. Os

Obelisco situa-se no Largo da Memória, localizado no início da rua 7

alto-falantes instalados nas escoras de metal conduzem sentidos

de Abril no centro da cidade, espaço que, no século XIX, funcionava

duplos de significação (de cima-abaixo, e vice-versa) e amplificam as

como ponto de encontro dos moradores da cidade e de viajantes

vozes registradas em entrevistas com moradores do bairro da Vila

que chegavam do interior. O Largo foi constituído em meados dos

Mariana e com profissionais ligados a estudos da dinâmica da cidade.

anos 1810, quando o governo da cidade encarregou um engenheiro

Esses depoimentos revelam memórias e pontos de vista acerca

de melhorar a comunicação entre São Paulo e o interior. Além da

da constituição da cidade de São Paulo, cuja urbanização desenfreada

construção de uma estrada, esse engenheiro propôs a formação do

acabou por suprimir a nomeação de locais, acontecimentos e pessoas,

Largo com um chafariz e um obelisco, erguido “à memória do zelo do

“engolidos” pelo desenvolvimento da metrópole. Esse é o caso da

bem público” (citação do site da Secretaria de Cultura da cidade de São

comunidade que se formou na Rua Mário Cardim na Vila Mariana,

Paulo). Ao fundir o entorno do Obelisco com materiais de construção

representada em alguma das imagens que compõem a presente

e desconstrução, Erica Ferrari materializa as contradições internas de

reprodução de O nome da margem (p. 150 e 151). Sem nomeação

um monumento erguido à memória dele mesmo – afinal, o Obelisco

oficial, essa comunidade é umas das muitas que são destituídas

não faz referência a figuras ou acontecimentos algum – e evidencia

do direito público à memória; afinal, o nome permite a comunhão

que o espaço público urbano está em constante reformulação,

memorial de algo, reconhecível por todos através, justamente, de

construindo-se e destruindo-se em disputa com a memória.

seu nome. Ainda, os elementos que constituem materialmente a

Diferentemente da estrutura estática e petrificada do Obelisco,

instalação estão ligados às construções sobre leitos de água (píers,

que reduz a noção do “bem público” a uma forma memorial vazia.

palafitas, casas escoradas), que, em São Paulo, foram canalizados e

O entorno do Obelisco, modelado em escala real, aparece aqui

soterrados no processo de urbanização (de maneira análoga à não

como a forma negativa do estatuto memorial – a inversão da

nomeação). As escoras de metal, que ascendem verticalmente a

monumentalidade.

pilha, espremendo-a contra o teto, também canalizam as vozes que

Na instalação O nome da margem (2016) (p. 150 a 160), a

buscam ser ouvidas, para enfim serem lembradas.


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