Anais 19º CBA

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PALESTRA DE ABERTURA | PRESIDENTE DO IAB-PE Dignas autoridades, presentes ou representadas, minhas colegas, meus colegas, minhas senhoras, meus senhores: Não, com toda a certeza não. Não podemos afirmar que ―parece que foi ontem‖, que Pernambuco teve a honra de realizar o 5º Congresso Brasileiro de Arquitetos, pois isso foi em 1957, e, daquele ano até hoje, o mundo — a nossa casa comum, o espaço que nos abriga, a morada em que vivemos — mudou bastante, testemunhando a cada década transformações surpreendentes, cujos impactos e desafios tanto nos seduzem quanto nos assustam. O IAB acompanha esta trajetoria, e hoje, praticamente ao fim da primeira década do século 21, todos nós temos mais perguntas que soluções, mais dúvidas que certezas diante do olhar interrogativo do futuro. Em todos os campos da atividade humana, parece que nos situamos em plena ―aldeia global‖. ―Aldeia‖, sim, porém caracterizada por uma hipercomplexidade que parece nos vir de todos os pontos do horizonte e de todo o nosso espaço circundante.

As décadas que nos separam daqueles meados do século 20 mudaram mapas, conceitos, estratégias, políticas, formas de saber e de viver. Depois delas e por causa delas, em face da revolução tecnológica, chegamos à sociedade em rede, que muda, para o bem ou para o mal, toda a nossa forma de ser e estar no mundo, aí, claro, incluído, com a relevância que merece, o nosso próprio trabalho.

No caso especificamente brasileiro, basta lembrar que o nosso país, nesse lapso de tempo, passou de rural a urbano, construiu empreendedora e planejadamente uma nova capital, passou por turbulências econômicas e políticas, integrou seu vasto território, diminuiu gritantes desigualdades regionais, passou por ―milagres‖ e ―assombrações‖, integrou a classe C ao consumo e ao mercado. Hoje, o Brasil do Futuro chegou. Atualmente, apesar dos muitos desafios e problemas que nos afligem, o País cresce economicamente e torna-se um protagonista de peso na cena global. A propósito, cabe enfatizar que Pernambuco, nessa onda nacional, vive um


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momento de grandes projetos e investimentos estruturadores e que a região do Complexo Portuário de Suape é o maior canteiro de obras do País. O Estado — apontam os analistas — crescerá mais que o Nordeste, o Nordeste crescerá mais que o Brasil e o Brasil mais do que o mundo.

Diante desse novo mundo que temos o privilégio de ver surgir, uma certeza única nos chama a atenção em sua obviedade: estamos em transição. É para essa transição — para o exame de suas potencialidades e de suas oportunidades — que precisamos voltar os nossos olhares, sob o foco do que aqui nos une e nos reúne: a arquitetura, o urbanismo, a cidade, a regiao. Mas, para não cairmos numa abstração ou numa visão parcial, típica do nosso fazer, pois a matéria do nosso trabalho nos encanta e na maioria das vezes, nos basta, propomos que neste 19º CBA estejamos do lado do próprio arquiteto, em seus embates humanos com sua matéria de trabalho e em sua perplexidade profissional, em seu confronto e convívio com as novas tecnologias, e sua insercao nos ambientes corporativos e politicos institucionais. Para discutir não só a matéria, mas o resgate da nossa profissão naquilo que ela tem de mais particular — a inovação e a criatividade, ferramentas decisivas para a transição do nosso Brasil.

Cabe-nos a responsabilidade de desenharmos hoje o que queremos para o futuro que esta ai. Em função do poder de transformação social da arquitetura, temos certeza de que a sociedade muito espera de nós. Se recuarmos de tal responsabilidade e desse espaço que nos cabe, outros certamente irão ocupálo e quase sempre de uma maneira equivocada. A rigor, isso já se passa quando vemos tantos profissionais das mais diversas áreas — não obstante as suas meritosas especialidades e competências — se voltarem para territórios que necessitam do nosso saber e do nosso fazer profissionais. Chega a ser metaforicamente paradoxal que quase se vejam

lugar aqueles que, por

definição, são especialistas em lugares.

Arquitetos, todos nós bem sabemos, não amam discutir o próprio exercício profissional. Discutem arquitetura, mas não a forma de abordá-la. Contentamo-


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nos com o fazer, nos esquecendo de discutir o que nos faz arquitetos. A agenda mudou por completo. Mais do que acordar, precisamos aproveitar as oportunidades da vigília para fazer valer os nossos sonhos.

Defendemos para os arquitetos um papel tão propositivo quanto proativo, extrapolando as dimensoes dos projetos. Com esses dois adjetivos, queremos não usurpar lugares e posições, mas assumir, com assertividade, o espaço que devemos ocupar. Não há mais como nos isolarmos em nossos gabinetes de trabalho. Os novos tempos nos exigem uma postura empreendedora e interativa. ―Nenhum homem é uma ilha‖, assim como nenhum arquiteto é um projeto. Estamos, para o bem ou para o mal, em rede e trabalhamos (se queremos trabalhar bem) rigorosamente em equipe e de uma forma transdisciplinar.

Basta olhar em torno para enxergar as novas formas de inserção no mercado e as crescentes demandas, para ver como se dão essas novas relações e como úteis e cidadãos podemos ser para um mundo mais justo e sustentável.

Se assim é, precisamos, sem megalomanias quase sempre estéreis, repensar as nossas cidades, lançar as bases de novos conceitos e discursos, sem medo do debate ético, tecnológico, ambiental e político. Tornou-se um lugar-comum se falar em ―quebra de paradigmas‖. Com tantas quebras, não devemos nos sufocar no pó de tais fragmentos, mas propugnar, com criatividade, por modos mais interativos de trabalho e de articulação com a sociedade. E isso sem desprezar a tradição que nos trouxe até aqui e que soube fazer da arquitetura uma aliada do homem e da civilização. Só assim transformaremos a velha imagem do arquiteto como um grande isolado, como um gênio em seu ateliê. A tradição também é transição — um misto de insurgência e ressurgência, para evocarmos Gilberto Freyre —, que também devemos explorar para edificar ou prospectar o futuro. Muito do que pensamos apenas moderno nada mais é do que uma retomada de antigas práticas experimentadas pelo ser histórico que é o homem.


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Eis aí uma das muitas razões por que, neste Congresso, não esquecemos grandes mestres pernambucanos da arquitetura, todos eles estão presentes em nossa formação, em nossos espaços, em nosso imaginário. Aqui também o ontem se faz simbolicamente presente. Mas não só simbolicamente, pois as suas licoes continuam atuais, mostrando que a arquitetura, para ser plenamente sustentável, necessita de continuidade com a nossa tradição de bem morar, do bom abrigo.

Eles são, sim, referências e balizas contemporâneas para seguirmos em frente e construirmos o futuro. O patrono deste Congresso: Acácio Gil Borsoi, cuja ausência não era esperada, pois é fato que o homenagearíamos ainda em vida. Borsoi, é claro, dispensa apresentações. Para ele, carioca de nascimento, mas pernambucano desde que se formou, a arquitetura tinha que ter a marca da emoção. Ele foi um dos principais artífices do que aqui ousamos chamar Escola do Recife. Seu trabalho, como se sabe, consolidou a moderna arquitetura brasileira no Nordeste e no Brasil.

Não poderíamos tambem deixar de evocar o pernambucano Evaldo Coutinho, falecido há exatos três anos, autor de uma obra teórica inspiradora — O Espaço da Arquitetura. Mestre de várias gerações, Coutinho advogou a autonomia ontológica da arquitetura e a visão do arquiteto como um criador de lugares. Hoje,

dentre

tantas

inspiradas

reflexões

de

Coutinho,

uma

nos

é

particularmente estimulante: ―[...] o espaço arquitetônico obriga, a quem quiser conhecê-lo, a ir ao seu encontro, inúteis que se mostram as estampas do desenho, de fotografia móvel ou imóvel quanto à faculdade de trazer a outrem, situado alhures, a sensação que lhe provoca o mesmo espaço quando sentido em grau de presença‖.

Dessa forma, o arquiteto tem de ir literalmente ao encontro do espaço, tanto para

o

seu

trabalho

cotidiano

quanto

para

o

exercício

das

suas

responsabilidades profissionais. Simbolicamente, isso vale como uma grande metáfora para o que tanto precisamos num tempo de arquitetura em transição:


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não só ocupar espaço, mas criar lugares que sejam o compromisso com um mundo mais harmônico e menos injusto. Por essa razão, cabe a nós arquitetos sermos, mais do que nunca, os profissionais da cidade, do espaço urbano e da articulação entre o público e o privado.

É por sermos profissionais da cidade que precisamos repensar a nossa responsabilidade na ―costura‖ urbana, ou seja, a maneira de fazer a integração dos mais variados projetos. Esse é o nosso desafio maior, pois a cidade contemporânea é uma mescla de ações desastrosas e inteligentes, eh uma síntese possivel do tempo em que vivemos.

É hora, portanto, de retomarmos a nossa história prática da política como ação para o bem comum. Os desafios são diversos dos da época em que sonhávamos transformar o mundo através do projeto. Precisamos cada vez mais ocupar o lugar que cabe ao arquiteto nas práticas e nos projetos das cidades brasileiras, todas em crise. Aquele sonho de apagar os ―erros‖ (os problemas, ou o que achávamos que eram erros) com nossas borrachas e propor um desenho acabado parece um sonho fadado à utopia; já é histórico. Hoje, o papel que é nosso é o de sempre: antever o futuro, sobretudo para ―construir no construído‖. é hora de entendermos — diante das reconfigurações dos territórios urbanos e não urbanos e da redefinição de antigas e novas polaridades territoriais — que a gestão do território precisa de criativas formas de articulação dos setores públicos e privados no empreendedorismo urbano, na discussão e proposição de instrumentos que precisam ser redesenhados em face da realidade plural e complexa.

A fronteira entre a cidade e o edifício ainda não foi rompida em grande parte do repertório dos arquitetos brasileiros, apesar das lições dos nossos mestres. Continuamos a insistir que as segregações espaciais de nossas cidades não é de nossa responsabilidade. eh, eh de nossa responsabilidade. Temos, sim, as experiências brasileiras emblemáticas de respeito ao lugar e ao meio ambiente no projeto. Não precisamos desprezar os recursos da alta tecnologia hoje presentes nos


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produtos e processos construtivos. Numa arquitetura em transição como a evocada, os arquitetos precisam ocupar o espaço de vanguarda para o qual lhes convoca este momento histórico. Não por acaso, os arquitetos precisam assumir postos de coordenação e de liderança. Eis por que precisam desenvolver

e

aprimorar

habilidades

para

o

trabalho

em

equipes

multidisciplinares. No contexto atual, não nos surpreende que a autonomia disciplinar esteja em crise.

Foi pensando assim que concebemos este Congresso como um lugar de convergência não só dos arquitetos, mas também dos agentes públicos, dos empreendedores, das agências de fomento e de financiamento, pois em nosso mundo, já sem espaços para isolacionismos de qualquer natureza, interagimos no dia a dia com as mais diversas expertises profissionais.

Trabalhamos duro nestes meses que antecederam este encontro, desenhandoo dinâmico, criativo, aberto, interativo. Não fomos em busca de patrocinadores, fomos em busca de parceiros. Vale salientar que nenhum deles estranhou a nossa proposta, pelo contrário, viram nela uma semente para a construção de parcerias perenes.

Destaquemos, nesse sentido, o apoio e a acolhida de primeira hora do Governador do Estado de Pernambuco, Dr. Eduardo Campos, em quem hoje podem se enxergar todos os arquitetos enquanto profissionais criativos e inovadores. Pernambuco, após um longo período de estagnação, ressurge como um canteiro de obras que aqui indicamos como um estudo de caso para se antever o Brasil do futuro. É assim que, pela liderança do Governador, se concretizam os sonhos de muitos dos nossos visionarios de outrora, de muitos dos nossos urbanistas, planejadores, engenheiros sociais, e gestores publicos. Com o fortalecimento gradual em curso das instancias de planejamento federais e

estaduais, estamos retomando a importancia estrategica

do

planejamento regional, do papel das agencias de fomento e de financiamento, dos organismos estaduais de planejamento e de gestao que apagarão para sempre a imagem de um Nordeste pobre e periférico.


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Destaquemos a parceria de empreendedores genuinamente pernambucanos, como é o caso da Tintas Iquine, que numa

atitude corajosa, viabiliza a

reedicao do Roteiro Para Construir no Nordeste, de Armando Holanda. Destaquemos também o Sebrae, que, seguramente, nos imbuirá do espírito empreendedor que sempre nos falta, pois somos capazes de fazer as imagens dos empreendimentos dos nossos clientes embora quase sempre somos cegos para o empreendedorismo, dada talvez a nossa natureza de lidar com o caos e de sermos criativos.

Assinalemos, com igual satisfação, o apoio do Ministério da Cultura, que, em um espetacular avanço, reconhece, em sua política pública, a arquitetura contemporânea como fato cultural. A propósito, vale salientar que o Minc está lançando neste congresso o projeto de uma rede brasileira de cidades criativas, desenvolvido sob o conceito — hoje mundial — de que criatividade e cultura são fontes de sinergia e de identidade. Abrem-se, assim, inúmeras portas e janelas para a interação com outras formas de manifestações culturais de todo o País.

Falemos também da Eletrobras e da Chesf que se associaram ao projeto deste congresso representando empresas de infraestrutura que redesenham o território brasileiro. Com seus grandes projetos, são construtoras de lugares. Da mesma forma, nossas cidades precisam ser eficientes no consumo de energia. Queremos que os arquitetos, como os primeiros decisores de uma edificação sustentável, possam sonhar com uma cidade criativa e eficaz para o encontro e para a troca, como preconizava Munford.

trouxemos agentes financeiros aqui represntados pela parceiria inedita com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES. Esses parceiros nos apontarão os empreendimentos estruturadores em curso no Brasil, e nós, com olhos de urbanistas, mostraremos a eles como poderemos agregar valor aos entornos e às oportunidades em cadeia de cada um dos projetos em andamento.


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Concluindo, e não por uma tradição meramente protocolar, queremos expressar, em nome de todos os que fazem o IAB pernambucano e de todos os que conosco integram o Comitê Gestor deste congresso, - Roberto Montezuma, Bruno Ferraz, Fernando Diniz, Marcia Chamixaes, Vera Pires, Joao Domingos a nossa mais sólida gratidão. Esperamos honrar a missao delegado pelo Conselho Superior do IAB, que acatou a nossa candidatura, nossa proposta, e acreditou na nossa capacidade de realização deste encontro. E o que propomos, enfim? Propomos um IAB mais forte, mais atuante, sem narcisismo de espelhos inúteis. Um IAB que não se limite a ser burocrático e autorreferente. Lutamos por uma representação mais presente na sociedade, pois velhas estruturas já não respondem à exigência de os arquitetos serem de fato ―profissionais da cidade‖. Esperamos também que a nossa rede de IABs estaduais se fortaleça, que essa entidade quase centenária possa continuar honrando nossa categoria profissional. Em breve, também esperamos contar com o nosso próprio conselho — o sonhado Conselho de Arquitetura e Urbanismo.

Nós concebemos este fórum de tal forma que ele próprio fosse um exemplo do que aqui estamos propondo. A ideia é delinear aos arquitetos o marco de um novo tempo, um estímulo para se reinventarem, conversarem e serem ouvidos por quem faz planejamento, gestão, e sabe tirar do papel os próprios projetos. Interlocutores e grandes atores da nossa vida social, nossos patrocinadores acreditam que é possível tal diálogo e, entre nós, nos ajudarão a ser empreendedores. É dessa forma que agradecemos aos parceiros já mencionados.

Também externamos aqui nossa gratidão ao Crea de Pernambuco, ao Banco do Nordeste, a Caixa, à Prefeitura do Recife, ao Confea, à Mútua, à Copergás, ao Banco do Nordeste, à Rede Globo, ao Iphan.

Queremos igualmente agradecer aos nossos palestrantes internacionais, que tão pronta e cordialmente atenderam ao nosso convite e com quem hoje


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iniciamos um diálogo que antevemos fecundo e colaborativo. Agradecer aos nossos convidados e palestrantes brasileiros, que, espelhando a rica diversidade geográfica nacional, nos transmitem o fraterno sentimento de que formam conosco uma mesma nação de profissionais. Agradecer ainda àqueles que, selecionados pela chamada pública deste congresso, nos propiciarão momentos de reflexão e de troca de experiências, sem as quais este fórum não teria razão de ser. Agradecer aos muitos que nao foram aqui citados, mas que sem eles nao teriamos realizado esta magnifica tarefa que aqui ofertamos a todos. Agradecer, enfim, a todos os que nos honram e nos prestigiam com sua presença e que, nestes três dias de convívio, temos certeza, darão o melhor de sua inteligência para o enaltecimento da nossa arquitetura.

Finalmente, aos que nos visitam, uma especial mensagem de boas-vindas e o desejo de que, como profissionais da arquitetura, possam desfrutar largamente do Recife e de Olinda. Que aproveitem, malgrado estarmos no período de chuvas, a luminosidade dessas duas cidades outrora rivais e hoje irmãs. A luminosidade, a brisa, os murmúrios, que são, no dizer de Joaquim Nabuco, ―a intimidade dos sons‖. Que voltem no tempo, em liturgia de repetição como queria o professor Evaldo Coutinho, pela magia das nossas igrejas barrocas e com os nossos exemplares de arquitetura moderna projetados pelos nossos mestres e homenageados. Que desfrutem da bela planície estuarina do Recife e das colinas olindenses, pois, como diz Paulo Mendes da Rocha, ―a geografia é a arquitetura primordial‖! Que possam vislumbrar de Olinda os horizontes e o mar ―numeroso e longo‖ por onde o poeta e engenheiro Joaquim Cardozo, nos meados do século 20, ainda via ―as caravelas‖. E que possam vocês, visitantes, relevar por alguns instantes, sem a eles voltar as costas, o feio, o triste e o aflitivo de uma sociedade ainda marcada pela desigualdade e por uma ação pública que, como em tantos outros lócus urbanos deste imenso país, se deixam flagrar — para dizer o mínimo — pelo descaso. Que vejam no Recife, como de Paris escreveu Baudelaire, uma ―fervilhante cidade‖, uma ―cidade cheia de sonhos‖, porque é assim que nós recifenses somos, apesar de o Recife, como analisou Gilberto Freyre, não se entregar de imediato ao turista, embora, como todos sabem, venha se entregando a tantos poetas que


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dela fizeram o motivo do seu canto. E que, ao voltarem para suas cidades, possam dizer como Manuel Bandeira: Voei ao Recife e, dos longes Das distâncias, aonde alcança Só a asa da cotovia, [...] Te trouxe a extinta esperança, Trouxe a perdida alegria. Sejam bem-vindos! Muito obrigada! Olinda, 01 de junho de 2010. Vitória Régia de Andrade Lima Presidente do IAB-PE


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INTRODUÇÃO | O CONCEITO A realidade contemporânea impõe uma diversidade e heterogeneidade de conceitos, formas, ideias, técnicas e métodos de produção, que têm sua manifestação no espaço da cidade e do território. Neste contexto, teorias, propostas, ações e intervenções na cidade e no território assumem caráter provisório e transitório, que muitas vezes contraria as tradições da disciplina arquitetônica e urbanística. Hoje, os desafios para o exercício profissional exigem dos arquitetos e urbanistas, além de suas inerentes habilidades, posturas cada vez mais empreendedoras e uma atuação de maneira proativa, antecipando-se a demandas. Elaborar respostas em um complexo repertório de conhecimentos, métodos, processos, técnicas, ferramentas e materiais adequados à construção de sistemas ambientais sustentáveis têm sido desafios constantes e atuais para os arquitetos. Sob o conceito de ―Arquitetura em transição‖, propõe-se a debater os efeitos de movimentos cada vez mais efêmeros que abrangem tanto a disciplina Arquitetura, quanto às preocupações dos arquitetos brasileiros contemporâneos. Portanto, o conceito principal terá dois eixos temáticos de abordagens, um evidenciando a arquitetura propriamente dita e o outro o arquiteto.


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PALESTRA MAGNA | GOVERNADOR DO ESTADO DE PERNAMBUCO É uma alegria recebê-los para essa 19ª edição do Congresso Brasileiro de Arquitetos. A última vez que houve um congresso desse porte aqui em Pernambuco, dessa importância, eu sequer era nascido. Vocês podem imaginar a satisfação de receber, depois de 53 anos, um novo congresso dos arquitetos. Esse é um momento muito rico de debates, de reflexão, e por mais que o tempo entre 1957 e 2010 pareça muito longo, parece haver alguma coisa em comum entre o ambiente político que havia em 57 e o ambiente que se vive em 2010. Em 57, o Brasil e o mundo estavam saindo de uma grande crise pós- guerra. O Brasil tinha reconstruído as suas instituições democráticas. O Brasil tinha feito uma aposta no planejamento e tinha uma aposta no crescimento do mercado interno. Foi naquele momento também que aqui, em Recife, viveu-se uma grande ebulição política, cultural e econômica, que permitia surgir no ambiente de Pernambuco a chamada Escola de Arquitetura no Recife. Muitos intelectuais, engenheiros, pessoas que tinham construído formação acadêmica, mas tinham sempre a reflexão voltada para a sociedade, para a população, para a inclusão social, que era algo totalmente novo e revolucionário à época, aliavam-se a um movimento político de grande expressão junto aos trabalhadores, intelectuais, pessoas comprometidas com mudança, com um mundo mais justo de espaço para oportunidade, e passaram a transformar sonhos em realidade. Nesta data, governava o Recife pela primeira vez o grande engenheiro Pelópidas Silveira, que pôde começar o debate de um dos mais inovadores códigos de obras de postura urbana que uma capital teve direito a ter nos idos de 50. Quem não é daqui pode ir à praia de Boa Viagem, rapidamente. Um arquiteto(a) vai ver a diferença entre a postura urbana e da construção daqui e a belíssima praia de Copacabana, onde os edifícios têm a permissão de ser colados um no outro. O que se vê em Boa Viagem é a expressão da inquietação de jovens arquitetos, como muitos que vejo aqui, que conseguiram espaço político para ver uma cidade ganhar uma norma de postura no padrão de crescimento. Era também um tempo de muita unidade no Nordeste. Naquele momento, esse movimento de base, esse movimento por justiça contra as formas autoritárias de se manter no poder, que eram tão clássicas e tão claras no Nordeste, também faziam surgir instrumentos de planejamento como a SUDENE, o BNB, DNOCS, Fundação Joaquim Nabuco. Fruto da compreensão de que o planejamento era estratégico para equilibrar o país com tantas desigualdades inter regionais, com tanta desigualdade entre as pessoas. Portanto, passado todo esse tempo, nós sabemos as transformações que ocorreram no mundo e na cena brasileira, como se deu o processo de urbanização no Brasil, as idas e vindas da nossa economia, com processos nem sempre duradouro de crescimento, com os famosos milagres, com dois anos crescendo e cinco parados,


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com todas as décadas chamadas perdidas pelos economistas. Passado todo esse processo, estamos aqui, em 2010. Recife, Pernambuco recebe de braços abertos esse momento que também pra nós é tão encantador, bonito, cheio de energia. Nos idos de 50 muitos arquitetos, como alguns de vocês que estiveram aqui, sonhavam com um país muito diferente do que poucos anos depois tiveram a oportunidade de viver. Lá em 57, o Brasil era presidido por um grande homem público - chamado Juscelino Kubistchek, e hoje o Brasil é presidido por um homem de grande respeito no mundo, Luiz Inácio Lula da Silva. Cada um a seu modo, cada um a seu tempo, com a sua capacidade de enxergar, de compreender, de mediar, vão deixar um legado importante para os brasileiros. Um legado que deve servir para recolocar o papel do planejamento no centro do debate do desenvolvimento. Ninguém melhor que os arquitetos para saber o papel do planejamento, porque trabalham isso na prática, no dia-dia. Seu trabalho é um projeto. Nós, economistas, perdemos muito, muito, ao longo dos anos a capacidade de nos formar como planejadores. Em grande parte, muitos economistas até contribuíram para que o planejamento saísse da ordem do dia do Brasil. Naquela época, em 57, havia o plano de metas. Refeito o processo democrático brasileiro, a constituição em 88 passa a enxergar o longo prazo como quatro anos. E hoje nós estamos convencidos de que uma nação do tamanho, importância e riqueza do Brasil precisa planejar além dos 10, 15, 20 anos. E aqui estamos no momento bonito da vida brasileira, o mais longo momento de democracia que o Brasil viveu na sua história. As instituições amadurecem, mas ainda não são o espelho do que nós desejamos. Mas haveremos nesse processo de ir transformando as instituições, para que elas se aproximem do sentimento da sociedade. No momento, a economia brasileira dá provas da sua capacidade de superar crises. Ainda no ano passado a humanidade viveu a maior crise da chamada era neoliberal, do turbo capitalismo, quando a questão do planejamento teve o seu papel recolocado no debate político internacional. E é nesse momento que o Brasil recria, na sua institucionalidade, espaço de debate. No Ministério das Cidades, o mecanismo de financiamentos de saneamento, habitação, mobilidade urbana é discutido exatamente nas grandes Conferências de Cidades, - sejam nas cidades, nos estados e em nível nacional –, assim como o desafio de conviver com melhor qualidade de vida nos grandes centros urbanos. E nós estamos numa capital nordestina que viu e assistiu a esse crescimento. Aqui, de maneira especial, a luta pela terra sempre marcou a nossa história, seja no campo onde surgiram lutas camponesas, seja nas cidades onde surgiram os primeiros movimentos de ocupação de terras, como o Movimento Terra de Ninguém, e tantos outros que vieram depois, construindo as cidades da periferia a despeito do abandono e, muitas vezes, da truculência do Poder Público. Aqui se construiu uma cidade onde as desigualdades são colocadas de forma muito clara, onde a riqueza de poucos se obriga a conviver com a pobreza de muitos. Essa


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parcela mais carente da população tem contato com gestões efetivamente democráticas e que têm buscado mecanismos para reduzir essas desigualdades. Nesse momento, nós entendemos como muito interessante e instigante o tema ―Arquitetura e transformação‖. Nós estamos efetivamente em transformação, em transição. Nós estamos vivendo no mundo uma transição de valores, uma transição econômica, no Brasil, muito expressiva. Às vezes, por estarmos vivendo no cotidiano essa transição, não temos a capacidade de compreender o tamanho dela, onde consolidamos valores que são muito importantes e que nos distingue de outras nações que, em tese, disputam com o Brasil esse mesmo espaço no conceito global. O valor da democracia é um valor que distingue o Brasil de outras nações emergentes no mundo. Qualquer força responsável, que dispute o poder com hegemonia no Brasil, tem compromissos com as instituições democráticas. O valor da estabilidade monetária e fiscal do Brasil, no que se refere aos contratos, já foi assimilado por uma geração, e agora buscamos outros valores: o valor da sustentabilidade, da participação popular, do planejamento, da qualidade na gestão, que são os valores que vão nos aproximando, nós gestores, como planejadores, dos arquitetos e urbanistas. Temos a compreensão de construir no espaço urbano uma cidade mais agradável de se viver, com mais capacidade de gerar qualidade de vida, que é a grande busca dos centros urbanos. Aqui, ao longo do nosso Congresso, nós vamos ter a oportunidade - tanto a prefeitura da Cidade do Recife, quanto o Governo do Estado - de apresentar um pouco do que nós estamos fazendo no modelo de gestão, aliando planejamento a participação popular e com eficiência na entrega à população de programas, de processo de transformação, processos de mudança de espaços que estavam degradados, integrando regiões em grandes projetos estruturadores de infraestrutura, realizando mudança na matriz econômica que acontece em Pernambuco, buscando adequar a institucionalidade do Estado com a participação de muitos arquitetos que estão aqui para nos ajudar a viver essa grande transformação na economia e das políticas públicas. Essas políticas públicas devem enxergar aqueles que precisam de Estado e fazer com que o Estado preste um serviço público de inclusão, ir além dos muros dos órgãos públicos e assim entrar na vida de muitas pessoas. Eu quero aqui cumprimentar a toda comissão organizadora desse Congresso, a todos os três mil arquitetos que nos visitam e desejar que tenham um bom debate. A todos, desejo uma boa estada, e espero que aproveitem a nossa cultura. Pernambuco tem uma cena cultural muito ativa, muito intensa, muito bela, tem também uma natureza extremamente generosa e tem uma gente acolhedora que recebe vocês com a esperança de que esse será um debate importante para o futuro do nosso Estado, da nossa região, do nosso País. Um abraço, obrigado! Olinda, 01 de junho de 2010. Eduardo Campos Governador de Pernambuco


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PAULO MENDES DA ROCHA Paulo Archias Mendes da Rocha nasceu em Vitória (ES) em 1928 e formou-se pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo (SP), em 1954. Sua primeira obra, o Ginásio do Clube Atlético Paulistano, de 1957, nesta cidade, já evidencia a ligação dele e de outros arquitetos de sua geração coma arquitetura moderna capitaneada por Vilanova Artigas em São Paulo. Nos anos de 1960 e 1970, Mendes da Rocha realizou projetos, como o Pavilhão brasileiro da Feira Internacional de Osaka, Japão, em co-autoria com Flávio Motta, Júlio Katinsky e Ruy Ohtake, em 1969, e o Estádio Serra Dourada, em Goiânia (GO), em 1973. Foi neste período que passou a lecionar na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP), onde teve seus direitos políticos cassados pela ditadura militar em 1969, sendo proibido de dar aulas. Retornou à docência em 1980, juntamente com outros professores cassados (entre os quais, Vilanova Artigas), tornando-se professor titular. A partir da década de 1980, Mendes da Rocha assumiu uma posição de destaque na arquitetura brasileira contemporânea, tendo projetado o Museu Brasileiro da Escultura (MUBE), São Paulo (SP), em 1986, a Capela de São Pedro Apóstolo, em 1987, em Campos do Jordão (SP), o Museu de Arte de Campinas (SP), em 1989, a Residência Gerassi, em São Paulo, em 1990, a Reforma da Pinacoteca do Estado de São Paulo, em São Paulo (SP), em 1999, a Reforma do Centro Cultural da FIESP, São Paulo, com a colaboração dos escritórios MMBB e SPBR, em 1998, o Poupatempo de Itaquera, em São Paulo, juntamente com o escritório MMBB, no mesmo ano, a cobertura sobre a Galeria Prestes Maia, na Praça do Patriarca, em São Paulo (SP), em 2002, intervenção e reforma da Estação da Luz, em São Paulo e projeto do Museu da Língua Portuguesa em 2006, as novas instalações do Museu Nacional dos Coches, em Lisboa, Portugal, em 2008. Mendes da Rocha foi agraciado com o Prêmio Mies van der Rohe para a América Latina pelo projeto de reforma da Pinacoteca do Estado de São Paulo, em 2001 e, com o Prêmio Pritzker, o mais importante da arquitetura mundial, em 2006.

OBRA APRESENTADA: 

Museu Nacional dos Coches, Portugal.


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SOLANO BENITEZ

Arquiteto paraguaio, nascido em Assunção, em 1963, é considerado o principal representante da atual arquitetura paraguaia e um dos expoentes da arquitetura latinoamericana. Junto com os sócios Alberto Marinoni, Andrea Zelada e Gloria Cabral mantém o escritório Gabinete de Arquitetura, em Assunção. Além da atividade de projeto, Benitez mantém intensa atividade acadêmica, tendo ensinado em escolas de arquitetura na Argentina, Chile, Equador, Panamá, Peru, Espanha e nos Estados Unidos. Sua proposta foi vencedora do concurso fechado para a construção dos escritórios da Unilever no Paraguai, em 2000. Foi finalista do 2º Prêmio Mies Vander Rohe para a América Latina, em 2001, com o Centro de Lazer em Ytu, Paraguai. Representou o Paraguai nas Bienais de Veneza, de São Paulo e de Lisboa. Todas suas obras estão em território paraguaio, mas sua presença no Brasil é constante, onde tem proferido palestras e publicado suas obras. Seu reconhecimento internacional veio depois que recebeu o prêmio BSI Swiss Architectural Award em 2008, superando o trabalho de 29 concorrentes selecionados por um comitê formado por consultores internacionais, dentre os quais estava o brasileiro Paulo Mendes da Rocha. A seu respeito, Maria Botta presidente do júri, afirmou que: "A pesquisa arquitetônica de Solano, feita em contexto político-econômico conturbado, com problemas logísticos e longe do acesso às facilidades da pré-fabricação, é de qualidade marcante. As formas expressivas são alcançadas com aplicação de materiais simples e localmente encontrados, produzindo obras de grande impacto e poder poético".

OBRAS APRESENTADAS: 

Atelier Benitez

Centro de Lazer de Itu

Mausoléu Patrono

Unilever Paraguai


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JOSEPH RYKWERT Polonês de Varsóvia, cidade onde nasceu em 1926, Rykwert estudou a arquitetura na Bartlett School e na Architectural Association School of Architecture. Foi professor do Royal College of Art de Londres, onde obteve o título de doutor em 1970, e das universidades de Essex e Cambridge. Escreveu para revistas especializadas de arquitetura (Forum, Domus etc.) e ministrou cursos em vários países. Estabelecido nos Estados Unidos desde 1988, Rykwert é um dos mais reconhecidos historiadores de arquitetura, tendo escrito vários livros, já traduzidos para o português e lançados no Brasil: A casa de Adão no Paraíso (On Adam's House in Paradise, 1981), A idéia de cidade (The Idea of a Town, 1988) e A sedução do lugar (The Seduction of Place, 2004). É membro da Société Internationale Leon Battista Alberti, integrando o conselho editorial da revista Albertiana. É dele a tradução para o inglês, em parceria com Neil Leach e Robert Tavernor, da obra De re aedificatoria libri decem (On The Art Of Building In Ten Books, 1988), de Alberti, escrita em 1452. Desde 1988 ensina teoria e história da arquitetura na Universidade da Pennsylvania. Rykwert estará no Brasil outra vez para o 19º Congresso Brasileiro de Arquitetos, oportunidade em que irá tratar de questões ligadas aos diversos temas que ele desenvolveu como autor e professor, desde cabanas primitivas, das colunas dóricas, das cidades antigas e contemporâneas.

APRESENTAÇÃO DE SUA TEORIA E CRÍTICA CONTEMPORÂNEA


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BERNARDO SECCHI Bernardo Secchi graduou-se engenheiro em 1959 pelo Politécnico de Milão, onde foi aluno do prof. Giovanni Muzio, tornando-se assistente deste no ano seguinte. Em 1966 ele começou a lecionar urbanismo na Faculdade de Economia de Ancona. Entre 1974 e 1984, ensinou na Faculdade de Arquitetura de Milão, onde foi Diretor entre 1976 e 1982. Desde 1984, é professor do Instituto Universitário de Arquitetura de Veneza (IUAV). Desde 1986, ele também tem ensinado na École d'Architecture de Genève. Bernardo Secchi detém uma enorme experiência profissional em urbanismo. Nos anos 60, foi nomeado chefe do escritório técnico do Plano Metropolitano de Milão e trabalhou com o prof. Giuseppe Samona no projeto de consultoria para o plano da Província de Trento e do plano de Valle d'Aosta. Esteve envolvido na elaboração do plano da nova cidade de Jesi (1984-1987), e nos planos para os centros históricos de Siena (1986-1990), Abano (1991-1992) e Ascoli Piceno (1989-1993). Ele trabalha com Paola Viganò desde 1990, produzindo a versão preliminar do plano territorial de La Spezia e Val di Magra (1989-1993) e para a província de Pescara, o novo plano de Bergamo (1994), Prato (1996), Brescia, Pesaro, Narni e para a região de Salento no sul da Itália. Ele tem trabalhado em diversas cidades européias, ganhando concursos como o do plano de Hoog Kortrijk, o projeto dos espaços públicos ao longo do rio Dijle em Mechelen e o novo desenho de Hoge Rielen, todos na Bélgica. Como consultor de planejamento, ganhou a competição Ecopolis para o projeto de uma nova cidade na Ucrânia , o concurso Roma città del Tevere" (1993), a concorrência para o planejamento da zona do aeroporto (Rectangle d'Or) (1996) e da área industrial de Sécheron (1989), ambos em Genebra (1989). Desde 1996 é consultor para a o planejamento público das áreas portuárias de Marselha e de Genova. Desde 1982 vem trabalhando continuamente com a revista Casabella e de 1984 a 1990 ele dirigiu a revista Urbanistica. Ele participou de numerosos júris para concursos de arquitetura e urbanismo. É autor de vários livros, entre eles, lançados em português, cabe citar A Cidade do Século Vinte (2005) e Primeira Lição de Urbanismo (2000). Outras publicações de sua autoria foram: Tre piani(1994), Un progetto per l'urbanistica (1989), Il racconto urbanistico (1984), Squilibri territoriali e sviluppo economico (1974), Analisi economica dei problemi territoriali (1965) e Analisi delle strutture territoriali (1965). APRESENTAÇÃO DE SUA TEORIA CRÍTICA CONTEMPORÂNEA


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ALEJANDRO ZAERA – POLO Arquiteto espanhol, formado pela Escola Técnica Superior de Arquitetura de Madrid, cidade onde nasceu em 1963. Realizou Mestrado em Arquitetura na Graduate School of Design da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Colaborou com Rem Koolhaas na OMA em Rotterdam entre 1991 e 1993. Em 1993 fundou com Farshid Moussavi o escritório Foreign Office Architects – FOA, localizado em Londres. O trabalho do FOA se caracteriza pela proposta de integração entre arquitetura, urbanismo, arquitetura e paisagem, ao mesmo tempo que desenvolve experimentos com técnicas construtivas contemporâneas. O escritório tem recebido reconhecimento internacional em forma de prêmios pelos projetos que desenvolveu para o setor público e privado, como o prêmio Enric Miralles (2003); o prêmio Kanagawa, no Japão (2003); três prêmios internacionais RIBA (2004, 2005 e 2006); o prêmio especial Topography na 9ª Bienal Internacional de Arquitetura de Veneza (2004); o prêmio Charles Jencks (2005) e o título de Arquiteto do Ano concedido pela revista Architectural Digest em Madrid. O FOA representou a Inglaterra com uma exibição individual na 8ª Bienal Internacional de Arquitetura de Veneza (2002), também exposta no Museu de Arte Moderna de Nova York. Em 2002, realizou o projeto do terminal portuário de Yokohama, no Japão, que deu grande visibilidade ao escritório. O trabalho Zaera-Polo tem mesclado a prática da arquitetura com a prática teórica, proporcionando um forte rigor intelectual do discurso sobre a arquitetura através de uma capacidade aguçada para identificar e extrapolar conceitos sociais e políticos. Em paralelo às suas atividades profissionais, tem desenvolvido atividades acadêmicas e publicado em revistas de todo o mundo, incluindo El Croquis, Quaderns, A + U, + Arch, Harvard Design Magazine, Volume e Log. Os artigos de Zaera Polo também podem ser encontrados no livro The Endless City (2008), nas publicações do escritório FOA e nos catálogos das exposições que participa.

APRESENTAÇÃO DE SUAS OBRAS.


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YUNG HO CHANG Nascido em Pequim em 1956, Yung Ho Chang é certamente o arquiteto chinês mais conhecido na atualidade. Após passar 15 anos nos Estados Unidos, onde graduou-se em design ambiental e em arquitetura pela Universidade da Califórnia, Berkeley, e ensinou em diversas faculdades americanas, Chang retornou à China em 1993, para estabelecer o primeiro escritório de arquitetura privado no país, o Atelier Feichang Jianzhu (FCJZ). Chang foi agraciado com numerosos prêmios, dentre eles a primeira colocação no Shinkenchiku Residential Design Competition, em 1987, o Progressive Architecture Citation Award, em 1996, o da Promoção das Artes da Unesco, em 2000 e recentemente o primeiro prêmio no concurso para o projeto do Shenzen Media Group, na China. Sobre o seu trabalho foi publicado o livro em inglês Ho Yung Chang / Atelier Feichang Jianzhu (Editora DAP-DISTRIBUTED ART, 2003). Em 2002-2003 ocupou a cátedra de Renzo Piano na Escola de Design da Universidade de Harvard. Atualmente, é o Chefe do Departamento de Arquitetura doMassachusetts Institute of Technology - MIT. Dotado tanto de sensibilidade local quanto de consciência global, o Atelier FCJZ está preocupado com a ecologia, reutilização e continuidade histórica influenciadas pelas condições contemporâneas. Os projetos do Atelier FCJZ vão desde residências a grandes e pequenos museus, edifícios governamentais, planejamento urbano e instalações na Bienal de Veneza (Itália) e no Centro Pompidou em Paris (França), bem experiências como mobiliário e design gráfico. Em 1999, ele montou o Centro de Graduação em Arquitetura na Universidade de Pequim, que dirige desde então. Ele também dá palestras em algumas escolas americanas e viaja com freqüência pela Ásia, Europa e América do Norte.

APRESENTAÇÃO DE SUAS OBRAS.


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OLE BOUMAN Arquiteto, nascido em 1960. Em 2007 tornou-se diretor do Nederlands Architectuurinstituut, em inglês, Netherlands Architecture Institute (NAi), como é mais conhecido o maior instituto de arquitetos do mundo. Em 2005, foi o editor-chefe da revista Volume, uma publicação criada por ele, Rem Koolhaas e Mark Wigley. O conteúdo independente da revista ampliou os limites da arquitetura em favor de um novo papel social. Volume é um projeto da Archis Foundation, da AMO (a ONG ligada ao Office for Metropolitan Architecture – OMA) e da Faculdade de Arquitetura, Planejamento e Preservação da Universidade de Columbia. Bouman foi diretor da Archis Foundation, publicou, foi consultor e atuou junto a ONGs, estabelecendo conexões entre as comunidades de design locais que necessitavam de especialização e a rede de conhecimento global da Archis. É co-autor do manifesto enciclopédico The Invisible in Architecture (O invisível na arquitetura), de 1994, e autor de De Strijd om Tijd (A batalha pelo tempo), de 2003. Editor do livro e curador da exposição itinerante Architecture of consequence – Dutch Designs on the future(2009). Ele foi um dos curadores da Manifesta 3 (2000) e da série de eventos Archis RSVP. Foi professor, deu palestras em escolas de vários lugares do mundo e atualmente ensina no MIT, em Cambridge, Massachusetts.

APRESENTAÇÃO DE UM PAINEL ARQUITETÔNICO ENTRE BRASIL X HOLANDA.


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WILLIAMS & TSIEN Todd Williams nasceu em Dretroit, Michigan, nos Estados Unidos. Ele graduou-se e recebeu o título de mestre em Artes e Arquitetura em Princetown. Por trinta anos ele dirigiu seu próprio escritório. Williams lecionou como visitante em diversas escolas de arquitetura do mundo. Ensinou na Cooper Union entre 1974 e 1989. Em 1995 Williams ocupou a cátedra de Ruth Carter Stevenson na Universidade do Texas, em Austin. Em 2002 ocupou a cátedra de Eliel Saarinen na Universidade de Michigan e em 2004 a cátedra de Thomas Jefferson na Universidade da Virgínia. Em 1982 ele recebeu o título de Advanced Fellowship da Academia Americana de Roma e foi admitido como membro do Instituto Americano de Arquitetos. Billie Tsien graduou-se em Artes em Yale em 1971 e tornou-se mestre em arquitetura na UCLA em 1977. Ela ensinou em Parsons, Yale, Harvard, GSD, Universidade de Texas, em Autisn, e na Universidade da Pennsylvania. Ela divide com Todd Williams a cátedra de Louis I. Kahn da Universidade de Yale. Seus outros projetos inclui residências na cidade de Nova York, Southampton e Phoenix, o dormitório de Hereford College, o refeitório da Universidade de Virgínia, duas grandes ampliações do Museu de Arte de Phoenix e o Centro de Arte Mattin da Universidade Johns Hopkins. Billie Tsien tem particular interesse por projetos que unem arte e arquitetura. Ela faz parte do conselho consultivo do prêmio Wexner. Ela faz parte da comissão do Public Art Found, da Architectural Leage e da Academia Americana de Roma. Ela foi residente na academia em 1999. Ela e Williams receberam o prêmio Brunner da Academia Americana de Artes e Letras, a medalha de honra do departamento da Cidade de Nova York do Instituto Americano de Arquitetos (AIA) e o prêmio Chrysler de Design Inovador, o prêmio Nacional de Design Cooper Hewitt em Arquitetura e a Medalha de Presidente da Architectural Leage. Todd Williams e Billie Tsien trabalham juntos desde 1977 e tornaram-se sócios em 1986. O trabalho do escritório tem sido publicado nos Estados Unidos e em outros países. A editora Monacelli Press publicou o livro monográfico intitulado Work/Life em 2000. A dupla recebeu vários prêmios pela obra. A piscina da escola Cranbrook, a residência Rifking, o Instituto de Neurociências em La Jolla, Califórnia, e dois projetos de arquitetura de interiores receberam o Prêmio Nacional do Instituto Americano de Arquitetos (AIA). Em dezembro de 2001 o escritório concluiu o American Folk Art Museum, o primeiro museu construído em Nova York no intervalo das últimas três décadas. O museu foi saudado pela revista Newsweek por ter acrescentado à cidade de Nova York ―um belo local onde ficar‖. Em 2002 o museu recebeu o prêmio de melhor edifício da Arup World Architecture. O trabalho do escritório recebeu repetidas vezes o reconhecimento do Instituto Americano de Arquitetos (AIA), que em 1988 lhes concedeu o Prêmio Nacional pelo dormitório da Universidade de Princetown. Em 1989 receberam o prêmio pela ampliação da piscina coberta de Spiegel e em 1992 por dois projetos na cidade de Nova York: o loft Quandt e o showroom da marca Go Silk. Em 1997 o escritório recebeu o prêmio nacional pelo projeto para o Instituto de Neurociências e em 2001


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receberam mais dois pela piscina da escola Cranbrook e por uma residência em Long Island. APRESENTAÇÃO DE SUAS OBRAS.


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ARQUITETURA COMO FATO CULTURAL Coordenadores: Roberto Ghione e Ana Lúcia Reis

A arquitetura, na sua condição de permanência e transcendência, constitui uma das marcas mais genuínas da genialidade humana. A cidade, conjunção de todas as arquiteturas, é a obra cultural por excelência. Sua produção na contemporaneidade está sujeita a uma serie de condicionantes que definem o atual momento de transição, entre os quais se destacam: os novos paradigmas surgidos após a crise do modelo do modernismo; a condição periférica da realidade latino-americana; o acelerado crescimento das cidades; a uniformização cultural que impõe a globalização; a generalização e abstração do planejamento urbano; a crise do modelo de desenvolvimento que provocou a maior expansão demográfica, urbana e econômica da historia e, ao mesmo tempo, um grande desequilíbrio ambiental; a arquiteturanegócio, que substitui manifestações culturais por objetos de consumo; e o domínio da cultura das aparências, que relegam a um segundo plano o pensamento e a reflexão disciplinar. A atual situação impõe desafios que passam por superar o caráter periférico da nossa realidade. Como considerar as condições culturais para realizar uma arquitetura com sentido de transcendência e significado cultural? Como definir modelos de cidade válidos e coerentes? Como valorizar as particularidades culturais para integrá-las no contexto de oportunidades de divulgação e conhecimento que oferece a globalização? Como arquiteturas autóctones estão sendo incorporadas na prática contemporânea? Se as imagens substituem os conceitos e a informação substitui o conhecimento, como promover uma produção arquitetônica assentada na reflexão disciplinar?


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ARQUITETURA COMO FATO CULTURAL Roberto Ghione (ARG) Arquitetura são as marcas traçadas pelo homem nas paisagens urbana e rural, marcas que tendem a permanecer gravadas por tempos relativamente longos. Uma das características da arquitetura é sua condição de permanência: os edifícios são projetados para permanecer no tempo e no espaço. Outra é a sua condição de transcendência: quando um edifício assume os valores culturais de uma sociedade ou os desafia para elevá-los até um novo patamar de valoração, a própria sociedade acaba adotando esse edifício e incorporando-o ao seu acervo cultural. O edifício passa a constituir o patrimônio arquitetônico, circunstância que marca a consagração da arquitetura e do arquiteto. Esta situação determina o conceito de patrimônio não só como herança, mas também como legado: quando se pensa um projeto como fato cultural, está se fazendo uma oferta ao acervo cultural social. Neste ponto, as noções de arquitetura e de patrimônio unificam-se na sua definição. A arquitetura, na sua condição de permanência e de transcendência, constitui a testemunha mais genuína da cultura de uma sociedade. Ao se considerar a arquitetura, considera-se a cidade, conjunção organizada de todas as arquiteturas: a cidade é a obra cultural por excelência. O homem, habitando em sociedade, manifesta suas grandezas e misérias na construção do espaço urbano. O arquiteto atua como agente de cultura, incorporando novas peças à complexa trama de objetos que a compõem. Produzir arquitetura como fato cultural numa época de transição implica analisar as causas que a determinam, marcada por condicionantes que hoje assumem uma especial complexidade. A circunstância contemporânea oferece uma série de fatores que merecem consideração para interpretar o significado de produzir arquitetura no nosso contexto, que podem ser caracterizados da seguinte forma: 1- NOVOS PARADIGMAS, surgidos após a crise do modelo de referência da modernidade. A circunstância contemporânea oferece uma diversidade de correntes e pensamentos referidos à arquitetura e cidade, de caráter mais crítico do que propositivo. Aquele momento de transformações e proposições foi trocado por dúvidas e incertezas após a explosão demográfica universal, a enorme produção de construções de duvidoso valor arquitetônico e a crise ecológica e ambiental que hoje ocupa o centro do debate internacional. 2- CONDIÇÃO DE PERIFERIA, expressada na consciência de arquitetos latinoamericanos, que persistem em copiar modelos europeus e americanos sem perceber as peculiaridades e riquezas do nosso contexto. Superar a consciência de periferia é um ponto de partida substancial para a produção de arquitetura com sentido de transcendência e significado cultural. 3- ACELERADA VELOCIDADE DOS ACONTECIMENTOS, resultado da impressionante evolução científica e tecnológica dos nossos dias. A arquitetura deve assumir transformações como nunca aconteceram na história da humanidade, afetando seus processos de assimilação de conhecimentos e técnicas de produção. Esses processos não conseguem atingir um adequado período de decantação, ficando como experiências mais ou menos sucedidas que afetam o desenvolvimento das cidades e a ocupação dos territórios. 4- RETRAÇÃO DISCIPLINAR a partir da crise do Movimento Moderno. A disciplina perdeu seu caráter transformador. Decisões que estavam no campo da arquitetura cederam terreno a outras especialidades que determinam condições da habitação e


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desenvolvimento urbano. Determinadas temáticas, como a habitação de interesse social ou a grande produção de arquitetura para o mercado imobiliário, são hoje consideradas uma subcategoria, sujeitas aos "padrões do mercado" e alheias ao caráter de transcendência e significado cultural, embora constituam o maior volume construído e as que definem a imagem das cidades. 5- CIDADES FRAGMENTADAS E EXCLUDENTES, fruto da sociedade neoliberal que segrega grupos sociais e promove condutas individualistas. O uso do espaço público limita-se ao trânsito entre unidades autônomas e as diferenças sociais tornam-se evidentes e perigosas. A apropriação dos espaços de convivência nas cidades tende a desaparecer e os centros históricos, onde a estrutura urbana favorece esses encontros, transformam-se em objetos de consumo para turistas. 6- O PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO, fenômeno do nosso tempo, possui dois aspectos que influenciam a produção de arquitetura como fato cultural: uma tendência a universalizar e uniformar culturas e processos de produção e de conhecimento; outra tendência orientada às possibilidades de remarcar e valorizar as diversidades sociais, culturais e geográficas num contexto igualitário de oportunidades de divulgação. Nesta situação, a consciência disciplinar flutua entre a alienação e assimilação de critérios de homologação e os desafios de pesquisar e se aprofundar nas características que marcam as particularidades culturais de cada lugar para integrá-las numa universalidade de meios de difusão e conhecimento. 7- O AQUECIMENTO GLOBAL, consequência do modelo de desenvolvimento baseado na insustentabilidade e no consumo ilimitado dos recursos naturais, provoca resultados tão graves que o debate contemporâneo está sendo orientado, em caráter de emergência, para novos modelos de cidades que considerem a sustentabilidade em relação aos seus assentamentos e para uma arquitetura que incorpore as condições naturais de habitabilidade, voltando a critérios de projetação ligados às condicionantes climáticas, dos que foi afastada na confiança ilimitada nos meios de conforto artificial. 8- A DIALÉTICA ENTRE ARQUITETURA - CULTURA E ARQUITETURA - NEGÓCIO, resultado do modelo de desenvolvimento baseado na economia de mercado, de base capitalista e objetivo consumista, tem relegado a arquitetura, assim como as demais expressões artísticas, da condição de produção cultural e transformando-a em objetos de consumo. 9- CONFLITO ENTRE ESSÊNCIAS E APARÊNCIAS, resultado do divórcio entre a reflexão acerca da forma conceitual, suporte para uma arquitetura de proposição, e o predomínio das imagens carentes de sustento, produto da alienação cultural refletida na imagem da cidade. Os temas sugeridos abrem o debate para os critérios de produção de arquitetura e a definição de conceitos de desenvolvimento urbano baseados em princípios que promovam a valorização cultural e a dignificação das condições de habitabilidade dentro das possibilidades e disponibilidades do nosso contexto social, cultural e urbano. Palavras-chave: arquitetura, cultural.


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ARQUITETURA E CULTURA Roberto Montezuma (PE) No final dos anos 90, quando se preparavam as comemorações do quinto centenário do descobrimento do Brasil, que ocorreu em 2000, formou-se uma comissão, na UFPE, que elaborou um projeto em alusão à data, composta por oito departamentos da Universidade, dentre os quais o Departamento de Arquitetura e Urbanismo – DAU, que apresentou o Projeto Brasil 500 Anos de Arquitetura. Este Projeto foi, em seguida, encaminhado pela Coordenação de Projetos Especiais da UFPE à Comissão Nacional Para as Comemorações dos 500 Anos do Descobrimento do Brasil, em Brasília, tendo o mesmo sido aprovado pela Comissão Nacional e inscrito no Ministério da Cultura para usufruir dos benefícios da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet) na captação de recursos para a produção de uma obra em dois volumes e uma exposição itinerante. Embora tenha o Projeto Brasil 500 Anos de Arquitetura sido incorporado à programação nacional para as Comemorações do V Centenário do Descobrimento do Brasil, somente em 2002, quase dois anos depois da data comemorativa, o Volume 1, com o subtítulo uma invenção recíproca, veio a lume, a exposição não foi realizada e o Volume 2, com o subtítulo o espaço integrador só foi lançado em 2008. Os recursos que possibilitaram o desenvolvimento do trabalho foram do tipo ―patrocínio direto‖, que independem dos incentivos da tão propalada Lei Rouanet. Ao incluir um estudo como este, de caráter retrospectivo e prospectivo sobre a arquitetura brasileira entre os projetos da pauta de eventos comemorativos, nossa intenção era menos comemorar uma data e mais resgatar a história das obras de arquitetura no Brasil, contribuindo para que a arte e a cultura se fizessem presente com destaque merecido. O embaraço no cronograma não acarretou qualquer prejuízo à concepção original da obra. O Volume 1, e o Volume 2, lançado seis anos depois, revelam o alto nível de investigação e criatividade conseguido por um projeto que, muitas vezes foi visto com descrença, mas a perseverança da equipe permitiu que ele fosse concluído com alta qualidade na forma e no conteúdo, tendo se tornado, sem dúvida, um marco na historiografia da arquitetura brasileira. Havia, até então, uma enorme lacuna na historiografia das obras de arquitetura no Brasil pela falta de uma obra que fizesse um levantamento panorâmico que abrangesse a maior diversidade possível de nossa produção arquitetônica. Na trilha dos grandes estudos que os 500 anos ensejaram propusemos também um estudo sobre a nossa arquitetura. A obra foi dividida em 9 módulos de pesquisa e cada módulo foi entregue a um pesquisador que desenvolveu o trabalho em parceria com a Coordenação de Pesquisa do Projeto. Cada módulo de pesquisa deu origem a um capítulo, que foram organizados da seguinte maneira: Volume 1 – a invenção recíproca. Quatro capítulos: Indígena, Linguagem Clássica, Moderna, Brasília. Volume 2 – o espaço integrador. Cinco capítulos: Popular, Décadas de 60-70, Década de 80, Década de 90, Desenhando o Futuro. O Volume 1 está esgotado e o Volume 2 ainda está à venda.


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ARQUITETURA, CULTURA E CIDADE: ASPECTOS DE UMA REALIDADE COETÂNEA Manoel Rodrigues Alves (SP) A cidade e suas novas manifestações, suas espacialidades distintas ou seus padrões diferenciados de expansão territorial, oferecem um conjunto de fragmentações reais e aparentes, crescimentos não harmônicos, deslocamentos e desdobramentos de centralidades, entre outros elementos ainda pouco conhecidos e explicados. Essas manifestações fazem pensar, em um extremo, no fim da cidade planificável – seja em suas atribuições de civilidade, sociabilidade, governabilidade e gestão – e, em outro, no restabelecimento das sinergias necessárias aos estados híbridos de situações urbanas hoje detetáveis, em uma cidade emergente e difusa entremeada em textualidades inéditas, que requerem outras leituras e resignificações. A transformação da relação público/privado e a promoção da segregação espacial e social em um espaço privatizado fragmentário, fazendo com que a noção de cidade enquanto bem público, lugar do convívio e do conflito, seja hoje questionada por uma outra idéia de urbanidade. As tipologias urbanas, os padrões de comportamento social, as normas e práticas de planejamento, assim como as propostas de distinção territorial entre o público e o privado não são mais suficientes para responder adequadamente aos eventos de uma cidade que migra de paradigmas instabilizados para territorialidades difusas e indeterminadas. Nessa cidade, na qual as territorialidades urbanas contemporâneas nos desafiam nas tensões entre domínios, legalidades, usos e práticas urbanas, ao mesmo tempo em que aportam novos questionamentos na relação entre morfologias urbanas, tecidos sociais e construções conceituais para além dos modelos e conceitos instituídos, constata-se a necessidade de investigação de formas de urbanidade, suas complexidades sócio-culturais e a constituição de lugares urbanos, uma vez que, correlacionando aspectos físicos, ambientais, sociais e públicos na análise de questões da paisagem, sua morfologia e seus processos de conformação, essas transformações enfraquecem a identidade urbana e secundarizam a dialética tecido urbano / tecido social. Com seus próprios códigos de ética e comportamento funcional, condicionam uma ampla série de atividades que integram o tecido urbano da vida coletiva contemporânea no desenho de uma cidade de fragmentos urbanos dissociados: ‗espaços do consumo‘ resultantes de processos de urbanização determinados pela lógica do terciário, ditos de renovação urbana. Na pós-cidade da superabundância observa-se a transformação da paisagem urbana em mercadoria que passa a legitimar um novo sentido de urbanidade que, sob o impacto de políticas neo-liberais e de modelos internacionais de propostas urbanas do ambiente urbano global, por um lado, promove o esvaziamento da esfera pública urbana e, por outro, responde mais a setores do mercado, modismos de formalismos e experimentações estilísticas e códigos da mídia que à complexa articulação dos usos cotidianos da vida urbana. No âmbito da cultura do global, com estratégica absorção das textualidades da cultura do localismo, um urbanismo de processos de especialização econômica e funcional, de segregação morfológica dos ambientes urbanos e de tematização da paisagem não apenas problematiza uma urbanidade sem referências e sem identidade, mas também contrapontos, resistências e conflitos no contexto das cidades ibero-americanas e brasileiras. Nesse cenário, conflitando com as condições sociais que contribuiu para produzir e reproduzir, a produção do espaço urbano contemporâneo responde mais à necessidade de manter vivo o circuito de produção, circulação e consumo de mercadorias num mundo altamente mercantilizado, do que primordialmente responder às necessidades humanas no tempo, no espaço e no cotidiano1-.Nele, espaços tipológicos tradicionais como ruas são objetualizados e tematicamente encontram-se reduzidos a um conjunto de funções urbanas de um espaço controlado - pseudo


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espaços públicos repletos de sinais visíveis e invisíveis de privatização, a contraface do esvaziamento da vida pública. Nessa cidade é crescentemente perceptível uma espacialidade do ócio e do consumo caracterizada por modelos e padrões similares de produção de um meio urbano para ser visitado intensivamente,em tempo parcial, produtor de paisagens aterritoriais caracterizadas pela espacialização econômica e funcional do território que não guardam relação com a geografia cultural local. Não é mera coincidência, portanto, pensarmos que a produção da cultura contemporânea, ligada ao sistema de produção e consumo de mercadorias, se relaciona à produção de um espaço e de uma paisagem saturados de imagens. As questões relativas a esse contraponto, entre a cidade como objeto de consumo e a cidade como construção cultural, além das dimensões relativas a uma história e a um conjunto de práticas diversas que se inscrevem em seu território e em seu espaço, compreendem também permanências e modulações. Mas a questão que se coloca hoje é distinta: como relatar genealogicamente a passagem de uma forma de cidade a outra?: de cidade a metrópole, da pós-cidade ao resort, da distinçao entre cidade, urbano e aglomerações humanas2. Nesse contexto, a cidade contemporânea encontra nos fenômenos de estetização e espetacularização um mecanismo poderoso de controle simbólico da produção e da ocupação de sua paisagem e de sua espacialidade. Aventurar-se pelo urbano hoje implica, por um lado, experimentar as várias faces da transformação da noção tradicional de cidade, como entidade e imagem unificada, em um conjunto de situações espaciais e sociais conflitivas e aparentemente desconexas e, por outro, compreender até que ponto a cidade do espetáculo é a cidade transformada, no extremo, em mercadoria onde o capital cultural tem um papel importante na definição de suas transformações físicas e, conseqüentemente, sociais. Na transformação das práticas urbanísticas, o planejamento funcionalista e totalizante deu lugar a práticas isoladas de modernização urbana voltada quase sempre ao desenvolvimento de mercados locais conectados, de forma mais ou menos precária, a internacionalização e a terceirização da economia mundial. Conduzindo a distintas estruturas urbanas de segregação social, essas estratégias promovem uma profunda reorganização funcional, cultural e espacial do espaço urbano. Esse fenômeno representa uma radicalização do processo que transforma a paisagem arquitetônica como mercadoria, representando, para Foster, a alteração do espaço conforme a imagem da commodity; não só marca e commodity aparecem unificados, mas freqüentemente o fazem commodity e espaço3. A cidade como espetáculo é o lugar e o modo de recepção das relações sociais estetizadas da cultura contemporânea. Nela a urbanística reduziu-se à produção / (re) produção de uma imagem globalizada e homogênea. Este trabalho contextualiza o aprofundamento destas reflexões no contexto e cenário de intervenções urbanísticas desenvolvidas no Brasil. Palavras-chave: arquitetura e cidade, cidade coetânea, espacialidade urbana 1 Como argumenta Jameson, a nova ordem econômica, social, política e cultural cria um novo tipo de superficialidade baseada no pastiche (jogos descontextualizados de imagens, presos à reprodução de temas e modelos do passado e de outros lugares, numa simulação contínua de diferentes formas, imagens e estilos) e na esquizofrenia (que impede a associação direta entre os sentidos do passado, de presente e de futuro, representando uma sociedade de imagens deshistoricizadas) como sua representação espaço-temporal. [Jameson, F., 1991]. Essa é para Jameson a solução que o capitalismo avançado encontrou para legitimar o processo de privatização da vida social. 2 Edward Soja identifica 438 urbicuidades concretas, nas quais, segundo ele, viverá a maior parte da população mundial até o final deste século. 3 [Foster, T., 2002:23]


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ÁGUA Guillaume Sibaud (FRA) A água vem sendo para a Triptyque o tema de uma longa e árdua pesquisa; devido a proximidade com o ambiente tropical o escritório atingiu uma nova sensibilidade e perspectiva, agora toda essa experiência e conhecimento são apresentados nos projetos da Harmonia_57 em São Paulo e na midiateca de Osny na França. O projeto da Midiateca da cidade de Osny realizado pelo escritório de arquitetura Triptyque acabou de receber a aprovação da prefeitura para a construção do edifício na França. Situada próxima ao Chateau de Grouchy, castelo do século XVIII, o imóvel tem previsão de entrega para 2012. O projeto da Midiateca foi desenvolvida conforme as aspirações da prefeitura de um prédio sustentável que pudesse ser climatizado pela pura ação dos elementos da natureza, dessa maneira, os arquitetos da Triptyque desenvolveram esse sistema hídrico que aproveita a água proveniente do solo e os instrumentos da geotermia para fornecer o potencial necessário para a climatização total do modelo. O conceito inovador do projeto é a escolha por uma circulação da água climatizada e reciclada, utilizada na cobertura, cortinas e espelhos d´água. Esse conceito, segundo a estação do ano, resfria ou aquece o edifício. Esta solução é projetada a partir de sistemas construtivos e técnicas extremamente simples e que necessitam de baixo investimento financeiro, tanto do ponto de vista da execução quanto de manutenção. O edifício é projetado como um grande salão, à partir de uma estrutura simples com pilares e laje contínua, sem intervenção de vigas aparentes. Este partido técnico privilegia uma fluidez espacial e uma evolução dos espaços internos a fim de permitir à midiateca possíveis adaptações futuras (mudanças de suporte de midia, evolução programética,...). O prédio é desenhado como uma continuação do espaço público, buscando o máximo de transparência, sendo aberto para todos e com fácil acessibilidade. A Harmonia_57 segue o mesmo conceito da midiateca, como um edifício vivo, respira, transpira e muda com o tempo, se recuperando e se transformando. A intenção é formar uma camada de musgo que cubra todas as paredes externas, dando ao edifício esse aspecto único. Seu propósito é trazer à vida as diferentes fases de sua evolução, sobre a influência dinâmica de acontecimentos naturais e artificiais interconectados, como a chuva, o crescimento da vegetação, o bombeamento de água e a irrigação. Esse projeto privilegia o sistema de água pelos seus elementos de baixa tecnologia como canos, tanques de água, borrifadores e outros, que são o entablamento do edifício, oferecendo diferentes elementos para suas extremidades, alguns formando proteções para suas varandas. A água também é a característica principal nesse projeto, onde a chuva e os canais fluviais são drenados, tratados e reutilizados, criando um complexo ecossistema. O núcleo do projeto Harmonia_57 é exposto em sua fachada. A irrigação que serve todo o prédio, juntos com os canos e com o sistema de tratamento de água, abrangem as paredes exteriores como veias e artérias de um corpo, como se a construção tivesse sido desenhada do avesso. Isso contrasta com a parte interior que oferece um aspecto limpo e minimalista. Dois grandes blocos cheios de vegetação são interconectados por uma ponte metálica com terraços de concreto e janelas de vidro com trilhos. Com a intenção de criar um diálogo entre a rua e o edifício, os terraços são divididos em cada andar, dando vida a um jogo visual analítico entre os dois volumes. O bloco frontal é completamente suspenso e flutua em cima de pilares, enquanto o bloco do fundo é solidamente fixado no chão, complementado por um volume em forma de casa de pássaros no topo.


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Esse projeto, organizado em torno de uma trama, funciona com bases neutras e primitivas, perfurada por poros que servem de casa para diversos tipos de plantas. A estética da fachada é envolvente e heterogênea e com o tempo vai assumir diferentes formas e cores. Contrastando com a vegetação irregular no exterior, os espaços internos do edifício têm suavidade e superfícies monocromáticas, com decks e pátios, interrompidos por lábios salientes de concreto que emolduram o horizonte do bairro da Vila Madalena em São Paulo. Palavras chave: Água, sustentabilidade, tecnologia


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A CONSTRUÇÃO DO LUGAR NA ARQUITETURA CONTEMPORÂNEA: O EDIFÍCIO DA FUNDAÇÃO IBERÊ CAMARGO Lívia Morais Nóbrega (PE) Fernando Diniz Moreira (PE) O acelerado desenvolvimento urbano e a rápida transformação da cultura em artefatos de consumo em massa, que caracterizam a complexa configuração das cidades atuais, são alguns dos fatores que têm repercutido significativa e, muitas vezes, negativamente, no fazer arquitetônico moderno e contemporâneo. Conseqüências de um fenômeno de universalização, a propagação de padrões construtivos, formas e imagens, de maneira dissociada da ambiência da cidade em questão, têm gerado um crescente distanciamento das relações entre arquitetura e lugar. O objeto arquitetônico muitas vezes é concebido de modo desconexo ao seu contexto, desconsiderando as pré-existências do sítio e as relações que poderia estabelecer com o lugar, postura que pode ser entendida como um reflexo das práticas projetuais e construtivas que vem se consolidando na modernidade e contemporaneidade. Tendo em mente que a arquitetura opera, física e fenomenologicamente, para a construção de um lugar, este artigo busca reavaliar como ocorrem estas relações em meio ao caráter universal que permeia a disciplina da arquitetura na atualidade. O edifício da Fundação Iberê Camargo (FIC), concluído em maio 2008 na cidade de Porto Alegre e primeiro projeto do arquiteto português Álvaro Siza no Brasil, será o enfoque deste artigo, estudado no âmbito das relações entre arquitetura e lugar, devido à percepção da sua significativa contribuição neste sentido. De modo atento ao potencial analítico do conjunto da obra de Siza, em especial da nova sede da FIC, busca-se compreender como este edifício opera para a construção de um lugar e que apontamentos podem ser extraídos que possam representar alternativas diante da universalização na arquitetura. Desde já, vale ressaltar que o termo construção do lugar está associado à (re) construção do sítio, no seu sentido físico, mas também à (re) construção do espaço da cidade e seus complexos fenômenos contemporâneos. Cabe introduzir que o conceito de lugar adotado toma como referência aquele apresentado por Christian Norberg-Schulz (em seu artigo ―The Phenomenon of Place‖ (1976), onde ele afirma que lugar é um fenômeno qualitativo total, porque este não pode ser reduzido a nenhuma de suas propriedades, como forma, cor, textura e matéria, pois é esse conjunto de coisas concretas que conferem qualidade ambiental ou caráter peculiar a um espaço. Na arquitetura, até então, o lugar vinha sendo entendido por meio de conceitos analíticos e científicos, que costumam considerar apenas aspectos quantitativos e funcionais. Norberg-Schulz então propõe uma fenomenologia da arquitetura, que busca um ―retorno às coisas‖ em oposição a estas construções e abstrações mentais. Para compreender de que forma ocorrem as relações entre arquitetura e lugar no edifício da Fundação Iberê Camargo, três temas foram utilizados como eixos de análise para o estudo do exemplo selecionado, Contexto, Topografia e Tectônica, temas identificados nas estratégias projetuais desenvolvidas pelo arquiteto ao conceber um projeto. O Contexto, neste caso, diz respeito à percepção do que é latente, à consideração das circunstâncias do sítio, físicas, sociais, culturais etc., momento em que surgem as primeiras idéias. Para entender como o Contexto se materializa no projeto da FIC é preciso revisar algumas discussões acerca deste tema, a partir do estudo das transformações na sua abordagem ao longo do tempo. Autores como Paul Ricoeur, Colin Rowe, Thomas L. Schumacher e os italianos associados à corrente estética do Contextualismo foram de grande contribuição neste sentido. Alguns dos aspectos contextuais a serem considerados no estudo do projeto são: o estado da arte e da arquitetura em Porto Alegre; as condições dos edifícios que


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atualmente funcionam como veículos de integração e difusão da arte na cidade; a oportunidade de projetar no Brasil e a influência da arquitetura brasileira no projeto; o contato do arquiteto com a obra do pintor Iberê Camargo e as aproximações que podem ser estabelecidas e a privilegiada localização em que o edifício está inserido. A Topografia é aqui entendida, não como a representação gráfica da superfície terrestre, mas sim como um conjunto de elementos presentes no sítio natural e construído, incluindo visadas, desníveis de terreno, natureza e clima, além de aspectos culturais existentes na forma de morar e de construir do lugar. Estes elementos topográficos ajudam a compor o sentido de lugar e são apreendidos sobretudo por meio de experiências sensoriais, conforme admite Leatherbarrow (2000). Topografia neste caso é a esfera onde as idéias iniciais para o projeto encontram um sítio e se adaptam a ele, a partir da transformação de restrições em potencialidades. Como aspectos topográficos destacados na análise do edifício da FIC têm-se: a influência da topografia no partido arquitetônico adotado; a implantação do edifício em relação ao lote; as relações que estabelece com a paisagem natural local e as edificações vizinhas e a configuração espacial em função da consideração da topografia. A Tectônica diz respeito à manifestação poética da construção e à materialização dos componentes do lugar através dos sistemas e materiais de construção do edifício, em detrimento da ênfase cenográfica da contemporaneidade, como defendido por Frampton (2006). Gregotti (2006) também chama atenção para a importância do detalhe como elemento de relação entre as partes e o todo. Já Leatherbarrow (2000) alerta para os embates entre sítio e construção, onde as partes do edifício já existem antes mesmo do todo ser concebido. A adoção dessas ready-made solutions geram a perda do pensamento particular do arquiteto e a diminuição das investigações construtiva, convertendo e limitando o ato de concepção projetual em um processo de seleção e combinação de partes e sistemas pré-existentes. Diante do exposto, este artigo busca dar respostas aos seguintes questionamentos: Que fatores levaram ao distanciamento das relações entre arquitetura e lugar? Qual o sentido de lugar para a arquitetura na contemporaneidade? Quais as estratégias projetuais e elementos morfológicos presentes no edifício da Fundação Iberê Camargo e de que forma estes operam efetivamente para a construção do lugar? Em que medida o edifício da FIC representa um instrumento de mediação do lugar e está em sintonia com as práticas arquitetônicas contemporâneas? Que lições podem ser extraídas da sua obra como contribuição para o pensar e o fazer arquitetônico contemporâneo em face dos efeitos negativos da universalização na arquitetura? Palavras-chave: Lugar, Tectônica, Fundação Iberê Camargo


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A ARQUITETURA DO RESTO EM BERLIM Roseline Vanessa Oliveira Machado (AL) A curiosidade inerente ao olhar do viajante obviamente busca diferentes paisagens. As cidades mais visitadas do mundo estão no continente europeu enquanto berço da cultura ocidental, oferecendo uma diversidade paisagística que comporta um conjunto arquitetônico que tem vencido os efeitos inevitáveis das ações do Tempo¹. Entretanto, dentre esses lugares, um configura objeto de desejo dos viajantes não por sua memória de longa duração, mas por remanescentes de acontecimentos que se desenrolaram há pouco mais de meio século: a Alemanha. Este território tem raízes urbanas no período medieval, contudo as permanências de sua memória mais remota estão representadas pelo núcleo barroco (um momento recente para uma ocupação do continente europeu), que, apesar de estar conformado por edifícios estilisticamente expressivos, tem um poder de atração um tanto tímido em comparação com os fragmentos paisagísticos dos últimos 50 anos. Na verdade, milhares de pessoas viajam a terras alemãs para ver sinais de um passado marcado por conflitos políticos e sociais. Campos de concentração e áreas bombardeadas, por exemplo, são tidos como pólos de rememoração para os visitantes. Tal interesse é mesmo denunciado pelos cartões postais que recheiam os inúmeros estabelecimentos beneficiados com a dinâmica do Turismo², onde a Segunda Guerra e o Muro são os temas explorados com expressiva vontade. As expressões físicas da história política da Alemanha tornaram-se, pois, os temas mais explorados pela indústria do Turismo, cujas ações vão a reboque da própria noção contemporânea de patrimônio que tem, cada vez mais, a diferença, a particularidade, como o bem social que deve ser preservado. Nesse sentido, a guerra, o Nazismo, o holocausto, ou seja, os conflitos que fizeram com que esse país fosse mundialmente conhecido, o transformaram em um objeto de desejo. O museu judaico, por exemplo, é parada obrigatória dos visitantes mesmo que a maioria nem note que, talvez, a maior expressão representativa da história dos judeus no contexto do Nazismo esteja gravada nos rasgos das fachadas do edifício... Nem o ―homem do sinal‖ (Ampelmaan), o soldadinho que figurava os semáforos da Alemanha Oriental, se salvou da apropriação do Turismo que o tornou o ícone mais famoso de Berlim quando se trata de souvenirs. Nesta perspectiva, se por um lado a história da Alemanha, mais especificamente a berlinense, é marcada por destruições e preconceitos, por outro, foram as próprias conseqüências desses conflitos em termos de intervenção urbana que permitiram a formação de uma cidade jovem, atual e cheia de novidades, com um conjunto arquitetônico, muitas vezes implementados por concursos públicos, que recheia os livros de História da Arquitetura. Os danos causados pelos bombardeios permitiram que a cidade fosse reconstruída, muitas vezes, partindo do zero. O tratamento dado ao seu espaço público é visto como um exemplo a ser seguido, especialmente aquele relativo à mobilidade urbana. Quem chega a Berlim logo percebe que a cidade é dos que caminham e dos que pedalam... Os carros muitas vezes têm que ser guiados em zigzag em função da composição da rua que comporta micro praças, vegetação e estacionamentos locados de maneira fluida. São justamente os avanços relativos à estrutura física da cidade que trás à tona questões acerca da memória urbana, da história do lugar, da apropriação do que restou. Restaurar em Berlim é mais que mudar a cor ou o uso de determinado espaço. É tornar um espaço residual ocupável independentemente das feições físicas da sobra urbana. Há muitas situações que denunciam esse processo de apropriação dos restos edificados de Berlim. Uma delas está vinculada ao turismo histórico, como a


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espetacularização do Muro, demolido em 1989, mas deixou a sua marca (mesmo que artificialmente através dos movimentos do marketing cultural) na cidade, nos mapas e na memória das pessoas.³ Isso lhe garante um caráter de monumento, independente dos frágeis e sutis resquícios de sua materialidade.4 Outra situação ocorre no âmbito do cotidiano, ou seja, do rearranjo de espaços voltados para a dinâmica da diversão dos que habitam e visitam a cidade. Um tanto comum em Berlim, trata-se dos vazios urbanos criados por bombardeios de efeitos demolidores, delimitados apenas por paredes cegas das empenas dos edifícios vizinhos e pela rua na frente, usualmente ocupados não mais do que por cadeiras e pessoas. Esses limites são as sobras. Isso também ocorreu com um espaço da cidade conhecido como Tachelles, que significa ―falar muito‖ em hebraico. É um complexo de bares e espaço para performaces que ocupam um tipo arquitetônico chamado Miet Caserne (ou casas para alugar). Trata-se de prédios de apartamentos construídos no século XIX organizados em formato de U, moldado por um pátio central. Neste espaço há palcos, ateliês de artistas e bares. Em termos de caráter formal, o Tachelles causa estranhamento por vários aspectos, dentre os quais, a aparente inexistência de uniformidade formal de zoneamento e de mobiliário. Em outras palavras, há espaços de permanência, de serviços, e de passagem, sem que sejam delimitados por qualquer tipo de marcação de piso nem de símbolos de comunicação visual. Os assentos são, por exemplo, balanços, pedras, galhos de árvores, pedaços de letreiros... Uma composição fluida de funções, como se, espontaneamente, os elementos fossem ocupando seus lugares, escolhendo suas funções. A história da arquitetura é a história das pessoas. Coisas que aconteceram com elas e que deixaram marcas na paisagem.5 E é com expressividade que isso se deixa aflorar na pele urbana de Berlim: uma cidade balizada por um infeliz traço de memória que hoje a transformou em uma paisagem solta, despojada e de espírito livre. Palavras-chave: Berlim, sobras urbanas e re-apropriação cultural. 1 ELSNER.; RUBIÉS, J. (org.), 1999. 2 URRY, 1996. 3 Para ARGAN (1998, p.43) cidade é um resultado de um processo que não se resume a aspectos visíveis ou arquitetônicos, mas sim também são conformadores do espaço urbano, "(...) os ambientes das casas particulares; e o retábulo do altar da igreja, a decoração do quarto de dormir ou da sala de jantar, até mesmo o vestuário e o ornamento com que as pessoas se movem, recitam a sua parte na dimensão cênica da cidade. O espaço figurativo (...) não é feito apenas daquilo que se vê, mas de infinitas coisas que se sabem e se lembram, de notícias. Até mesmo quando um pintor pinta uma paisagem natural, pinta na realidade um espaço complementar do próprio espaço urbano'. 4 Através da 'teoria das permanências', Aldo ROSSI (1995, p.49) indica o reconhecimento da importância dos remanescentes do passado, tentando mostrar que, mais que objetos que contêm uma função utilitária ou reduzidos a mera contemplação, os monumentos significam que “o passado é, em parte, experimentado agora e que, do ponto de vista da ciência urbana, pode ser este o significado a dar às permanências: elas são um passado que ainda experimentamos”, pois o monumento é 'produto de uma coletividade e da relação que temos com a coletividade através dele'. 5 De acordo com CALVINO, um fragmento de paisagem pode-se traçar histórias de apreciação do lugar, pois, "ss vezes, basta-me uma partícula que se abre no meio da paisagem incongruente (...) para pensar que partindo dali construirei pedaço por pedaço a cidade perfeita, feita de fragmentos misturadas com restos, de instantes separados por intervalos, de sinais que alguém envia e não sabe quem capta". (1990, p.149).


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ARQUITETURA CABOCLA NA RESEX CHICO MENDES NA AMAZÔNIA - UM OLHAR SOBRE A TRANSIÇÃO DAS INTERVENÇÕES Ana Lúcia Reis Melo Fernandes da Costa (AC) Interessa-nos aqui fazer uma discussão sobre o processo em transição na arquitetura cabocla, não elaborada por arquitetos, e as atuais intervenções por profissionais no ambiente construído na Floresta Amazônica, mais precisamente na Reserva Extrativista (RESEX) Chico Mendes, em Xapuri no Acre. Justificaremos esta abordagem apresentando a proposta de pesquisa em andamento financiada pelo FDCT/CNPq que busca entender entre outras coisas as contradições das intervenções. A ocupação espacial da região do vale do rio Acre, onde se encontra a RESEX Chico Mendes, não difere do processo civilizatório contraditório iniciado no meio do século XIX, com a implantação de núcleos com barracões em madeira, motivada pela exploração sistemática da Haevea Brasiliensis, seringueira, árvore responsável pelo fabrico da borracha. Processo ainda não totalmente explicado e definido do ponto de vista urbanístico, mas que aponta para uma desorganizada visão sobre o espaço nativo. Cidades floresceram a partir de uma intervenção em princípio efêmera, mas as florestas continuam a representar a mais importante fonte de recursos para o desenvolvimento regional, apesar da baixa eficiência de sua utilização. Portanto elas são o meio onde vivem os habitantes rurais da região, que pela dificuldade natural de penetração mantém-se em isolamento, utilizando de maneira tradicional e aleatória seus recursos. Essa dificuldade se amplia na medida em que não se tem uma visão integrada deste meio. Paradoxalmente, sabe-se que estes recursos são consumidos em um ciclo seletivo de exploração, viabilizando no curto prazo atividades de segurança alimentar e em médio e longo prazo atividades basais que por problemas de escala, mercado ou capacidade de suporte do sítio, e principalmente da impossibilidade de visão holística não são visíveis e podem não ser sustentáveis da maneira como estão ainda sendo utilizados. Por outro lado, a RESEX Chico Mendes tem a construção histórica de ser a primeira reserva pensada com paradigmas defendidos pelo líder ambiental que lhe emprestou o nome, e tem a responsabilidade nacional de atestar tais fundamentos. Na tentativa de minimizar a situação de isolamento do ponto de vista econômico sofre vários processos de intervenções de profissionais que procuram aliar à condição de reserva a modernidade necessária para a sobrevivência no século XXI. A arquitetura se concretiza, pelo fato de revelar as relações humanas em tessituras sociais delineadas no espaço. A sua transcendência estética, porém também aponta para a sua essência, o espaço tectônico com tendências pragmáticas. Assim ela permanece, falando silenciosamente de um tempo, de um lugar, de uma cultura e consequentemente das maneiras de sua sobrevivência. Entendemos com isso que uma das naturezas da arquitetura é a de transição, mas é preciso ir mais além e buscar, como nos propõe Clifford Geertz1, mergulhar no âmago das relações para poder entender e perceber nuance e filigranas cotidianas em que uma cultura elabora as suas teias de ocupação espaço/ temporal. Esse exercício já é por si só um ente de modificação, e, portanto também uma contradição, assim torna-se necessária a aplicação de uma metodologia que mantenha certo distanciamento entre a observação e o observado. A pesquisa em questão se caracteriza pela junção de duas vertentes metodológicas de naturezas diferentes, para minimizar a dificuldade de se obter uma visão integrada da construção espacial na reserva extrativista, levando em consideração o potencial analítico virtual. A primeira vertente diz respeito ao espaço


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construído propriamente dito levando em consideração os aspectos tradicionais da cultura, e a segunda a botânica, como potencial disponível na reserva. Seu interesse maior é recompor da maneira mais ampla possível aquele ambiente e oferecer instrumentos quantitativos e qualitativos que possam respaldar ações que favoreçam o uso continuado e/ou aprimorado dos recursos disponíveis na região. Conhecer o padrão espacial das formações vegetais e a sua função no sucesso do estabelecimento e reprodução das espécies. Assim como conhecer os possíveis padrões da configuração morfológica de uso espacial do ambiente construído. Sob esse aspecto tem-se como pressuposto que os espaços rurais da RESEX são sintaticamente organizados como os barracões da borracha, portanto podem ser comparados analiticamente com os mesmos. A metodologia, denominada ‗anastilose espacial digital‘, envolve ferramentas como leitura da narrativa do espaço, mapas cognitivos, medição das relações espaciais e fotogrametria e permite fazer tal comparação. Explica-se que anastilose é um termo utilizado de forma inédita na pesquisa para obtenção do título de doutor, em andamento pela coordenadora do projeto, junto ao Programa de pós-graduação em Desenvolvimento Urbano – MDU – da Universidade Federal de Pernambuco; cuja referência pode ser procurada em duas publicações já realizadas sobre seu desenvolvimento: ANAIS do SAL, Chile, 2007; e nos ANAIS do NAEA, Pará, 2008. É na verdade um neologismo. Espera-se obter com a recomposição do conjunto do ambiente construído pela população extrativista ali residente aspectos indicativos e norteadores sobre as contradições das intervenções naqueles espaços, tais como o Programa Luz para Todos e o de Assentamento Sustentável do INCRA, que possam tornar visíveis a potencialidade dos recursos encontrados, utilizados e/ou desperdiçados, que estão em perene transição. Palavras - chave: Arquitetura cabocla, Amazônia, Transição 1 - GEERTZ, Clifford. O Saber Local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1997.


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ARQUITETURA E URBANISMO = OBJETOS DE CONSUMO Mônica Martin (SP) Roberto Righi (SP) "Nós estruturamos os nossos edifícios e logo eles nós formam a nós" Churchill.

Winston

A profunda transformação do sistema produtivo a partir da segunda metade do Século XIX começa a introduzir mudanças fundamentais na idéia de cidade que vão a comprometer os futuros desenvolvimentos. Estas mudanças podem-se registrar não só na escala urbana senão fundamentalmente na escala territorial. Os novos centros urbanos surgem a partir da necessidade de gerar produção dos territórios inexplorados, eles tem grande semelhança porque nascem um momento cultural determinado e baixo uma serie de requerimentos produtivos similares. ―A ideologia liberal transmuta-se na privatização...‖. O comum denominador é a procura da maior ―eficiência‖ na determinação dos traçados, privilegiando os terrenos e usos privados sobre os públicos. Este modelo de desenvolvimento provocou a maior expansão demográfica, urbana e econômica da historia, desde o Império Romano acelerando o crescimento das grandes metrópoles gerando uma segregação econômica e necessariamente social entre os ―nautis‖ (―provedores‖) e os ―desprovestes‖. A cidade é a obra cultural por excelência, e a arquitetura está sujeita aos condicionantes que determinam o atual momento de transição; a arquitetura - negócio, que substitui manifestações culturais por objetos de consumo. É notável como o mundo dos objetos de consumo cada dia é maior e mais imenso. Só olhar em derredor de nos ele devora tudo o que encontra a seu passo. A publicidade cria este dourado mundo onde aparecem como uma mercancia mais os objetos arquitetônicos e urbanos porque não fogem ao mercado de capitalista no que ―o valor de cambio‖ dos objetos domina sobre o valor de uso de os mesmos, e porque são elementos aptos para o capital especulativo, e todos os objetos que se produzem são para o cambio, são mercancias. Faça-se necessário então que o consumidor lhe conheça, lhe admire, lhe deseje e surge uma ideologia do Arquitetônico e do Urbano através da construção na relação entre o arquiteto desenhista e o produtor capitalista que dia-a-dia injeta em pequenas doses através da mídia o sonho paradisíaco da felicidade e da liberdade onde procura os valores subjetivos de repouso, de refugio, de tranqüilidade, de intimidade familiar junto aos desejos de liberação, de tamanho, de acolhimento, de luminosidade, etc. que são o rotulo do produto a ser vendido para a população que é submergida na ideologia do consumo. Através dos médios de comunicação a publicidade transmite e argumenta os novos valores ideológicos e as novas relações sociais, etc. escravizando aos indivíduos a certa forma de consumo. O desenhista adaptado ás condições da empresa ―cria torres‖ onde se coleciona gente, onde não importa o individuo como ente Psico-Biologico-Social com requerimentos e necessidades básicas, somente importa o produto a vender-se, sua apresentação, ―caixas‖ em cujo interior vão viver sua vida de ilusão, onde as imagens publicitárias inibem seu pensamento, criando assim os seres mais solitários e limitados a certos sentimentos ou atos. ―A radio, a TV e os jornais, nos ensinam a viver com categoria a preço módico nos ―charmosos pisos para exigentes nos apartamentos de alto nível‖, num ―Novo estilo de vida para VC‖, numa ―região moderna, dinâmica e residencial‖. Cria-se o desejo – demanda para a oferta – produto. Tudo isso decorado com o ilusório mundo de outras mercancias complementarias e suntuosas carros e desnudos, cigarros e perfumes, moveis e licores, e canções de moda convidam ao lazer do paraíso dos desejos às classes mais desprotegidas e sumidas na exploração.


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Para aceder a esta mercancia é necessário ter dinheiro, pois a produção de vivendas que o empresário capitalista produz somente só é feita na medida em que ele fixe os lineamentos por seu produto que inclui logicamente sua ganância. ―Para facilitar a posse destas vivendas a milhares de famílias só é necessário uma entrada (X) e facilidades por lustros ou varias décadas de acordo com a renda do comprador, e já se cumpre o sonho da Vida Feliz‖ é claro, sempre que sejam efetivos os pagos mensais junto ao pago de três ou quatro eletrodomésticos que ―cheia de alegria‖ à dona da casa. De outro modo permanecem desabitadas por longos períodos na espera do comprador. Todos sabem que nossa sociedade se move em função da economia e está atende à rentabilidade das diferentes operações humanas. O modelo entra em crise, se produz um excedente das mercancias e lógico novamente se induze através da mídia ao um novo estilo de comportamento: agora a ideologia marca a nova ―tendência‖ morar sozinho... Novamente a arquitetura é objeto de consumo e manipulação com imóveis ―desenhados‖ para este novo segmento do mercado de ―privilegiados‖, nele proliferam empreendimentos com serviços especiais, pois ainda minimizada a anatomia de um apartamento sempre requer serviços básicos como, por exemplo, limpeza. Não só as empresas de imóveis e serviços investem no mercado do single. Segundo a (ABIA) o sector de alimentos para itens individuais cresce de 6% a 7% ao ano. Teorizar abstratamente sobre os edifícios a ser construídos e imaginar o modelo e os indivíduos com o comportamento a futuro, pode ser perigoso. Substituir manifestações culturais por objetos de consumo pode condenar a vida urbana e a vida em comunidade. O espaço arquitetônico desde os edifícios aos sistemas de circulação da cidade condicionam a seus habitantes pois dominam as relações sociais já para seu desenvolvimento ou para inibir-lhas definitivamente. O desequilíbrio da arquitetura e o crescimento urbano anárquico sempre subordinado ao valor de cambio afetam o desenvolvimento da cidade. Submergindolhe na sua voragem sem misericórdia. ―Só uma coisa é segura: o futuro vai conter as ruínas do presente‖ Arata Izsozaki Palavras-chave: arquitetura, crescimento urbano, comportamento consumo.


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TEORIA E METODOLOGIA NA ARQUITETURA PAULISTA CONTEMPORÂNEA. ESTUDO DO ESCRITÓRIO BRASIL ARQUITETURA Beatriz Carra Bertho (SP) Leandro Medrano (SP) Esta pesquisa, em andamento, objetiva estudar os fundamentos teóricos e conceituais do escritório Brasil Arquitetura, fundado no final da década de 1970. O presente estudo tem como base as principais teorias, metodologias e condicionantes relacionadas ao contexto contemporâneo da arquitetura paulista, de modo a estabelecer parâmetros críticos para avaliação dos projetos e obras em análise. Nesse sentido, o trabalho pretende levantar dados e discorrer sobre o perfil conceitual dessa produção, identificando e avaliando suas premissas arquitetônicas. O objetivo principal da pesquisa é associar a produção recente do Brasil Arquitetura à discussão de conceitos teóricos e metodológicos contemporâneos, nacionais e internacionais, como forma de identificar as matrizes que balizam a arquitetura desse escritório e de outros no Brasil. Como método de análise aos casos em estudo, a saber, os projetos Conjunto KKKK, Museu Rodin Bahia, CESA Jd. Santo André e Museu do Pão, se pretende: 1) identificar o conteúdo dos debates arquitetônicos discutidos na atualidade; analisar cada projeto e avaliar sua inserção no contexto intelectual e arquitetônico contemporâneo, 2) observar o que é determinante nas concepções iniciais, como são trabalhadas as etapas e as decisões projetuais (como programa, técnica construtiva, forma, materiais, entre outras). Entende-se que a própria arquitetura e seu procedimento projetual possam fornecer elementos para a compreensão das posturas dos arquitetos em estudo. Essa pesquisa se realiza pela elaboração de uma revisão bibliográfica, que tem como finalidade consolidar o embasamento teórico do contexto arquitetônico paulista e contemporâneo no Brasil e no mundo; pela realização de entrevistas com autores e pelo levantamento iconográfico dos projetos selecionados, que serão analisados, como discurso e como resultado arquitetônico. No Brasil, críticas sobre arquitetura valorizam aquela produzida entre as décadas de 1930 e 1960, com projeção internacional, e apontam o período seguinte (até os dias atuais) como um período de crise e anonimato no contexto internacional. Guilherme Wisnik1 destaca que: “Durante os anos de 1970 e 1980, com a ditadura militar, os arquitetos foram excluídos do debate público,sobretudo no que se referia à construção da cidade. Corresponde a esse período de „depressão‟ uma encomenda estatal que privilegiou o caráter tecnocrático das obras, acompanhada de um desaparecimento quase total dos concursos de projeto e da proletarização do arquiteto, que em muitos casos passou a trabalhar como assalariado em grandes empresas de engenharia e construção.” Com isso, esclarece Ruth Verde Zein quando trata da arquitetura da década de 1980, há um aprofundamento da consciência de que ―o sentimento de desorientação, na verdade, é geral e característico‖ do tempo. E acrescenta que ―procura-se contemporizar a ‗multiciplidade de tendências‘ em oposição à postura intransigente unívoca da modernidade‖, incentivando a instalação de um sistema de contrários dentro da cultura arquitetônica brasileira. Nesse contexto que surge o ―Brasil Arquitetura‖, em 1979, inicialmente, composto por Marcelo Carvalho Ferraz, Francisco de Paiva Fanucci e Marcelo Suzuki, arquitetos formados pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), respectivamente, em 1978, 1977 e 1980. Hoje, o escritório é


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comandando apenas por Ferraz e Fanucci, desde o desligamento de Suzuki em 1996. Com formação influenciada pelo modernismo (já em versão revisada) pela proximidade e influência da arquiteta italiana Lina Bo Bardi, com a qual os arquitetos trabalharam por um longo período, a obra do Brasil Arquitetura tem influenciado significativamente a arquitetura contemporânea brasileira. Um dos valores mais importantes ensinados por Lina a esses arquitetos é percebido na sua ação arquitetônica, a qual é plural, adaptada ao sítio e apresenta vários momentos históricos convivendo harmoniosamente com o presente, mas, principalmente, traz no seu centro o homem, o homem brasileiro, sua vida e sua cultura, porque o maior interesse é a vida que acontece nos espaços projetados. De acordo com Max Risselada2, a qualidade da obra do ―Brasil Arquitetura‖ não está principalmente na inovação programática, mas sim na maneira pela qual o programa é manipulado para inserir-se num contexto específico, além da ausência de juízos pré-concebidos, uso de materiais comuns e a organização como forma, espaço e tempo. Contando sempre ―com uma forte consciência política com reflexos na manutenção de discursos sociais em torno da prática e que se reflete na abordagem da arquitetura como uma infra-estrutura urbana‖3. ―Nessa postura, se apresenta um paralelo com a aceitação de Rem Koolhaas da impossibilidade de exercer uma determinação absoluta sobre o desenho da cidade, como atitude correlata ao desaparecimento das grandes ideologias urbanas... pela importância dada à construção razoavelmente arbitrária de espaços vazios articulados às áreas públicas e vias estruturais de circulação‖4. Ou seja, uma arquitetura muito mais distribuidora e definidora de espaços que objeto5, ―onde se trata mais que nunca de projetar o vazio, ainda que à custa de uma árdua escavação, entre cheios.‖6. O discurso consolida a opção pela urbanidade: ―É fundamental que se retome a noção de que, no fundo, arquitetura é construir cidades‖.7 Essa produção se apresenta promissora, permitindo uma reflexão sobre as referências históricas mais importantes e as atuais condições de sua produção. Autores apontam que pode ser o período de um modernismo revisado, com exclusão de alguns aspectos e a inclusão de novos apontamentos. ―A arquitetura contemporânea brasileira necessita ser vista, criticada e colocada em relação com a arquitetura jovem internacional.‖8 Palavras chave: Arquitetura contemporânea, Arquitetura Paulista, Brasil Arquitetura 1 WISNIK, Guilherme. Disposições Espaciais. In: MILHEIRO, Ana Vaz; NOBRE, Ana Luiza; WISNIK, Guilherme. Coletivo – 36 projetos de arquitetura paulista contemporânea. São Paulo: Cosac Naify, 2006. 2 RISSELADA, Max. Apresentação 2. In: CALDEIRA, Vasco; FANUCCI, Francisco; FERRAZ, Marcelo; SANTOS, Cecilia Rodrigues dos. Francisco Fanucci, Marcelo Ferraz: Brasil Arquitetura. São Paulo: Cosac Naify, 2005. 3 MILHEIRO, Ana Vaz. Coletivo: A invenção do clássico. In: MILHEIRO, Ana Vaz; NOBRE, Ana Luiza; WISNIK, Guilherme. Coletivo – 36 projetos de arquitetura paulista contemporânea: Ana Vaz Milheiro, Ana Luiza Nobre, Guilherme Wisnik. São Paulo: Cosac Naify, 2006. p. 90. 4 WISNIK, Guilherme. Disposições Espaciais. In: MILHEIRO, Ana Vaz; NOBRE, Ana Luiza; WISNIK, Guilherme. Coletivo – 36 projetos de arquitetura paulista contemporânea: Ana Vaz Milheiro, Ana Luiza Nobre, Guilherme Wisnik. São Paulo: Cosac Naify, 2006. p. 170. 5 KOOLHAAS, Rem. ―Por uma cidade contemporânea‖. In: NESBITT, Katte. Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-1995). São Paulo: Cosac Naify, 2006. 6 NOBRE, Ana Luiza. ―Prática em comum‖. In: MILHEIRO, Ana Vaz; NOBRE, Ana Luiza; WISNIK, Guilherme. Coletivo – 36 projetos de arquitetura paulista contemporânea. São Paulo: Cosac Naify, 2006. p. 20. 7 FERRAZ, Marcelo. Preservação da vida. Arquitetura e Urbanismo, n. 130, p. 51, jan. 2005. Entrevista concedida a Simone Sayegh. 8 CAVALCANTI, Lauro; LAGO, André Correa do. ―Ainda moderno? Arquitetura brasileira contemporânea‖. Arquitextos, São Paulo, n.066, 2005. Disponível em < www.vitruvius.com.br >. Acesso em 25 jul. 2008.


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ARQUITETURA MODERNA DE BRATKE NA SELVA AMAZÔNICA José Alberto Tostes (AP) Nathália França Cordeiro (AP) Enquanto o Brasil se firmava como moderno no auge da construção de Brasília (1956 -1960) onde o país numa consciência espacial, voltava-se para o interior com a racionalidade formal de Oscar Niemeyer, também no interior, do Amapá, Oswaldo Bratke fazia surgir a Vila de Serra do Navio (1955-1960). A contradição que envolve o projeto de Vila de Serra do Navio não está somente ligada ao fato de ser um dos projetos considerados dentro do modernismo brasileiro que foge do paradigma de um modernismo clássico de Le Corbusier pela corrente funcionalista ou orgânica com Frank Lloyd Wright, porém sua adequação dentro da selva, ao espaço amazônico, assim como suas características físicas, aos condicionantes climáticos e inspiração vernacular, resultou num ensaio bem sucedido. Houve por parte do arquiteto uma preocupação em adequar a arquitetura ao condicionante natural, sendo em parte resultado da observação da vida do ribeirinho, caboclo amazônida, e valores espaciais. Relacionado a esse aspecto a arquitetura como fato cultural esta relacionada ao que Bruno Zevi aponta como sendo a arquitetura uma realidade vivida onde coincidem vida e cultura, que são, sobretudo, uma realidade vivida, e podem ser observados em tanto nos espaços públicos numa escala macro com espaços livres intercalados e integrados, como nos edifícios, com ambientes amplos e abertos para a parte externa utilizando-se de elementos vazados, proporcionando uma experiência espacial própria. Com a construção da Vila de Serra do Navio iniciava-se um marco histórico para o então Território Federal do Amapá, posteriormente Estado do Amapá sobre uma época que é até hoje configurada de sentimentos que se contrastam ao longo de mais de 05 décadas após a construção desta Vila. A Vila de Serra do Navio representou o símbolo de ostentação de riqueza e austeridade, qualidade de vida vivenciada por seus moradores, e acima de tudo, demarca a própria história do Amapá. Este artigo é fruto do desenvolvimento de trabalhos de pesquisa no nível de graduação e teses de mestrados de integrantes do Grupo de Pesquisa Arquitetura e Urbanismo na Amazônia, que têm por objetivo compreender os fundamentos produzidos pelo movimento modernista e sua aplicabilidade a nível nacional e local, o método de análise é o lógico-histórico e aborda como objeto a cidade planejada de Serra do Navio e o seu caráter inovador, fazendo uma relação que permite melhor compreender a arquitetura do lugar e suas interpretações dentro do modernismo brasileiro. Palavras chave: Arquitetura Moderna, Serra do Navio, selva amazônica.


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CONDOMÍNIOS FECHADOS E A NECESSIDADE DE REVER O CONCEITO DE CIDADE Josélia Godoy Portugal (MG) Os estudos sobre as cidades desenvolvidos recentemente no Brasil têm situado a emergência dos condomínios fechados ao encontro de interesses daqueles que podem arcar com seus custos elevados. Assim, atrela-se ao desejo de estabelecer um ‗status‘ social diferenciado em relação às pessoas que não têm recursos econômicos para arcar com os custos dessa moradia bem como ao desejo de proximidade entre os afins e ao desejo de distanciamento em relação aos que permanecem em outros espaços das cidades. Além desses fatores, as análises têm associado o crescente número de condomínios fechados à violência urbana, à busca pelo ‗status‘ e isolamento (ou auto segregação) e à degradação do espaço público nas grandes cidades como causas para o avanço dessa tipologia habitacional nas grandes cidades. Dessa forma, tendo a concepção de cidade como espaço segregado, onde se têm manifestações de violências indiscriminadas, com o poder público não conseguindo contê-las, como pano de fundo geral, começa-se a criar na mentalidade humana a lógica de que uma vida saudável e segura está presente nas condições apresentadas por lugares, mesmo que segregados, onde a segurança é prioridade. É a partir da década de 1990 que a opção de moradia em condomínios fechados passou a fazer parte do universo da classe média urbana brasileira, pois até então essa realidade era uma prática mais comum entre a classe alta. Essa escolha, nesse momento, está intimamente atrelada à mudança política no país, onde a transição da ditadura militar para um sistema democrático, no final da década de 1980, trouxe uma instabilidade política e econômica muito grande, devido às fortes repercussões negativas sobre o nível de empregos. Tais processos geraram uma marcante desigualdade econômica entre as camadas sociais que habitavam as cidades brasileiras, pois a disparidade de renda tornou-se mais séria. Lefebvre (1999) desenvolve a idéia de que o espaço não é uma realidade imutável onde o homem age de forma passiva, mas sim como a construção de um ‗real‘ fruto das ações práticas do cotidiano. Para ele, o urbano é fruto das relações sociais, e se configura socialmente determinado. Todavia, ―o urbano lugar do drama, pode converter-se em drama do urbano‖ (LEFEBVRE, 1999, p.117), e justamente por isso observamos que nossas cidades, principalmente as maiores, mas não somente, veem se tornando lugares muitas vezes não acolhedores devido às fortes demarcações territoriais, pautadas principalmente na posse de capital econômico. Consequentemente as cidades tornam-se palcos de manifestações de vários tipos de violência, levando, então, as camadas que possuem maior poder aquisitivo a tentar se isolar dessas, isolando-se do espaço público da cidade. Entretanto, é preciso extrapolar a ideia da fuga da violência que se refere apenas a uma solução física, para incluir uma dimensão abstrata de vida urbana. Isso quer dizer que não é só um deslocamento físico, embora isso também se verifique, mas uma revisão de conceitos, onde fugir das cidades significa fugir da maneira que se vive em uma cidade hoje. Estamos diante de um grande desafio para o planejamento urbano, na medida em que essas tipologias habitacionais trazem alterações à morfologia das cidades. A implantação de condomínios nas cidades, muda sua dinâmica e coloca, muitas vezes em risco, sua sustentabilidade. Implantados, na maioria das vezes, nas regiões de periferia do tecido urbano, ou seja, nos limites do território, eles acabam por forçarem um fluxo de pessoas e bens que seja útil aos seus moradores, forçando por assim dizer, a expansão da cidade, fragmentando-a. Quando Moura (2006) apresenta no título de sua obra a concepção de urbanidade como perigo, ela explicita a ideia de Velho (1981) de que em nossa sociedade a proliferação de ideologias individualistas nem sempre propõe uma


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convivência pacífica entre os diferentes, muito menos prevê modos de superação dessa diferença, apenas de distanciamento, no caso dos condomínios, por meio das várias formas de segurança. Os condomínios fechados são espaços semi-públicos, purificados e vigiados, onde a ideia de ordem é mantida pela presença dos semelhantes e dos estranhos que foram assimilados. É uma realidade mantida e alimentada, pela ‗cultura do medo‘, ou seja, há no imaginário citadino, principalmente das grandes cidades, a ideia fixa de que o espaço urbano é violento e destrutivo, sendo que, para isso é preciso se precaver de todas as formas possíveis para se preservar. São discursos apelativos, onde muitas vezes não existe uma real correspondência dos fatos com a realidade. É por esse motivo que é preciso acreditar que o mais importante é tentar enxergar a violência urbana não como causa da proliferação dos condomínios fechados, mas sim uma linguagem simplificadora que identifica diversos tipos de medos. Para Lefebvre, ―a grande cidade consagra a desigualdade‖ (LEFEBVRE, 1999, p.89), gerando desordem e alienação. Esse fato, para Souza (2006) possui uma forte ligação com a falta de qualidade dos espaços públicos das cidades. Para esse autor isso leva diretamente a todo o processo de auto segregação, que não se encerra necessariamente nas diferentes tipologias habitacionais, como por exemplo, a opção em morar em condomínios fechados, mas se manifesta fortemente no estabelecimento de diferentes formas de sociabilidade, pois ―os citadinos sentem-se intimidados nos espaços públicos‖ (SOUZA, 2006, p. 66). Para a questão da fuga da violência que, na verdade, mascara o que seria o medo contemporâneo aos espaços públicos da cidade, precisaríamos concentrar-nos nas contradições fundamentais que essa encerra em si, cujo mais cruel dos efeitos é não permitir uma identidade, não permitir uma referência. O citadino de classe média do século XXI não se relaciona com o coletivo que a cidade oferece, não estabelece relações com ele, pois sobre ele não se tem controle, mas sim, aparta-se do coletivo, segrega-se, embora fisicamente falando continua a usar os espaços da cidade. É essa questão do desequilíbrio que tem marcado a vida urbana hoje, em todos os seus aspectos, fazendo-se necessário compreender a dimensão do urbano, seja físico ou social, espacializado nas cidades, e estas sendo concebidas em seus efeitos totais, que se estende para além de seus limites geográficos. Palavras-chave: Cidades; Segregação, Condomínios Fechados


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IMPLICAÇÕES DOS PROCESSOS DE TRANSFORMAÇÃO NO ESPAÇO PÚBLICO EM INTERVENÇÕES URBANAS EM ÁREAS HISTÓRICAS Paula Marques Braga (SP) Os processos de fragmentação e privatização do espaço urbano e seus desdobramentos quanto à exclusão social e comprometimento da cultura local, que ocorrem em determinadas áreas de nossas cidades, resultam em uma imagem de cidade que não corresponde à realidade. Isso ocorre porque, nesse percurso, aspectos como significação social e sentimento de pertencimento, se perdem. Esse processo pode ser claramente percebido quando do estudo de transformações ocorridas nos espaços públicos em consequência, principalmente, das mudanças nas formas econômicas e de consumo que implicam, em diversos casos, na privatização e descaracterização dessas áreas e na produção de novos espaços. A descaracterização de aspectos fundamentais na composição do espaço público resulta, em diversas situações, na homogeneização dessas áreas e na perda da dimensão cultural (DUQUE, 2008). Em primeiro lugar tem-se a mudança de usos. Perde-se a diversidade das atividades cotidianas e direciona-se a atividades de ócio, consumo e turismo de alta renda. A tematização de usos (SOLÀ-MORALES, 2008) leva à homogeneização, e à perda de atividades cotidianas ao comprometimento da cultura local. O segundo aspecto diz respeito à mudança de usuários, que ocorre diretamente ligada à mudança de usos. A população residente dá lugar ao turista, um grupo restrito, homogêneo, perdendo-se a diversidade sociocultural e, portanto, comprometendo a cultura local que é originalmente mantida pelos habitantes locais. Por fim, tem-se a mudança na configuração espacial dessas áreas, na qual o tratamento diferenciado do entorno leva à constituição de um cenário espetacularizado e controlado. A transposição desses fenômenos para uma escala mais ampla, as intervenções urbanas que transformam áreas centrais históricas, objeto deste estudo, permite embasar as análises a respeito da transformação dessas áreas em cenários espetacularizados e tematizados, com atividades voltadas ao turismo e consumo de alta renda, comprometendo a representatividade dessas áreas quanto à identidade cultural e promovendo, em muitos casos, a expulsão da população residente. A não valorização de suas características particulares (cultura local) em prol do atendimento a um turismo de massa, acaba por produzir paisagens comuns, espetacularizadas, sem a identidade que qualifica essas áreas. Esse processo acaba por aproximar essas áreas do conceito de Não-Lugar (AUGE, 1994), devido a alterações nos objetivos aos quais se destinam (consumo, turismo) e nas relações do indivíduo, que passam a se constituir em relações efêmeras. Outro conceito que passa a ser associado às áreas históricas pós-intervenção é o conceito de Containers, ou Contenedores (SOLA-MORALES, 2002). Originalmente utilizado para classificar edifícios e equipamentos, ou conjuntos deles, este pode ser transposto às áreas históricas pois as transformações que se processam nessas áreas mudam radicalmente suas dinâmicas de uso e ocupação (MUÑOZ, 2008). Sob esse aspecto são identificadas alterações referentes ao tratamento dessas áreas de forma destacada do conjunto da cidade, sua transformação em fragmento urbano segregado do entorno, que passa a funcionar de forma autônoma, tematizada como área de consumo, ócio e turismo e privatizada e apropriada por grupos específicos, sem comunicação e interação social (MUÑOZ, 2005). A análise destas questões é fundamental pois estas intervenções transformam, na maioria das vezes, o caráter desses espaços que, privados de suas características originais, perdem as relações sociais e referências culturais que lhes dão valor singular. Estes aspectos podem ser observados dentro de um estudo de caso específico, o projeto Estação das Docas, implantado em Belém (PA), que se apropria


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do papel do rio no imaginário coletivo para a exploração do potencial turístico da área (TRINDADE JÚNIOR; AMARAL, 2006). Em Belém, os armazéns desocupados, localizados em área que sofre com o processo de assoreamento, portando inutilizados para atividades do porto, passam a ser alvo de ações para investimento no turismo, o projeto Estação das Docas, inaugurado em maio de 2000 (LIMA; TEIXEIRA, 2006). O primeiro ponto a ser destacado diz respeito ao papel da administração local no processo. Aqui é possível identificar as políticas urbanas ―festivalizadas‖ de que trata Muñoz (2005), já que o poder público teve papel fundamental na elaboração de uma nova imagem que se queria passar daquela área. Os aspectos históricos e culturais que davam significado à estrutura do porto foram trabalhados de forma a simplificá-los e tornar superficial a leitura daquele espaço. A escolha dos usos (restaurantes, bares e shows) e o tratamento dos ambientes e segregação dos usuários contribuíram para tal. A Estação das Docas tornou-se uma área privatizada, tanto porque os estabelecimentos ali localizados são de propriedade privada quanto, por se dirigir a um uso específico, levar à apropriação por determinados usuários e o deslocamento de outros, o que também caracteriza a privatização. O aspecto permeabilidade também ficou comprometido, o controle do espaço transformou-o em uma ilha especializada, um Contenedor, os galpões constituem um conjunto de equipamentos, que poderiam funcionar de forma independente. O complexo constitui-se em área histórica da cidade e deve ter garantido seu livre acesso, o que não ocorre, aproximando a área mais de um parque temático do que do conjunto urbano, onde a perda das características originais leva à formação de uma paisagem comum, sem referencial histórico. Tendo se transformado em um espaço para determinado grupo de consumidores, devido ao privilégio da atividade turística de alta renda, comporta as conceituações de ―cidade mercadoria‖, o que não condiz com as declarações encontradas a respeito do projeto. Nelas, a Estação das Docas é considerada ―o espaço público da cidade‖, porém, o processo traçado por esse projeto caracteriza as transformações descritas na análise conceitual e exemplifica a perda de aspectos que qualificariam o espaço como tal. A forma como foi conduzido o processo gerou problemas na sua sustentabilidade, ainda sentidos. O habitante não se identifica com a área e portanto não a utiliza com frequência e o turismo é uma atividade sazonal, que não produz a renda necessária para sua manutenção, exigindo investimentos constantes do estado. Esta análise nos mostra, portanto, o papel fundamental da manutenção das características particulares de cada lugar e das suas funções como espaço público, conceitos que deveriam pautar as intervenções nas áreas históricas, já que é essa diversidade que apresentam que qualifica sua importância. Palavras-Chave: Espaço Público, Intervenções Urbanas, Identidade Cultural.


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NOVOS TERRITÓRIOS, VELHAS METRÓPOLES Coordenadores: Nadia Somekh e Milton Botler

A configuração do território urbano e rural tem sido transformada na contemporaneidade: a redefinição das antigas polaridades centro/periferia, rural/urbano, a emergência de espaços centrais independem do fator locacional, o aumento das áreas de influência das cidades globais. Nas últimas décadas, o projeto urbano passou a incluir temas como novas formas de articulação com o setor privado, empreendorismo urbano, novos instrumentos urbanísticos, jurídicos e financeiros. Como interpretamos hoje o território em que se desenvolvem nossas cidades? Como equilibrar as relações entre conservação e transformação, as tensões entre tradição e modernidade na construção de um ideário urbanístico contemporâneo para as nossas metrópoles? Como redefinir as fronteiras entre projeto urbano, desenho urbano e planejamento? Como lidar com espaços articulados em rede, consórcios de territórios globais, com novas centralidades urbanas e estruturas rurais? Como projetar espaços urbanos com a emergência dos novos controles e instrumento de segurança nos ambientes urbanos e a arquitetura de espaços virtuais, desterritorializados, que (re) configuram os territórios do poder, da produção e da convivência?


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URBANISMO EM TEMPOS DE RETRAÇÃO Carlos Fernando de Souza Leão Andrade (RJ) O presente estudo trata dos reflexos da perda da capitalidade e do enfraquecimento político e econômico na cidade do Rio de Janeiro, principalmente quanto a seu rebatimento no espaço urbano, dinâmica demográfica e o avanço da favelização. Uma vez constatado o processo de retração, e retraimento, sofrido pela cidade, analisa as principais propostas urbanísticas ali ocorridas desde a transferência da capital federal para Brasília e constata a necessidade de que estes projetos reconheçam o novo contexto da metrópole carioca e busquem novos paradigmas, que se resumem no título do trabalho: urbanismo em tempos de retração. Para tanto, descreve as recentes teorias urbanísticas, classificando-as de antíteses ao que se quer demonstrar, ou seja, destinam-se às cidades em expansão, finalizando com algumas diretrizes urbanísticas para o Rio de Janeiro num cenário que busque alterar a atual tendência , vale dizer, a cidade não cresce, mas se muda, abandonando áreas infra estruturadas e ocupando novas regiões sem infraestrutura.


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SÃO PAULO, MEGACIDADE & REDESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: UMA ESTRATÉGIA PROPOSITIVA Carlos Leite (SP) O trabalho faz uma reflexão critica acerca da emergência das megacidades no século 21 para, em seguida, focar a megacidade brasileira, São Paulo, seus desafios e oportunidades em busca de uma reinvenção necessária que traga a agenda de um desejável redesenvolvimento sustentável no âmbito urbano. O trabalho conclui apresentando um modelo de redesenvolvimento de um território em transformação – a Diagonal Sul, orla ferroviária paulistana. O projeto urbano estratégico apresentado busca investigar oportunidades de reorganização deste território: como implementar o projeto urbano na nossa maior megacidade? A tese é a do reaproveitamento dos vazios urbanos centrais como contraponto a expansão periférica: adensamento populacional e de atividades onde há infraestrutura e localização central. Cidade mais compacta é cidade mais sustentável. Pela primeira vez na história, mais da metade da população mundial vive hoje nas cidades, que são responsáveis por 75% do consumo da energia mundial e 2/3 dos resíduos gerados, apesar de ocuparem menos de 1% da superfície do planeta. Surgem, assim, demandas inéditas por serviços, moradia (dois em cada três cidadãos vivem em favelas), empregos e infraestruturas (reciclar/renovar todo o estoque sucateado de antigas infraestruturas urbanas). Uma reinvenção do espaço urbano apresenta grandes desafios, exigirá grandes investimentos, mas também trará boas oportunidades para as cidades que saírem na frente – a antecipação estratégica se faz urgente no planejamento e gestão das megacidades. As metrópoles são o lócus da diversidade – da economia à ideologia, passando pela religião e a cultura – e isso gera inovação. De Jane Jacobs, em 1961, a Paul Krugman nos dias de hoje – além dos consultores democratas John Sperling e Richard Florida que chegaram ao poder nos EUA –, diversos economistas têm se debruçado sobre as externalidades espaciais das grandes cidades, fazendo a defesa dessas áreas como ambientes únicos de uma desejável, democrática e estimulante concentração de diversidade. Na riqueza das nações contemporâneas, as máquinas que impulsionam o desenvolvimento são suas megacidades, conforme Jacobs (1984). Densidade e sustentabilidade são duas questões relevantes na evolução das megacidades. A concentração geográfica encoraja a inovação porque ideias de fluxo livre estão mais afinadas e podem ser rapidamente colocadas em prática quando inovadores, empreendedores e apoios financeiros estão em sinergia. Em tempos de grande preocupação com o desenvolvimento sustentável, é bom lembrar que as cidades são responsáveis por dois terços do consumo mundial de energia. Assim, quando falamos de aquecimento global e sustentabilidade estamos nos referindo a cidades sustentáveis – elas são, necessariamente, compactas e densas. Como a maior densidade urbana representa menor consumo de energia per capita – em contraponto ao modelo ―Beleza Americana‖ de subúrbios espalhados pelo território com baixíssima densidade –, as cidades mais densas da Europa e Ásia são hoje modelos na competição internacional das Global Green Cities, justamente por sua alta densidade (ROGERS, 2001). Do ponto de vista do desenvolvimento urbano sustentado, é urgente voltar a crescer para dentro e não mais se expandir. Reciclar o território é mais inteligente do que substituí-lo e é possível e desejável reestruturá-lo produtivamente no planejamento estratégico metropolitano. Assim, regenerar produtivamente os territórios metropolitanos existentes deve ser face da mesma moeda dos novos processos de inovação econômica e tecnológica. Finalmente, a sócio-diversidade territorial precisa ser incorporada às nossas megacidades como parte do pacote de desenvolvimento urbano sustentável.


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Admiramos a vitalidade urbana de Manhattan, Barcelona, Paris ou Tóquio – cidades grandes e densas, locais onde a sócio-diversidade dos moradores as tornem altamente sustentáveis. São Paulo, por exemplo, caminharia para um modelo mais sustentável se optasse, na oferta de modelos imobiliários para a classe média, por modelos como Higienópolis (vitalidade urbana) e menos Alphavilles ou condomínios fechados (excludentes e sem vida urbana). A cidade sustentável é necessariamente compacta. O Rio de Janeiro denso oferece modelos vivos e de ampla sóciodiversidade em Ipanema, Leblon e Copacabana, em contraposição ao modelo distante e excludente da Barra da Tijuca. As intervenções bem-sucedidas em outros países têm mostrado que é possível enfrentar os problemas comuns às grandes metrópoles pós-industriais, sobretudo o reaproveitamento sustentado dos seus vazios urbanos. Atividades econômicas voltadas para os setores da informação e comunicação – mas vinculadas à vocação do território, com novos valores locacionais, políticas de desenvolvimento econômico e gestão urbana eficiente – podem contribuir para a redução do esvaziamento produtivo de áreas centrais. Isso se faz a partir da reutilização dos espaços vagos, o que ajuda a combater a perda de vitalidade do tecido urbano e a promover o desejável desenvolvimento urbano sustentável (SOMEKH; LEITE, 2009). Em 1900, São Paulo tinha uma população de 240.000 pessoas e era uma vila caipira. Até chegar à posição de 5a megacidade do mundo, em 2008, passou por uma verdadeira mutação (o que explica seus enormes problemas): em cem anos, sua população cresceu 27.000% e seu território, 40.000%. São Paulo carrega os sucessos e percalços de uma megacidade globalizada de pais emergente, cujo território revela os enormes níveis de desigualdade e diversidade social: ali estão as maiores concentrações de edifícios modernos, alta moda, serviços e mercadorias, melhores marcas, centros comerciais, de entretenimento e alta tecnologia, modernos e amplos hospitais e serviços de saúde, bem como a maior concentração anual de eventos culturais da América Latina. Ao mesmo tempo, a metrópole enfrenta graves problemas estruturais, similares aos de outras megacidades: tráfego caótico, condições precárias de transporte público, altos níveis de desemprego, criminalidade e violência, má qualidade do ar, conforme estudo recente de Oliveira e Page (2009). Ou seja, a cidade precisa renovar-se. No âmbito territorial, reinventar-se. Implementar projetos de regeneração urbana. Complementando o discurso conceitual, desenvolvemos ao longo de 2008, a Proposta Estratégica na Operação Urbana Diagonal Sul (Urban Age South America Conference).1 A população das áreas centrais da cidade tem decrescido progressivamente desde a década de 1970. A população tem crescido mais nas regiões periféricas sem adequadas infraestrutura e condições adequadas de moradia. A Orla Ferroviária e o território da Diagonal Sul apresentam a última oportunidade de construção de um território metropolitano; sua reinvenção é urgente. A tese é do reaproveitamento dos vazios urbanos centrais como contraponto a expansão periférica: adensamento populacional e de atividades onde há infraestrutura e localização central. Cidade mais compacta = cidade mais sustentável. As intervenções exitosas no exterior têm nos mostrado possibilidades de enfrentamento d problemas comuns às grandes metrópoles pós-industriais, principalmente no reaproveitamento sustentado dos seus vazios urbanos. Atividades econômicas, voltadas para os setores da informação e comunicação, mas vinculadas à vocação do território, com novos valores locacionais, aliados a políticas de desenvolvimento econômico e urbano local e a gestão urbana eficiente, podem contribuir para a redução do quadro de esvaziamento produtivo de áreas centrais a partir da reutilização dos espaços vagos, combatendo a perda de vitalidade do tecido urbano. Ou seja: promove-se o desejável redesenvolvimento urbano sustentável.


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Palavras-chave: Projetos urbanos; Megacidades; Regeneração urbana. 1 LEITE, Carlos et alli. Proposta Estratégica na Operação Urbana Diagonal Sul – Urban Age South America Conference, 2009 in:http://www.vitruvius.com.br/institucional/inst214/inst214.asp


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O URBANISMO SUSTENTÁVEL NO BRASIL: NOVOS PARADIGMAS À URBANIDADE DO SÉCULO XXI

Geovany Jessé A. da Silva (MS) Marta Adriana Bustos Romero (MS) O presente artigo busca conceituar elementos e atributos de urbanismo sustentável, partindo de uma revisão bibliográfica sobre o tema e propondo ferramentas de planejamento e projeto de cidades para o século XXI, face às necessidades impositivas do processo de urbanização vigente, de alto impacto ambiental e promotor de conflitos diversos na esfera socioeconômica. Utiliza para tanto alguns dos principais autores contemporâneos no campo da sustentabilidade urbana (ACSELRAD, 1999, 2009; NEWMAN, 1993; SACHS, 1993; GIRARDET, 1997; GUIMARÃES, 1997; RUANO, 1999; RUEDA, 1998, 1999; ROMERO, 2000, 2003, 2006, 2007, 2009; ROGERS, 2001; WIRTH, 2005; CARMONA et all, 2007, entre outros), no âmbito nacional e internacional. Situa o Brasil nesse embate global entre o capital, o desenvolvimento e os paradigmas da sustentabilidade, vislumbrando a promoção de novas formas e modelos de se pensar e propor o planejamento e o projeto de cidades. 1. RELEVÂNCIA DO TEMA A humanidade, historicamente e como forma de sobrevivência na natureza e, posteriormente, como fortalecimento de civilizações, sempre buscou o convívio social. Assim, a célebre frase ―O homem é um ser social‖, como bem traduziu Aristóteles (384-322 a.C), se faz cada vez mais atual no contexto contemporâneo de urbanidade e globalização. Segundo os estudos divulgados pelas Nações Unidas (UNFPA, 2007), “Em 2008, pela primeira vez na história, mais da metade da população mundial – 3,3 bilhões de pessoas – estará vivendo em áreas urbanas”, e os prognósticos seguem para 5 bilhões até 2030, sendo que na África e Ásia a população urbana dobrará entre 2000 e 2030. Por sua vez, a urbanização brasileira nos últimos 50 anos transformou e inverteu a distribuição da população no espaço nacional. Se em 1945, a população urbana representava 25% da população total de 45 milhões, em 2000 a proporção de urbanização atingiu 82%, sob um total de 169 milhões. Na última década, enquanto a população total aumento 20%, o número de habitantes nas cidades cresceu 40%, especialmente nas nove áreas metropolitanas habitadas por um terço da população brasileira (RATTNER, 2009). Projeções estatísticas do IBGE (2004) apontam que a população brasileira atingirá o ápice com o patamar de 260 milhões de habitantes por volta de 2060, quando, a partir de então, a população deverá regredir lentamente. Portanto questiona-se, como será a situação das cidades brasileiras frente à essas perspectivas? Para os tempos atuais e em virtude das necessidades emergenciais, o presente estudo pretende apresentar modelos urbanos alternativos à lógica vigente e que atenuem a crítica perspectiva do modelo de vida e de cidade capitalista frente ao esgotamento de recursos e ao quadro de acentuação de crises sociais. 2. OBJETIVOS 2.1 Objetivos Gerais: • Revisão bibliográfica e conceitual sobre o tema; • Situar a importância da morfologia urbana na constituição e interpretação da cidade e da sociedade; • Compreender as relações macro urbanas e de planejamento urbano e regional; • Traduzir e interpretar a imagem urbana;


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• Analisar o urbano através de escalas (macro – meso – micro); • Comparar a cidade compacta versus a cidade difusa a partir de diversas pesquisas. 2.2 Objetivos Específicos: Face à conjuntura global de urbanização e seus efeitos decorrentes na sociedade e na qualidade de vida atual e futura, este trabalho busca apontar algumas ferramentas de planejamento e projeto urbano, que vislumbre a implementação e reabilitação de cidades sustentáveis. 3. PROCEDIMENTO METODOLÓGICO O trabalho se sustenta sobre algumas etapas metodológicas, desenvolvidas através de pesquisas no Laboratório de Sustentabilidade Aplicada à Arquitetura e Urbanismo (LaSUS) da FAU-UnB, bem como dos estudos realizados na disciplina de Urbanismo Sustentável na Pós-Graduação da mesma instituição. Assim, transcorreram-se as seguintes fases: 1. Fundamentação Teórica - Pesquisa sobre as cidades e projetos urbanos pregressos, seus desmembramentos teóricos e tecnológicos, bem como suas respostas para a sociedade e no decorrer da história urbana até o século XX; 2. Estudos de Caso e Experimentos Urbanos Sustentáveis – Essencialmente, sobre propostas das últimas duas décadas, a partir das recentes pesquisas científicas, tecnologias disponíveis e exigências futuras de energia e recursos; 3. Respostas e Apontamentos para o Futuro – A partir do entendimento das etapas anteriores, se propõe algumas ferramentas teóricas para a realização de projetos urbanos sustentáveis, adequados à realidade socioeconômica, cultural, histórica do lugar. A sustentabilidade urbana, assim sendo, deve ser traduzida como produto cultural do lugar, na promoção da identidade, da cidadania e sentido de pertencimento aos indivíduos ao seu respectivo espaço urbano. 4. RESULTADOS Este trabalho delimita parte dos desafios e caminhos para a sustentabilidade urbana nacional, amparado por teorias e conceitos contemporâneos à problemática ambiental, provenientes de pesquisas nacionais e internacionais. Não obstante, devese compreender que a noção de sustentabilidade é dinâmica, conforme as relações científicas e tecnológicas de cada época, bem como o surgimento de novas necessidades e demandas humanas, espaciais e ambientais. Nesse contexto, entende-se que o urbanismo sustentável é um conceito em constante evolução ou revisão, resultante de experimentos, vivências, pesquisas e interações dos fenômenos socioculturais, econômicos, ambientais, tecnológicos. Assim sendo, os resultados apresentados pelas teorias e práxis estudadas apontam para uma necessária avaliação dos contextos dos sistemas urbanos sustentáveis a partir de escalas (macro-meso-micro), associados ao entendimento da equidade das políticas públicas a partir do social, econômico e ambiental (Quadro 01). A gestão urbana transcende ao regional e às interações das políticas e dinâmicas espaciais dos distintos pontos do território. Para essa percepção das escalas dos sistemas urbanos sustentáveis, é vital compreender (através de pesquisas e acompanhamento de dados), as relações do ―sistema-entorno‖ (RUEDA, 1999:15). Deste modo, estabeleceu-se o Quadro 02 como um ponto de análise das conexões e parâmetros dos sistemas urbanos a partir da ótica da sustentabilidade.


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PROJETOS URBANOS CONTEMPORÂNEOS Nadia Somekh (SP) Acabamos de assistir à apresentação da Prefeitura de São Paulo do conjunto de Operações Urbanas Diagonal Norte/Sul previstas na Reunião do Plano Diretor em debate na Câmara Municipal. Em dezembro de 2008 perguntávamos na Conferência realizada em São Paulo do Urban Age, por que São Paulo não apresentava grandes projetos urbanos como nas outras grandes metrópoles? Levantamos algumas hipóteses para responder a essa questão. Em primeiro lugar por que ainda não existem instrumentos de gestão metropolitana para articular municípios e definir novas centralidades. Também inexistem instrumentos de gestão urbana que consigam articular interesses privados para construção de espaços públicos de qualidade e ainda, instrumentos financeiros que permitam a inclusão social. A grande desigualdade social, apesar dos programas de redistribuição de renda federais permanece como marca das nossas cidades. Como as grandes cidades no mundo tem tratado essa questão? Alguns elementos recorrentes podem ser ressaltados na experiência internacional de projetos urbanos. No caso de Puerto Madero, em Buenos Aires, assinalamos a importância da criação de uma entidade administrativa público-privada para a implementação do projeto. Além disso, destaca-se a recuperação do patrimônio histórico constituído pelos antigos armazéns, a preocupação com a questão ambiental concretizada na implementação de parques, com jardins e espaços públicos generosos. A busca de um programa com a definição de atividades, bem como do uso residencial, também tem seu exemplo na operação do Parc Citroën, no XVeme arrondissement, em Paris, o qual, além da implementação de um parque na área deixada pela indústria automobilística, define atividades do terciário avançado e a mistura de classes sociais na definição do uso residencial. Essa característica – bem como a definição de uma entidade administrativa central – está presente em todas as operações francesas, que têm no poder público grande agente coordenador e impulsionador, por intermédio de pesados investimentos para alavancar os bons resultados dos projetos propostos. Nas experiências de Bilbao e na região de Milão, a questão econômica regional é encarada de forma diferenciada. Na primeira, a reconversão industrial exigiu do poder público um esforço de criação de inúmeras entidades de planejamento voltadas para a atração de investimentos (Abascal, 2004). Na segunda, a Agência de Desenvolvimento Milão-Norte, sem a entidade metropolitana, desenvolveu projetos urbanos de resultados voltados a um desenvolvimento endógeno. Em Bilbao, é emblemática a implantação do Museu Guggenheim como ―âncora cultural‖, assim como, em Milão, o projeto Pirelli da Biccoca do Teatro Scalla 2. Neste caso, a fábrica da Pirelli ainda mantém 10% de sua produção na área, as residências dos trabalhadores foram preservadas, por se constituírem patrimônio histórico recente, e a implantação de uma unidade universitária, com foco na inovação tecnológica, completa a produção de empreendimentos residenciais para estudantes e a população de diversas faixas de renda. É interessante destacar a atuação da prefeitura de Sesto San Giovanni, na região do Norte de Milão, que tem 70% de sua área esvaziada de produção industrial (incluindo parte dos domínios da Pirelli). O esforço dos quadros do município, apoiados pela Agência Nord de Milão, obteve êxito na reconversão de grandes plantas de siderurgia, como a Falck e a Breda, em pequenas e médias unidades produtivas, devido a um esforço de negociação com os sindicatos, resultando na capacitação para o empreendedorismo dos trabalhadores desempregados das grandes unidades metalúrgicas. Não só em Milão, como também em Londres, na experiência de Docklands, a participação da iniciativa privada, em larga escala, nos empreendimentos imobiliários,


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só se realiza na medida da implantação de linhas de transporte que criaram uma centralidade, ampliando a acessibilidade para o centro. No caso de Milão, uma linha com apenas duas paradas une a nova centralidade ao norte com o centro da cidade. Em Docklands, a linha Jubilee, implantada em 2000, reafirma o sucesso imobiliário de um projeto anteriormente considerado fracassado, permitindo sua posterior expansão. Em síntese, os elementos recorrentes apontados pela experiência internacional incluem uma unidade de gestão centralizada, a importância nuclear da questão dos transportes gerando as chamadas novas centralidades, a existência de âncoras culturais, bem como de ambientes ou setores voltados para a inovação tecnológica, além do investimento na ampliação da qualidade dos espaços públicos oferecidos à população. Acrescente-se a essa receita a freqüência com que projetos arquitetônicos de grife são encontrados no espaço dessas mesmas experiências, com alguns nomes recorrentes, como Cesar Pelli, Norman Foster, Jean Nouvel, dentre os mais procurados. Portanto, apesar de ser louvável a iniciativa da Prefeitura de São Paulo, a partir do que foi discutido na Conferência do Urban Age ainda faltam, grandes investimentos em transporte de massa, elementos de gestão metropolitana, de gestão urbana e financeira para transformar São Paulo numa metrópole contemporânea.


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OS NOVOS FORMATOS ESTRATÉGICOS Jorge Bassani (SP) Este trabalho traz observações sobre a questão das estratégias de renovação urbana com o objetivo de entender os grandes dilemas enfrentados pela realidade brasileira nestas ações. O caso emblemático para tais observações é o bairro da Luz em São Paulo. Localizado junto ao centro histórico da maior economia da América Latina, alvo de programas, projetos e investimentos públicos há mais de trinta anos, tema de milhares de teses, artigos e matérias jornalísticas, contudo continua em condições deploráveis. Em 2009 foi aprovada a lei de concessão urbanística para a área definida como ―Nova Luz‖ 1 e concluída a contratação, por edital, dos escritórios que se encarregarão dos projetos. Para 2010 está prevista a inauguração da nova estação de metrô que funcionará como pivô da conexão dos transportes metropolitanos sobre trilho de São Paulo. Entretanto, todo o processo continua sobre fortes suspeitas de não efetivar-se, as parcerias com o setor privado, para viabilização do empreendimento, parecem muito longe de serem acordadas, assim está sendo mostrado pela mídia2. A Luz é o caso exemplar da inviabilidade crônica dos projetos urbanos para São Paulo, ou, então, das dificuldades da poder público proceder às conjugações entre plano e projeto para as nossas cidades. Propõe-se como base para as observações deste trabalho um suporte comparativo com o projeto para Euralille3, na cidade francesa de Lille, por ocasião da implantação da estação do TGV nesta cidade. Tal análise comparativa pode parecer estranha, em um primeiro momento, para compreensão dos processos de viabilização (ou inviabilidade) de reformas urbanas em São Paulo. Contudo, alguns aspectos das duas situações podem indicar com alguma clareza, tanto os formatos estratégicos das intervenções recentes em nível internacional, quanto a inabilidade da sociedade paulistana em levar a cabo projetos em escala urbana de alcance metropolitano. O primeiro destes aspectos é relativo à escala territorial, compreendendo-a em seu âmbito físico geográfico, mas, também, abrangendo seus posicionamentos na lógica da economia global. Euralille é um nó ferroviário interligado a toda a Europa ocidental, a Luz é um equivalente em escala metropolitana (da quinta maior população do planeta). O projeto para Lille atua em escala continental, para São Paulo projeta-se um bairro com ressonância metropolitana. Porém as duas cidades investem para concorrer no mercado internacional globalizado. Essas escalas definem os padrões urbanísticos e arquitetônicos que nortearão as estratégias fundamentais do plano e indicarão o caráter do ambiente proposto pelo projeto urbano. Outro aspecto relacionado à escala é o intra-urbano. Na escala urbana, ambos os projetos estão circunscrito em perímetros bem demarcados, com extensões administráveis para o projeto urbano4. Contudo, a situação francesa, produzindo um trecho de cidade para transferência, passagem, coloca a necessidade de concentrar e adensar. Em São Paulo, o posicionamento da Luz, concentrando a rede de transportes ferroviários urbanos e como borda de um centro combalido pela entropia5, sugere mais a dispersão, um sprawl6 que favoreça adensamentos de populações e funções, o desenvolvimento de vetores e nucleações de transformações urbanas. Em termos estratégicos, Euralille existe motivado por um agente externo, a chegado do TGV. A renovação da Luz, embora altamente marcada hoje pela nova estação-pivô da rede metroferroviária, é motivada pela própria decadência, pela sua importância histórica e sua posição na geografia urbana. Contudo, a presença dos complexos de transportes - em impacto, volumetrias e acessibilidades - exige definições de morfologia, funções, tipologias e equipamentos desenvolvidos na escala do projeto. Em Lille, primeiro providenciou-se a aproximação estratégica da estação ao centro da cidade, depois os projetos e sua divulgação detonaram os acordos com o Capital para sua execução. Em São Paulo, os projetos para a Luz, e já foram muitos,


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estão sempre em estágios preliminares e mesmo as tentativas de negociação das glebas ou a concessão urbanística precederam o masterplan definitivo para a renovação. O projeto é a materialização do plano na esfera da vida urbana e das estratégias por ele definidas a partir da compreensão das escalas e definição dos objetivos e possibilidades. O projeto é por onde se penetra nas potencialidades das novas situações urbanas renovadas, suas novas relações espaciais, mas também suas novas sociabilidades e suas novas condições econômicas e reprodutoras de vida urbana. O projeto deve conferir fomatividade ao plano. A abstração7 formatada pelo projeto para Euralille é tão estratégico quanto à definição dos novos usos, ela sinaliza o destino do novo lócus, a antena para a Europa, as conexões. Nesta formatação projetual está definido como se inserem os interesses diversos, públicos e privados. Os projetos para a luz deveriam preceder qualquer negociação com o capital privado. O caráter do novo bairro deveria estar definido formalmente. E, ao contrário do vago urbano ocupado em Lille8, a Luz exige um tratamento de contexto, é uma incrustação em tecido consolidado, histórico e fortemente simbólico. A questão das estratégias normalmente é entendida como as programáticas9, Entretanto este artigo quer defini-la em patamares mais abrangentes. O próprio projeto e como ele se insere na sociedade em termos culturais, físicos e econômicos deve ser visto como condução estratégica, não só das transformações propostas, como, também, da viabilização delas. Aqui o comparativo Lille-Luz nos interessa pontualmente. O projeto, suas decisões e como ele é inserido nas discussões urbanas promovem a viabilização quase instantânea para Euralille. As indecisões projetuais somadas as descontinuidades administrativas está na raiz da inviabilidade crônica das intervenções em nossas cidades. Contudo não devemos perder de vista as questões sociais inerentes às realidades urbanas e suas transformações, mais que não as perder de vista é necessário coloca-las em foco, não se intervém na cidade existente sem a compreensão de suas estruturas físicas, mas, principalmente, de suas estruturas sociais. Enquanto o projeto para Lille inscreve-se em uma realidade de capitalismo avançado e forja meios para sua reprodução, a Luz não pode ser encarada sem considerar o enorme déficit social de São Paulo, o grande condensador das agruras atuais do bairro. O fechamento do trabalho é uma pauta para discussões sobre plano e projeto urbanos enquanto instrumentos estratégicos a partir das duas situações e suas confrontações. Palavras-chave: Cidade contemporânea; Renovações urbanas; Estratégias urbanas 1. ―A área de intervenção urbana aqui denominada NovaLuz compreende uma extensão de aproximadamente 362 mil metros quadrados localizada na região central da cidade de São Paulo. Ao longo dos últimos anos, a região veio sofrendo um processo de esvaziamento populacional e desvalorização imobiliária, comum ao restante do centro da cidade‖. Na atual gestão a intervenção está sendo conduzida pela EMURB, e a área definida como ―Nova Luz‖ está assim apresentada no portal da Prefeitura de São Paulo (http://portal.prefeitura.sp.gov.br/empresas_autarquias/emurb/nova_luz/0001). 2. O jornal O Estado de São Paulo do dia 20/12/2009 declara em manchete: ―R$ 1,2 bi e 36 ações em 12 anos: e não se vê a cracolândia virar Nova Luz‖ 3. O projeto para Euralille é de 1989 elaborado pelo escritório OMA de Rem Koolhaas, em 1994 a estação do TGV estava inaugurada e 1995 todo o complexo funcionando. 4. O sítio definido para Euralille tem dimensões de 123 hectares. A Nova Luz, quase o dobro, 225 hectares. Considerando as proporções urbanas a área da Luz não pode ser caracteriza como extensa demais. 5. O termo está sendo utilizado como o apontado por Manoel de Solá-Morales em ―Ações estratégicas de reforço ao centro‖, in: ―Os centros das metrópoles – reflexões para a cidade democrática do século XXI‖ (p. 112) 6. O sprawl é entendido por Robert Venturi mais especificamente como o espalhamento suburbano. Aqui nos interessa mais um caráter tentacular. 7. O projeto proposto pelo OMA é pura abstração, resultado de um jogo de fluxogramas (como pode ser visto em S, M, L, XL - p. 1156-1209) é um encaixe geométrico no sítio. 8. A área geográfica definida para a implantação do projeto pode ser qualificada vago urbano, ao lado da antiga estação de Flandres, e cortada por expressas perimetrais ao centro histórico, um vazio entre a cidade histórica e as ocupações do sáculo XX.


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9. “..estratégia não é mais que aquilo que antes chamávamos um programa de intervenção. Portanto, a estratégia é um programa para inovação geral. Para inovação dos produtos da indústria, para inovação dos produtos que animam ou mudam uma cidade”. Portas, Nuno, in: “Os centros das metrópoles – reflexões para a cidade democrática do século XXI‖, p 121-122.


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URBANISMO PARAMÉTRICO | PARAMETRIZANDO URBANIDADE Robson Canuto da Silva (PE) Luiz Manuel do Eirado Amorim (PE) Nos últimos anos, Zaha Hadid e Patrik Schumacher e vêm desenvolvendo uma série de projetos urbanos com forte caráter experimental, explorando, por um lado, o vocabulário tipológico da tradição urbanística e, por outro, sistemas de desenho paramétrico, visando ao desenvolvimento de novas formas urbanas ou novas geometrias urbanas complexas. Tais processos inovadores de projetação vêm sendo chamados de urbanismo paramétrico (SCHUMACHER, 2008a). Trata-se de uma nova corrente de desenho urbano que se fundamenta essencialmente nos sistemas de desenho paramétrico, nos quais são os parâmetros de um determinado objeto que são declarados e não a sua forma, ou seja, o foco de interesse não é a forma em si, mas os parâmetros que a geram. Essas ferramentas, ―originalmente desenvolvidas nas indústrias aeroespacial e automotiva como uma forma de possibilitar o desenho de formas curvas complexas, há muito vêm tendo um forte impacto no processo de projeto de edifícios‖ (FERRE, 2007, p.51), especialmente por aprimorar a concepção e a representação gráfica digital de componentes construtivos. Nos últimos anos, essas tecnologias vêm sendo paulatina e deliberadamente transladadas para o urbanismo, isto é, para o desenho urbano de larga escala, constituindo o urbanismo paramétrico. Arquitetos e urbanistas envolvidos com essas práticas argumentam que os sistemas paramétricos possibilitam gerar, rapidamente, diferentes alternativas de desenho a partir da simples alteração de valores de um parâmetro particular, permitindo a geração de diferentes cenários urbanos para serem posteriormente avaliados, facilitando a tomada de decisão durante o processo de criação (KOLAREVIC, 2000; MENGES, 2006; SCHUMACHER, 2008). O urbanismo paramétrico explora essas novas tecnologias para constituir novas lógicas de desenho urbano. Aplica técnicas de variação, diferenciação e deformação, tanto das malhas urbanas como das massas edificadas, rechaçando, deste modo, princípios compositivos que caracterizaram a arquitetura e o urbanismo modernos, tais como a repetição de elementos padronizados, o desenho de objetos platônicos, linhas retas e ângulos retos. Além disso, considera os aglomerados urbanos como um enxameado de vários edifícios, os quais determinam um campo em constante mutação e utiliza as técnicas referidas para gerá-los (SCHUMACHER, 2008b). Visa, ainda, à articulação com os tecidos urbanos pré-existentes, por meio dessas estratégias formais, e à instituição de espaços urbanos com intensa vida urbana, através da promoção de mistura de usos e densidade. Todavia, observa-se que, apesar das potencialidades oferecidas pelo urbanismo paramétrico para aumentar a eficiência e qualidade das propostas de desenho urbano, o modelo explora apenas parâmetros de natureza formal, ambiental e funcional para, com isso, constituir ambientes urbanos intensos. Embora Zaha Hadid e Patrik Schumacher admitam em seus discursos que ―um bom projeto urbano deve animar o solo‖ (MARCUS, 2008), os parâmetros com os quais trabalham são insuficientes para garantir tal animação. As estratégias empregadas pelo urbanismo paramétrico são insuficientes para garantir que os espaços urbanos propostos tenham êxito no que se refere à promoção de urbanidade. Embora densidade e mistura de atividades urbanas sejam atributos importantes da vida urbana, não são os primordiais, uma vez que a própria configuração espacial dos grids urbanos (seu sistema de espaços abertos e fechados) determina padrões de movimento através do espaço, o que é definido na literatura como movimento natural (HILLIER et al, 1993; HILLIER et al, 1987; HILLIER e HANSON, 1984). Parâmetros de configuração espacial, portanto, são essenciais para a concepção de novas formas urbanas, entretanto, eles não têm sido explorados pelo urbanismo paramétrico, o que é


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observado, não apenas a partir dos discursos de diversos autores envolvidos com essa prática, como também através dos vários projetos urbanos produzidos por Zaha Hadid e Patrik Schumacher nos últimos dez anos: One North Masterplan, em Cingapura; o Kartal- Pendik Masterplan, em Istambul e o Thames Gateway Masterplan, em Londres. Assim sendo, o trabalho propõe alternativas para o aperfeiçoamento do urbanismo paramétrico a partir da introdução de parâmetros de configuração espacial, fundamentados na teoria da lógica social do espaço e nos paradigmas de urbanidade e formalidade (HOLANDA, 2002). Tais paradigmas foram apresentados por Frederico de Holanda em O Espaço de Exceção. Holanda (2002) desenvolveu uma metodologia para aferição dos padrões de urbanidade das porções urbanas. Argumenta-se, portanto, que urbanidade é parametrizável e que as variáveis espaciais empregadas por Holanda (2002) para aferi-la podem ser convertidas em parâmetros manipuláveis computacionalmente e introduzidas em processos de projeto urbano paramétrico, com a finalidade de garantir a proposição de arranjos urbanos mais eficientes no que diz respeito ao desempenho da vida urbana.


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PLANOS E PROJETOS PARA A CIDADE INFORMAL NO SÉCULO XXI Elisabete França (SP) Na cidade de São Paulo mais de 30% dos moradores, ou seja, cerca de três milhões de pessoas vivem em condições de alguma precariedade urbana, parcela significativa de uma população (85 milhões) que no Brasil, entre as décadas de 60 e 90, foram acolhidas nas áreas urbanas. Essas famílias vivem em áreas precárias conhecidas como favelas, cortiços ou loteamentos clandestinos. Desvinculadas da chamada ―cidade formal‖ são exemplos inequívocos da desigualdade no espaço urbano. Frente à complexidade e dimensão dessa realidade elaborar a política habitacional para a cidade de São Paulo, não é tarefa das mais fáceis. Em primeiro lugar é preciso conhecer de forma profunda e detalhada, quais são os problemas a serem enfrentados, evitando a simples formulação de um discurso vazio sobre a pobreza urbana. Uma política habitacional séria e de longo prazo pressupõe o estabelecimento de prioridades e, como consequência o atendimento, em primeiro lugar, das famílias mais vulneráveis. A partir desse entendimento, está em curso na cidade de São Paulo o maior programa de urbanização de favelas do país: cerca de 120.000 famílias beneficiadas com obras em favelas. O Programa de Urbanização de Favelas tem como propósito central a superação de um conjunto de déficits relacionados à infraestrutura, acessibilidade, equipamentos e serviços públicos, como também a construção de novas e dignas moradias. Nas obras de urbanização, além da implantação da infraestrutura, estão sendo construídas 10.000 unidades habitacionais, que substituem as moradias insalubres ou localizadas em áreas de risco, nas quais anteriormente viviam as famílias desses assentamentos. O conceito central da intervenção é o da permanência dos moradores e da garantia de continuidade dos investimentos realizados na construção da moradia. Tomando a própria cidade como fonte de solução, a intervenção tem como principal objetivo a construção de espaços públicos de qualidade que respeitem as preexistências ambientais e culturais e que provoquem, sobretudo, a diluição das fronteiras urbanísticas e simbólicas entre a área antes ―informal‖ e os bairros ―formais‖. As propostas de intervenção decorrem da identificação das características, demandas e expectativas dos moradores, levantamento este que resulta de um intenso trabalho de longo prazo realizado junto às comunidades afetadas. Os projetos enfrentam o desafio central da necessidade de articulação de espaços e equipamentos públicos, de forma a propiciar áreas de convivência social. A urbanização das favelas e a sua integração à cidade, dotada de bens, equipamentos e serviços necessários à vida urbana contemporânea, faz com que seus moradores tenham multiplicadas suas possibilidades de acesso ao trabalho, ao estudo, à saúde, invistam na melhoria de suas casas e, finalmente, adquiram reais condições de cidadania. A cidade, reconhecida como espaço privilegiado das relações humanas e como foro eminentemente democrático, permite que valores opostos coexistam e sejam confrontados, contradizendo os conceitos conservadores dos agrupamentos isolados. Esse papel privilegiado que a cidade assume – espaço da convivência democrática – está relacionado com a extensão de acesso às oportunidades a todos os seus habitantes.


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Projetos estratégicos em Pernambuco: O papel do Núcleo Técnico de Operações Urbanas (NTOU) Zeca Brandão (PE) A Equipe que tomou posse em 2007, no Governo do Estado de Pernambuco, empreendeu uma nova direção política para a questão do ordenamento do espaço físico em vista da implantação de grandes projetos estruturadores que dão nova dinâmica à paisagem urbana e à configuração regional. Com o objetivo de gerir estes direcionamentos, foi criado o Núcleo Técnico de Operações Urbanas (NTOU) já no início daquele ano, ligado à Secretaria de Planejamento e Gestão. A equipe é constituída por técnicos em planejamento, arquitetura, urbanismo e modelagem financeira, visando consolidar conhecimentos para uma atuação de natureza consultiva, propositiva e articuladora de projetos arquitetônicos e intervenções urbanas de interesse do Estado. Ao se avaliar as administrações recentes, constata-se o baixo impacto de grandes obras e investimentos econômicos na qualidade de vida das cidades e, consequentemente, da população. Grande parte destas intervenções se mostram pontuais ou desarticuladas, não respondendo às esperadas vantagens sociais, mesmo na presença de grandes incentivos fiscais e econômicos. Projetos foram implantados sem sintonia com outros investimentos, tornando as ações pouco efetivas e sem rebatimento na elevação do capital social, humano e ambiental. A formação de um núcleo técnico, atuando junto ao Governo do Estado, responde à necessidade de consolidar uma agenda visando maximizar as oportunidades proporcionadas pela implantação de grandes projetos estruturadores através de operações urbanas consorciadas, reconhecidas em todo o mundo como as experiências mais efetivas na transformação de áreas e regiões urbanas. Elas são concebidas como um conjunto de medidas coordenadas pelo Poder Público, com a participação de investidores privados, objetivando alcançar transformações urbanísticas, melhorias sociais e valorização ambiental. Entende-se que ocorrem distorções quando o poder público abdica de seu papel formulador e coordenador para aceitar, unidirecionalmente, os interesses do capital privado. No contexto aqui apresentado, o Estado ao contar com um núcleo técnico capaz de pensar, propor, e coordenar operações urbanas consorciadas estará potencializando resultados, assim como fortalecendo suas políticas públicas. São competências do NTOU: • Pesquisar, simular e avaliar os impactos de projetos e empreendimentos urbanos propostos, identificando potencialidades, sinergias e novos arranjos de consórcios e parcerias. • Desenvolver estratégias para promover a participação da sociedade e do capital privado na viabilização ampliada dos empreendimentos. • Formular novas propostas de operações urbanas consorciadas, identificando oportunidades e articulando os diversos interesses públicos e privados. O NTOU prestou apoio técnico ao Comitê Pernambuco na Copa para garantir uma maior sinergia e repercussão das ações de planejamento, articulação e integração entre planos e projetos, também na aplicação dos investimentos e na integração das ações do Governo do Estado e das Prefeituras. O Núcleo ainda realizou diversos estudos de intervenções urbanas consorciadas, definindo áreas passíveis de abrigar novos usos e áreas que devem ter os usos otimizados. Entre esses estudos se destacam: 1. Arena Recife Olinda 2. Cidade da Copa 3. Parque do Cordeiro 4. Capitania 5. Centro Administrativo


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6. Complexo de Salgadinho 7. Porto do Recife


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PILOTIS, PARANGOLÉS & OUTRAS METATERRITORIALIDADES Pedro Manuel Rivaben de Sales (SP) O quê é que na cidade não se enquadra em cada um dos pólos da divisão formalidade/informalidade, embora pertença aos dois? Que aciona mecanismos de proximidade e semelhança, ao mesmo tempo em que marca oposição? Que é precário e produtivo? E se isso existe, qual a noção e as escalas que lhe correspondem? O solo urbano, afinal, é dobra e plano, topografia e cadastro, que permeia cada e toda parte cidade, e modula os processos de ocupação e distribuição de valores. Mas, daí, como captar e provocar as transformações materiais e expressivas no desenho e usos do solo que impliquem uns intervalos fecundos entre o formal e o informal no território contemporâneo? Que ideias podem ajudar a mapear o relevo e traçar as linhas de agenciamento mais abertas e menos pré-identificáveis a modelos? A noção de metaterritorialidade talvez ajude: em pressuposição com o fato de (des)territorialização remeter à (in/e)stabilidade, ela fala de graus mínimos de organização das situações e disposições. Terreiros: é disso que trata essa brevíssima exploração. Formal e informal são palavras larga e consensualmente utilizados quando o tema é o comércio urbano, mas, sobretudo, quando o discurso é referido à própria cidade, a sua divisão e separação social, a sua estruturação territorial, a sua disposição fundiária. Neste caso, formal e informal, implicando o par incluído/excluído, constituem quase categorias, modos de ser incontornáveis dela (pelo menos nas condições historicamente dadas). A favela e alfaville (Jaques, 20030): realidades incomensuráveis, nitidamente distantes, mais em termos sociológicos, econômicos e urbanísticos que propriamente físicos, espaciais. Até coexistem vizinhas, mas não convivem: a não ser por uma relação de exploração. Ou de barganha. O que dá no mesmo. É verdade que 60% do parque imobiliário das cidades brasileiras é irregular, alheio a regimes cadastrais e marginal a regulações urbanísticas. Assim informalidade, irregularidade e ilegalidade caminham juntas no mapa de distribuição de grande parte da população urbana brasileira e suas atividades. Medidas urbanísticas, tributárias e jurídicas mais ou menos (in)consequentes, mais ou menos participativas ou tecnocráticas, mais ou menos autoritárias, mais ou menos abrangentes alternam-se nas principais cidades, sem, no entanto, alterar o duradouro e recorrente quadro da divisão sócio-territorial. Então, à parte do mercado, do estado e da academia, — estando eles alinhados dois a dois, à direita ou à esquerda —, é através das brechas ou fendas que existem e/ou se abrem sucessiva e intempestivamente entre as três instâncias — e, sempre, a despeito delas —, por onde fogem, escoam e se multiplicam os fluxos da vida coletiva e da formação das subjetividades em variação contínua. Nas antigas concepções do ser só havia o estável e o instável, o movimento e o repouso; a metaestabilidade, rica em potenciais ou devires, não lhes era conhecida. Assim proposta, a concepção do ser não repousa sobre a unidade de identidade, mas, antes, sobre a unidade transdutora. Isso quer dizer que o ser pode se defasar nele mesmo, transbordar-se de um lado e de outro de seu centro [...] e não um constituir-se modelo que esgotaria sua significação consoante uma sucessão que seria sofrida por um ser primitivamente dado e substancial (Simondon, 1964). Retomando Deleuze (2004), o corpo em devir, em intensidade, como potência de afetar e de ser afetado, é antes de tudo, corpo afetivo, intensivo, anarquista, que só comporta zonas, limiares e gradientes. Ou como sugere Sauvagnargues (2004) a propósito: esse corpo em devir ressoa um sujeito larvar, uma massa material capaz de suportar grandes modificações, um tecido informal suscetível de atualizar um grande número de formas; comportando movimentos, dobras e tensões, ele indica dramatizações espaciotemporais, diferenciações locais. Materialidade virtual a se atualizar; matéria intensa e não formada que ainda não se configurou enquanto composição estável, e


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que apresenta, portanto, um coeficiente mínimo de organização e, por isso mesmo, aberta e resistente a movimentos sistemáticos, escorregamentos, torções que só o embrião (ou o espaço-esboço) pode suportar: o adulto (o espaço-acabado) sairia dilacerado (Deleuze, 2006). Dilacerando potencialidades de vida. Então, para a cidade contemporânea, a questão que se coloca é: quanto, quando ou onde os movimentos (se) desterritorializam, os agenciamentos (se) decodificam, os corpos (se) desorganizam, sem, no entanto, desaparecerem ou se destruírem? Mesmo porque “desfazer o organismo nunca foi se matar, mas abrir o corpo a conexões que supõem todo um agenciamento... É necessário guardar o suficiente do organismo para que ele se reforme a cada aurora" (Zourabichvili, 2004). Uma resposta produtiva poderia ser terreiro: terra de ninguém — não tem dono e não tem forma acabada — e terra de todos — usufruída de modo coletivo e contingente. Metaterritorialidades transdutoras entre o público e o privado, o sagrado e o profano, o exterior e o interior, o aberto e o construído. Espaço-esboço, sóbrio, carente de composição estável ou significado a priori, seu grau de ordem é mínimo. Descarregada da conotação rural (produtiva e festeira) ou sacra (oficial ou clandestina), arcaizante, simbólica ou mítica, tal figura admitiria uma nova acepção ou atualização urbana? Como talvez possa ser entrevisto em torções artístico arquitetônicas da dicotomia formal-informal (os casos do parangolé HO e do vão livre do MASP são formidavelmente fecundos), não só parece que sim, mas que cabe expandi-la sintática e pragmaticamente, isto é, como condição de possibilidade construtiva e programática coerente com a indeterminação e imprevisibilidade de novos agenciamentos em devir. Grau zero de forma e substância, onde a ambigüidade, a ineficácia e a desobediência constituiriam paradoxais protocolos de acesso e catálise de relações imprevisíveis, dissolvendo os limites, barreiras e fronteiras políticoespaciais, o terreiro pode também significar desmanchamento de certos mundos - sua perda de sentido - e a formação de outros (Rolnik, 2004). Portanto, o que nele ou dele passa a importar para a arquitetura e o urbanismo é a constituição sempre renovada de espaços larvares, espaços-esboços de incubação e atualização de novas potencialidades. Tudo isso, como dupla captura ou desvio, isto é, como encontros ou conexões transversais de objetos heterogêneos, “parciais”, eles próprios capturados, desativados ou desviados para serem utilizados para outros fins, que não preexistiam anteriormente, mas que só nascem em sua própria efetuação (Sales, 2009).


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INQUIETAÇÕES TEÓRICAS E ESTRATÉGIAS PROJETUAIS DESTINADAS À QUALIDADE AMBIENTAL E À TOTALIDADE URBANA.

Milton Esteves Junior (ES) Caroline Vallandro Costa (ES) À guisa de introdução - As metrópoles contemporâneas são sobreposições de estruturas que interagem num remix de ações e acontecimentos que põem em cheque a manutenção dos parâmetros de produção e gestão do território até agora adotados e, consequentemente, da própria qualidade de vida urbana. Os espaços públicos estão cada vez mais sujeitos a fluxos e velocidades (materiais e imateriais de veículos, informações, mercadorias etc.) que impõem transformações capazes de apagar quaisquer vestígios de sentido, coerência ou identidade daquilo que denominamos ―lugares‖. Isso justifica nossos estudos voltados ao conhecimento e reconhecimento dos principais valores existentes no território expressos por seus habitantes em suas próprias territorialidades e focados em duas principais instâncias: na cognição e interpretação das novas configurações territoriais; na interação entre essa cognição e seus reflexos em conceitos e estratégias projetuais voltados ao planejamento e a gestão do território. Para tanto, buscamos subsídios que estimulem formas de apreensão e representação capazes de aliar inquietações teóricas, essenciais às pesquisas científicas, às experiências sinestésicas de percepção e apreensão na concreticidade do território, desejáveis aos projetos atentos às virtudes, deformidades e demandas presentes nos lugares. O urbanismo (enquanto ciência e processo) e a urbe (enquanto fenômeno) resultam de múltiplas e complexas relações entre sujeitos e destes com o território que não podem estar limitadas a um único fundamento disciplinar ou teórico-conceitual. Por isso, aliamos redes de saberes e estratégias processuais ligados à psicogeografia, à situlogia e ao mapeamento cognitivo: instrumentos transdisciplinares voltados ao conhecimento da história dos lugares por meio da identificação dos interesses, dos conflitos e das características socioculturais e ambientais experimentados no momento da (re)cognoscibilidade dos próprios acontecimentos. Mergulho no território: o universo empírico - A faixa territorial sorteada para nossa ―experimentação‖ foi aleatoriamente escolhida porque entendemos que os conceitos estudados podem ser aplicados em qualquer espaço. Pensamos primeiramente nos lugares que vinham à mente: partes da cidade de Vitória, que por algum motivo oculto ao nosso entendimento imediato, eram pontuados no mapa. Preferimos optar pelo sorteio de dois pontos onde praticamos o que denominamos ―mergulho no território‖, o qual provocou descobertas e revelou detalhes essenciais do lugar. Para não nos limitarmos ao simples diagnóstico, analisamos a cidade com olhos voltados à solução do que consideramos práticas que afetam negativamente a vida urbana. Confirmamos que a cidade contemporânea continua sofrendo influência de intervenções radicais e que seus efeitos levam ao predomínio do automóvel e ao zoneamento funcional, determinantes da ampliação de distâncias, no espalhamento do tecido urbano e da ineficiência de atendimento às necessidades da vida cotidiana. No centro de Vitória identificamos esses e outros efeitos como: desequilíbrios e conflitos entre as formas de ocupação urbana e preexistências geológicas e ambientais; políticas inadequadas para os fatores inerentes à habitação; desleixo no tratamento dos espaços de pedestres e ciclistas em prol do transporte automotivo; falta de critérios adequados à concepção e gestão do uso e da ocupação do solo; inúmeros conflitos entre atividades comerciais (formal X informal); descaracterização do patrimônio histórico e cultural; ênfase à produção de espaços voltados apenas ao consumo; descaracterização das lógicas sociais, culturais e paisagísticas preexistentes; cerceamento da vida pública pela produção de lugares que não


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estimulam permanências e encontros. Nota-se, portanto, que em Vitória se reproduzem espaços estéreis e isentos de interrelações por estarem mais voltados à separação em ilhas de produzir, morar, trabalhar e circular do que à qualificação urbana pretendida. Assim, além das interações entre os espaços de fluxo e das atividades em grandes escalas, nosso desafio é estender e consolidar a citada qualificação à totalidade urbana. Do território ao projeto - Para o desenvolvimento de políticas urbanas eficazes, propomos o agenciamento da cidade de modo a: produzir conectividade entre os diversos segmentos segregados da cidade; proporcionar um desenho urbano que estimule a participação dos cidadãos na construção do espaço coletivo; promover interdisciplinaridade entre aos diversos saberes e ações que concorrem às políticas urbanas eficientes. Propomos um conjunto de ações sobre essa espécie de hipergênese, essa grande sobreposição de tecidos urbanos que se encontram esgarçados e dilacerados onde se fazem necessários processos de regeneração e reconstituição através de tecidos novos. Propomos um conjunto de neoformações difusoras de forças e instrumentos voltados à diversidade e qualidade urbanas com o objetivo de desencadear um processo de redistribuição qualitativa destes espaços e fomentar a melhoria da vida urbana. Arquitetamos uma rede de espaços de moradia, cultura, lazer, e tráfego eficientes que não neguem as prerrogativas do lugar. As experiências telúricas, tectônicas e tácteis que promovem o conhecimento do território como etapa prévia à projetação transcendem o conhecimento e o imaginário individuais para resgatar e potencializar o ―poder do projeto‖. Por meio deste, lançamos diretrizes para inferências interativas à realidade do território em prol da construção de um novo meio ambiente, de uma nova arquitetura e um novo urbanismo devidamente entendidos no âmbito coletivo, em prol dos espaços de convergências, encontros e permanências, para superar os desgastados paradigmas de produção do espaço urbano, geradores do alisamento do território. Contra a banalização da vida pública por meio de clivagens e barreiras que tornam a cidade contemporânea num território estéril e inóspito propõe-se: permear interstícios e porosidades com esses instrumentos e equipamentos agenciadores da complementaridade urbana; aparelhar a cidade com esses insumos voltados à qualificação dos espaços de convivência; promover a acessibilidade aos espaços das relações intersubjetivas; contaminar as ―funções urbanas‖ com esses canais e circuitos de fluxos de interações e informações; fazer emergir inovações capazes de irradiar espaços úteis e lúdicos à totalidade urbana. A esse extenso conjunto de forças que se espalham pelo território de modo rizomático, que se projetam nos interstícios urbanos emitindo qualidade urbana evitando desigualdades e alisamentos, que será objeto central de outros trabalhos aliados a este, denominamos Neogênese. Palavras-chave: Estruturas ambientais Urbanas; Territórios e Territorialidades; Estratégias Prospectivas e Projetuais;


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Os processos de preservação do patrimônio histórico Coordenadores: Carlos Eduardo Comas e Fernando Diniz A obsolescência de nossas estruturas arquitetônicas e urbanas acontece de forma cada vez mais rápida. Muitos edifícios e áreas da cidade, inclusive aqueles construídos ao longo do século XX, apresentam problemas de conservação e estão sob risco de descaracterização ou demolição. A ideia de que a arquitetura moderna e contemporânea é um patrimônio cultural e, como tal, merece ser conservada para as futuras gerações, ainda não está consolidada na sociedade. O envelhecimento precoce das edificações, o uso de novos materiais sem tradição construtiva e durabilidade comprovada, o abandono dos materiais tradicionais, a suposição de que os edifícios modernos não precisavam de manutenção, e o não entendimento da pátina como algo positivo na arquitetura moderna são alguns dos desafios na conservação da arquitetura moderna. Esses desafios exigem uma reflexão mais cuidadosa. Como as teorias clássicas do restauro podem nos ajudar a refletir sobre esses novos problemas? Como aceitar a pátina na arquitetura moderna? Como entender os processos de deterioração de novos materiais e sistemas construtivos e quais os procedimentos mais adequados para intervenções de restauro e conservação? Como introduzir novos usos em edifícios pensados para usos hoje obsoletos? Como atender às novas demandas sociais, tecnológicas e energéticas sem alterar a integridade e a unidade estética desses edifícios e conjuntos? Quais os parâmetros mínimos a serem observados para a conservação?


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MEMÓRIA E ESQUECIMENTO Marcelo Ferraz (SP) Os conjuntos tombados e/ou classificados como patrimônio histórico aumentam com o passar do tempo. Novos conceitos e abordagens fazem com que tenhamos "olhos" e interesse voltados para aspectos que merecem atenção, herança de nosso passado recente. Como administrar tudo isso? Como definir o que fazer e o que não fazer em cada situação, na hora de uma intervenção? Pretendo abordar esse dilema dos órgãos de defesa e preservação do PH e da própria sociedade como um todo. O que guardar, o que esquecer? Como guardar? Como, nós arquitetos, podemos atuar nessa seara confusa e interessante do PH, com maior envolvimento político, ultrapassando a área estrita do projeto arquitetônico? Apresentarei três experiências de intervenção em PH em diferentes contextos, para diferentes usos: O Museu Rodin Bahia, o Museu do Pão, em Ilópolis e o Museu do Pampa, em Jaguarão.


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AS HEGEMONIAS E AS INOVAÇÕES DAS IMAGENS CULTURAIS DAS CIDADES Cêça Guimaraens (RJ) INTRODUÇÃO A socialização do conhecimento e a troca ampla das informações anunciaram, desde meados do século XX, grandes transformações socioespaciais e, consequentemente, culturais. As atividades do setor cultural —marcos principais das ações do Estado neste início de século— são priorizadas, e, portanto, os recursos aplicados em museus e centros culturais garantem desenvolvimento político e econômico. Nesta perspectiva, o campo cultural gera empregos e mantém espaços urbanos que se encontram em decadência física. Assim, as áreas centrais e periféricas, degradadas ou não, das cidades são objetos de ações concretas voltadas à requalificação simbólica e, de modo especial, as funções originais de edifícios históricos são transformadas. Dessa maneira, novas instituições culturais tornaram reais, sob determinados aspectos, os acessos de todos à Cultura. Nesta perspectiva, a mudança conceitual e operacional enfatizou a dimensão humana e a função social dos museus para incluir a participação dos diferentes grupos e, de modo amplo, reconhecer, sobretudo, a importância dos museus de vizinhança e dos ecomuseus. Nesta perspectiva, verifica~se o enquadramento histórico da Sociomuseologia em que se destaca o papel e a importância da museologia de cunho social, conforme as Declarações de Santiago (1972) e de Quebec (1984), documentos difundidos pelas instituições internacionais da área (UNESCO, MINOM e ICOM). O conceito de ―museu‖ em que se associa o território à população e ao patrimônio opõe-se à noção que articulava o edifício ao público e à coleção ou acervo. Desse modo, as expressões museológicas da contemporaneidade traduzem, em adequada terminologia, a consideração das relações entre ambiente social e o desenvolvimento das populações. Considera-se, portanto, que devem ser estimuladas pelso governos as ações referentes à priorização do conhecimento próprio e à importância do respeito mútuo. Portanto, a formação das consciências das populações e do papel dos diferentes grupos sociais que as compõem, implica na criação de novos museus e nas transformações operacionais e físicas dos museus existentes. DISCUSSÃO A investigação de conteúdos críticos relativos à renovação da imagem da cidade por meio da promoção da arquitetura de edifícios históricos destinados à difusão da produção cultural demonstrou largamente que, ao ser mantida direta ou indiretamente por verbas públicas, durante algum tempo, a atividade cultural estava relacionada ao setor hegemônico. Entretanto, dentre as ações que abrangem a promoção dos produtos da arte e da cultura, destacam-se, hoje, em primeiro lugar, os museus de comunidades, os de etnias e os ecomuseus. Por outro lado, a modernização de áreas centrais e a adequação de edifícios históricos para os quais se atribui a finalidade cultural, ainda estariam a absorver e consolidar parte considerável da infraestrutura que impulsiona a imagem e democratiza a vida dos centros das cidades. Apesar disso, a consolidação das atividades dos museus da Maré e da favela Pavão-Pavãozinho é exemplo fortemente significativo das ações em que a democratização da cultura e dos aspectos conceituais e tipológicos avançam para contrariar as situações ―fechadas‖ e tradicionais.

CONCLUSÕES


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A importância da articulação dos edifícios de museus centrais aos novos lugares de memória exige maior grau de qualidade funcional e de organização espacial para que sejam privilegiadas as condições de preservação dos reais fatos de origem. Em tais ações se denotariam as reais possibilidades da criação de roteiros culturais e da adequação técnica dos edifícios de museus e centros culturais de toda natureza. Porém, quando se considera as diferentes formas de apoio e incentivo, verifica-se também que a maioria das atividades e a programação das instituições governamentais são suportadas por meio das parcerias público-privadas vultosas. E, quando a administração e a origem dos centros culturais são da população ―civil‖ e das comunidades, o orçamento que sustenta os planos e projetos é de natureza pública. Dessa maneira, o estudo busca ampliar a definição dos indicadores referentes à qualidade dos espaços e às formas de gestão patrimonial, demonstrando que a arquitetura de museus e centros culturais integra diretamente a cultura à manutenção das comunidades em seus bairros e favelas. Palavras-chave: cidades, lugares de memória, Rio de Janeiro


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PROJETO E PREEXISTÊNCIA: UMA ANÁLISE CRÍTICA DE INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO EDIFICADO NO BRASIL Nivaldo Vieira de Andrade Junior (BA) Ao longo desta comunicação, serão analisadas as mais significativas intervenções arquitetônicas em edifícios e sítios preexistentes realizadas no Brasil a partir da década de 1930, quando as edificações e conjuntos do passado passaram a ser entendidos como objetos representativos da nossa história e da nossa identidade, sendo reconhecidos e protegidos através do instrumento do tombamento. A nossa narrativa parte da construção da Caixa d‘Água no Alto da Sé de Olinda, projetada por Luís Nunes e concluída exatamente no ano em que foi criado o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) e, com ele, uma política federal de salvaguarda do patrimônio edificado. Em seguida, são analisados dois projetos realizados por dois dos mais renomados arquitetos modernos brasileiros desenvolvidos dentro do próprio SPHAN nos primeiros anos de existência do órgão e tendo como desafio a inserção de novos usos e arquiteturas em conjuntos já então tombados. O Museu das Missões em São Miguel, no Rio Grande do Sul, projetado por Lucio Costa (1937-1940), e o Grande Hotel de Ouro Preto, projetado por Oscar Niemeyer (1937-1945), representam dois marcos desta nova forma de intervir em sítios de valor cultural neste primeiro momento, criando híbridos que associam materiais novos e elementos arquitetônicos do vocabulário moderno a referências à arquitetura tradicional local. Seguem-se algumas intervenções realizadas nos anos 1950 e na virada dos anos 1960 nos sítios históricos de Diamantina, Salvador, Recife e Rio de Janeiro. São projetos de autoria dos principais protagonistas da arquitetura moderna no Brasil, como Oscar Niemeyer, Francisco Bolonha, Delfim Amorim, Diógenes Rebouças e Hélio Duarte. De uma maneira geral, essas intervenções se caracterizam pela falta de compromisso com os edifícios e sítios preexistentes: ainda que eventualmente sejam feitas concessões pontuais ao contexto, a preocupação dos arquitetos parece ser mais consolidar a nova arquitetura moderna do que de dialogar com as preexistências. Na primeira metade da década de 1960, através de projetos como o do Museu de Arte Moderna da Bahia no Solar do Unhão (Lina Bo Bardi, 1962-1963) e do Edifício Ipê no Centro Histórico de Salvador (Paulo Ormindo de Azevedo, 1965), ocorre uma retomada das intervenções contextualistas que são, ao mesmo tempo, ciosas das suas urgências de modernidade que haviam marcado os primeiros anos da ação de preservação do patrimônio no Brasil. Esta abordagem terá continuidade nas décadas seguintes, com projetos como a Capela de Santana do Pé do Morro em Ouro Branco, Minas Gerais (Éolo Maia, 1977-1980) e no Centro de Cultura e Lazer SESC Pompéia em São Paulo (Lina Bo Bardi, 1977-1986). Essa abordagem contextualista, contudo, acabará em alguns casos resvalando em projetos historicistas e na construção de pastiches, nos quais a intervenção se confunde com os elementos ou edificações preexistentes, como na casa na Rua das Flores, em Ouro Preto, projetada por Éolo Maia entre 1979 e 1985. Em paralelo às anacrônicas intervenções de excessivo mimetismo com as preexistências, surgem projetos de orgulhosa modernidade que, contudo, reinterpretam ou complementam a arquitetura do passado em chave moderna, de maneira criativa e com materiais atuais, como determinam as teorias mais recentes do restauro. É que ocorre no projeto de Rodrigo Meniconi e Maria Edwiges Leal para o Colégio Caraça, em Santa Bárbara, Minas Gerais, no projeto de Lina Bo Bardi e Lelé para o conjunto da Ladeira da Misericórdia em Salvador, e no projeto de Paulo Ormindo de Azevedo para o Centro Cultural Dannemann em São Félix, todos realizados na segunda metade dos anos 1980. Não é fácil, contudo, construir novas edificações de uso público e institucional em meio a conjuntos arquitetônicos consolidados. Prova disso são as críticas


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recebidas por projetos tão dispares – ainda que praticamente contemporâneos – como o de Lelé para a Prefeitura de Salvador (1986), na praça mais antiga da primeira capital brasileira, e o de Éolo Maia e Sylvio de Podestà para o Centro de Informações Turísticas Tancredo Neves (1984-1992), na Praça da Liberdade, espaço cívico por excelência da capital mineira e caracterizado por um imponente conjunto de palacetes ecléticos que o projeto de Maia e Podestà buscou reinterpretar. Um exemplo bem sucedido de nova edificação em sítio preexistente, dado que discreto e ao mesmo tempo marcadamente atual, é o edifício comercial situado na Rua do Bom Jesus, nº 147, no Recife Antigo, projeto de Ronaldo L‘Amour (1993-1996). No caso de adaptação de ruínas a novos usos, duas intervenções exemplares que retomam a abordagem da Capela de Ouro Branco de Éolo Maia são o Parque das Ruínas em Santa Teresa, no Rio de Janeiro (Ernani Freire e Sonia Lopes, 1995-1997) e a Capela de Nossa Senhora da Imaculada Conceição na Oficina Brennand, em Recife (Paulo Mendes da Rocha, 2004-2006). Através da utilização exclusiva de materiais e técnicas construtivas atuais, os novos elementos são capazes de resgatar uma utilização prática àqueles dispositivos arquitetônicos fora de uso, ao mesmo tempo em que conservam a aparência de resíduo da arquitetura remanescente através do contraste entre velhas e grossas paredes de tijolos aparentes e materiais contemporâneos como vidro, aço e concreto aparente. É o que ocorre também em outros projetos de Paulo Mendes da Rocha, como o Museu da Língua Portuguesa na Estação da Luz (2000-2006) e a revitalização da Pinacoteca do Estado de São Paulo (1993- 1998), ainda que não possuam ruínas como ponto de partida mas sim edifícios em razoável estado de conservação. Com outra demanda – a de criar anexos a edifícios ou conjuntos arquitetônicos preexistentes –, será essa também a abordagem de diversos projetos recentes do escritório Brasil Arquitetura, como o Memorial da Imigração Japonesa em Registro, São Paulo, o Museu Rodin da Bahia em Salvador e o Museu do Pão em Ilópolis, Rio Grande do Sul. Palavras-chave: projeto arquitetônico; preexistências edificadas; Brasil


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DESAFIANDO NIEMEYER. A PRESERVAÇÃO COMO PROJETO. Carlos Eduardo Comas (RS) Discussão da preservação do patrimônio arquitetônico e urbanístico moderno como projeto de reforma que ganha contornos peculiares quando o autor do projeto original é chamado a intervir na própria obra, com particular atenção aos casos do Grand Hotel de Ouro Preto e do Conjunto do Ibirapuera.


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APRENDENDO COM OS CONCURSOS PÚBLICOS DE URBANISMO. OS EPISÓDIOS DE BRASÍLIA (1957-2002) Frederico Flósculo Pinheiro Barreto (DF) Brasília, Distrito Federal, até os dias de hoje, somente teve dois concursos de âmbito nacional, relacionados ao seu urbanismo. O primeiro foi o do próprio projeto da cidade, promovido em 1957, com 22 concorrentes, sendo vencido por Lucio Costa. O segundo foi destinado a um tema algo surpreendente para uma cidade então com apenas 42 anos: a revitalização de uma extensa área central da cidade, cuja aparente crise ou de-vitalidade atingira tal estágio que obrigou o Governo do Distrito Federal a proceder a um Concurso Público Nacional de Ideias e Estudos Preliminares de Arquitetura e Urbanismo para a Revitalização da Via W3, em Brasília, Distrito Federal, em 2002. Esta comunicação pretende oferecer alguns elementos para uma discussão dos Concursos Públicos em nossa área de Arquitetura e Urbanismo, em geral, mas especialmente de concursos públicos envolvendo cidades inteiras ou significativas frações de nossas cidades. Mais especificamente ainda, o debate ocorre sobre os dois concursos públicos nacionais de urbanismo que ocorreram para/na Capital Federal, até os dias de hoje, nos episódios de 1957 e, 45 anos depois, em 2002. Por quê haveria algo a aprender com Concursos Públicos de Urbanismo? Em primeiro lugar, por envolverem problemas urbanos de grande abrangência, conferindo enorme visibilidade à área de atuação do arquiteto e urbanista e, portanto, uma esmagadora responsabilidade profissional. Em segundo lugar, porque podem implicar – ainda que não seja uma implicação necessária – o aporte teórico renovador para a compreensivelmente complexa área do projeto e da gestão urbana, e vale o esforço do exame apurado de cada episódio de competição pública, em benefício do avanço de nossa ciência das cidades. Há, ainda, um grande número de pontos a serem oferecidos, que sustentam a importância da análise das competições profissionais no campo do urbanismo, mas o autor oferece, para o momento, uma derradeira: porque podem mostrar cruciais contradições entre o universo dos problemas urbanos e o universo das autorepresentações dos arquitetos, deduzidas de suas práticas profissionais no âmbito público, que traem a influente presença de círculos de privilegiados, que monopolizam politicamente a atividade do projeto urbano, mesmo sem liderança intelectual. No caso de Brasília, são notórios os extraordinários desdobramentos da proposta de Lucio Costa, magistral, e que resultou numa fração inicial do que hoje é Brasília, de inegável beleza e valor urbanístico. Contudo, devemos considerar pelo menos três aspectos desse notável concurso que ainda permanecem subavaliados, e que tiveram grande repercussão na evolução da cidade real: (1) o fato de Lucio Costa não ter cumprido o Edital, com respeito às propostas de crescimento da cidade, (2) o fato de o seu Plano Piloto ser, na verdade, uma espécie de objeto isolado e irrepetitível, e (3) o fato de que as 4 escalas conceituais da cidade (monumental, gregária, bucólica, residencial) nunca terem sido esclarecidas em suas inter-relações e dimensões específicas, mas terem se oferecido a interpretações independentes, livres, ilimitadas. O segundo Concurso Público de urbanismo, nacional e dirigido à Capital, ocorre 45 anos depois, e sua relevância deve ser colocada em dúvida, em face dos grandes problemas de organização urbana que se acumularam e recrudesceram nesse período. Esse episódio oferece um enorme leque de questões a serem abordadas acerca da evolução urbana de uma cidade alegadamente planejada, mas cujos percalços de gestão são caracterizados por violentos assaltos da política nacional – como o golpe militar de 1964 e o período de ditadura que se segue, até o ano de 1985 -, assim como por impressionantes vícios de administração pública e


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episódios de corrupção ao longo do período de Autonomia Política (com a eleição dos Governadores do Distrito Federal e a constituição de sua Câmara Legislativa). A demanda do Concurso Público Nacional para a Revitalização da Via W3 expõe sérios problemas de interpretação acerca do que seja ―vitalidade urbana‖ e acerca das prioridades e dos valores de gestão urbana explicitados pelo Governo do Distrito Federal naquele momento. Uma das interpretações propostas para debate é a de que a demanda era equivocada, resultante de um erro grosseiro de avaliação decorrente da forma de implantação do Metrô de Brasília – que deveria servir à intensamente usada Via W3 e foi desviado para o grande vazio urbano, o deserto de atividades e usos que é o Eixo Rodoviário de Brasília. O conjunto das propostas feitas pelas 28 equipes de urbanistas é de enorme interesse para a análise: a maioria esmagadora das propostas consistia em revitalizações propelidas por mais edificações, pela intensificação de usos e pelo utilização predominante de ideias ditas ―morfológicas‖ que dificilmente poderiam ser associadas aos diagnósticos de de-vitalidade que faziam, e aos postulados efeitos revitalizadores que teriam. As propostas, ao final, foram essencialmente classificadas em termos do impacto decrescente que teriam sobre a paisagem urbana pré-existente (tombada como Patrimônio Urbanístico Mundial), embora outros aspectos relacionados ao modo como coordenaram as questões de circulação e transportes, acessibilidade e uso do solo também fossem utilizados como critério de seu julgamento. Deve merecer a atenção o fato de que a equipe vencedora era composta predominantemente por psicólogos ambientais (grupo de pesquisa do Instituto de Psicologia da UnB), sob a coordenação de um arquiteto – o autor desta comunicação. A proposta considerou uma diversidade de modelos de interação entre as pessoas e o ambiente urbano, e estruturou uma grande diversidade de micro intervenções de forma associada à constituição de um grande Corredor Cultural, com base em bemsucedidos precedentes em atividade nessa fração urbana estudada. Mais importante, a gestão do processo de revitalização urbana foi definido como política pública compartilhada com a comunidade – representada, em especial por Prefeituras Comunitárias. Ao longo dos 8 anos até hoje passados, aspectos da proposta foram seletivamente adotados pelo governo – que, no entanto, atacou a proposta vencedora de forma agressiva e desqualificadora por várias vezes. No estágio atual, é consolador que as Prefeituras Comunitárias tenham usado a proposta vencedora em sua defesa contra uma série de atos do governo local, que atua claramente em benefício dos mais poderosos interesses imobiliários. Palavras-chave: Concursos Revitalização Urbana.

Públicos

de

Urbanismo;

Urbanismo

Comunitário;


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OS DESAFIOS PARA A CONSERVAÇÃO DA ARQUITETURA MODERNA Fernando Diniz Moreira (PE) Este texto procura prover uma visão de conjunto sobre os principais desafios que temos pela frente em relação à conservação da arquitetura moderna. Nos últimos quinze ou vinte anos, assistimos muitos casos de intervenções e restaurações de edifícios modernos, algumas bem sucedidas e outras que comprometeram irreversivelmente o valor dos bens. O envelhecimento dos edifícios modernos e as intervenções que estão sendo feitas colocam uma série de desafios que merecem uma reflexão mais cuidadosa: • Em primeiro lugar, está a própria atenção que os arquitetos dispensavam à funcionalidade que, conjugada com a rápida obsolescência funcional, traz dificuldades para se encontrar e introduzir novos usos, além de problemas na adaptação aos novos padrões ambientais e de segurança. • Em segundo lugar, encontra-se a dimensão material do edifício que inclui problemas como o uso de materiais novos sem tradição construtiva, o uso de materiais tradicionais de forma inovadora, a falta de entendimento do desempenho dos materiais a longo prazo, as falhas na construção, os problemas de detalhamento e o uso de materiais fabricados em série. • Em terceiro, estão os sistemas infraestruturais (aquecimento, ar condicionado, água, eletricidade, etc), que precisam ser substituídos para que o edifício continue em uso, o que geralmente acarreta problemas de adequação. • Em quarto, aparece a ausência de uma cultura da manutenção, que afeta diretamente os edifícios modernos, pois o discurso sobre a excelência dos novos materiais gerou a crença de eles durariam eternamente. • Em quinto, está a dificuldade em aceitar-se a pátina nos edifícios modernos, já que os materiais e superfícies reluzentes das publicações de época fizeram com que os sinais deste envelhecimento não fossem compreendidos como um valor. • Em sexto, encontram-se os desafios colocados pela conservação de conjuntos habitacionais que não conseguiram acompanhar as transformações sociais como o envelhecimento, enriquecimento e empobrecimento de suas populações. • Por fim, em sétimo, o reconhecimento e tombamento, que ainda não estão presentes mesmo em países com tradição de arquitetura moderna, devido a uma série de fatores: o fato de avaliar a significância ser algo que requer distância no tempo, a diversidade e escala da arquitetura do século XX, a pouca visibilidade da arquitetura moderna para o grande público entre outros. Esses desafios remetem-se não apenas às dimensões técnica e material do edifício, mas questionam o próprio arcabouço teórico da conservação. Entretanto, não acreditamos que precisamos de toda uma nova teoria e que nem a conservação da arquitetura moderna deva ser diferente da conservação de obras de um passado mais distante. A análise desses desafios será referenciada por estudos de casos. As fontes foram os principais seminários e encontros internacionais sobre o tema, registrados em publicações como Modern Matters (1996), Structure and Style (1998), Preserving post war heritage (2001), Preserving the Recent Past I (1995) e II (2000), Curare Il Moderno (2002), WHC Papers: Identification and Documentation of Modern Heritage (2003) e Architetura e Materiali del Novecento (2004), além de casos reportados em revistas como Journal of Architectural Conservation, Monuments Historiques, Arkos, Docomomo Journal e APT Bulletin. Após elencar estes desafios, o trabalho apresenta a forma como eles tem sido enfrentados no âmbito de uma experiência de capacitação em conservação da arquitetura moderna. Essa experiência foi o I Curso Latino Americano sobre a Conservação da Arquitetura Moderna (MARC-AL). Uma realização do CECI e do ICCROM, com o apoio do Docomomo-Brasil e da UFPE, o MARC-AL foi a primeira


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iniciativa de treinamento no campo da conservação da arquitetura moderna na América Latina, Ele teve como objetivo formar uma profissionais capazes de entender os valores da arquitetura moderna, de identificar os problemas relativos à sua conservação e, consciente das teorias da conservação, e de intervir nesses edifícios, traçando planos de conservação. O curso foi estruturado em cinco módulos, sendo os quatro primeiros ministrados a distância e o quinto um módulo presencial desenvolvido em novembro de 2009 em Recife, com uma viagem de estudos a Belo Horizonte e Brasília. Palavras chave: conservação da arquitetura moderna, materiais, tombamento.


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INTERVENÇÃO EM SÍTIOS HISTÓRICOS: METODOLOGIA E PROJETO Juliana Barreto (PE) Vera Milet (PE) Rosane Piccolo (PE) A prática da intervenção arquitetônica em sítios históricos tombados tem permanecido como um grande desafio, tanto para os profissionais que elaboram os projetos, como para as instituições responsáveis pela salvaguarda do patrimônio cultural. Vários são os fatores que podem ser atribuídos a essa questão, como a complexidade das relações urbanas e arquitetônicas que devem ser mantidas no sítio, a incompreensão ou mesmo deficiência dos instrumentos legais existentes, a ausência de estudos tipológicos, de materiais e de sistemas construtivos referentes ao imóvel onde será feita a intervenção, entre outros. Pode-se afirmar que tais assuntos são subjacentes à metodologia projetual de intervenção em áreas de reconhecidos valores históricos, arquitetônicos e culturais.1 Assim sendo, esse trabalho tem por objetivo discutir como promover e orientar uma produção arquitetônica que assegure a conservação do legado patrimonial baseada na reflexão disciplinar como referência metodológica projetual. A base documental de investigação são os projetos de intervenção arquitetônica no casario do Sítio Histórico de Olinda, em Pernambuco, aprovados, nas últimas décadas, pelas instituições de proteção: a Prefeitura de Olinda (PMO) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, (IPHAN). A análise desse material evidenciou que existe grande diversidade de trâmites administrativos e de tipos de requerimento para a intervenção arquitetônica. As mais recorrentes correspondem aos serviços de restauração, reconstituições volumétricas, reformas, demolições e novas construções. Toda essa documentação encontra-se devidamente catalogada e seriada em fichas de análise no acervo da pesquisa. Embora a demanda por projetos de intervenção no casario histórico de Olinda seja um pleito de caráter contínuo, a análise de projetos de intervenção pelas instituições de proteção, se constitui numa atividade pouco sistematizada. Em geral existe grande dificuldade de entendimento entre técnicos das instituições, profissionais responsáveis pelo projeto, e proprietários dos imóveis ou moradores. Por esse motivo, contribuir com a reflexão sobre os modos de intervir em sítios históricos, que se traduzam em qualificação desse legado cultural sem perdas de suas características singulares, pode promover uma profícua discussão que se traduza em maior qualidade da produção arquitetônica nesse campo específico. Os sítios históricos são áreas, zonas ou setores da cidade, reconhecidos e registrados por suas condições únicas de formação e representatividade históricocultural, que têm sido objeto de pesquisa e encontros científicos, que consolidaram práticas e conceito teóricos. Tais referenciais devem ser apropriados tanto pelos profissionais que desenvolvem projetos de intervenções em sua estrutura edificada, como pelos profissionais responsáveis pela analise dos respectivos projetos de intervenção. A metodologia proposta pelo trabalho Conservar: Olinda Boas Práticas no Casario, reafirma a consolidação e difusão dos conceitos e metodologias contidos nas Cartas Patrimoniais2. Nessa abordagem, a paisagem, as edificações, o ordenamento urbano e a vivência dos moradores são elementos componentes dos sítios históricos e o modo de intervenção nesse conjunto de elementos pode promover a preservação dos atributos e valores do sítio histórico e do espírito do lugar. Embora seja evidente que processos de transformações sociais, econômicas e culturais pelas quais os sítios históricos têm passado, afetam diretamente no uso e na conservação dos imóveis. No caso de Olinda, muitos dos registros históricos que refletem a ocupação têm sido perdidos por intervenções que desconhecem, ou mesmo desrespeitam o caráter único do lugar. No entanto é evidente que bons projetos se


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configuram como elementos difusores fundamentais capazes de garantir a conservação das características essenciais dos imóveis e do uso adequado. Nesse sentido, a prática de projeto de intervenção arquitetônica em sítios históricos requer um conhecimento específico acumulado pelo profissional antes do início da atividade projetual propriamente dita. A base legal existente federal, estadual e municipal são importantes ferramentas que complementam esse conhecimento prévio. Além desse referencial imprescindível à concepção do projeto, considera-se ainda relevante a apropriação dos modos de apresentação dos projetos de intervenção e os materiais complementares que auxiliam o entendimento da ideia original do projeto (Marques e Maisa, 2007). Na mesma medida, os memoriais descritivos, as pesquisas iconográficas, históricas, arqueológicas se tornam essenciais nesse processo. Bem como a justificativa técnica e uma cuidadosa representação gráfica capaz de traduzir o estado em que a edificação foi encontrada e as ideia e os conceitos que conduzem a adoção de decisões projetuais. Assim, o cruzamento da base teórica, com informações relativas ao levantamento, análise e avaliação e seleção de bons projetos de arquitetura e dos modos de intervenção em sítios históricos, com os processos de aprovação no casario de Olinda, permitiu a reflexão para a construção de um método projetual, que pode vir a ser adequado para os casos de intervenções em sítios históricos no geral. De maneira sucinta, os principais passos que devem ser seguidos pelo projetista responsável por uma obra em sítio histórico são os seguintes: (i) definição do programa de necessidades; (ii) consulta às legislações de proteção; (iii) pesquisa histórica (documentos escritos e iconográficos) sobre o imóvel e área de intervenção; (iv) pesquisa arqueológica (dependendo do nível da intervenção); (v) levantamento e análise do conjunto urbano e arquitetônico em que o imóvel se encontra inserido de modo a se apropriar das relações resguardadas com o entorno; e, por fim, (vi) o levantamento físico-arquitetônico da situação do imóvel. Esse procedimento mínimo que fundamenta o projeto de intervenção tanto permite ao projetista dispor das informações necessárias para orientar a proposta, garantindo a melhor conservação do edifício, como, ao mesmo tempo, subsidia a análise do técnico para que o mesmo conceda uma avaliação mais baseada em dados documentais e científicos, do que no recorrente subjetivismo. Não apenas a construção e o seguimento de uma metodologia de elaboração de projetos de intervenção em sítios históricos são eficazes para os profissionais que atuam nessa área, como promove a preservação das características essenciais desse legado ao longo do tempo. Palavras-chave: projeto de intervenção; sítio histórico; salvaguarda do patrimônio. 1 Essa reflexão é fruto do projeto desenvolvido, em 2009-2010, pelo Centro de Estudos Avançados da Conservação Integrada (CECI) intitulado ―Conservar: Olinda Boas Práticas no Casario‖, com financiamento do Fundo de Diretos Difusos, do Ministério da Justiça. 2 A referência a Cartas Patrimoniais se reporta ao conjunto de documentos que resultaram de encontros internacionais promovidos pela UNESCO, OEA, ICOMUS e IPHAN, entre outros.


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ARQUITETURA, SAÚDE E MODERNIDADE: CONTRIBUIÇÕES PARA A POLÍTICA PATRIMONIAL BRASILEIRA Renato Gama-Rosa Costa (RJ) Este trabalho pretende trazer à discussão o desafio de se patrimonializar a arquitetura produzida para a saúde durante o primeiro governo Vargas (1937-1945). Essa produção estava concentrada em equipes formadas por arquitetos, engenheiros, desenhistas e técnicos, diretamente vinculadas à estrutura administrativa do Ministério. Modernistas ou modernas, os projetos saídos das pranchetas dessas equipes não têm frequentado os compêndios sobre arquitetura moderna brasileira e, muito menos, os livros de tombo. Os edifícios projetados e construídos nesse período e por essas equipes certamente valorizam o esforço de seus arquitetos, cuja dedicação pode estar expressa nas ações do Ministério da Saúde na construção de hospitais e sanatórios, englobadas no que se chamava a época a ‗Cruzada Sanitária da Era Getuliana‘ e em torno da organização hospitalar que originou na criação, em 1941, dos serviços nacionais de saúde (tuberculose, febre amarela, doenças mentais, lepra, ect.) e da Divisão de Organização Hospitalar. Paralelo a esse movimento político-institucional percebe-se, neste período, a conquista do protagonismo dos arquitetos em relação aos projetos para a saúde, sobretudo o hospitalar. O auge deste processo pode ser percebido na organização do curso oferecido em São Paulo pelo IAB, em 1953, que contava com médicos como professores, mas majoritariamente arquitetos, de entidades privadas e públicas (do próprio ministério, inclusive), procurando profissionalizar e fazer com que estes últimos assumissem a coordenação dos projetos hospitalares que seriam desenvolvidos para todo o Brasil daquele momento em diante. Surgia, assim, uma geração de arquitetos que se especializariam no tema, como João Filgueiras Lima, aluno do curso. O estudo em torno do tema da arquitetura, especialmente o da saúde, não pode permanecer limitado à produção de determinados arquitetos ou de determinadas escolas já consagradas, negligenciando essa produção, cuja proposta aqui apresentada procura analisar e contribuir para a sua valorização e proteção. Para vencer este desafio, primeiro é preciso incluir tais programas e a produção de seus autores no rol de projetos identificados com a temática e estética modernas, além das definições consagradas pela historiografia da arquitetura brasileira. Para isso, é preciso, também, perceber uma produção coletiva e anônima a serviço das políticas públicas e que foge do que comumente se valoriza em preservação de arquitetura moderna no Brasil, que é a produção individual identificada com uma determinada escola ou de reconhecimento inquestionável. Segundo, é preciso identificar nestas edificações elementos que os tornem passíveis de tombamento – envolvendo critérios que vão além do aspecto arquitetônico e do factual, passando a abranger a história e a memória da medicina e da saúde como ferramentas importantes nesse processo. Finalmente, é preciso perceber os limites entre a preservação e a adaptação a um tipo de edificação sempre em constante mutação tecnológica, como a área da saúde. O Hospital da Lagoa, no Rio de Janeiro, é a exceção que confirma a regra. Sua preservação se dá no nível estadual (INEPAC – processo número E-18/001.172/90), tendo sido inscrito no livro de tombo em 1990. Toda via, o tombamento, que certamente valoriza a produção de Oscar Niemeyer e de Helio Uchoa no programa proposto, aposta na preservação de uma produção já consagrada, do que arrisca na preservação de um bom exemplo de construção para a saúde. Na França, arquitetos, historiadores e profissionais do patrimônio vêm discutindo como preservar os sanatórios construídos entre as duas grandes guerras, considerados obsoletos, cuja grande maioria se encontra desativada ou reconvertida, se tornando um desafio para a sua reabilitação. Primeiro, pelo reconhecimento de seu


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valor arquitetônico, enquanto partícipe da modernidade, depois, enquanto valor histórico e patrimonial, para que sejam incluídos nas políticas de recuperação: “Sob a égide dos médicos, aparece um novo tipo de instituição fundada sob os conceitos do isolamento, da cura pelo ar e pela luz, do repouso e da contemplação da natureza, que se transforma em modelo hospitalar. Refutando todo o academicismo, os projetos oscilam entre um funcionalismo maquiado de regionalismo e de uma pesquisa por formas inovadoras que respondem perfeitamente às preocupações dos arquitetos do movimento moderno. Marcados pelos novos conceitos da mecanização, da helioterapia e da flexibilidade, esses edifícios estão na origem de um novo modo de habitar higienista, regido por uma rigorosa disciplina médica, onde as influências sobre as tipologias dos hospitais, dos hotéis e da moradia anunciam os novos valores ambientais da sociedade contemporânea”. 1 No Brasil, as ações de preservação desses espaços de saúde estão inseridas nos trabalhos da Rede Latino- Americana de História e Patrimônio Cultural da Saúde, criada em 2007 e se concentram na realização, desde então, de inventários em capitais brasileiras, procurando identificar instituições e edificações da saúde, com vistas a atos de valorização, preservação e conservação patrimoniais. Este trabalho aponta para a dificuldade de se recuperar dados em relação aos sanatórios construídos por todo o Brasil na Era Varguista e juntar elementos que possibilitem a sua patrimonialização. O objetivo final desta proposta é poder contribuir para as políticas de preservação de bens culturais no Brasil. No caso do patrimônio cultural da saúde esta medida pode efetivamente salvaguardar as edificações identificadas e descritas nas pesquisas e nos inventários em desenvolvimento, relacionados ao tema. Essas edificações, especialmente aos do período moderno, não vêm se constituindo enquanto bens indicados a tombamento, mas são exemplares representativos do campo da saúde, bem como demonstram de que forma os arquitetos traduziram as idéias médicas em projetos e edificações. Palavras-chave: Arquitetura para saúde; modernidade; patrimônio cultural


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PASSADO E PRESENTE EM PROJETOS RECENTES Hugo Segawa (SP) No contexto do subtema ―Os processos de preservação do patrimônio histórico‖, as questões propostas na chamada de trabalhos poderão ser debatidas com a apresentação e discussão de três intervenções recentes em conjuntos patrimoniais: o Centro de Artes de San Luis Potosí, México (projeto Mesarquitectos, 2008), instalado na antiga penitenciária panóptica inaugurada em 1909; a Design Factory em Rotterdam, Holanda (projeto Wessel de Jonge, 2008), ocupando as instalações da fábrica Van Nelle, inaugurada em 1929; e o Museu do Pão em Ilópolis, Rio Grande do Sul (projeto Brasil Arquitetura, 2006), revitalizando o antigo Moinho Fachinetto, da primeira metade do século 20.


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OS DILEMAS DA PRESERVAÇÃO DE EDIFÍCIOS MODERNOS: O CASO DO PAVILHÃO DE CURSOS DA FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ Carla Maria Teixeira Coelho (RJ) Inês El-Jaick Andrade (RJ) O debate internacional sobre a preservação do legado do movimento moderno é ainda bastante recente, tendo sido impulsionado na década de 1980 pelo renovado interesse sobre a produção e o processo projetual modernista e pela criação de associações científicas voltadas para a divulgação e proteção específica deste patrimônio. O distanciamento temporal, que permitiu uma atribuição de valor a esses edifícios, e a pressão econômica e social a que passaram a estar sujeitos1 são destacados por Allan (1994) como os principais motivos para o início do reconhecimento da produção do Movimento Moderno como patrimônio a ser preservado. No Brasil, os primeiros tombamentos de edifícios modernos pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - SPHAN2 ocorreram ainda na década de 1940. Criado em 1937, o SPHAN contou inicialmente em seus quadros com personalidades diretamente ligadas ao Movimento Moderno, como Mário de Andrade e Lucio Costa. Baseado na ideologia da afirmação de uma identidade nacional, nessa primeira fase da instituição foram privilegiados exemplares de alguns momentos particulares da história brasileira, como o colonial, o neoclássico e a própria arquitetura moderna, tendo sido deixados à margem outros, como o ecletismo. Apesar das precoces iniciativas de reconhecimento de edifícios modernos como patrimônio cultural, o debate sistemático sobre a preservação desses edifícios no Brasil também vem tomando força nas últimas duas décadas. A partir dos debates internacionais que vêm sendo promovidos por instituições como DOCOMOMO3, ICOMOS4 e UNESCO5 já é possível identificar algumas particularidades em relação à preservação de edifícios do Movimento Moderno. O presente trabalho tem como objetivo discutir essas questões a partir da análise do Pavilhão de Cursos, edificação modernista localizada no campus da Fundação Oswaldo Cruz em Manguinhos, Rio de Janeiro. Projetado pelo arquiteto Jorge Ferreira, o Pavilhão de Cursos – atualmente conhecido como Pavilhão Arthur Neiva – foi construído entre 1947 e 1950 para abrigar as atividades de ensino e pesquisa laboratorial do Instituto Oswaldo Cruz. O edifício é composto por dois blocos (o maior abriga salas de aula e laboratórios, e o menor o auditório) interligados por uma laje de concreto sobre pilotis. O projeto dos jardins e do painel de azulejos que reveste uma das fachadas do bloco do auditório foi do artista Roberto Burle Marx6. Em 1998 o Pavilhão foi tombado provisoriamente pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - INEPAC7, a partir de solicitação do Departamento de Patrimônio Histórico (DPH) da Casa de Oswaldo Cruz (COC) / Fiocruz. Desde então o DPH vem desenvolvendo estudos e projetos com o objetivo de garantir sua preservação. A relação direta entre forma e função, uma das principais características dos edifícios modernos, impõe grande resistência às adaptações aos novos padrões de vida. A linguagem arquitetônica e os sistemas construtivos empregados buscavam garantir que esses edifícios fossem o retrato de seu tempo. Sendo assim, modificações e alterações sem critério podem desvirtuar completamente as intenções originais do arquiteto. Apesar de manter seu uso original, o pavilhão foi gradativamente adaptado aos atuais padrões tecnológicos e de biossegurança. Para tanto, uma série de adições foram feitas ao edifício, comprometendo a leitura do projeto original. Materiais de revestimento também foram substituídos ao longo dos anos, revelando a dificuldade de aceitação do envelhecimento natural dos materiais construtivos desse tipo de edificação.


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A questão dos materiais novos – produtos do desenvolvimento industrial – e das técnicas muitas vezes experimentais empregados nos edifícios dessa geração também pode ser observada no caso do pavilhão. O bloco do auditório possui uma das faces em curva, revestida pelo painel de azulejos. Um diagnóstico realizado pelo DPH revelou a presença de uma grande trinca na parte superior, que se estendia horizontalmente do início ao fim do painel. O estudo mais aprofundado do problema revelou que a trinca havia sido causado por problemas de incompatibilidade entre os materiais, ou seja, entre o concreto armado da estrutura, a alvenaria de tijolos cerâmicos da platibanda e o painel de azulejos. O conhecimento restrito sobre as características técnicas e o comportamento dos novos materiais ao longo do tempo – especialmente do concreto armado – é considerada uma das principais causas dos ―defeitos‖ construtivos dos edifícios modernos. O painel foi restaurado em 2004, tendo sido necessário alterar o projeto original e substituir a platibanda de alvenaria por uma viga de bordo em concreto. O discurso da racionalidade da forma arquitetônica, onde estão ausentes os elementos tradicionais de proteção8, torna a arquitetura moderna bastante vulnerável à ação do tempo. A inexistência de elementos de proteção contra a incidência de chuva foi responsável por diversas patologias no Pavilhão de Cursos, especialmente nos revestimentos das lajes e fachadas. Com o objetivo de minimizar a degradação dos materiais de revestimento, em uma das intervenções realizadas na edificação foi criado um pequeno beiral sobre o bloco principal, e pingadeiras foram instaladas sob a laje do 1º pavimento. Além das questões técnicas relacionadas à preservação de edificações modernistas, Cherry (1996) destaca ainda o problema da dificuldade de reconhecimento destes edifícios como patrimônio cultural pela população. Por serem produtos de um passado recente, e por estarem muito presentes na vida das pessoas, a conscientização da sociedade sobre a importância de sua preservação é ainda mais difícil. Em 2009 o DPH realizou o concurso de fotografias Olhares sobre Manguinhos, convidando a comunidade da Fiocruz a participar com fotografias do patrimônio cultural edificado e paisagístico da instituição. Do total de 51 fotografias concorrentes, apenas 3 foram inscritas na categoria ―patrimônio moderno‖. Dessas, apenas 2 realmente retratavam uma edificação moderna9, mas nenhuma era do Pavilhão de Arthur Neiva. Hoje, encontra-se em andamento a fase de levantamento e diagnóstico do projeto de restauração do Pavilhão Arthur Neiva. Para o desenvolvimento do projeto serão consideradas as questões apresentadas anteriormente, buscando-se atender às necessidades contemporâneas dos usuários sem comprometer o tecido histórico e a imagem da edificação. Apesar dos problemas específicos que envolvem a preservação de edifícios do Movimento Moderno, os fundamentos teóricos internacionalmente válidos para preservação do patrimônio cultural – como a reversibilidade das intervenções, a distinguibilidade, o respeito ao tecido histórico – devem guiar o desenvolvimento do projeto. Palavra-chave: arquitetura moderna - teoria da restauração – preservação 1 Tendo em vista que suas propostas e tecnologias originais foram superadas por novas necessidades. 2 Atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN. 3 International working party for documentation and conservation of buildings, sites and neighborhoods of the Modern Movement. Criada em 1988 na Holanda com o objetivo de documentar e preservar as criações do Movimento Moderno na arquitetura, urbanismo e em outras manifestações afins. 4 International Council on Monuments and Sites. Criado em 1964 na Itália tem colaborado ativamente no desenvolvimento de técnicas, princípios e políticas de conservação, proteção e reabilitação do Patrimônio Cultural nos países membros. 5 United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. Criado em 1945 na Inglaterra. 6 O painel com motivos de microorganismos marinhos, em tons azuis e brancos, foi executado pelo ceramista Paulo Rossi Osir através da Osirarte. 7 O tombamento definitivo ocorreu em 22/10/2001 (processo E-18/001.538/98). 8 Como beirais de telhados.


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9 A terceira fotografia retratava de uma edificação recém construída.


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O DEBATE PRESERVACIONISTA NA ARQUITETURA MODERNA PARA ÁREA DA SAÚDE: O CASO DA MATERNIDADE ESCOLA ASSIS CHATEAUBRIAND - UFC Cibele Haddad Taralli Magda Campêlo Waldete Freitas Projetos e experiências recentes de intervenções para a preservação de patrimônio arquitetônico moderno, decorrentes de deterioração construtiva, ações do tempo e mudanças de uso, vêm contribuindo para atender às situações arquitetônicas e urbanísticas voltadas para preservação do ambiente construído com exemplos qualitativos nas cidades brasileiras. Ações com esta finalidade têm sido realizadas pelo DOCOMOMO1, uma das mais importantes organizações mundiais ligadas às causas preservacionistas, contribuindo de maneira significativa para identificar o que e como preservar, conservar e restaurar. No Brasil, profissionais de diversas áreas, têm intensificado esses debates, suscitando reflexões e formulações de diretrizes para a atuação frente aos crescentes desafios na intervenção deste patrimônio cultural na atualidade. Neste contexto, a atuação propositiva de profissionais de arquitetura merece apoio em parâmetros metodológicos objetivos que orientem decisões de conservação, preservação e restauração, podendo ser colocada a questão: como introduzir novas demandas e tecnologias em um edifício modernista projetados para usos hoje obsoletos? Sem dúvida o bem cultural arquitetônico se apresenta com especial complexidade para ações de intervenção. “A sua condição de patrimônio cultural, dotado de significados e representações, passando por sua utilização – a adequação dos espaços antigos a novos usos -, pela necessidade de atualização ou, muitas vezes, de introdução de novas instalações prediais” (BRAGA, 2003, p.19) como forma de garantir os aspectos de segurança e de adequações a um uso atual, bem como a definição de materiais e técnicas atuais, compatíveis aos presentes no edifício, torna o projeto de intervenção uma tarefa que exige conhecimento especializado e fundamentado do assunto, e cada caso devendo ser tratado como único. Não se evidencia uma abordagem padronizada, uma vez que além dos aspectos programáticos do uso e das técnicas construtivas a serem empregadas, os fatores históricos e teóricos devem ser respeitados seja para manter, seja para eliminar, seja para modificar ou introduzir o novo em qualquer contexto. Todas essas questões recaem na problemática do critério da intervenção (CAMPÊLO & TARALLI, 2007, p.3). Como garantir a manutenção da autenticidade do bem e a atualidade da intervenção proposta? Como preservar a representação da memória coletiva atendendo a interesses individuais? Enfim, todas essas questões permeiam o projeto de conservação/restauração do bem imóvel.(BRAGA, 2003, p.19). Quando se trata de projeto de intervenção em patrimônio público, as dificuldades se tornam ainda maiores. A ausência de procedimentos de conservação e manutenção preventiva das edificações agrava o processo de deterioração, apresentando patologias que muitas vezes tornam irreversível o restauro das características originais (FERREIRA, 2006, não paginado). Além do que as transformações e/ou acréscimos sofridos ao longo do tempo contribuem de forma significativa para o processo de descaracterização dos seus atributos originais. Caso exemplar é o do edifício da Maternidade Escola da Universidade Federal do Ceará (UFC), patrimônio arquitetônico moderno voltado para a área da saúde, concebido e construído na década de 1950, referenciado na arquitetura moderna brasileira. Inserido no Campus Porangabuçu, situado na cidade de Fortaleza, sua arquitetura se enquadra nesta situação.


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Projetado pelos arquitetos cariocas Roberto Nadalutti, Oscar Waldetaro e Israel Barros Correia, os dois primeiros, considerados precursores da normatização hospitalar no Brasil, este estabelecimento de saúde pública foi uma iniciativa conjunta da sociedade cearense e governo estadual para suprir o déficit alarmante de leitos disponíveis às gestantes carentes. O edifício de composição elegante apresenta referências da arquitetura moderna: a volumetria de linhas retas, concebida por uma modulação estrutural de 6.00m, evidenciando a estrutura de concepção independente; o zoneamento em setores funcionais, refletidos no arranjo espacial da edificação, compõe a forma arquitetônica que resulta da junção de um volume prismático frontal de quatro pavimentos, destinado à internação e administração. Este se justapõe a outro bloco horizontal, que abrigava os serviços complementares e apoio logístico. Os painéis de vedação das amplas aberturas em madeira (tipo guilhotina) e os materiais se adequam ao clima e sua composição volumétrica impõe-se na paisagem local, referendando os conceitos modernistas que contribuem para sua identidade e reconhecimento social. Entretanto, a necessidade de adequação às demandas de assistência e ensino, e às novas tecnologias médicas (equipamentos e instalações cada vez mais complexos), dos sistemas de informação, novos regulamentos para atender aos aspectos de acessibilidade e segurança, bem como a dependência de aportes financeiros para o seu pleno funcionamento, desencadeou um rápido processo de obsolescência de suas instalações, cujas intervenções construtivas, caracterizadas por reformas e ampliações pontuais causam impacto nas características dos seus atributos modernistas, evidenciando a ausência de parâmetros para decisões de projetos de intervenções nestas tipologias arquitetônicas. Reforçando este quadro, as ações da administração pública no gerenciamento em instituições da área de saúde vêm sendo baseadas em critérios técnicos e econômicos, desconsiderando a dimensão cultural desta categoria de patrimônio moderno (BITENCOURT, 2009). Este trabalho tem como objetivo trazer ao debate as questões relacionadas à complexidade na conservação de um edifício modernista para área da saúde, tomando como estudo de caso o edifício da Maternidade Escola da UFC, cuja preservação não pode se restringir ao restauro dos aspectos construtivos, uma vez que a responsabilidade social no atendimento à população e a formação de profissionais ratificam a permanência do edifício para a finalidade o qual foi concebido, mesmo com a descaracterização dos seus atributos modernistas. Adota como metodologia uma avaliação comparativa do programa de necessidades original e seu rebatimento na proposta arquitetônica daquele período com as alterações ao longo do tempo e seu atual estágio de conservação, evidenciando os aspectos técnicos e programáticos que determinaram sua transfiguração enquanto patrimônio moderno. Entende-se que o conhecimento acumulado, a partir dessas observações, pode contribuir para embasar as decisões de profissionais e pesquisadores de outras entidades da área da saúde, sugerindo diretrizes para procedimentos de utilização e manutenção da edificação; estruturação de planos de gestão e elaboração de quadros de manutenção preventiva da edificação. Palavras-chave: arquitetura moderna, intervenção em estabelecimento de saúde, preservação. 1 O DOCOMOMO é uma organização não governamental, com representação em mais de quarenta países. Foi fundada em 1988, na cidade de Eindhoven na Holanda. É uma instituição sem fins lucrativos, sediada atualmente em Paris, na Cité de l‘Architecture et Du Patrimoine, sendo organismo assessor do World Heritage Center da UNESCO. Os objetivos do DOCOMOMO são a documentação e a preservação das criações do Movimento Moderno na arquitetura, urbanismo e manifestações afins.


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TECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE Coordenadores: João Diniz e Risale nevez Os arquitetos hoje têm de lidar com uma série de questões relacionadas à eficiência energética, sustentabilidade, utilização eficaz de recursos naturais e artificiais, e incorporação de tecnologias e processos construtivos mais responsáveis em termos ambientais. Esses novos paradigmas trazem uma série de desafios aos arquitetos, mas também oferecem infinitas possibilidades nos processos construtivos e projetuais e novas formas de expressão arquitetônica. Como a arquitetura brasileira está respondendo a essas questões? Como as lições de Lucio Costa, Acácio Gil Borsoi, Severiano Porto, Armando de Holanda e João Filgueiras Lima podem ainda nos ser úteis? Como os conceitos e ferramentas tecnológicas que hoje estão ao alcance do arquiteto afetam o ato de projetar? Como estes novos valores de respeito ao meio ambiente estão sendo incorporados à prática arquitetônica contemporânea, particularmente no que se refere às preocupações tradicionais, como a inserção no espaço urbano, uso de elementos pré-fabricados e a fabricação da fachada? Como superar a aparente dicotomia entre ambiente e tecnologia, visto que já tiveram caminhos antagônicos, mas que vêm confluindo para uma possível integração? A forma como o debate da sustentabilidade vem sendo introduzido na discussão arquitetônica contemporânea não está revelando uma ênfase demasiada em aspectos técnicos?


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CLÁSSICO VERSUS BARROCO: MODERNIDADE, TRANSIÇÕES E PREMONIÇÕES. Marcelo Suzuki (SP) A oposição Clássico/Barroco, muitas vezes associada de maneira arquetípica no sentido yunguiano do termo associada à oposição Apolíneo/Dionisíaco, ou na versão oriental, Yan/Yin – tem se mostrado persistente e, mais exatamente, intermitente, enquanto fenômeno humano e social. Poderíamos dizer que no sentido ocidental trata-se de um paradoxo e no oriental de forças necessariamente complementares. A arquitetura não é isenta desse fenômeno, a contradição oscila com tal e insistente intermitência, ao longo da história, que cabe uma breve reflexão para, à ainda parca luz do que sucedeu com o Movimento Moderno, apontar períodos de Transições aventarmos algumas Premonições. Os importantes estudos até agora disponíveis para os entendimentos do Movimento Moderno são ainda os feitos durante ou, pelo menos, no resquício do calor de sua proposição; só agora está surgindo ar novo e saudável para uma interpretação mais completa do que sucedeu. Em contrapartida, manifestos contrários a ele surgiram e ainda estão quentes daquela vontade de rápida superação. É neste contexto que surge a oportunidade de se Intuir algo por mera vontade especulativa: - teria sido o Movimento Moderno apolíneo e clássico – no sentido tradicional do emprego de Clássico, quer dizer, que se reporta aos padrões e ordens clássicas desde sua origem na antiguidade (e não no emprego agora mais corrente e popularizado, ou seja, de clássico como sendo algo já plenamente estabelecido, pelo tempo, e pela plena aceitação de que aquilo importa). Em Le Corbusier, pelo menos, como um dos Pioneiros do desenho Moderno – para lançar mão do famoso título de Pevsner – o caráter classicizante é perfeitamente detectável, e Niemeyer parece refazer um trajeto pró-Barroco, isso poderia ser a representação do paradoxo ocidental dessa oscilação? Se o Post-Modern Europeu - como insistia em usar, em inglês, Lina Bo Bardi é, como concepção, mais classicizante, por suas citações, ainda, do que o próprio Moderno, de onde partiria a ostentada contraposição? Se o Post-Modern Norte-americano é ―brincalhão‖ e faz referências à história como mera disponibilidade não é relevante o suficiente para maiores comentários. Mas Wright, por exemplo, deixa uma grande dúvida sobre o caráter Clássico do Movimento Moderno: sua obra oscila entre Clássico e Barroco – vale dizer Apolíneo e Dionisíaco – o tempo todo e só reforça a hipótese. Teria então Le Corbusier se transformado em Barroco à partir da ―vivência‖ de Niemeyer, quando ―muda tudo‖ a partir de Ronchamp? (sob protestos de Argan). Entre os Modernos dos CIAMs as cisões – mais à esquerda, mais à direita – teriam ocorrido mas não motivadas, envolvidas por esse paradoxo quase universal? O grupo mais comunista mais radical propunha transformações mais radicais para um mundo mais apolíneo? Os Expressionistas alemães seriam mais para Barrocos? A dicotomia, o paradoxo, a situação antípoda ou complementar, conforme se queira, e, já que não passam de meras especulações, servem, no entanto, para aumentar a visualidade das Transições, senão para nos abalarmos com nossas próprias Premonições. Estaria em curso um processo a-ideológico, onde tudo vale? A proteção do eco-sistema Planeta Terra é uma nova forma de ideologia? A alta-tecnologia vai consertar o mundo? – já que já se acreditou que a indústria e a técnica iriam fazê-lo, Bauhaus -. (?). Já passado susto de que ―havia‖ o risco de a Arquitetura (com esse A MAIUSCULO) se transformar em imagem – dizíamos à época, em meras imagens -, e


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isso já aconteceu, o Mundo Virtual assume o comando? – para citar o mesmo autor de Espaço, Tempo: Arquitetura –Novas tecnologias de (e voltadas para o) Design é que farão a Nova Arquitetura – agora parafraseando Gropius -. Estamos entrando em um período Dionisíaco-Barroco? Neo-barroco? Entre premonições e especulações, propomos essa curiosa e aberta discussão sobre o futuro próximo da Arquitetura, principalmente a dita, agora, globalizada e ―politicamente correta‖ (e as aspas devem ser interpretadas com o duplo sentido com que foram empregadas).


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DO VISUAL AO SIMBÓLICO: A CULTURA ARQUITETÔNICA DA MADEIRA NO PARANÁ Silmara Dias Feiber (PR) Moacir José Dalmina Junior (PR) Diante da temática sugerida ―Arquitetura em Transição‖ o estudo aqui apresentado revela uma decodificação de um signo específico – arquitetura em madeira do Paraná – partindo de sua imagem e representação. No atual estado da contemporaneidade onde os territórios passam a ser globais o resgate e propagação de uma cultura em particular manifesta-se como um dos maiores desafios perante a preservação das identidades locais. Neste estudo investiga-se o papel das formas espaciais – físicas e simbólicas – responsáveis pela construção identitária do indivíduo pós-moderno. Diante do exposto esclarece-se que entre as diversas maneiras do homem se posicionar no espaço, seja num viés material ou subjetivo, a arquitetura acaba por contribuir nesta ação como sendo a maneira de significar o espaço agregando valor simbólico ao espaço cotidiano fortalecendo assim os laços que unem o indivíduo ao seu lugar. Encontra-se neste sentido uma análise interessante dentro da proposta de Bakhtin (1997) quando a ela (obra arquitetônica) é agregado o poder de comunicação, de transmitir mensagens. No estado do Paraná a arquitetura em madeira nasce da técnica construtiva denominada de ―tábua e matajunta‖. Reflexo de um período onde pioneiros recém chegados, principalmente da Europa e do sul do país, passam a construir suas moradas e locais de prática religiosa em madeira devido à abundância deste material nesta região do Brasil. Assim surge a raiz de nossa cultura arquitetônica a qual, segundo Moscovici (2003) se cria por meio da comunicação e é regida por princípios organizacionais que refletem as relações sociais que são implícitas neste fenômeno de comunicação. Este fato ao ser analisado em seus aspectos visuais e simbólicos encontra nos estudos do filósofo De Botton (2007) um pensamento instigante onde o autor sugere que ―A noção que as construções ―falam‖ nos ajuda a colocar no centro das nossas charadas arquitetônicas a questão dos valores segundo os quais queremos viver. Em essência nos fala de certos estados de espírito que busca incentivar e sustentar‖. Este texto nos coloca a presença das obras arquitetônicas não apenas como formadoras e organizadoras de espaços urbanos e rurais, mas como elementos capazes de incentivar e moldar a ação dos indivíduos perante sua presença. Dentro desta perspectiva se encontra o enunciado concreto que emana desta manifestação social que é a obra arquitetônica. A capacidade de transmitir um conteúdo é inerente à arquitetura, porém de acordo com o pensamento de De Botton (2007) ― A arquitetura pode muito bem trazer mensagens morais, só não tem o poder de impô-las. Ela sugere, em vez de ditar leis. Ela nos convida, e não ordena, a seguir o seu exemplo e não é capaz de impedir a violência contra si mesma.‖ Então a interpretação sígnica passa a ser elaborada pelo indivíduo dentro de sua bagagem cultural e do meio social em que se encontra. Então, como considerar as condições culturais para realizar uma arquitetura com sentido de transcendência e significado cultural? Talvez a resposta a esta pergunta possa ser o resgate e a afirmação desta cultura por meio de uma proposta de releitura de sua linguagem plástico-formal. A exemplo disto temos a proposta do arquiteto paranaense Vilanova Artigas para a Casa Baeta (1956). Nela o autor declara a inspiração nas casas paranaenses onde insere as tábuas da empena no sentido vertical aos moldes da concepção estrutural das casas de madeira do Paraná. Assim a proposta de empena cega onde as próprias formas do concreto proporcionam a textura da madeira são o que se denomina neste estudo de ―fio condutor da história‖. Esta prática se tivesse sido incorporada e levada a cabo, ao longo das gerações de arquitetos paranaenses, teríamos na contemporaneidade o que Pacheco (2004) denomina de ―Escola Paranaense‖ transcendendo assim seu significado cultural.


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No momento a presença desta representação do passado apresenta-se como a materialização da história no instante em que se observa sua imagem e se traduz em comportamentos e sentimentos particulares. Nos atuais processos de globalização onde a banalização da imagem substitui conceitos e passa a ser tomada como elemento referencial na prática projetual torna-se premente o alerta a essência do que se denomina arquitetura. Esta enquanto manifestação cultural deve ser fixada em processos identitários que direcionem e deem argumentos às novas propostas arquitetônicas. A arquitetura enquanto disciplina é interpretada neste estudo como agente capaz de ―guardar‖ e retratar a essência do ser e a alma do lugar. Ao se resgatar esta memória numa ação subjetiva a obra parece se perpetuar no tempo. Representa nesta visão particular um espaço vivido longínquo que transborda valores sociais que atualmente se encontram perdidos. Mesmo que hoje, em tempos onde sua função original de morada familiar não mais é exercida, sua presença e aparente integridade física podem sugerir ou ―comunicar‖ valores essenciais que, de acordo com a visão capitalista, estão ultrapassados. Nas sociedades atuais onde a dimensão tempo é quase extinta acaba por dificultar e muitas vezes eliminar a possibilidade de sedimentação da memória social e, por consequência a propagação da cultura e identidade de um grupo social dentro de seu território. Este é o risco atual que esta arquitetura, raiz identitária paranaense está correndo, pois ao não justificar sua presença como elemento utilitário acaba por não gerar interesse em sua preservação para apreciação das futuras gerações. Assim o ―fio condutor da história‖ se romperá, rompendo também os laços identitários que fornecem a âncora para a fixação dos indivíduos pós-modernos numa estrutura social e espacial estabilizada. Palavras-chave: Arquitetura em Madeira, Identidade, Paraná.


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A PRODUÇÃO DE SIGNIFICADO NO EDIFÍCIO INDUSTRIAL: A FÁBRICA DA BOMBRIL-PE Renata Maria Vieira Caldas (PE) Fernando Diniz Moreira (PE) Os edifícios industriais constituem um grupo ou categoria que corresponde diretamente à preocupação modernista em tornar claros os seus princípios e processos de construção. A veracidade ou honestidade construtiva aplicada inicialmente aos edifícios destinados às atividades produtivas, no sentido de resolver questões essenciais como economia de tempo e de custo e também a adequação às linhas de montagem, foi transposta para outros programas e serviu de inspiração para o discurso e a produção da Arquitetura Moderna. Entre os recursos utilizados para realizar uma arquitetura cujos elementos constituintes fossem identificados facilmente, as lógicas e sistemas industrializados de construção como a pré-fabricação tem sido uma escolha recorrente na elaboração de projetos, em particular de edifícios industriais. Apesar do atendimento às questões essenciais supracitadas, a utilização indiscriminada de processos e sistemas pré-fabricados pode implicar na redução da construção a um esquema de montagem simplificado e monótono, fazendo com que a capacidade do edifício de comunicar-se com seu entorno imediato e seu contexto social e cultural seja comprometida. Entretanto, tais esquemas associados à tarefa de coordenar os sistemas de construção entre si, resultam algumas vezes em arranjos capazes de conferir qualidade e significação ao objeto arquitetônico. Esta coordenação geralmente se dá por meio do detalhamento do projeto, o qual prescinde do correto manejo dos diferentes materiais obtido através do conhecimento das particularidades e das diferentes atribuições de cada sistema. Este é o caso da fábrica da BOMBRIL-PE, objeto desta pesquisa. Com projeto arquitetônico de Rosa Aroucha, Janete Costa e Acácio Gil Borsoi,1979, esta fábrica foi instalada no município de Abreu e Lima, Região Metropolitana do Recife-PE e encontra-se em pleno funcionamento. A investigação pretende compreender as variações de interpretação a cerca do edifício industrial realizadas pelos seus arquitetos e de como foram exploradas as potencialidades técnicas e estéticas dos sistemas construtivos aplicados. Nesta pesquisa, que estuda edifícios industriais, construídos no nordeste do Brasil entre as décadas de 1960 e 1980, foram identificadas quatro estratégias básicas de projetos adotadas para edifícios industriais na região, sendo esta fábrica selecionada como exemplo de uma delas. A estratégia de projeto da qual esta fábrica faz parte, diz respeito à possibilidade de uma unidade mínima de significação, através de seu detalhamento, nortear todo o projeto. Esta abordagem está amparada nas considerações sobre o exercício do detalhe na arquitetura moderna, tratado por autores como Vittorio Gregotti, Marco Frascari e Kenneth Frampton. Eles atribuem a esta tarefa do projeto (o detalhamento) a responsabilidade de dar significado ao objeto arquitetônico e também à possibilidade dos detalhes serem os geradores do projeto. Este tema é particularmente acentuado quando da discussão do papel do ornamento na arquitetura, no caso a Arquitetura Moderna, e principalmente quando esta questão recai sobre um tipo de edifício - o industrial - que por sua natureza, deve ser absolutamente desprovido de elementos que excedam às exigências funcionais. A antiga associação entre o ornamento e a capacidade de comunicar de um edifício, rompida no primeiro momento da Arquitetura Moderna, precisou ser revista no decorrer do século XX devido a uma visível perda tanto das identidades locais com o chamado Estilo Internacional, como em relação à perda dos saberes múltiplos que eram envolvidos no feitio das construções. Tomando como definição de detalhe construtivo a idéia de junção, Frascari declara:


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Pode-se afirmar, porém, que todo elemento arquitetônico definido como detalhe é sempre uma junção. Os detalhes às vezes são “juntas materiais”, como no caso de um capitel, que é a ligação entre o fuste de uma coluna e a arquitrave, às vezes são “juntas formais”, como no pórtico que é a ligação entre um espaço interno e um espaço externo. Assim, os detalhes são um resultado direto da diversidade de funções que existe na arquitetura.1 Este autor, mais adiante no mesmo texto, fala de uma ―junta negativa‖, que seria o intervalo entre espaços, este tipo de junta (imaginária) ao invés de distanciálos, integra-os. Estas três ―juntas conceituais‖ são parte de uma estratégia de revelar o edifício do ponto de vista construtivo uma vez que esclarece cada elemento narrando assim o fato arquitetônico. A fábrica da BOMBRIL-PE parte de um sistema de vedação desenhado exclusivamente para este projeto, estruturado com elementos verticais, os montantes em concreto, ligados por placas pré-moldadas também em concreto. As placas têm variações de desenho com diferentes aberturas e são dispostas à medida de suas necessidades, ao longo das grandes superfícies, formando variações de arranjos em todas as suas faces. A vedação das fachadas em placas modulares, completamente independentes da estrutura que suporta a coberta plana em treliça metálica espacial, única sobre três volumes e que integra este conjunto de grandes proporções, demonstra a autonomia de seus elementos e reafirma a construção como uma ―montagem‖. Esta ―trama‖ modulada, composta de sua unidade mínima (painel) especialmente detalhada, confere ao edifício sua identidade e unidade. Porém, a unidade, apresentada por este edifício, se dá não somente por seu sistema de vedação, mas pela articulação/ junção entre este e os demais sistemas de iluminação, ventilação e estrutura, igualmente pré-fabricados e com modulações próprias. Este edifício pode ser considerado como um exercício de harmonia, lembrado por Frascari quando este cita as ―recomendações‖ de Alberti, para quem a arquitetura seria a escolha dos detalhes adequados2. Em sua opinião, a beleza ou concinitas, (harmonia) de um edifício seria obtida através da aplicação três conceitos: numerus, finitio e collocatio. Estes três conceitos foram identificados no edifício da BOMBRIL. Primeiro, ao atribuir valores numéricos aos elementos constituintes (dimensões dos módulos), gerando assim as suas proporções individuais (numerus), segundo ao determinar as suas repetições e conjunções, limitando o objeto (finitio) e por fim ao localizar os elementos com precisão e adequação (collocatio). Palavras-chave: Arquitetura Moderna; Edifício Industrial; Detalhamento 1 FRASCARI, Mario. O detalhe narrativo. In: Uma Nova Agenda para a Arquitetura: Antologia teórica (1965-1995). NESBITT, Kate (org). São Paulo: Cosac Naif, p.541, 2ª ed. rev., 2008. 2 FRASCARI, Mario. Opus cit. p.543,


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ARQUITETURA EM ANDAMENTO João Diniz (MG) O fazer arquitetônico no contexto de transição social brasileiro e internacional neste início de Século XXI deve atentar para três questões fundamentas que definirão o caráter de sua ação, ou seja: o significado cultural e ambiental das novas construções, aspectos de sustentabilidade construtiva e humana nos espaços construídos, suas características expressivas e coerência tecnológica. Estes tópicos não são novos e pode-se dizer que sempre estiveram presentes nas boas arquiteturas produzidas ao longo do século XX e até anteriormente, mas também não se pode negar que na contemporaneidade estes assuntos ganham novos matizes ao serem repensados nesta era pós-industrial, onde a informação e a comunicação parecem dirigir as ações e o dia a dia de um mundo cada vez mais conectado. Neste cenário atual de realizações midiáticas e instantâneas a arquitetura se coloca em uma encruzilhada ao dialogar com a velocidade e o consumismo das redes mundiais de interação e, ao mesmo tempo, manter sua coerência pan-histórica ao buscar o bem estar humano, a sobrevivência dos meios de produção e do planeta, e o acesso democrático aos espaços diversos e à beleza. Ao ampliar seu campo de referencias a arquitetura entra em diálogo com um universo de ações multidisciplinares se alinhando com os diversos saberes atuais que buscam qualificar o tempo e o espaço. Esta inter-relação de conhecimentos e pesquisas extrapola o sentido de vanguarda dos modernistas tirando proveito das atuais tecnologias disponíveis. Um começo de milênio caracterizado pelas diversas transições ideológicas pode dar corpo a uma transArquitetura fértil em sua busca de diálogos e novas expansões. Ao rever a produção contínua de um escritório de arquitetura ao longo de mais de duas décadas pode-se tentar identificar uma possível coerência de pensamentos e realizações, ainda que não formais, que tracem uma linha ação sinalizadora da capacidade de gerar, em cada caso, distintas respostas aos temas acima colocados a partir de diferentes questões e escalas, orçamentos e contextos, tecnologias e inspirações. Um possível regionalismo neste cenário de diálogos internacionais aparece como a busca da linguagem própria para que se estabeleça a conversação e o intercambio de diferentes experiências negando o acordo convergente e unificador dos estilos redutores, as contidas ações defensivas, o silêncio tímido e as aflições polifônicas. A produção do escritório JDArq procura refletir de forma própria e prática as reflexões teóricas maturadas no cotidiano do projetar e construir espaços, em estudos diversos e realizações guiadas pela intuição e interesses interartísticos e da prática acadêmica onde a reflexão com os estudantes e com os colegas professores é importante. A realização de projetos e obras em escalas progressivas que passam pelo mobiliário doméstico e urbano, interiores comerciais, residências, habitação coletiva, indústrias, edifícios comerciais, áreas públicas, espaços voltados ao esporte, ao ensino e à cultura, e os temas diversos dos concursos de arquitetura; reafirmam a busca centrífuga de tentar a qualificação das cidades através da prática arquitetônica, realizações, ainda que pontuais, que podem ser entendidas como contribuições ao debate e as possibilidades deste exercício profissional desde Belo Horizonte, entendida como mais uma cidade do planeta cheia de potenciais e contradições. O uso das estruturas metálicas aparece a partir de algumas obras que lançam mão do material ou da produção mostrada no livro ´Steel Life: Arquiteturas em Aço´ lançado em 2010. Mas este procedimento recorrente não significa que esta seja uma tecnologia a ser eleita a priori, embora talvez possa ser entendido como uma


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vinculação material com a geografia das Minas Gerais ou como uma resposta complementar à grandiosa arquitetura em concreto realizada pelo movimento moderno nacional. O reconhecimento da amplitude do oficio arquitetônico mostra que existe ainda muito a ser aprendido e realizado, que nenhuma obra é importante em si só que o encontro e união dos colegas congregados em torno do intercambio e da interação com as necessidades do mundo promoverão o crescimento do significado humano e técnico desta profissão.


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TRANSIÇÃO E SUSTENTABILIDADE NO PROJETO DA COMUNIDADE VERDES MARES: NOVOS PARADIGMAS EM HABITAÇÃO SOCIAL Bruno Melo Braga (CE) Bruno Perdigão de Oliveira (CE) Epifanio José Almeida e Silva Júnior (CE) Igor Lima Ribeiro(CE) Marcelo Cleiton Bacelar de Arruda Filho (CE) Transição significa passagem de um estado de coisas para outro. Assim, ―Arquitetura em Transição‖ admite que seu estado, ou seja, os fatos arquitetônicos estão mudando. Os problemas e desafios encarados pelos arquitetos não são os mesmos, sendo preciso identificar e compreender quais são as novas perguntas. Pareceu, portanto, adequado tratar de um projeto arquitetônico que pretende responder tais questões. O projeto de requalificação da Favela Verdes Mares, em Fortaleza, vencedor do Prêmio Caixa/IAB 2008–2009, embasado em intensa reflexão teórica, permite através de uma análise critica de seu processo projetual, contribuir para a teoria do projeto. Esta análise considera desde fatores externos que vêm formular o problema a ser resolvido – conhecimento inespecífico da disciplina – até o resultado final do projeto arquitetônico – síntese do conhecimento específico da arquitetura1. Não se pretende com isso propor um modelo normativo e fechado em si próprio, mas uma postura frente aos novos problemas, aberta às especificidades e aplicável a cada situação. Assim, através da relação e coerência entre forma e palavra, projeto e discurso, é possível estreitar o abismo atualmente existente entre teoria e prática. Um dos maiores desafios do panorama arquitetônico atual é a relação entre novas tecnologias, processos construtivos e meio ambiente. Compreender este último apenas como entorno natural não é suficiente para discutir a questão da sustentabilidade, pois o projeto é um conjunto indissociável e contraditório, onde outros múltiplos aspectos se apresentam, como os sociais e econômicos. O projeto pode ter fim com a construção, mas a arquitetura não, já que esta não é apenas construção, mas uma forma de intensificá-la e carregá-la de sentido2. Na verdade, a interação entre usuários, meio natural e arquitetura gera novas formas e maneiras de se pensar o projeto. Em relação à questão habitacional, o enfoque demasiado em aspectos isolados, como quantidade de unidades, busca exclusiva por questões formais ou procura de novas tecnologias ditas sustentáveis, distancia o projeto de uma solução coerente. Certos excessos e falta de compromisso com aspectos como economia, racionalidade construtiva e real desenvolvimento social não podem mais ser cometidos. A sustentabilidade, termo tão usado quanto deturpado atualmente, é um conceito importante e merece especial atenção nessa discussão. Ser sustentável não é apenas ser ecologicamente correto, mas também socialmente justo, economicamente viável e culturalmente aceito, características que sempre marcaram obras arquitetônicas rigorosas e pertinentes. No projeto em questão, antes de propor uma solução, buscou-se entender melhor o problema, reformulando as perguntas a serem respondidas. Mais que quantas casas propor, pareceu mais adequado pensar em onde e como propô-las. A área de intervenção é caracterizada como um assentamento informal, ocupando áreas residuais do loteamento feito na região, onde as residências tomaram todos os espaços possíveis, de forma desordenada e em condições habitacionais insatisfatórias. Apresenta, também, grande quantidade de equipamentos, serviços e, consequentemente, oportunidades, gerando forte especulação imobiliária. Isso acarreta uma grande densidade nas áreas de ocupação informal e presença de


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terrenos vazios, que não cumprem sua função social, caso do terreno em questão, compondo assim um espaço contraditório e desarticulado. O projeto teve duas premissas iniciais: integrar este tecido informal ao da cidade e facilitar o desenvolvimento social dos moradores. A manutenção da comunidade no local torna possível transformar suas novas residências em um investimento3, fazendo também com que a população possa ascender socialmente junto delas e manter as redes sociais existentes, evitando a criação de mais um conjunto habitacional suburbano e custos de infraestrutura desnecessários. Buscou-se, ainda, preservar as particularidades da comunidade sem transformá-la num gueto isolado da cidade. O desenho adotado buscou integrar o novo conjunto à malha urbana preexistente, conferindo, porém, especificidades, com padrões de ruas internas diferenciadas interligadas por mini praças no interior das quadras, cedendo espaços de socialização, exemplo do centro social proposto. Identificada forte presença de atividade comercial na área, não era interessante ter uma família morando sobre a outra. Procurou-se, então, obter a unidade de dois pavimentos mais estreita possível, dando maior flexibilidade às famílias, inclusive nas possíveis ampliações futuras. A escassez de recursos foi encarada como um incentivo à criatividade e filtro do supérfluo. Assim, a sustentabilidade da proposta não surge como objetivo em si, mas como consequência da síntese dos fatores encontrados e de um processo rigoroso. Na escolha do local, considera-se sua viabilidade econômica e social. As técnicas e materiais escolhidos foram os mais adequados a esse problema específico: baixo custo e reprodução em série. Nesse caso, qualquer desperdício é multiplicado, devendo ser reduzido ao máximo. Para isso, fez-se uso da modulação e estruturas pré-fabricadas, porém buscando soluções tradicionais em relação ao clima e à mãoobra disponível. Como resposta a essa equação utilizou-se o tijolo solo-cimento para a construção das casas. Em Fortaleza, o melhor lugar para se estar é na sombra e onde o vento circule. Essas preocupações são perceptíveis tanto nos recuos nas fachadas e esquadrias com venezianas e vidro, quanto em janelas altas nas paredes dos quartos e no espaço entre a coberta e o forro, para melhor circulação do ar. O crescimento econômico muitas vezes está ligado ao crescimento espacial. As intervenções posteriores dos moradores são uma realidade, não devendo ser negadas, mas trabalhadas. Ao invés de tentar evitar a autoconstrução, a proposta tentou dar condições para que isso ocorresse sem maiores prejuízos para o coletivo. Ou seja, não a controlando, mas prevendo-a de forma ordenada. Compreendendo o projeto como atividade principal do arquiteto, este trabalho busca realizar uma reflexão teórica sobre o processo projetual e o rigor necessário na atualidade na compreensão dos problemas enfrentados, com ênfase na relação entre arquitetura e meio ambiente. Os novos paradigmas da sustentabilidade não devem ser encarados como restritivos, mas balizadores, pois se oferecem limitações, também descortinam novas oportunidades projetuais. A escolha de um projeto para exemplificar o exposto objetiva mostrar como não deve haver dissociação entre a teoria e prática arquitetônicas, mas sim uma coexistência entre ambas4. Em arquitetura, não há teoria ou prática, e sim teoria e prática. Palavras-chave: Arquitetura, habitação social, sustentabilidade. 1 A interdisciplinaridade não pode se sobrepor ao desenvolvimento de propostas voltadas para a arquitetura como disciplina em si. Ver: “(In)Disciplina: considerações sobre a autonomia do ensino de projeto” em: LARA, Fernando e MARQUES, Sônia (Org.). Desafios e conquistas da pesquisa e do ensino de projeto. 2 OYARZUN, Fernando Pérez, MORI, Alejandro Aravena, CHALA, José Quintanilla. Los hechos de La arquitectura.


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3 O desenho da casa possibilita o investimento das famílias, fazendo que a casa se valorize com o tempo. Conceito desenvolvido pelo escritório chileno Elemental, liderado por Alejandro Aravena. Ver: MORI, Alejandro Aravena. Entrevista com o arquiteto. 4 MAHFUZ, Edson da Cunha. Teoria, história e crítica, e a prática de projeto.


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PARQUE ECOTURÍSTICO AUGUSTO RUSCHI Tarcísio Bahia de Andrade (ES) Marcelo Fiorotti (ES) Lidiane Espindula (ES) Daniele Goldner (ES) Tiago Vionet (ES) Alexandre Bessa (ES) O projeto do Parque Temático Augusto Ruschi foi elaborado para uma área de 103.000 m², localizada no Município de Santa Teresa, na região serrana do estado do Espírito Santo, Brasil. A sua concepção foi inspirada no legado científico de um dos mais famosos naturalistas do país, pioneiro na defesa de um dos biomas mais ameaçados do mundo, a Mata Atlântica. O cientista capixaba Augusto Ruschi, nascido em 1915 na cidade de Santa Teresa, dedicou sua vida ao estudo científico das aves e plantas tropicais brasileiras, em particular, das orquídeas e dos colibris. Tornouse mais conhecido por sua pesquisa sobre colibris, classificando grande parte das espécies brasileiras e identificando duas novas espécies. Foi notável também por seu estudo sobre orquídeas, catalogando mais de seiscentas e identificando cerca de cinquenta novas espécies. Seu falecimento em 1986, devido ao envenenamento pelo contato com uma espécie venenosa de sapo nativo da Amazônia, causou grande comoção na população e nos meios de comunicação nacionais. Foi sepultado no Dia Mundial do Meio Ambiente, na Estação Biológica de Santa Lúcia, onde realizou várias pesquisas. Após seu falecimento, recebeu o título de ―Patrono da Ecologia do Brasil‖, pela Câmara dos Deputados do Congresso Nacional. A concepção do parque foi motivada pela necessidade de se ampliar para a sociedade o conhecimento desta importante herança científica, que transpira na ambiência de Santa Teresa, no alto dos seus 655 m de altitude, lembrando da atual necessidade de preservar os remanescentes da Mata Atlântica, que envolvem a cidade. Viabilizado através de recursos do Ministério do Turismo, o parque terá como objetivos promover o ecoturismo e a educação ambiental de forma lúdica para visitantes e turistas, além de disponibilizar equipamentos e infraestrutura para uso da comunidade através de ações sintonizadas com o desenvolvimento sustentável, visando a melhoria da qualidade de vida da população local. No planejamento das áreas livres, o desenho proposto adaptou-se ao ambiente já antropizado, com muitas árvores existentes (entre nativas e exóticas), preservando as encostas de mata nativa. O projeto de paisagismo foi elaborado em consonância com o objeto maior de pesquisa do cientista, portanto, primando pelo emprego das espécies vegetais atrativas para os colibris. Em percursos temáticos programados, sinalizados por placas ilustrativas, pretende-se estimular a visualização natural de determinadas espécies de colibris. No que se refere aos usos, foram projetados três trilhas de percurso (com graus de dificuldade distintos), um parquinho para crianças, quatro viveiros de plantas, dois lagos (um natural e outro artificial), um anfiteatro coberto, uma cafeteria e o Memorial Augusto Ruschi (com espaço para exposições e auditório climatizado). O programa inclui também equipamentos de apoio, tais como: portaria, estacionamento, administração, zeladoria, base de monitores e mobiliário urbano (lixeiras, bancos, postes de iluminação e sinalização). Além desses itens, estão previstos três outros equipamentos e atividades, que não são objetos desta etapa de projeto: um restaurante italiano e um circuito de arvorismo, a serem implementados por meio de concessão pública através de processo licitatório por parte da Prefeitura Municipal de Santa Teresa. Prevêse ainda uma instalação científica com Laboratórios de Ciência Interativa, viabilizada pelo


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Governo do Estado, dentro do programa Centros de Vocação Tecnológica (CVT) do Governo Federal. Tratam-se, portanto, de itens previstos para etapa posterior, que irão futuramente complementar a vocação do Parque Temático Augusto Ruschi. Palavras-chave: ecoturismo, educação ambiental, Augusto Ruschi


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RECONVERSÃO: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DA PARAÍBA INTEGRA TRADICIONAL CLUBE SOCIAL DESATIVADO Gilberto de Almeida Ferreira Guedes (PB) Nossa atuação neste Projeto teve início ainda no processo de escolha do local para sua construção em 2002, quando realizamos estudos de viabilidade para o Conselho adquirir a área de um tradicional clube recreativo construído nos anos 60, a Associação Atlética do Banco do Brasil (AABB) que foi palco de importantes eventos sociais e culturais da cidade até sua desativação em meados dos anos 1980, quando entrou gradualmente num processo de descaracterização e deterioração. Exemplar representativo da segunda geração do movimento moderno na Paraíba, a edificação apresentava 1900,00 m² de área construída num terreno de quase 5 mil m² bem localizado no centro expandido de João Pessoa, configurando um vazio urbano de grande potencial, pela sua articulação com as infraestruturas existentes e a concentração de serviços médicos na região. Após efetuar análise e prospecções na edificação, juntamente com o escritório de Cálculo e Recuperação de Concreto Armado (Tecnon), decidimos por elaborar um Projeto de Reabilitação e Ampliação da estrutura original, remanescente das Intervenções do Arquiteto Leonardo Stuckert, incorporando neste novo uso parte da memória recente da cidade que não tinha ainda mecanismos adequados de proteção para obras deste período. O Programa estabelecido pela Diretoria do Conselho incluiu a criação de um Centro Cultural aberto à população, com um setor de pesquisa, um Museu para a memória da Medicina no Estado, um Auditório e um espaço para exposições temporárias, além da aquisição de obras de arte em escultura, pintura e mural, a se integrarem ao conjunto. Estabelecemos na intervenção três linhas básicas para apoiar as ações do projeto: a eliminação de bloqueios visuais e físicos para aumentar a integração com o entorno; a potencialização dos ambientes representativos existentes e a melhoria da eficácia energética da Edificação empregando recursos simples e tradicionais, como o uso de ventilação cruzada em vários ambientes; novas aberturas nas fachadas para melhoria da iluminação natural; sombreamento destas aberturas com marquises e beirais, e a captação das águas pluviais para reuso. A forma em ―L‖ da planta existente é reforçada para preservar o pátio frontal formado por dois blocos originais, que passam a funcionar com independência. No primeiro, o Centro Cultural e Auditório ocupam e ampliam a área do salão de jogos, recebendo uma marquise metálica leve que percorre toda sua extensão, desde o acesso principal (sul) de pedestres, na Av. Dom Pedro II, até encontrar-se com o 2º bloco, havendo uma transição de escala para um pórtico que filtra a luz e se eleva na fachada, marcando o acesso às dependências próprias do Conselho. Nele, o antigo dancing passa a funcionar como um grande saguão, espaço flexível com altura de 9m, em torno do qual se articulam as demais atividades em dois pavimentos na forma de mezanino, com esquadrias de madeira e vidro, que permitem uma controlada visibilidade. Dada a limitação do orçamento, procuramos usar técnicas e materiais que melhor se adequassem a cada parte da intervenção, incluindo estruturas convencionais de concreto no Setor do Auditório e Centro Cultural, aço e argamassa armada na marquise lateral de 40 m de extensão; aço, policarbonato e madeira no pórtico de acesso, e lajes de concreto protendido para os maiores vãos da zona administrativa, representando no conjunto um acréscimo de 550.00 m² de área. Todos os ambientes são acessíveis, por um sistema de rampas, circulações e escadas, destacando no saguão de acesso, a rampa que leva ao mezanino, calculada


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para ter seu patamar intermediário na cota do foyer do Auditório, permitindo o escalonamento decrescente dos assentos até o nível da circulação externa do acesso sul. O pátio da fachada sul tem entrada de veículos eventual e controlada, funcionando como ―sala aberta‖, onde se estendem no verão, eventos do Centro Cultural, Auditório e Saguão principal. O principal estacionamento de veículos tem acesso pela Avenida Camilo de Holanda, na porção norte do imóvel e está arborizado com espécies típicas das áreas públicas centrais, como Ipê amarelo e Cássia, que marcam a imagem da cidade, na floração. Nesta área, originalmente ocupada por piscina e quadras esportivas, existia uma construção linear que foi transformada em bloco técnico. Na materialização, a luz natural passa a ser elemento de primeira ordem, agindo de forma difusa nos interiores, evitando reflexos molestos e contrastes de claridade excessivos. As alvenarias e estruturas metálicas têm cor branca, havendo a interferência de diferentes matizes aportados por materiais naturais utilizados na construção, como a pedra itacolomy do norte, o mármore travertino fosco, as pedras portuguesas nas cores brancas e preta, e a madeira Ipê, presente nas esquadrias internas e brises do pórtico. Trabalhos de artistas de expressão estão integrados nas áreas públicas, como a escultura ―Xamã‖, em cerâmica esmaltada, de autoria de Miguel dos Santos; o tríptico em pintura acrílica de 3.00 x 5.40 m, e o painel cerâmico de 1.40 x 7.00 m, de autoria de Rodolfo Athayde. Desenvolvido especialmente para o pátio frontal e denominado de ―Barocco‖, este painel ornamental utiliza, numa linguagem contemporânea, módulos com formas de conchas, volutas e grafismos nas cores amarela e azul, tendo como base elementos presentes na azulejaria barroca do Convento Franciscano de Santo Antônio, um dos mais importantes monumentos arquitetônicos da cidade. Palavras-chave: Metamorfose, Memória e Reconversão


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SOSTENIBILIDAD EN EL PROCESO CONSTRUCTIVO INDUSTRIALIZACIÓN DE LA CONSTRUCCIÓN

A

TRAVÉS

DE

LA

Faustino Patiño Cambeiro (ESP) Michelle Brodeschi (ESP) Itziar Goicoechea Castaño (ESP) Faustino Patiño Barbeito (ESP) Actualmente en la arquitectura existe un periodo de crisis de producción, se han reducido el número de encargos y de construcciones, de modo que es el momento de realizar una exhaustiva reflexión y análisis del sector. Una de las reflexiones y temas de análisis que más ha inquietado a lo largo de las últimas experiencias son los factores referentes a la ecología y sostenibilidad. Ante cualquier situación se nos plantean preocupaciones en cuanto a aspectos ecológicos, excesivas emisiones de gases nocivos o el ahorro energético. La mayor parte de las investigaciones técnicas y nuevos planteamientos de ejecución en el sector de la construcción parten del ahorro energético y La autosuficiencia, influenciados desde el diseño arquitectónico hasta las más modernas instalaciones o desarrollos técnicos necesarios para desarrollar cualquier actividad. De menor modo las propuestas que se plantean responden a cuestiones que surgen desde la construcción de la edificación. Esto es, el modo de enfrentarnos a desarrollos que respondan a los condicionantes de sostenibilidad establecidos, parte bien desde la utilización de nuevas tecnologías o desde el propio diseño arquitectónico y en menor medida desde el proceso constructivo. Así lo reclaman desde el estudio de Stephen Kieran y James Timberlake de Filadelfia, en donde aseguran que ―En la arquitectura debe de considerarse la construcción de manera integral. Lo que surja de un proceso es un diseño que es integral en su enfoque, irreductible en su composición‖, siendo esto una crítica a lo que ellos expresan como el Top Down System, en donde los arquitectos diseñan e introducen nuevas tecnologías y posteriormente se las idean para pasar de lo expresado en la fase de proyecto, en el dibujo, a la puesta en obra. A día de hoy el proceso constructivo mayormente se desarrolla de una forma artesanal. La industria de La construcción se disgrega del resto de las industrias en cuanto a los procesos de producción, las cuales presentan mayores preocupaciones en cuanto a los costes de producción, tolerancias en los resultados y/o emisiones de contaminación. La industria de la construcción en este aspecto no emplea técnicas ni desarrollos industriales planteados en el resto de sectores, como es el caso de la industria automovilística, la industria aeronáutica o la construcción de barcos; las cuales ya se han enfrentado con anterioridad y se siguen enfrentando a la temática referente a la ecología y a la sostenibilidad. Es referencia, el sector Del automóvil el cual se ha preocupado en lo referente a esto, no solo en la producción así como en el marketing, lo que conlleva a que el público en general piense que comprar un coche ecológico es símbolo de modernidad. Esto puede interpretarse como un aspecto comercial, pero en realidad se está haciendo algo respecto a la ecología y la sostenibilidad intentando adaptarse a lo establecido por las diferentes naciones en cuando a las contaminaciones fruto de los desarrollos industriales. En el campo de la arquitectura se están introduciendo nuevas exigencias, delimitadas por los marcos normativos, existiendo preocupaciones y acotaciones referentes a la sostenibilidad en cuanto a los usos establecidos dentro de las diferentes construcciones. En menor medida las acotaciones se refieren a La contaminación y gastos de recursos fruto de los procesos de construcción de estas edificaciones. Frente a esto están surgiendo estándares energéticos calificados por entidades que marcan las referencias a seguir. Desde el modelo más seguido en Europa, el británico BREAAM (Building Research Establishment Enviromental Assessment Method), hasta el modelo norteamericano de mayor transcendencia, las


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certificaciones LEED (Leadership in Energy and Enviromental Design). Debiendo tener también en cuenta El Sello de Calidad de la Asociación Alemana para la edificación sostenible DGNB (Deutsche Gesellschaft für Nachhaltiges Bauen) el cual entiende sostenibilidad en un sentido integral. Dado este marco en el que nos encontramos surge la necesidad de innovar en la producción de La construcción actual. Pero tenemos que tener considerar que no todos los técnicos responden igual em cuanto a la innovación, mientras que los ingenieros siempre han estado innovando, debido a su colaboración en variadas industrias, en concreto los arquitectos, como grupo social hemos constituído siempre un factor de estabilidad, o un lastre, frente a las innovaciones en la construcción; en general, los cambios técnicos solo han sido aceptados por los arquitectos si podían lograr con ellos los mismos resultados formales que antes, esto fue especialmente patente en la introducción del acero y el hormigón armado en la construcción a finales del siglo XIX y principios del XX y el lento camino hasta que el uso de los nuevos materiales se tradujo en cambios formales. Hecha esta advertencia, los arquitectos, debemos jugar un papel importante en la innovación de la construcción. Surge la necesidad de un cambio en La producción de las nuevas construcciones, estudiando los nuevos sistemas de producción a emplear para emplearlos en las nuevas producciones con nuevas soluciones formales. La industrialización del proceso constructivo se presenta como posible respuesta a lo aquí establecido em cuanto a la sostenibilidad y respeto del medio en el proceso de ejecución. La prefabricación o fabricación fuera de sitio surge como una alternativa eficiente a los sistemas constructivos actuales en donde el empleo de técnicas que responden a la utilización de materiales reciclados o la utilización de junta seca com fijaciones mecánicas que resuelvan las uniones de los materiales, reducen considerablemente lãs emisiones de gases a la atmósfera. Se establecen como una innovación tecnológica que también beneficia al proceso en cuanto a la precisión de ejecución, mayor especialización de la mano de obra y un aumento en la seguridad de los agentes implicados en la construcción, disminuyendo sustancialmente el número de accidentes laborales. Debiéndose presentar especial atención a la problemática que surge de La estandarización, intentándose evitar la seriación de productos no personalizados que disminuyan la calidad de las soluciones, adoptando incluso nuevas soluciones formales que se resuelvan industrialmente. Por todo ello debemos, como técnicos especializados, prestar especial importancia al papel que juega El arquitecto dentro del nuevo proceso de fabricación. Palabras clave: Sostenibilidad, Industrialización, Prefabricación.


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HABITAÇÃO UNIFAMILIAR SUSTENTÁVEL: TECNOLOGIAS, MATERIAIS E SISTEMAS CONSTRUTIVOS Túlio Márcio de Salles Tibúrcio (MG) Raquel Tirello Zandemonigne (MG) Flávia de Azevedo Monteiro (MG) No decorrer da história o programa da habitação passou por diversas fases de modificação. Mudanças de hábitos e costumes da sociedade, assim como a presença de novos eletrodomésticos e aparelhos eletrônicos, promoveram alterações na importância dada aos ambientes e, consequentemente, na disposição espacial dos mesmos (GAMA e TIBÚRCIO, 2007). Aparatos tecnológicos que passaram a fazer parte do cotidiano das pessoas influenciaram não só essa organização espacial como também os próprios hábitos. Como exemplo, a presença da tecnologia da informação, como computadores e televisão, no ambiente domiciliar foi um dos responsáveis pela intensificação da proximidade dos usuários com os acontecimentos e preocupações mundiais, através da criação de uma rede de troca de informações de forma rápida e abrangente. Partindo desse ponto, uma das principais preocupações do homem, atualmente, tem sido com o meio ambiente, questão essa, difundida com maior ênfase a partir da segunda metade do século XX (AFONSO, 2006), assumindo proporções maiores à medida que são difundidos os problemas ambientais e que o homem percebe como as suas atitudes podem promover alterações no ambiente. O cenário torna-se então, cada vez mais propício ao desenvolvimento de tecnologias e sistemas com fins à minimização de impactos ambientais, inclusive no contexto da construção civil, dada a evolução tecnológica e a crescente preocupação com os reflexos das ações humanas sobre o planeta e as consequências disso para as futuras gerações. Essas tecnologias e sistemas visam, principalmente, a redução do consumo de recursos naturais, uso de materiais de menor impacto negativo sobre o ambiente, e maior eficiência em termos de consumo de água e energia. Parte-se então do pressuposto que as inovações tecnológicas, se agregadas a habitação unifamiliar - já que esta é a tipologia construtiva que mantém intensa relação com o usuário - podem ser capazes de provocar não só mudanças no partido arquitetônico como no modo de vida dos indivíduos. O objetivo desse trabalho é identificar as tecnologias e sistemas que agregam princípios de sustentabilidade e que possam ser inseridos na habitação unifamiliar. Segundo Sachs (1994) é necessária uma visão abrangente da sustentabilidade englobando contexto social, econômico, cultural, espacial e ecológico. Aplicando esse pensamento na construção percebe-se a importância de ter não apenas uma visão pontual, mas uma visão holística sobre o processo de produção da edificação. Dessa forma, objetivou-se também, identificar materiais de construção com algum diferencial em termos de benefícios ao ambiente e estratégias de projeto que contribuam para uma edificação confortável e mais sustentável. A metodologia utilizada foi a revisão bibliográfica e o levantamento de dados para a compreensão do conceito de sustentabilidade e elaboração de quadros analíticos abrangendo eco materiais encontrados no mercado, sistemas construtivos em geral e tecnologias que podem ser inseridas na habitação para agregar a ela valor em termos de sustentabilidade. Foi elaborado, também, um quadro contendo estudos de caso para investigar a aplicação das tecnologias identificadas, em residências já construídas. Foram listados os seguintes sistemas: captação e reuso de água pluvial, reuso de águas cinza, painéis solares de aquecimento de água, painéis fotovoltaicos de geração de energia, coberturas verdes, sistemas de automação residencial e, tratamento do esgoto doméstico no próprio domicilio. A reciclagem e compostagem de lixo foram identificadas como sistemas que não impactam diretamente a edificação,


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mas que podem influenciar o modo de vida do usuário, a medida que exigem ações cotidianas. Como estratégias projetuais (CORBELLA e YANNAS, 2003) foram identificadas: iluminação natural, assim como o controle do seu excesso através de brises; ventilação natural; uso da vegetação como barreira de irradiação solar direta, como direcionador do fluxo da ventilação e como elemento drenante; o uso de materiais sustentáveis presentes na região, produzidos em um raio de 600 km do local da construção; e o uso de processos construtivos de menor impacto ambiental. Quanto ao uso de materiais, entende-se que a proximidade ajuda a reduzir os gastos com transporte, proporcionando uma redução de custos e de poluição atmosférica gerada pelos veículos responsáveis pelo transporte. Além disso, entendese que para que o material seja considerado sustentável é necessário que seu processo de produção seja pouco agressivo e eficiente em termos de consumo de recursos naturais. Foram listados materiais de construção que contem matéria prima reciclada, que incorporam resíduos industriais ou que apresentam algum beneficio em termos de menor poluição ambiental. São eles: argamassas ecológicas, blocos de concreto com agregados reciclados, tijolos de solo-cimento, cimento Portland CPIII, colas a base de água, tintas ecológicas, telhas de tubos de pasta de dente; pisos, forros e telhas de embalagens longa-vida, entre outros. Em relação aos sistemas construtivos, foram listados aqueles mais utilizados na construção civil e alternativas encontradas durante a revisão bibliográfica. O quadro comparativo analisa, principalmente, custo e geração de resíduos (em termos qualitativos), vantagens e desvantagens e principais materiais utilizados na execução da obra. A proposta é efetuar uma análise de sustentabilidade dos sistemas em termos comparativos através dos quesitos citados. Foram listados: Steel frame, Wood Frame, alvenaria racionalizada, pau-a-pique ou taipa, concreto pré-moldado, estrutura metálica e alvenaria convencional. Com relação aos estudos de caso, foram analisadas 12 casas, inseridas em diferentes localidades – sendo uma no exterior - apresentando uma breve ficha técnica e quais as estratégias de projeto e tecnologias estão presentes em cada uma delas. Como conclusões do trabalho, entendeu-se a habitação unifamiliar sustentável como uma edificação que permite poupar recursos e diminuir impactos ambientais. Identificou-se também, maneiras de se produzir uma habitação mais eficiente energeticamente, utilizando estratégias projetuais e tecnologias que economizam energia. Foram identificados materiais menos poluentes e sistemas construtivos que geram canteiros de obras mais limpos. Dessa forma uma habitação sustentável pode, além de minimizar os danos ao meio ambiente, sensibilizar os usuários provocando mudanças comportamentais. Palavras-chaves: Habitação Unifamiliar; Sustentabilidade; Tecnologias


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Novos saberes arquitetônicos: produção, transmissão e aplicação Coordenadores: Isabella Trindade e Anália Amorim

O avanço das tecnologias digitais, da expansão das redes de informação, da criação de novos materiais, das tecnologias energéticas inovadoras e das novas posturas profissionais tem impactos profundos sobre a formação em arquitetura. Esta sessão busca refletir e avaliar experiências e propostas de ensino para a formação dos futuros arquitetos que possa fazer face à esses novos desafios. Serão bem-vindas experiências de ensino relacionadas à: experiências de ateliers integrados com pesquisa, novas estratégias de conhecimento, rompendo limites disciplinares; a contribuição de processos digitais a concepção do projeto; práticas de educação com capacitação na competência, a formação guiada pelo aprendizado profissional em estágios e experiências práticas profissionalizantes; inovações trazidas pelas novas experiências transdisciplinares e didáticas de projeto, os modos de transmissão de conhecimento no campo das artes, da teoria, e história da arquitetura; o impacto das experiências internacionais de intercambio no ensino da arquitetura, o compartilhamento de conhecimentos no encontro, na socialização e na compreensão de diferenças culturais.


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TRANSIÇÃO DE PAISAGENS NA ARQUITETURA DO JARDIM Ana Rita Sá Carneiro (PE) A paisagem urbana brasileira, de uma maneira geral, tem mostrado mais uma grande concentração de construções com alto gabarito, e menos espaços vegetados, como parques, praças, unidades de conservação enfim os jardins urbanos. A aglomeração na paisagem está posta a desafiar os condicionantes ambientais e históricos do sítio, assim como os limites espaciais, temporais e psicológicos da convivência humana. A paisagem é mais uma consequência de ações apressadas procedentes de compromissos políticos e econômicos e da luta pela sobrevivência. Nessa luta de forças, o saber profissional é superado pela competição na oferta de trabalho e o planejamento não consegue fazer previsões que garantam e possam sustentar a construção de uma paisagem urbana sustentável em que as características físicas do sitio constituam o ponto de partida. Na verdade, a paisagem é um item que merece grande reflexão porque na sua essência, ela é inerente e não imposta, ela é invenção cultural da esfera da sensibilidade e não do estrangeiro. A noção de paisagem parte dos sentidos e se estabelece a partir de um sentimento de admiração, de beleza, de arte, de espiritualidade e especificidade que é inerente ao fato de existir como parte de um sistema de elementos vivos. Não é algo de fora é algo de dentro. Segundo Berque no texto ‗Cinco proposições para uma teoria da paisagem‘ de 1994, uma civilização paisagística é aquela que adota os seguintes critérios: faz uso de uma ou várias palavras para dizer ―paisagem‖; tem uma literatura (oral ou escrita) descrevendo paisagens ou cantando sua beleza; tem representações de pinturas de paisagens e tem jardins de embelezamento. A palavra paisagem ainda é muito pouco utilizada no nosso vocabulário, apesar de ter transitado bastante nos discursos do paisagista Roberto Burle Marx e nas poesias do engenheiro Joaquim Cardozo no Recife dos anos 30. Foi naquele momento que os jardins fizeram parte integrante do planejamento da cidade e legitimaram a paisagem dos ecossistemas brasileiros nas praças de Casa Forte, Euclides da Cunha, Derby e República, tratadas como obras de arte. Isso sem esquecer o projeto do traçado sanitário de Saturnino de Brito que indicava áreas propícias à implantação de parques e corredores verdes. No ano de 1976, o arquiteto Armando Holanda escreve no seu livro ‗Roteiro para se construir no Nordeste‘, no item ‗Conviver com a natureza‘: ―não permitamos que a paisagem natural – que já foi continua e grandiosa – continue a ser amesquinhada e destruída‖ e ainda dentro de sua visão sistêmica ―utilizemos generosamente o sombreamento vegetal fazendo com que as árvores dos jardins, das vias, dos estacionamentos, das praças e dos parques se articulem e se prolonguem pelas praias e campos‖. Ainda fala dos quintais e do caráter selvático e agigantado da natureza nos jardins de vegetação brasileira que é transbordante, inspirando-se no pensamento do paisagista Roberto Burle Marx quando diz que o jardim é concebido a partir da compatibilidade ecológica e estética para gerar uma expressividade enorme a partir de associações artificiais. No seu texto, cita três vezes a palavra paisagem. Parece que houve um grande distanciamento desses princípios de compatibilidade ecológica e estética, ou seja, da relação de proximidade e continuidade para com os elementos naturais como os rios, os canais, as lagoas, os espaços vegetados, o manguezal. E, ao longo do tempo, os jardins


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de Burle Marx foram quase esquecidos, chegando alguns a ficarem descaracterizados. A restauração de três jardins – criados entre 1935 e 1958 – no período de 2001 a 2008, consistiu em um longo caminho de aprendizado da essência da paisagem brasileira que incorporou um novo saber arquitetônico e paisagístico de caráter multidisciplinar que substanciou o entendimento do conceito de paisagem e de jardim. A primeira experiência na Praça Euclides da Cunha, o jardim das plantas da caatinga, foi a mais desafiadora não só pelo tema do jardim, mas pelo pioneirismo e ausência de documentação do projeto original. Já na Praça Faria Neves, evidenciou-se a dimensão social e na Praça do Derby, a dimensão artística. O jardim revela suas diferentes interfaces com a história, a arte, a educação. A solicitação do tombamento de seis jardins projetados pelo paisagista no ano de 2008 confirmou a necessidade da elaboração de um instrumento educação patrimonial que também foi sendo construído passo a passo. Então o processo é de imaginação e descoberta constante. Tanto que a primeira experiência foi decisiva para sugerir a solicitação do tombamento e a realização do inventário. E a preocupação com a conservação tem mostrado que apesar do tombamento e da necessidade de definir a área de proteção rigorosa e a área de proteção ambiental, ou seja, de transição para a área não restritiva leva a pensar que a paisagem, de maneira geral, deve ter parâmetros para garantir visibilidade, permeabilidade, ventilação e apropriação do habitante, enfim identidade. A experiência com a restauração dos jardins, também proporcionou a reflexão de que a paisagem urbana é um patrimônio porque agrega patrimônio natural e cultural, ou seja, o sentimento que justifica a forma.


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URBANICIDADE: A CIDADANIA PERCEBIDA COMO O EXERCÍCIO DA COMPREENSÃO DA TERRITORIALIDADE. Claudia Teresa Pereira Pires (MG) Viver em uma região metropolitana exige a compreensão do espaço metropolitano, que possibilita ao cidadão o reconhecimento do seu papel e a participação em sua gestão. Faz-se necessário o conhecimento dos limites, das peculiaridades e dos desafios cotidianos para criar tal reconhecimento e viabilizar a participação de todos no contínuo processo de melhora dos espaços urbanos. Mobilizar o cidadão em torno de um espaço coletivo que não possui limites territoriais e políticos, tampouco uma representação referendada e concreta, é, entretanto, instigante. A região metropolitana não é uma cidade, são muitas. Não tem um centro, é policentrada. Não tem um prefeito, tem muitos. Não tem uma câmara de vereadores, tem várias. Não tem apenas uma comunidade, tem muitas. Não tem uma governança e, caso essa exista, deve ser compartilhada e representar um pacto maior em torno de um coletivo que difere de tudo que conhecemos em termos de governança urbana no Brasil, das leis e das políticas que regem o território. O sentido de vida nessa região policentrada, poligovernada e poliurbanizada é rotineiramente vivenciado, porém reiteradas vezes não é apreendido. Essa falta de percepção do espaço acaba por gerar a falsa noção de conflito entre os diversos municípios que compõem a metrópole. O cidadão transita pelo espaço, mas desconhece um ordenamento que justifique sua existência. Tem-se internalizada a cultura da cidade, e é difícil entender que a cidade, em conceito, pode extravasar as próprias fronteiras. Foi para criar a identificação do cidadão com a região metropolitana que o Departamento Minas Gerais do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB – MG), em parceria com a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Regional e Política Urbana (Sedru) e Agência de Desenvolvimento da RMBH, iniciou a ―Campanha Urbanicidade: o papel do cidadão na requalificação do território metropolitano‖. O desafio que instigou o IABMG foi o de sensibilizar o cidadão, informá-lo e, em seguida, mobilizá-lo, possibilitar sua compreensão do espaço múltiplo, formado por vários municípios, ressaltando a importância da participação de todos na consolidação colaborativa de seu planejamento. A equipe envolvida - composta de arquitetos, urbanistas, cenógrafos, artistas, publicitários e teatrólogos - encarou o desafio de mostrar ao cidadão seu papel fundamental para que a indispensável coordenação da ação metropolitana possa existir. É preciso, ainda, mostrar os ganhos advindos do exercício da cooperação e da colaboração em torno de assuntos que não se esgotam nos limites do território municipal para os governos locais, mais precisamente para os prefeitos, de forma que tal cooperação não resulta em perda de poder para nenhum dos agentes envolvidos. Coube, então, ao Estado de Minas Gerais a articulação do diálogo entre os municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Ao descortinar a RMBH em suas especificidades, a Campanha Urbanicidade aceitou a missão de ir ao encontro também das multiplicidades de agendas desse território formado por 34 municípios. Foram oito meses de trabalho em prol da mobilização da sociedade civil metropolitana. O IAB-MG percebeu que para cumprir a meta de informar bem deveria usar a criatividade para a comunicação. Utilizou-se, então, de um bom trabalho gráfico no material da campanha, das técnicas de arte educação, do poder do desenho como forma de expressão e sensibilização e da conversa do dia a dia em ônibus, parques e praças como ferramenta estratégica para atingir os objetivos da campanha. O público alvo englobou as escolas públicas, os espaços coletivos e os ônibus metropolitanos que circulam pelos diversos pontos da RMBH. Consideramos a


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expressão das crianças do ensino fundamental, através do desenho e das aulas com material pedagógico especialmente desenvolvido para o tema, uma das experiências mais ricas. Como o IAB trabalha o meio urbano, a entidade trabalhou a fundo o reconhecimento e o pertencimento através da linguagem visual, da educação ambiental para compreensão do espaço urbano e das suas relações com o homem. Valorizou, ainda, a arquitetura e o urbanismo como ciência da construção das ferramentas da gestão física do território. Um dos pontos altos do trabalho foi a peça teatral ―Se esta rua fosse tua‖, encenada com êxito e alegria em vários espaços metropolitanos da RMBH. Ensinar, sensibilizar e educar divertindo, foram as conquistas do teatro. A campanha de mobilização também obteve sucesso na coleta de Boas Práticas Metropolitanas, por meio do preenchimento de formulário específico, aproveitando a sensibilização possibilitada pela arte, expressão e ideias. O formulário incentivou a participação e levou os cidadãos a pensarem nos bons exemplos da vida na RMBH. Estas ações, realizadas muitas vezes pelos cidadãos ou por entidades que se ocupam de resolver ou auxiliar na resolução de alguns dos problemas cotidianos da metrópole, se constituem em paradigma a ser seguido ou indicativo de que existe um caminho iniciado em prol de um espaço participativo. Os trabalhos desenvolvidos nas escolas, nos ônibus e nos espaços públicos mostraram que a RMBH prescinde de uma participação dos cidadãos na sua construção. É unânime a compreensão dos participantes da campanha sobre a necessidade de envolver mais do que o governo local para cuidar dos rios e águas da RMBH, do patrimônio, da educação e da saúde. As ações da Campanha reforçaram essa necessidade contribuíram para um retorno bastante positivo por parte da população partícipe. O resultado do trabalho junto aos movimentos populares organizados, tais como ONGs e associações, foi também muito positivo e a contribuição destes agentes da sociedade civil na mobilização, fundamental. Em resumo, a iniciativa alcançou êxito e o IAB-MG se orgulha em dizer que uma etapa de um extenso trabalho em prol da cidadania metropolitana foi finalizada com grande receptividade, permitindo-nos contemplar, em um futuro não muito distante, novas formas de transmissão da arquitetura e do urbanismo, através da mobilização popular e do ensino dos seus pressupostos, frente ao público leigo em geral, principalmente mobilizando crianças e adolescentes na compreensão da importância da disciplina para um futuro sustentável da sociedade.


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COMO EU PROJETO? Noélia de Moraes Aguirre (RS) Janice de Freitas Pires (RS) Adriane Almeida da Silva Borda (RS) 1 INTRODUÇÃO Este trabalho relata um ensaio de sistematização de estratégias metacognitivas no processo de aprendizagem de projeto. Parte da promoção de uma atitude autoreflexiva sobre uma ação projetual, onde uma estudante de arquitetura busca sistematizar uma análise de seu próprio processo projetual. Neste momento a análise esteve centrada em questões geométricas sobre a forma que configurou o objeto arquitetônico projetado. O estudo está motivado pelas ideias de Schön, 2000, que considera que a prática projetual deve estar caracterizada pela reflexão na ação, buscando-se então exercícios que promovam a compreensão sobre os processos projetuais. De acordo com Davis, 2005 a atitude reflexiva ativa a aprendizagem metacognitiva, na qual estão presentes ações baseadas em raciocínios de diferentes tipos. Esta autora identifica dois tipos de raciocínios, os dedutivos e os indutivos. Indica que o raciocínio dedutivo envolve proceder do geral para o particular, empregando proposições amplas para entender, explicar, avaliar e/ou monitorar eventos específicos. Já no raciocínio do tipo indutivo, as conexões entre fatos são estabelecidas, promovendo generalizações e articulações importantes para criar novas ideias. Estabelece-se, desse modo, um processo de construção de ideias a partir da experiência. No âmbito deste trabalho se busca promover estes dois tipos de raciocínios. Como base para a análise caracteriza-se o referencial de Ching (2002) para promover o raciocínio dedutivo. Os conceitos genéricos, princípios de organização do espaço arquitetônico, apresentados por este autor servem de base conceitual para ajudar a refletir sobre o processo projetual que foi estabelecido (caso específico). Caracterizam-se estas estruturas de saber, de Ching (2002), como promotoras do raciocínio indutivo, por ajudarem ao entendimento sobre a estrutura de saber envolvida no processo projetual estabelecido pela estudante, e que refletem as ações projetuais em termos geométricos de organização do espaço. Considera-se que a explicitação de estruturas de saber que reflitam ações projetuais, principalmente sobre a forma geométrica, promove o auto-conhecimento sobre os próprios processos de projeto, acionando raciocínios indutivos para o ato de projetar. Os raciocínios indutivos são estimulados, então, quando o projetista tem consciência de suas ações sobre a forma arquitetônica. O estudo considera que processos metacognitivos podem ser estabelecidos a partir dessa explicitação, por acionar tipos específicos de raciocínios que potencializam o próprio processo projetual. 2 METODOLOGIA A metodologia adotada neste trabalho busca promover a conscientização das ações projetuais. Com o objetivo de sistematizar este tipo de estratégia metacognitiva é desenvolvida uma análise sobre um projeto arquitetônico desenvolvido no âmbito da graduação. Buscou-se identificar o repertório formal empregado e as possíveis conexões formais entre os elementos de projeto. Para isso, os dados, tais como os discursos e as representações sobre as ideias de projeto, são organizados com o propósito de conectar as ações e conceitos que buscam explicitar o processo criativo estabelecido. Nesta etapa do estudo há o propósito de identificar estruturas de saber (Chevallard, 1991) que buscam


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caracterizar os aspectos geométricos da forma arquitetônica que refletem ações projetuais próprias do estudante referido. Para explicitar as estruturas de saber, utilizam-se mapas conceituais (Novak e Cañas, 2008), que tornam possível expressar as conexões entre cada um dos elementos das estruturas encontradas. Dessa maneira, como exercício metacognitivo dedutivo, a partir de Ching (2002), caracterizou-se a forma arquitetônica identificando-se os conceitos geométricos do projeto analisado. A metodologia utiliza uma referência de uma estrutura de saber estabelecida (dedutivo) na tentativa de explicitar a estrutura de saber específica utilizada em um processo projetual, para então generalizar e compreender o tipo de processo projetual do projetista em questão (indutivo). 3 RESULTADOS PARCIAIS Como resultados do raciocínio dedutivo foram identificadas ações projetuais que consideram elementos primários de uma composição arquitetônica e conceitos referentes a organização espacial, circulação e princípios compositivos, caracterizando, no projeto analisado, a terminologia empregada por Ching (2002). Como resultado do raciocínio indutivo foi possível concluir sobre o processo projetual específico, como se caracterizou, e o que significou a tomada de consciência sobre tal processo. Considera-se a necessidade de trabalhar com outros referenciais para ter uma maior compreensão sobre o processo, e poder, assim, tirar partido desta conscientização para potencializar a criatividade. A partir das análises avalia-se o quanto esta metodologia está sendo adequada para promover uma atitude metacognitiva em processos de ensino / aprendizagem do projeto de arquitetura, considerando-se que tais análises devam ser ampliadas com outras bases conceituais, para que assim se enriqueça o processo reflexivo. Esta proposta de metodologia considera que as estruturas de saber identificadas nas análises tornam claras as ações de projeto empregadas, auxiliando ao estudante tomar consciência sobre o seu próprio processo projetual, ativando, dessa maneira, pela metacognição, o raciocínio indutivo para novos projetos. Tem-se como resultado parcial a indicação de que este tipo de sistematização poderia fazer parte de estratégias didáticas em ensino / aprendizagem do projeto de arquitetura e que análises sistemáticas de uma determinada trajetória de projeto pode contribuir para o autoconhecimento do processo projetual. 4 CONCLUSÃO Considera-se que o estudo promoveu o autoconhecimento das estratégias utilizadas para o desenvolvimento do projeto. Promoveu, mais especificamente, a conscientização e reflexão do estudante sobre o tipo de vocabulário e de regras geométricas utilizadas para responder a um determinado problema de projeto. Apoiando-se em estudos que têm objetivado compreender ―como o arquiteto projeta‖, considera-se que a metodologia empregada neste trabalho traz para o contexto acadêmico esta postura reflexiva, lançando a hipótese em formar arquitetos que reflitam mais durante a ação de projetar (Schön, 2000). Conclui-se, através desta atividade, que foi alcançado o propósito de aperfeiçoar o processo criativo, (raciocínio indutivo) próprio de cada indivíduo contribuindo à atividade didática de ensino/aprendizagem de projeto. Este estudo está em fase inicial e deve ser continuado de forma a ampliar os referenciais de análise (que promovem o raciocínio dedutivo) indicando outras abordagens para a forma geométrica que se diferenciem e complemente a abordagem do referencial adotado. Acredita-se que deste modo se estará ampliando também a estrutura de saber, o que potencializará o processo de projeto do estudante. Palavras-chave: análise de projeto, metacognição, raciocínios dedutivo e indutivo.


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O EDIFÍCIO COMO ESTRATÉGIA DE FORMAÇÃO DO ARQUITETO Maria Daniela Rosário de Alcântara (CE) Napoleão Ferreira da Silva Neto (CE) Mayra Soares de Mesquita Mororó (CE) Este trabalho tem o propósito de fazer uma reflexão sobre a importância da integração dos conhecimentos das diversas áreas na complexidade do projeto e da obra, apresentando como síntese propositiva o projeto de um edifício-laboratório do Centro de Ciências Tecnológicas da Universidade de Fortaleza, no qual está inserido o Curso de Arquitetura e Urbanismo desta instituição. O edifício proposto estabelece-se dentro de uma metodologia projetual correspondente a uma concepção pré-renascentista, em que a forma arquitetônica e sua construção estabeleciam entre si uma total integração. Uma breve análise histórica da atuação do arquiteto é necessária para a compreensão desta situação. Conforme a tríade vitrúviana cabia ao arquiteto o equilíbrio entre as partes, com a proporção, a técnica, a crítica e a convivência. Durante toda a Idade Média cabia aos arquitetos o papel de construtores, responsabilizando-se pela concepção do projeto e execução das obras, de caráter geralmente eclesiástico. Neste contexto o arquiteto era um agente ativo na formulação da proposta arquitetônica e o detentor da técnica construtiva. A partir do limiar da transição brunelleschiana o verniz cultural do Renascimento acentua o brilho artístico do arquiteto, enfatizando o pensar em detrimento do fazer na tarefa de revisitar e recriar uma tradição clássica de raiz humanista, mas de base abstrato-geométrica. A arquitetura, de acordo com Malard (2006), passa de artefato para arte liberal, e o arquiteto deixa a condição de mestrede-obras para mestre-dodesenho. A expressão artística e o prestígio individual do arquiteto são continuados também no Barroco, onde a dimensão estética adquire um importante status simbólico. No século XIX, os arquitetos que já haviam se desligado do canteiro de obras, passam a evitar as novas técnicas e materiais construtivos refugiando-se na tradição dos estilos históricos e é em meio a Revolução Industrial que ocorre o rompimento dramático entre arte e técnica na arquitetura. Na era da modernidade podemos considerar a arquitetura como uma profissão em crise. O ensino de arquitetura na Bauhaus impõe-se a tarefa de recompor o universo arquitetural vitruviano, cingindo as duas vertentes em um ―novo ideal de arte e técnica‖. Observa-se, porém no ensino de arquitetura contemporâneo, que se mantém o distanciamento entre projeto e obra. Na medida em que o comprometimento com a construção deixou, historicamente, de ser uma responsabilidade direta do arquiteto, parte considerável dos professores responsáveis pela formação dos novos arquitetos não tem nenhuma experiência direta com a materialização técnico-construtiva do projeto. No Brasil, conforme Souza (2001), o ensino de arquitetura delineou-se a partir de duas correntes: uma técnico-científica através da Academia Militar de Engenharia, com tradição portuguesa, que formava arquitetos-engenheiros, e outra voltada ao ensino artístico ministrado pela Escola de Belas Artes, afiliada ao modelo de ensino francês. Estas duas tradições de ensino influenciaram gerações e o ensino de arquitetura que nos chega aos dias atuais. Apesar da exigência de um currículo cada vez mais extenso nos cursos de Arquitetura e Urbanismo, contemplando atividades no campo tecnológico, artístico e cultural, é evidente a dicotomia entre o ensino do projetar arquitetônico e as disciplinas técnicas. Segundo as diretrizes curriculares em vigor, a formação do arquiteto deve necessariamente ter um caráter generalista e multidisciplinar, devendo contemplar uma visão sistêmica, onde o processo projetivo e a materialização das propostas arquitetônicas se deem de forma integrada. Entretanto esse objetivo pedagógico


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fundamental não se efetiva, com raras exceções, nem mesmo na arquitetura das edificações que abrigam boa parte das escolas de arquitetura no Brasil. A proposta para o edifício do Centro de Ciências Tecnológicas da Universidade de Fortaleza retoma o problema de uma formação em crise, propondo uma transição pedagógica, em que a forma arquitetônica narra o processo construtivo, revela sua materialidade e expõe seus componentes e modela uma imagem icônica de um compromisso entre a criação artística e a técnica construtiva. Esta síntese, segundo parâmetros contemporâneos, deve corresponder não apenas a um conteúdo formal sistêmico na arquitetura, mas também transcende a soluções eco eficientes e sustentáveis. Palavras-chave: Arquitetura, tecnologia.


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CÓDIGOS NÃO LINEARES DE UMA ESCRITURA EM PROJETO: MONTAGEM E EXPERIMENTAÇÃO. Moema Falci Loures (RJ) Nossa busca constante está na possibilidade de abertura do projeto de arquitetura e urbano ao gesto criador através de um ―estouro de realidade‖. Estamos interessados na arte que existe na possibilidade do projeto criar novas realidades; expansões imaginativas. Neste fluxo de ideias resgatamos a obra do cineasta Sergueï Mikhaïlovitch Eisenstein - seus estudos sobre a montagem, enquadramento e sobre a composição de fragmentos de representação. Eisenstein argumenta que a montagem é originária da colisão entre diferentes enquadramentos. Cada elemento sequencial não é percebido um ao lado da outro, mas em descontinuidades que surgem na direção de rupturas paradoxais entre os enquadramentos, caracterizando uma totalidade fragmentária. As colisões são baseadas em conflitos de escala, ritmo, volume, movimento, velocidade, direção de movimento dentro do enquadramento, entre outros. O cineasta (re)afirma que a determinação de pontos remarcáveis e de instantes privilegiados comportam vetores em desenvolvimento. O que importa são as reverberações produzidas entre o espectador/filme; usuário/projeto; intérprete/obra. A montagem suscita nos espectadores o movimento de constituição progressiva de uma imagem global, possibilitando a articulação entre reprodução de seus processos pela montagem e produção de sentido pelo espectador. O espectador sai de si mesmo para vivenciar uma experiência que excede seu confinamento sobre um único ponto de vista. Nesta mesma direção, evidencia-se o trabalho do arquiteto Bernard Tschumi, mais especificamente seu projeto teórico "Manhattan Transcript" (1981), em que o arquiteto incorpora técnicas de montagem, frame by frame. Estas idéias são utilizadas posteriormente no concurso para o Parc La Villette, principalmente no percurso que ele denominou como ―Promenade Cinématique‖. Destacamos três questões fundamentais para a nossa temática na obra de Tschumi: (1) quando o movimento está muito bem definido no projeto o espaço assume uma presença estática; (2) a noção de tempo e movimento do corpo no espaço é introduzida por vetores de movimento; (3) como poderíamos projetar condições não condicionando o processo? A intenção não é materializar um objeto, mas construir forças que ainda estão por vir. Destacamos, assim, a importância da montagem no processo de concepção do projeto e na compreensão do projeto como processo. A montagem como uma didática da criação que rompe limites disciplinares. Vale ressaltar que o tema da montagem e repetição esteve bastante presente no cenário da arte durante o século 20, como por exemplo, através do cubismo tentativa da síntese de múltiplas perspectivas em uma pintura. Mas a idéia de criação de uma nova imagem através da associação de imagens concretas estava mais ligada à combinação, construção e desconstrução de uma forma, não à construção de experiências entre elementos sequenciais. A mensagem de Eisenstein, como a de Tschumi, está na potencialidade criativa do projeto como construção de forças ao invés da construção de formas. Suscitamos que o maior desafio que temos como arquitetos é a possibilidade de deixar o projeto aberto à experimentação: combinar e permutar para manifestar os segredos do mundo e liberar intensidades criativas. A arquitetura e o urbanismo, no sentido amplo que usamos a palavra, devem mobilizar os instrumentos que são capazes de admitir flutuações, criatividade, incerteza e ambiguidade.


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Propomos pensar o projeto, não como uma ruptura, nem como uma espécie de continuidade, mas como um transbordamento de realidade. O projeto em detrimento a uma espécie de adaptação à realidade relaciona-se com as possibilidades de interferência e experimentação que envolve o espaço entre a ruptura e a continuação. Sob esta perspectiva, este estudo privilegia o processo-montagem que por si só já possui um caráter experimental. A montagem como gesto criativo, como um movimento que legitima o processo de concepção do projeto através da experimentação. Não estamos aqui interessados em uma fratura, uma cisão, nem mesmo em um deslocamento do espaço, mas em um outro événement (DELEUZE e GUATTARI, 2002) que vai perturbar e agitar a forma em curso e que nos permite (re)inventar um outro fluxo. Nesta tentativa ainda embrionária de construção de uma forma de expressão projetual procuramos pistas de códigos não lineares de uma escritura em projeto. Palavras-chave: projeto – montagem – criação


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A FABRICAÇÃO DIGITAL NO ENSINO DE ARQUITETURA Regiane Pupo (SP) Desde que o computador começou a fazer parte da rotina de arquitetos, existe certo receio pela ideia de que as máquinas poderiam substituir suas funções ou mesmo seus insights de criatividade, principalmente durante a inserção da disciplina de informática aplicada, em cursos de arquitetura. Felizmente, as experiências dos últimos anos têm contribuído para a troca de dados entre os meios de representação e de produção em arquitetura e construção permitindo que a era digital tivesse um avanço substancial. Se o profissional da área de arquitetura conhecer a real capacidade de produção com software, aplicativos e equipamentos de fabricação digital poderá projetar tendo em vista a possibilidade de utilização de métodos de produção digital de maquetes e de componentes do edifício. A consequência dessa troca de informação é o envolvimento dos arquitetos nos processos de fabricação (Kolarevic, 2003) favorecendo novas oportunidades de projeto, de soluções e de fabricação de maquetes e elementos construtivos. Mitchell (1994 apud Kolaveric, 2003, p. 32) observa que nos tempos sem tecnologia apropriada, ―os arquitetos desenhavam o que podiam construir e construíam o que podiam desenhar‖. Hoje, com a utilização das novas tecnologias, pode-se afirmar que os arquitetos modelam o que desejam e constroem. No aprendizado de arquitetura, especialmente, essa prática é essencial. Além da importância dos equipamentos e software envolvidos na inserção de novas técnicas, a maneira como os futuros arquitetos são treinados para a vida profissional, que hoje prima pela tecnologia, é fundamental. A capacidade de transitar diretamente da modelagem tridimensional para sua impressão, também tridimensional, desafia a necessidade da representação tradicional, como plantas e cortes. Kinger (2001) explica que os novos procedimentos emergem da necessidade de direcionar o projeto direto para a produção com cortes, dobras e espessuras para a obtenção de formas físicas precisas. Além disso, as novas práticas também permitem prever novas possibilidades, pela facilidade de obtenção de protótipos em escala 1:1 ou maquetes reduzidas para avaliações, raramente utilizadas nos métodos tradicionais. Estas múltiplas e novas interações são necessárias para o total envolvimento ao longo do processo de projeto e que hoje estão conduzindo a mudanças substanciais nas grades curriculares dos cursos de arquitetura. São considerações ainda em início de discussão, mas de relevante importância se consideradas todas as complexidades, desde o início do processo de projeto até sua produção, em um momento em que a informação digital permite prever, avaliar, simular, fabricar e montar arquitetura. Este artigo aponta a aplicação das novas tecnologias de fabricação digital em um curso de arquitetura, como parte integrante da disciplina de Maquetes e Modelos. Os resultados contam com a criação e produção de peças, maquetes e elementos construtivos desenvolvidos pelos alunos. A experiência demonstra a importância dos meios digitais de criação e produção no ensino de arquitetura e espelha uma experiência de processo de projeto, o qual sem a utilização das tecnologias digitais desde o projeto até sua produção, não teria o mesmo impacto obtido. As técnicas utilizadas são as disponíveis no laboratório de automação e prototipagem para arquitetura e construção - LAPAC, o primeiro no Brasil na área. As tecnologias disponíveis são (1) de adição: processo de sucessão de camadas para a obtenção da maquete em 3D, utilizando pó de gesso como matéria prima; (2) de subtração: processo de esculpir ou recortar um material (MDF, Gesso, Isopor, madeirite, etc) com uma fresa de controle numérico (CNC), e (3) corte: utilizando uma cortadora a laser, que corta, vinca e marca desenhos 2D para posterior montagem da maquete. Palavras-Chave: fabricação digital, processo de projeto; prototipagem rápida


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AS VICISSITUDES DA ARQUITETURA E A DEMANDA POR NOVOS SABERES Anália Maria Marinho de Carvalho Amorim (SP) Ciro Felice Pirondi (SP) A principal mudança que se dá na Arquitetura nessa passagem de século é a mudança de ótica diante da relação Arquitetura e Natureza. Não temos compromisso com os erros e as ilusões, também frutos da busca do conhecimento e por isto a necessidade de estarmos alertas. Interessam-nos as soluções arquitetônicas que concebam espaços inseridos no cosmos que os rodeia, interagindo com a matéria física da qual são feitos, tentativas de síntese da nossa condição terrestre e da nossa condição humana. O grande desafio do início do século XXI é a criação da cidadania terrestre. Uma cidadania que incentive, assegure e favoreça as diversidades. Diversidades estas que se inscrevam na unidade, no entrelaçamento indissociável dos destinos individuais, sociais e históricos a que somos sujeitos e submetidos. Vivemos hoje um privilegiado momento em que as inerentes necessidades da Arquitetura se assemelham com a ética da compreensão planetária. São estes os novos, todavia conhecidos, saberes os quais teremos que sintetizar na criação dos nossos edifícios, das nossas cidades. Talvez tenhamos que nos libertar da ilusão de prever o destino do homem. O conhecimento dos condicionantes econômico-financeiros, sociológicos, tecnológicos não dá conta da posição incerta e instável do comportamento terrestre tampouco do comportamento humano. Isto poderia nos propiciar uma profunda revisão da idéia de projetar, numa tentativa de compreender as relações da ordem, da desordem e da organização. É neste mar, de navegação tão imprecisa, que obras arquitetônicas como as produzidas pelos Mestres Lúcio Costa, João Filgueiras Lima, Armando de Holanda, Acácio Gil Borsoi, Severiano Porto, Zanine Caldas – num cenário inicialmente brasileiro, mas facilmente ampliável no tempo e no espaço– nos servem de pedra de toque na busca de novos saberes. São obras repletas de riscos e precauções e imbuídas de uma ética que as fazem pontos de apoio para futuros do indicativo: cuidar da Arquitetura como uma síntese da produção do abrigo do homem como indivíduo, como sociedade e como espécie, num planeta em que a Terra é uma Pátria em perigo. Não estamos sós nesta constatação e isto nos redime de sermos o salvador da Pátria, mas não nos isenta de sermos co-participes. À luz da obra desses Mestres, podemos afirmar que a forma de pensar e gerar saberes que nos diz respeito no século XXI é a que dialoga abertamente com a natureza desenhando a matéria e a forma que lhe resistem, fruto da peleja entre a lógica e o empirismo, entre o embate das ideias respaldadas de argumentos e tentativas. Uma racionalidade que tem como ponto de referência o ser humano, pleno de subjetividade, afetividade e mistérios. Uma racionalidade crítica e autocrítica, capaz de habitar qualquer indivíduo do Planeta. Interessam-nos os saberes que não nos aprisionem nos conhecidos paradigmas sobre a relação homem/natureza, ou seja, o que inclui o homem na natureza e lhe reconhece a natureza humana e o paradigma que os separa, considerando humano aquilo que por exclusão não é natureza. Interessam-nos os saberes que trabalham sobre a imbricada relação entre o natural e o cultural, entre a matéria e a forma, entre a liberdade e o determinismo, entre a existência e a essência, entre o inesperado e o possível. Saibamos, a exemplo do sábio Edgar Morin ―esperar o inesperado e trabalhar pelo improvável.‖ Talvez tenha sido agindo assim que, com a experiência de cinco anos participando da reformulação e direção do curso de Arquitetura da Universidade Braz


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Cubas, um grupo de jovens arquitetos decide em 1996 desenhar o projeto de um novo curso de arquitetura que atendesse às exigências do MEC, mas completamente livre e independente na sua estrutura pedagógica e administrativa. Uma cooperativa de profissionais liberais. Nascia assim a Escola da Cidade. Constituída por uma Associação sem fins lucrativos, com o objetivo de formar arquitetos/ urbanistas, capazes de criticar e transformar a realidade, divulgando o conhecimento produzido e influindo na melhoria da sociedade. Após cinco anos da entrada do processo, o MEC nos concedeu a licença de funcionamento e em 1º de abril de 2002 iniciamos as aulas com cinquenta alunos, três funcionários e doze professores. Uma atitude com a necessária ―irresponsabilidade‖, em um espaço próximo a uma ruína, e a coragem dos alunos e pais crentes em nosso projeto. Hoje com três turmas formadas, o reconhecimento do MEC, duzentos e sessenta alunos, mais de cem associados, um curso de pós-graduação – latto sensu – em desenvolvimento, alcançamos, talvez, 30% do nosso sonho e dos projetos internos em constante desenvolvimento. O Conselho Pedagógico é sua espinha dorsal. Formado pelos representantes dos anos e dos Núcleos, somos dezoito professores e mais dez alunos a definirem o projeto pedagógico e os rumos da Instituição. Com reuniões quinzenais, onde o principal exercício é disciplinar com serenidade os vinte e oito egos, discutimos e analisamos o trabalho em andamento e as novas propostas. O projeto, que há meses estudamos, de incluir um sexto ano no curso foi implantado a partir deste ano de 2010. Seguimos aprofundando o estudo da interdisciplinaridade, questão urgente na pedagogia contemporânea. Não há departamentos em nossa estrutura, e sim, dois coordenadores por ano que além de coordenarem seu ano são representantes de uma das cinco sequências disciplinares. Por sermos apaixonados pelo futebol, nossa grade curricular é formada por um primeiro e um segundo tempo. No primeiro, das 14 às 17h00 o time dos estudantes assiste às aulas específicas. No segundo tempo, no Estúdio Vertical, estudantes do segundo ao quinto anos discutem e projetam um tema único de Projeto até às 20h30min. Se a Arquitetura é uma arte de fronteiras, margeando outros conhecimentos, é fundamental ao arquiteto o conhecimento de outras áreas. Para tanto, instituímos como disciplina, às quartas-feiras, o Seminário de Cultura e Realidade Contemporânea, com temas entre filosofia e literatura; futebol e carnaval; biologia e astrofísica, que passam a fazer parte da formação obrigatória do estudante. Os seminários são filmados e alguns transformados em livro de bolso pela Editora Hedra, com valor de venda acessível. A Escola foi pensada, não para a nossa sobrevivência, mas para nosso prazer. Inventamos sempre novas alternativas. A Escola Itinerante, talvez seja a mais bela delas. Parte integrante e fundamental do currículo, não representa um custo extra ao aluno. Viajamos com todos os estudantes pelo Brasil e América Latina duas vezes ao ano. Acreditamos na itinerância do ensino de Arquitetura. Professores residentes em cada região visitada recebem nossos estudantes, ministrando aulas e acompanhandoos nas visitas, previamente programadas. Toda a viagem é guiada através de um Caderno de Viagem entregue ao estudante e por ele complementado. A Escola Itinerante é aberta aos interessados de outras escolas, e é também um momento de alegria, desmistificando posturas e aproximando alunos e professores fora do espaço escolar. A relação da Escola com a cidade se fez desde a escolha do nome ―Escola da Cidade‖, tanto quanto a implantação da sua sede na área central da metrópole de São


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Paulo, onde está o principal desafio contemporâneo de nossas reflexões como arquitetos. Por sermos uma Faculdade de Arquitetura e não possuirmos a estrutura de uma universidade, criamos os Núcleos de Aplicação (extensão), o de Pesquisa e o de Tecnologia. Convênios com ONGs, Fundações, Governos e Associações permitem trabalhos nessas áreas, onde nossos alunos, sempre quando possível, atuam pelas manhãs, sendo remunerado e podendo colaborar na manutenção dos seus estudos. Ao longo dos treze anos de existência da nossa Associação, através de seus Núcleos, dos quais a Escola é um deles, vem desenvolvendo trabalhos, aperfeiçoando metodologias e realizando projetos, juntamente com seus parceiros, para responder aos grandes desafios impostos pela cidade e à busca de novos saberes.


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ARQUITETURA E SUSTENTABILIDADE: OS RISCOS DA ONDA VERDE. REFLEXÕES SOBRE A RETÓRICA AMBIENTAL NOS CONCURSOS DE ARQUITETURA. Fabiano Sobreira (DF) O que é exatamente uma arquitetura sustentável? Uma arquitetura verde tem o mesmo significado de uma arquitetura ecológica? Um edifício eco-eficiente é também um edifício de mínimo impacto ambiental? Nesta breve sequência de questionamentos utilizamos pelo menos cinco terminologias diferentes para expressar variações de um mesmo conceito. De fato, o discurso em torno de práticas ambientais, verdes, ecológicas ou sustentáveis (termo que varia conforme a ―linha retórica‖ – nem sempre teórica - escolhida) definitivamente já entrou no universo da arquitetura. Podemos atribuir uma parcela dessa ―onda verde‖ a uma preocupação coletiva crescente com o meio ambiente, motivada e estimulada por uma crise ambiental e energética que parece nova, mas que é cíclica, e também por preocupações mais objetivas, como a economia de recursos. Mas outra relevante parcela - e talvez a mais forte - está relacionada ao interesse político e mercadológico nos ―eco-produtos‖, e a arquitetura tem sido inserida como mais uma linha de produtos na prateleira. No meio desse turbilhão de imagens, conceitos, produtos e propagandas, surge uma inquietação: como os projetos de arquitetura têm sido prescritos, apresentados e avaliados, no contexto dessa ―onda verde‖ ? Trata-se de uma questão complexa, que pode nos conduzir por caminhos disciplinares e interpretativos os mais diversos. Para abordar uma das possibilidades analíticas sobre a referida questão, lançamos neste ensaio um olhar sobre uma das formas de prática projetual da arquitetura que mais dependem do discurso escrito: os concursos de projeto. Por se tratarem de procedimentos públicos e formais em torno da prática projetual, onde o discurso escrito e a retórica são instrumentos fundamentais de diálogo e convencimento entre as partes envolvidas, os concursos – além de importantes instrumentos para a promoção da qualidade na arquitetura pública - têm se consolidado como objetos de estudo em potencial, sobre os novos saberes arquitetônicos, sobre a prática e a teoria do projeto e sobre as intenções e conceitos que estão em jogo.


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O DIGITAL TORNADO MANIFESTO E A VIRTUALIDADE DOMESTICADA: O MITO DAS TECNOLOGIAS DIGITAIS ALTERANDO A ARQUITETURA Fabíola Macêdo Ribeiro (RJ) É ideia razoavelmente consolidada que as novas tecnologias de informação oferecem possibilidades de transformação de toda a percepção humana. Desde McLuhan, nos anos 1960, popularizou-se toda uma discussão em torno das mídias eletrônicas, dentre as quais hoje têm maior destaque as digitais. Desde então, pesquisadas e romanceadas, as mídias são encaradas como ubíquas e inelutáveis. Também o arquiteto se preocupa em transpor à edificação o digital, mas suas ações devem, supostamente, ser embasadas em teorias. Que dizem elas? A maioria dos autores defende que as tecnologias do digital alçam nossa percepção a uma pluralidade de dimensões novas. A ‘CIBERCEPÇÃO’ Teremos como base teórica o texto ―Architecture of cyberception‖ de Roy Ascott, onde ele defende, na era atual, uma arquitetura de interfaces: ―Uma cidade deve oferecer a seu público a oportunidade de compartilhar, colaborar e participar do processo de evolução cultural. (...) Sua infra-estrutura, assim como sua arquitetura, deve ser inteligente e publicamente inteligível, abrangendo sistemas que reagem a nós tanto quanto interagimos com eles. O princípio da retroalimentação rápida e efetiva em todos os níveis deve estar no coração do desenvolvimento da cidade. Isto significa canais de dados de alta velocidade entrecruzando cada canto e fenda de suas complexidades urbanas.‖ 1 O verdadeiro desafio do arquiteto seria então não permitir que a construção fosse um envoltório indiferente de equipamentos que se destinam a embaralhar parâmetros espaço-temporais. O GUIA DE COMPRAS DA ESCOLA DE DESIGN DE HARVARD Rem Koolhaas e seu escritório OMA desde os anos 1980 debruçam-se sobre a questão das mídias eletrônicas e a forma arquitetônica que elas devem tomar. Visualizamos duas consideráveis oportunidades que tiveram de confrontar-se com o diálogo entre as realidades material e virtual e ambas tiveram seu fechamento no ano de 1989: os projetos para a Grande Biblioteca da França em Paris e para o ZKM de Karlsruhe, na Alemanha, dos quais falaremos apenas brevemente. Ao descrevê-los, defendemos que nestes projetos a tecnologia digital efetivamente transforma a arquitetura, o que comprova que a ampliação da experiência arquitetônica pode de fato existir. Analisaremos mais detalhadamente alguns aspectos de um projeto mais recente e de maior impacto. No ano de 2002 um projeto do OMA teve uma divulgação talvez maior do que os citados acima, transbordou dos círculos acadêmicos de arquitetura, saiu também de sua esfera local e alcançou em definitivo a importância pública: a loja de roupas Prada da cidade de Nova York. Com pesado investimento em tecnologia tanto construtiva quanto de equipamentos digitais, teve seu conceito embasado em teorias de consumo associadas a teorias de sedução através da tecnologia, incluindo nas estratégias a interatividade, a flexibilidade, a mutabilidade e sensação de controle. Mas nos contentaremos aqui em apenas reconhecer o mito da tecnologia digital causando ―mutações na cultura urbana‖. Podemos já, a esta altura, apresentar a análise proposta deste artigo que é a de configurar a arquitetura como linguagem e certos discursos que a acompanham como mitos. Seguiremos como metodologia e roteiro a teoria de Barthes sobre o Mito2.


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Utilizaremos também os termos definidos por Barthes para designar as partes do primeiro e do segundo sistema semiológico. Como termo final do sistema da língua o significante é o sentido, e no plano do mito será a forma. O significado será sempre o conceito e o termo último do mito, aquele que compreende a forma e o conceito será daqui por diante chamado de significação ―porque o mito tem efetivamente uma dupla função: designa e notifica, faz compreender e impõe.‖3 Que é o que veremos em nossos exemplos. Ao longo do artigo detalharemos a metodologia usada para definir e utilizar o conceito de mito. E a utilizaremos para encontrar o mito no projeto para a Prada de NY. O DIGITAL TORNADO MANIFESTO E O VIRTUAL DOMESTICADO Ao definir o Pós-modernismo, Charles Jencks chamava atenção a uma característica bastante perversa desse movimento, que era mentir sobre a funcionalidade. Se o Modernismo preocupava-se demasiado com a supremacia da função sobre a forma, o Pós-Modernismo de alguns arquitetos usava a forma para manifestar uma funcionalidade que não existia, valendo-se justamente de cacoetes formais modernistas para fazer com que as pessoas sintam-se em um ambiente altamente funcional sem que ele o seja. Jencks chamava a isto de ―a função tornada manifesta‖.4 Essa atitude é revisitada na loja Prada. Apoiando-se em clichês que associam a interatividade a dispositivos eletrônicos, mais precisamente as telas de cristal líquido, arquitetos podem vender um projeto como mediado por tecnologia sem que este realmente o seja. Ao contrário da digitalização imersiva intensa dos espaços de exposição internacionais e das mostras temporárias de arte eletrônica ou tecnologia atuais, o virtual aqui foi colocado pontual e estrategicamente. Não se trata do grande telão inebriante do ZKM proposto por Koolhaas tantos anos antes, mas de objetos pequenos perfeitamente plausíveis comportando-se dentro do esperado. Ou, no caso de especialistas, aquém do esperado. Não é nosso objetivo desmistificar todas as utilizações da tecnologia, pelo contrário. Apenas nos cabe aqui ressaltar o quanto de transformação a arquitetura pode obter e o quanto pode apenas manifestar. Projetos concebidos por um mesmo arquiteto podem ter orientações e funções diferenciadas utilizando-se da mesma premissa: tecnologia digital na busca de uma experiência ampliada. Mas os resultados serão diversos se as intenções também o forem. O digital pode existir como parte integrante e essencial da arquitetura, dilatando as experiências sensoriais que ela promove. Ou pode ser inserido de forma enfática, manifesta, isolada, uma mera exposição de possibilidades. E o virtual pode ser um expansor de novas dimensões ou ser apenas domesticado. ASCOTT, R., 2007 BARTHES, R., 2003 3 Idem, p. 208 4 JENCKS , C., 1973, pp. 245-254. 1 2


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O USO DAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO PARA A DIMINUIÇÃO DAS DISTÂNCIAS NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE ARQUITETURA E URBANISMO Max Paulo Giacheto Manhas (AL) Adriana Capretz Borges da Silva Manhas (AL) A difusão instantânea da informação propiciada por meio das ―Tecnologias da Informação e Comunicação‖ (TICs) permitiu a aniquilação do tempo e do espaço, desvinculando a relação entre ―distância‖ e ―posição geográfica‖. Esse novo paradigma da modernidade vem alterando as relações sociais e transformando definitivamente o meio educacional. Uma vez que ―distância‖ em educação também passa a ser um conceito relativo, não é mais a presença física de aluno e professor no mesmo espaço que garantirá a comunicação e troca efetiva de conhecimento. Neste aspecto, as TICs possibilitam novas formas de interação e aproximação entre o educador e o educando. Somando-se a esta nova realidade, o processo de ensino de arquitetura também vem passando por uma fase de transição, onde grande parte das escolas ainda utiliza métodos tradicionais tanto para o estudo do ambiente construído quanto para sua representação, não aproveitando os recursos tecnológicos disponíveis para a análise e representação da forma, seja arquitetônica ou urbana. Como resultado, o egresso encontra um mercado de trabalho bastante diferente daquele para o qual foi preparado. Considerando que as TICs já estão presentes no cotidiano das pessoas e têm um papel importante na formação da identidade, ocupação do tempo e na comunicação pessoal e profissional, é necessário que os professores se atualizem e tenham uma nova abordagem educacional. A seguir, são apresentadas algumas formas de utilização destes recursos para o ensino de arquitetura os quais vêm sendo utilizados e divulgados pelos autores deste trabalho em sua atividade docente: 1. Ferramentas para a visualização de praticamente qualquer espaço geográfico: o Google Earth é um software de uso gratuito que permite visualizar imagens de satélite do Mundo todo, com um banco de dados constantemente atualizado e acrescido de novas imagens com alta resolução; o site Panoramio é encontrado juntamente ao Google Earth e permite a visualização de fotos compartilhadas na rede por pessoas do mundo todo, sendo possível o acesso a uma infinidade de imagens sob diversos pontos de vista; e o Google Street View exibe imagens fotográficas de cidades em 360º, produzidas a cada seis metros por carros circulando pelas ruas de grandes cidades do mundo; 2. Acesso gratuito à bibliografia atualizada pela rede: além de revistas de arquitetura disponibilizadas on line, existe ainda o portal de periódicos CAPES, o qual permite o acesso livre, gratuito e imediato à produção científica mundial a professores, pesquisadores, alunos e funcionários de 268 instituições de ensino superior e de pesquisa em todo o país, por meio de um computador ligado a internet através de uma das instituições autorizadas; 3. Uso dos portais de museus de todo o mundo, com acesso a grande parte dos acervos e a possibilidade de passeios virtuais e visualização das obras por meio de imagens em alta resolução, proporcionando maior envolvimento dos alunos em aulas de teoria e história da arte e da arquitetura; 4. Visualização e acesso a modelos tridimensionais de grandes obras de arquitetura – de qualquer época - com informações detalhadas sobre os materiais e técnicas utilizadas, por meio de sites especializados como o Greatbuildings;


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5. Auxílio na compreensão da lógica e dos fundamentos da geometria descritiva, desenho arquitetônico e cálculos específicos (iluminação, ventilação, estrutura etc.), por meio de sites e softwares gratuitos desenvolvidos e disponibilizados por laboratórios de instituições de ensino; Além da ampliação das possibilidades de exploração, da análise e da representação espacial, as TICs ainda vêm a contribuir para a solução de uma questão crucial em grande parte dos cursos de arquitetura, que é o da representação. A maioria das universidades ainda ensina o desenho arquitetônico na prancheta, passando posteriormente à ferramenta computacional, que passa a ser utilizada apenas como uma nova ferramenta de desenho e não de concepção e compreensão do projeto. O equívoco prossegue com o uso de softwares que não são específicos à arquitetura, por meio dos quais os projetos são desenvolvidos da mesma maneira que o desenho manual, substituindo apenas as ferramentas: régua, esquadros, escalímetros e lapiseiras dão lugar ao mouse, mas o plano bidimensional e o tridimensional continuam separados. Softwares específicos e gratuitos para alunos e instituições de ensino (como o ArchiCAD e o SketchUp, por exemplo) possibilitam a execução simultânea de plantas, cortes, vistas e perspectivas e a visualização completa de um modelo, e seu aprendizado pode ser complementado por vídeos tutoriais e apostilas disponíveis na rede, plantão de dúvidas e troca de arquivos e bibliotecas. Ao executarem algumas tarefas automaticamente, permitem que o usuário se dedique mais à criação do que a execução ―braçal‖ do desenho. Além disso, permitem o trabalho em grupo, em tempo real, por pessoas localizadas em qualquer ponto do planeta, atividade impensável no meio manual. Ao indicar as mídias, o professor deve conhecer bem sua finalidade e se as fontes são confiáveis, a fim de impedir que o aluno ―navegue sem rumo‖ pela internet e perca tempo com o chamado ―lixo virtual‖. Esta missão pode começar com o incentivo – ao invés da proibição - à utilização de sites de busca, dicionários on line e até mesmo as enciclopédias abertas (wikis) para a busca de termos rápidos, o que agiliza leituras de textos complexos, e ainda ampliar a comunicação por meio de grupos de discussão, fóruns, blogs, webquests e webgincanas, vídeos, áudios e PodCasts. Além disso, o professor deve fomentar a busca por materiais diversos disponíveis gratuitamente (inacessíveis até pouquíssimo tempo atrás), fazer uso de filmes históricos e documentários, adquiridos gratuitamente ou comprados via internet, utilizar e indicar vídeos tutoriais de softwares disponibilizados gratuitamente nos sites dos fabricantes, encontrar e indicar cursos virtuais e softwares gratuitos desenvolvidos por laboratórios de instituições de ensino para a compreensão de assuntos como geometria descritiva, desenho arquitetônico e cálculo estrutural. Não cabe aqui a defesa pela substituição da interação ―face a face‖ pelas TICs, nem do abandono do desenho a mão livre, que constitui o meio de expressão essencial e insubstituível para o arquiteto, mas da otimização dos recursos que aproximam e ampliam a comunicação e estreitam os laços entre alunos e professores. Palavras-chave: TIC; ensino; arquitetura.


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OS ARQUITETOS NAS EQUIPES MULTIDISCIPLINARES Coordenadores: Renato Rocha e Maísa Veloso O mercado de trabalho atual não contempla mais o modelo do arquiteto ―gênio criador e solitário no atelier‖. Para atuar neste novo contexto, o arquiteto se vê obrigado a desenvolver, após sua graduação, as capacidades e habilidades necessárias ao trabalho em equipes multidisciplinares. Hoje são crescentes as demandas da sociedade por profissionais capazes de atuar em grupos multidisciplinares, com conhecimentos que transcendam a sua formação profissional específica, e com capacidade de gestão e atuação em equipe, e que possuam habilidades como liderança e comunicação, para as quais nem sempre foram treinados. Cresce também o arsenal de informações e recursos tecnológicos, que, cada vez mais sofisticados, abrem novos horizontes e territórios de atuação. A proposta dessa sessão é debater, a partir das práxis acadêmicas e profissionais, as formas de inserção e de atuação do arquiteto neste mercado de trabalho ampliado, no qual enfrenta o grande desafio de reafirmar as capacidades de planejamento e projeto, de forma a assumir postos de coordenação e de liderança em processos de gestão cada vez mais complexos. Esta sessão deverá também esclarecer as diferenças entre multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, e, dentro delas, o papel das disciplinas arquitetônica e urbanística.


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O URBANISMO MULTIDISCIPLINAR NA CONSTRUÇÃO DA CIDADE SUSTENTÁVEL Renato de Melo Rocha (GO) Este artigo foca a teoria do urbanismo contemporâneo e o indicativo do trabalho multidisciplinar na construção da cidade sustentável à luz das complexidades atuais do espaço urbano construído, levando-se em consideração o avanço da ciência e tecnologia e os aspectos sócio-econômico-culturais. Centra-se no conceito, a síntese e a análise do urbanismo sustentável, apresentando técnicas e procedimentos para avaliação do desempenho sustentável do espaço urbano. Assim, o artigo objetiva refletir sobre teorias que buscam as soluções para o urbanismo conceituado como sustentável e elaborado em equipes multidisciplinares, objetivando a qualidade e preservação ambiental e satisfazendo as necessidades humanas. 1.

INTRODUÇÃO O arcabouço teórico contextual do urbanismo sustentável apresenta questões de grande complexidade e de enfoques de naturezas diversas como o das explosões na ocupação das periferias das cidades, principalmente em países que seguem o modelo econômico do consumismo excessivo, na exclusão social que segrega as famílias de baixa renda e, devido a temas como estes, exigem-se pesquisa e estudo aprofundados que objetivem conhecer os inúmeros pensamentos que possam colaborar para a construção teórica do urbanismo sustentável. Outros temas levantados por ANDRES, PLATER-ZYBERK e SPECK (2000) como as grandes distâncias entre os locais de moradias e os de atividades econômicas, favorecem o aumento do mercado informal que, aliado o transporte coletivo, tornam-se caótico e os grandes percursos só tendem a aumentar a poluição que, evidentemente, auxilia na insustentabilidade da cidade; o uso indiscriminado do automóvel cria novos viadutos e vias rápidas inseguras para o pedestre. Verifica-se aí a uma nova ordem de sistema viário onde o ser humano não é mais o elemento de escala da cidade, sendo assim substituído pela escala do automóvel. Conforme ROGERS (2001), as pessoas vivem nas cidades e, como cidadãos, devem cuidar de seu ambiente. Os valores da sociedade são os valores da cidade. Seu sucesso depende dos seus habitantes e do poder público. Depende da prioridade que ambos dão à criação e manutenção de um ambiente humano. Ainda, segundo ROGERS (2001), um público bem informado aumenta o poder das políticas públicas e sua capacidade de fiscalização sobre o meio ambiente. O desenvolvimento sustentável nas cidades está cada vez mais presente na literatura e na agenda dos planejadores, porém a sustentabilidade urbana deve ser buscada sempre visando às escalas global e local. Na escala global já está comprovado que os recursos ambientais são limitados e se faz necessário restringir a utilização destes recursos naturais, principalmente nas cidades, definindo limites objetivando manter a capacidade de renovação, sendo assim incluído instrumentos nas políticas públicas municipais. Na escala local, prioritariamente para o uso e ocupação do solo urbano e rural e seus impactos, para a qualidade do saneamento ambiental, para obtenção de energia e de transportes alternativos e eficientes, para a inclusão social, e para as formas de gestão, incluindo a educação ambiental e um equilíbrio nas questões ambientais, sociais e econômicas da cidade. A noção de sustentabilidade tem se firmado como o novo paradigma do desenvolvimento humano. Os países signatários dos documentos e declarações resultantes das conferências mundiais realizadas na última década de 19901 assumiram o compromisso e o desafio de internalizar, nas políticas públicas de seus


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países, as noções de sustentabilidade e de desenvolvimento sustentável pleno em seus aspectos ambientais, socioeconômicos e culturais. Diante de todo este contexto de compromissos global entre quase todos os países de nosso planeta, bem como da própria política de sustentabilidade local, vários autores como Andrés, Lynch, Rogers, Romero, Rueda e Yeang constroem a teoria da sustentabilidade, cada um conforme seus conhecimentos técnico-científicos específicos de sua área de atuação. Este artigo pretende reunir, sinteticamente, as premissas principais contidas nas teorias de alguns autores desta literatura e que colaboram para um conjunto de alternativas e soluções que realmente venham a solucionar os problemas locais e globais para um novo modelo de desenvolvimento que irá aproximar-se ao máximo da sustentabilidade necessária para atenuar os danos até então causados ao nosso planeta. 2. URBANISMO SUSTENTÁVEL O urbanismo sustentável é influenciado pelos inúmeros avanços tecnológicos nas estruturas urbanas que possibilitam a qualidade de vida na cidade, bem como no acompanhamento das transformações verificadas na cultura, sociedade, economia e no meio ambiente, ampliando-se assim, a complexidade do urbanismo e consequentemente, o aumento das exigências relacionadas à qualidade ambiental no meio urbano. Segundo ROGERS (2001), as cidades atualmente se destacam pelo distanciamento da população em relação às decisões nas intervenções urbanas, nas melhorias e desenvolvimento urbano, na recuperação de áreas construídas degradadas e as áreas públicas em geral. Os investimentos municipais geralmente estão voltados para as parcerias com o mercado e não nas necessidades dos cidadãos e consequentemente na melhoria da qualidade de vida. Neste aspecto da participação popular e o avanço na cultura cidadã na defesa da qualidade de vida de sua cidade, ROGERS (2001) cita o arquiteto inglês Brian Anson (década de 1960) que aponta a percepção da riqueza do conhecimento e das ideias contidas no conceito de cidadania como o fator primordial na participação da população em conjunto com os urbanistas nas soluções dos problemas urbanos. Outro grande fator importante na prática cidadã é a dificuldade de sua participação nas decisões públicas municipais, onde geralmente são repassadas as estratégias e o direcionamento do planejamento do uso e ocupação do solo urbano aos cuidados do mercado. Assim, segundo ROGERS (2001) criam-se práticas negativas como a ocupação de áreas até então vazias e de baixo valor, com empreendimentos monofuncionais para habitação, comércio ou escritórios, reduzindo o tempo do lucro imediato e desfavorecendo a prática mais sustentável que é a da diversidade. Neste momento verifica-se que o planejamento é abandonado e inicia-se a prática dos incentivos fiscais para estimular os investimentos de mercado nestas áreas. Este padrão antissocial e de exclusão, com um crescimento segmentado, como na maioria das grandes cidades brasileiras, mostra-se inadequado para um crescimento que atenda as necessidades de uma população. ROGERS (2001) acredita que um planejamento estratégico e estudos específicos para um plano diretor será a chave para se obter sucesso em uma transformação apesar de, na prática brasileira, estes planos diretores não possuírem os resultados esperados em sua totalidade. ROGERS (2001) enfatiza que a ampliação e melhorias dos espaços públicos é a principal necessidade dos grandes centros urbanos e, está aí, o ponto central físico da discussão sobre a sustentabilidade social e cultural, a própria recuperação ambiental de espaços degradados seria o complemento com a sustentabilidade ambiental.


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O foco central de uma reestruturação urbana está na real possibilidade em implementar o urbanismo sustentável, devendo ter segundo ROGERS (2001), a preocupação de ligações entre os vários espaços públicos e os principais edifícios de uso público, arborização urbana, instrumentos para a diminuição da poluição, criação de novos parques e acredita que muitas cidades possam ser transformadas em cidades sustentáveis desde que tenha a participação direta de seus moradores nas decisões urbanísticas municipais. Várias definições caracterizam o urbanismo sustentável e, na forma mais plena, ROMERO (2001) cita urbanismo sustentável com manutenção e preservação da diversidade de culturas, que integram, ao longo do tempo, as identidades dos povos, apoiando-se na sustentabilidade cultural, na sustentabilidade social e, no objetivo maior que é a melhoria da qualidade de vida e redução dos níveis de exclusão social. O urbanismo sustentável também depende de uma nova realidade ambiental dos projetos de arquitetura de novos edifícios, pois não é correto projetar sem levar em consideração o baixo consumo de energia, a utilização de energias renováveis como a solar, eólica ou mesmo a utilização de água de chuva e o reuso de água cinza. A implantação planejada para utilizar a iluminação e a ventilação natural na diminuição do consumo energético é fator obrigatório nos novos edifícios na formação do urbanismo sustentável. Ainda no foco do edifício como fator primordial na implementação do urbanismo sustentável, segundo YEANG (1995) a busca pela qualidade ambiental aponta para uma mudança de paradigma que são os parâmetros da sustentabilidade. A crescente preocupação com fatores ambientais fez surgir à avaliação de desempenho ambiental dos edifícios ou de sustentabilidade do empreendimento. Essa avaliação procura indicar medidas para a redução de impactos a partir de alterações na forma como os edifícios são projetados, construídos e gerenciados ao longo do tempo. RUEDA (1999) estuda o caso da cidade difusa que revela a informação contida em uma urbanização que tem um conjunto de portadores de informação muito pequeno, por exemplo, uma tenda de cosméticos, um bar e um conjunto de indivíduos com características muito similares. Se a cada símbolo desenhado assinalássemos uma letra do abecedário, a leitura da mensagem sonora seria algo assim: a, b. ccccc, ddddd,.... Ainda conforme RUEDA (1999), a informação contida na mensagem é muito reduzida, é muito ―simples‖. Não ocorre o mesmo na mensagem correspondente a uma área similar na cidade compacta; sua leitura da ideia da complexidade do mesmo, que de fato representa a complexidade que aterroriza o próprio espaço urbano selecionado. A mensagem precisa dos distintos portadores de informação e o número de cada um deles. Segundo RUEDA (1999), cada símbolo seria um portador de informação e o conjunto de ícones do lugar é justamente uma mensagem que nos permite calcular sua informação. Nota 01 As principais conferências realizadas pela ONU, na década de 90, foram: Infância em Genebra (1990); Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano no Rio de Janeiro (1992); População e Desenvolvimento no Cairo (1994); Pobreza e Desenvolvimento Social em Copenhague (1995); Assentamentos Humanos Habitat II em Istambul (1996); Mulher em Beijing (1997).


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ARQUITETURA COLABORATIVA: A INTERAÇÃO DA WEB 2.0 NA CONSTRUÇÃO CIVIL. Ludmila Cabizuca Carvalho Ferreira de Oliveira (SC) Alice Theresinha Cybis Pereira (SC) Com o avanço das técnicas de compartilhamento da informação proporcionadas pela internet, acompanha-se um momento de transição nos métodos de trabalho praticados por empresas e escritórios ligados à AEC. Devido ao avanço do mercado imobiliário e da economia brasileira, o setor de construção civil se viu obrigado a fornecer respostas rápidas e de qualidade ao mercado. As parcerias e o envolvimento de diversos profissionais em um mesmo empreendimento se configuraram como respostas a esse aquecimento. Hoje o projeto arquitetônico envolve um número cada vez maior de parceiros no seu desenvolvimento. A internet tem permitido uma comunicação mais ativa e quando comparada a outros meios de comunicação, tem apresentado maiores avanços na intercambialidade da informação entre os diversos agentes. Os portais colaborativos (intranets e extranets) surgiram como método de comunicação que absorveram a internet como forma de subsidiar a gestão de arquivos e documentos trocados durante o ciclo de um projeto multidisciplinar. Apesar de consolidados, esses portais não são acessíveis a maioria dos profissionais atuantes, quer seja em um mesmo projeto ou não. Hoje tais ferramentas são mais comuns em empresas que lidam com empreendimentos de grande escala ou com alto grau de complexidade. Escritórios de pequeno porte não se inserem nesse sistema muitas vezes por inviabilidade financeira. Segundo LEDO, 2006 existe uma dificuldade no setor de AEC em se avaliar os ganhos estratégicos advindos do investimento na TIC. Com capital limitado, a adoção de recursos computacionais visando a otimização da troca de informações acaba abandonada em detrimento a outras demandas. O nível diversificado do porte das empresas não permite que todos os intervenientes suportem a colaboração. O PAPEL DOS ESCRITÓRIOS DE ARQUITETURA NA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO CIVIL. Dentro de um cenário cada vez mais consolidado no qual, escritórios de arquitetura se configuraram os grandes administradores da informação e do processo de produção, a informática e as tecnologias as informação – TI – têm sido fundamental no auxílio ao tratamento e gerenciamento do processo. Escritórios diversos têm se mostrado aptos a executarem projetos de escalas variadas com recursos tecnológicos que visam propiciar não apenas suporte ao profissional, mas também maior confiabilidade nesta tarefa. No entanto, ainda que tais recursos venham se firmando, pesquisas estudam como essa adoção vem sendo feita e como isso tem afetado o ciclo do projeto como um todo. Questiona-se uma possível resistência dos profissionais no mercado e na academia avaliando fatores desde a influência positiva ou negativa do uso do computador no processo cognitivo do arquiteto, até os investimentos em tecnologia que escritórios precisam dispor. Inserido nesse raciocínio, este trabalho pretende contribuir para uma compreensão de como a web pode representar uma solução satisfatória em se tratando de interação, comunicação e troca de informação. Independente do porte dos escritórios, o foco residirá em alternativas cujos investimentos possam ser baixos quando analisados em termos de custo-benefício.


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DOS ESCRITÓRIOS DE PEQUENO PORTE ÀS GRANDES CONSTRUTORAS O objetivo desse artigo torna-se, portanto, mostrar a internet como um território vasto de possibilidades a serem exploradas dentro do conceito de colaboração e troca contínua de informação. Através da Web 2.0, profissionais de áreas distintas têm encontrado alternativas simples e viáveis de ordenarem a informação e aprimorarem a comunicação. Conceito ainda pouco explorado na arquitetura, mas potencial às demandas desse setor, a Web 2.0 apresenta a interatividade como instrumento a ser absorvido por setores profissionais diversificados. Dos escritórios de pequeno porte às construtoras, o aquecimento recente no mercado de construção civil brasileiro é justificado pelos incentivos econômicos públicos dados às construtoras facilitando os financiamentos e a liberação de verbas que geraram um grande aumento no número de unidades construídas. Segundo Crestana, 2007 foi um ano incomparável, 2008 representou um crescimento sustentável e 2009 o amadurecimento do mercado. Neste contexto, não foram raros os casos de escritórios que saíram da informalidade para se tornarem capazes de adquirir verbas e de garantir a sua ―fatia‖ do bom momento que a economia brasileira viveu. Casos opostos também ocorreram. Empresas já consolidadas no mercado, porém com métodos arcaicos de trabalho, que não conseguiram acompanhar o ritmo galopante do mercado e fecharam suas portas. A revisão deste cenário introduz o seguinte questionamento: É possível que escritórios de arquitetura de pequeno porte se mantenham em atividade mesmo sem condições de investir em estrutura física e tecnológica? Este trabalho entende que essa resposta é afirmativa, o que não lhe retira a complexidade. Ainda que tal complexidade não possa ser abarcada em sua totalidade, o entendimento de alguns elementos pode minimizá-la. INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO Uma pesquisa realizada com engenheiros e arquitetos de Belo Horizonte em atividade comprovada pelo CREAMG demostrou o uso de mecanismos digitais no tratamento da informação. Atrelado a esse ciclo, profissionais parceiros se comunicavam de maneira contínua e o projeto passou a acontecer simultaneamente entre todos os profissionais envolvidos. A pesquisa levantou patologias de níveis operacionais nas práticas de projeto de troca de informações entre parceiros. O ponto de partida foi a suposição de que as ferramentas CAD seriam subutilizadas no processo de transferência da informação (MENEZES, VIANA, PEREIRA JUNIOR e OLIVEIRA, 2006). Essa mesma subutilização é colocada aqui comparativamente em ferramentas web 2.0 e o conceito de interação que é posto como seu diferencial. WEB 2.0 E INTERATIVIDADE Não são raros os casos de utilização de ferramentas que incorporaram os conceitos da Web 2.0 como suporte e auxílio administrativo de escritórios que não se encontram capacitados a investir em mecanismos sofisticados. Nomes de peso no mercado de TI como Google® e Microsoft® desenvolvem continuamente produtos voltados a esse público, fazendo da web um território quase que infinito de potencialidades rentáveis a serem exploradas. Assim, este trabalho vem exemplificar alternativas potenciais de serem utilizadas na organização da informação em escritórios de arquitetura de pequeno porte. O artigo fornece ainda a percepção de que não se trata de saber lidar com a tecnologia e as mudanças decorrentes de sua transformação, mas da velocidade com


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que essas transformações vêm ocorrendo nos últimos tempos, como condição ímpar de sobrevivência no mercado. Palavras-chave: Projeto de arquitetura, projeto colaborativo, Web 2.0.


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TECNOLOGIAS DIGITAIS E INTERATIVIDADE: IMPACTOS NA ARQUITETURA DE MUSEUS

Túlio Márcio de Salles Tibúrcio (MG) Felipe Bruno Lima da Silva (MG) Clarissa Ferreira Albrecht (MG) Diante da revolução digital característica desse início de século, podemos verificar que a arquitetura tem intrínseca relação com esse processo e suas questões espaciais. Semelhante às mudanças sociais, culturais e econômicas, decorrentes da Revolução Industrial - que influenciaram a origem da Arquitetura Moderna - a cultura digital pode estar contribuindo para diferentes concepções e percepções na arquitetura contemporânea. Para COUCHOT (2003), a passagem das técnicas analógicas às numéricas é acompanhada por uma sucessão de rupturas radicais que afetam diretamente nossa percepção do espaço e do tempo. Observa-se que no caso dos museus as novas tecnologias digitais têm sido amplamente utilizadas como meio de aproximar o usuário e a arte através da interatividade. Segundo PLAZA (2000) uma obra interativa permite trabalhar sentidos sonoros, visuais e textuais. Para ele a interatividade é mais que técnica e funcional; influencia física, psicológica e sensivelmente o espectador. O cenário dessa interatividade pode se modificar em tempo real ou em função da resposta dos operadores. Seguindo a mesma linha de pensamento, DOMINGUES (2003), defende que as tecnologias interativas permitem fazer uma arte com novos pressupostos: a mutabilidade, a conectividade, a não linearidade, a efemeridade, a colaboração. Ele afirma que a arte tecnológica interativa pressupõe uma parceria e põe fim nas verdades acabadas, no imutável, no que antes era mais linear. Mais especificamente no caso de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), REQUENA (2007) argumenta que a tecnologia digital permite ao usuário interagir também com a informação, isto é, com o conteúdo, além do objeto antes explorado. Partindo do princípio de que as transformações das exposições, no decorrer da história, influenciaram as configurações espaciais dos museus e suas adequações, faz-se necessário entender como as exposições interativas, com o suporte das novas mídias, influenciam a arquitetura desses museus. Segundo TIBÚRCIO (2005), com a inserção de novas tecnologias da informação e comunicação, flexibilidade aparece como um dos aspectos necessários nos novos arranjos espaciais da arquitetura. Em seu estudo sobre salas de aula analisou o impacto de TIC na interação dos alunos e verificou que novas tecnologias trazem mobilidade e dinâmica para a sala de aula, necessitando de espaços mais flexíveis para atender novas atividades. Isso pode ser transposto para outras tipologias arquitetônicas. Essa pesquisa busca aprofundar conhecimentos sobre arquitetura museológica e tem como objetivos investigar as tendências contemporâneas nesta tipologia arquitetônica, identificar quais são as tecnologias digitais utilizadas nesses novos museus, investigar como o fator interatividade interfere na relação usuário-espaço e quais são os impactos disso na concepção e percepção de sua arquitetura. A metodologia utilizada para o desenvolvimento desta pesquisa incluiu métodos qualitativos e quantitativos. A revisão bibliográfica permitiu o suporte à discussão dos conceitos e tendências contemporâneas de museus, assim como conceitos de interatividade e Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC). Para entendimento do espaço dos museus, estudos de casos foram analisados como forma de identificar as novas tecnologias digitais e comparar museus que incorporam essas novas mídias com outros que não as utilizam. As visitas técnicas a algumas destas edificações permitiu o entendimento do processo de apreensão e percepção ambiental, assim como o estudo do uso dos espaços pelos usuários. O fator interatividade está sendo investigado no momento através de método qualitativo/quantitativo com a elaboração e aplicação de questionários aos usuários; e


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a realização de entrevistas com funcionários dos museus, arquitetos, museólogos e designers das exposições. Os estudos de casos incluíram a análise de cinco museus: Museu da Língua Portuguesa (São Paulo - Brasil), Museu do Futebol (São Paulo - Brasil), Newseum Museu da Notícia (Washington D.C-EUA), Projeto do Museu da Imagem e do Som (Rio de Janeiro - Brasil) e Projeto do Eyebeam – Museu de Arte e Tecnologia (Nova Iorque - EUA). Através desses estudos foi possível identificar que as novas tecnologias digitais influenciam na inserção de novos espaços nos museus, que não existiam em museus tradicionais. Dentre esses espaços pode-se citar: espaço de projeção multidirecional, cinemas com novas tecnologias de exibição em imagens 3D, salas interativas, sala de edição de imagens e sala para acervo digital. Além disso, também foi possível identificar as novas tecnologias usadas nas exposições, que incluíam: projetores de imagens e vídeos em alta definição, sistemas de sonorização de ambientes, telões de projeção, telas de LCD (Liquid Crystal Display) com utilização de tecnologias multi-touchscreen, dentre outras. Para a utilização dessas tecnologias fez-se necessário a previsão de instalações elétricas em locais estratégicos para atender a demanda das exposições permanentes e temporárias. A análise qualitativa dos museus interativos permitiu concluir que seus espaços configuram-se mais flexíveis na medida em que os espaços para as exposições não são dimensionados para um objeto em si, mas para um processo que pode ser realizado por uma ou mais pessoas, dentro do contexto que seria definido pelo artista. A permeabilidade no interior desses museus também é recorrente ao verificar que as paredes dos museus tradicionais deixam de ser suportes para pinturas e esculturas, e passam a serem substituídas por superfícies de projeções e sistemas de sonorização, diferentes dos espaços setorizados dos museus antigos. Em se tratando da relação interior/exterior da arquitetura desses museus é possível concluir, até o momento, que alguns espaços tornam-se mais herméticos, devido às necessidades de visualização das imagens digitais, o que pode dar origem a ―caixas escuras‖. Arquitetos e designers podem tirar partido disso criando contrastes entre espaços fechados e abertos, espaços claros e escuros, volumes cheios e vazios, contribuindo para a não monotonia no percurso do usuário. O grande legado dessas novas tecnologias para os espaços dos museus pode ser a forma como essas novas mídias estabelecem uma maior interação entre a arte, a arquitetura e os usuários - que se tornam essenciais dentro dos museus, contribuindo para a criação e valorização de uma arte participativa. Isso pode intensificar e dinamizar o processo de disseminação da cultura e permitir aos museus estar em constante processo de atualização, o que contradiz totalmente a visão ultrapassada de que os museus ainda se apresentam como ―depósitos‖ de si mesmos. Palavras-chave: Interatividade; Museus; Tecnologias


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PAISAGEM EM TRANSIÇÃO Luiz Vieira (PE) A arquitetura paisagística é, talvez, a mais importante e fundamental disciplina complementar ao projeto arquitetônico porquê lida com a inserção da edificação na paisagem e sua consequente transição. Os elementos do meio ambiente são avaliados e analisados de modo a dar suporte ao conceito de uma intervenção construída e assegurar o caráter de cada lugar. A composição estética do espaço construído é fundamentada nos desejos, necessidades e aspirações das pessoas envolvidas e nos diversos aspectos físicos e biológicos do sítio existente. Consequentemente, a micro paisagem criada por uma intervenção paisagística deve ser a síntese do complexo contexto da paisagem à qual se insere e de seus fatores socioeconômicos e culturais. O arquiteto paisagista deve participar do processo desde o início das discussões com os clientes, arquitetos e consultores, para que espaços externos e espaços edificados sejam pensados conjuntamente. O escopo do projeto de arquitetura paisagística é a concepção de toda área externa, que inclui, entre outros, parque aquático, decks, passeios, sistema viário, estacionamento, área esportiva, playground e vegetação. A nossa participação em equipe multidisciplinar teve inicio com três grandes nomes da arquitetura brasileira que foram Acácio Gil Borsoi, Janete Costa e Roberto Burle Marx, o maior paisagista do século XX, no projeto do Parque Urbano do Curado, em 1983 e no Parque do Complexo de Salgadinho em 1986. O PARQUE URBANO DO CURADO foi objeto de uma licitação da FIDEM com o suporte financeiro do banco Mundial e resultou em um projeto executivo com os projetos de arquitetura, urbanização, paisagismo, instalações hidro sanitárias, instalações elétricas, iluminação, estrutura, terraplenagem, topografia, sinalização e design do mobiliário urbano. O terreno do parque, que ainda não foi construído, tem um alagado e fica próximo a Estação Rodoviária implantada em uma área planejada para expansão urbana com ênfase na indústria, serviços e habitação. O PARQUE DO COMPLEXO DE SALGADINHO foi projetado em terreno remanescente da construção do Complexo Rodoviário de Salgadinho, nos anos 70, sobre áreas de mangue, bancos de areias e alagados tendo como resultado imensos aterros e grande impacto ambiental. Em 1986, no espaço restante de um dos anéis viários, com 20 hectares, o arquiteto Acácio Gil Borsoi idealizou uma edificação com teto-jardim, para servir de apoio turístico e de agência eletrônica da Caixa Econômica Federal a qual seria o equipamento âncora do parque que foi projetado por Roberto Burle Marx e teve Luiz Vieira como coordenador e coautor. O parque foi parcialmente implantado em 1992. Em 2002/2004 metade da área deste parque foi destinada a atender as necessidades do PARQUE ESPAÇO CIÊNCIA e o projeto de arquitetura paisagística foi estruturado por um complexo programa de atividades educacionais interativas, a paisagem local e o parque original do Complexo de Salgadinho, de Roberto Burle Marx. O projeto de arquitetura foi de autoria de Marco Antônio Borsoi. A paisagem local do Parque Espaço Ciência é caracterizada por uma grande amplitude, que faz parte da área de proteção da visada da cidade de Olinda, Patrimônio da Humanidade, tombada pela UNESCO e o entorno é composto de grandes equipamentos culturais, institucionais, recreativos e comerciais, no entanto carecem de um desenho urbano que os conecte e relacione. A composição do parque foi baseada em um conjunto de traçados que refletem o tema de cada setor e consequentemente definem identidade e limites. O Setor Água resgatou o espelho d‘água do projeto original de Roberto Burle Marx, que não foi construído na época e acrescentou os outros equipamentos com formas sinuosas em harmonia com o desenho do mestre. O Setor Movimento foi pensado como superfícies


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inclinadas, de forma triangulares e com variados percentuais de taludes, que variam de 5% à 35%, propiciando ao usuário uma experiência de esforço físico para subir cada rampa. O Setor Percepção, tem muros arqueados usados como barreira de som para isolar o barulho dos veículos do complexo rodoviário de Salgadinho e propiciar ambiência para as experiências interativas com as crianças. O Setor Terra, tem formas sinuosas e é dividido ao meio por um imenso aterro de 2 metros de altura, formando um morro artificial que além de criar um cenário ―natural‖, culmina numa estrutura arqueada de concreto, com teto jardim, que abriga o cenário do homem da caverna. O Setor Espaço, tem uma ―pista de pouso‖ em asfalto, onde estão equipamentos didáticos, tais como: balão, avião e foguete. Em outros empreendimentos de equipe multidisciplinar as contribuições dos projetos de arquitetura paisagística foram sempre propositivas em busca de soluções específicas para cada problema ou desafio apresentado. No HOTEL SUMMERVILLE BEACH RESORT, implantado na praia de Muro Alto, de Goiana Arquitetos, o diferencial foi os estacionamentos-jardins situados entre os blocos cuja estética neutraliza a imagem fria da pavimentação e propicia uma amenidade visual com o estacionamento cheio ou vazio de carros. No NANNAI MURO ALTO BEACH RESORT, de Pedro Motta Arquitetos, o projeto de arquitetura paisagística, além de locar os bangalôs em harmonia com a paisagem também explorou os conceitos de jardins de água e jardins de areia não apenas pela necessidade ecológica, mas também para manter a unidade da paisagem praieira e sua vegetação nativa. No projeto PESTANA NATAL RESORT, arquitetura de Carlos Ribeiro Dantas e ambientação de Jaime Morais, foram idealizadas torres de exaustão inserida no jardim para ventilar a cozinha do hotel e evitar a saída da fumaça junto ao lobby de acesso social. Também insistimos no uso da vegetação nativa Ipomea pes-caprea nos taludes do empreendimento educando o olhar das pessoas a apreciar o ―mato‖. No complexo da TV GLOBO, em Olinda, PE, o projeto de arquitetura paisagística desenhou as soluções estruturais de contenção da encosta do Morro do Peludo, inspiradas nas plantações de arroz terraciadas existentes na China e Indonésia e adicionou ao sistema de drenagem de águas pluviais uma lagoa de retenção de valor estético. No NANNAI RESIDENCE, de Pontual Arquitetos, idealizamos o deck de piscina semi-privativo para os apartamentos térreos resultando numa grande aceitação e procura nas vendas. Usamos o conceito de Hierarquia espacial de espaços público, semi-público, semi-privativo e privativo na praça do HOTEL IMPERIAL SUITES, de Jerônimo Cunha Lima Arquitetos, gerando identidade e segurança no espaço urbano. No TEMPLO MORMON RECIFE, concebemos a tampa ―Chapéu-deMexicano‖ para caixas diversas de engenharia, evitando a grande poluição visual das tampas tradicionais ao longo dos jardins. No MARULHOS MURO ALTO RESORT, o diferencial paisagístico foi o projeto de uma rampa mesclada a uma cascata para acessibilidade, no nível subsolo, a academia de ginástica, sauna, banheiros e salão de beleza tendo como resultado uma ambiência agradável e de descida convidativa.


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ATELIER DE CRIAÇÃO URBANA FRANCO BRASILEIRO EQUINOX Alex Oliveira de Souza (MA) Denis Morand (FRA) François Monjal (FRA) Ingrid G. Braga (MA) Katia Laffrechine (FRA) Marluce W. De C. Venâncio (MA) Serge Bethelot (FRA) Thomas Bonierbale (FRA) Em 2008, motivados pela realização do ano da França no Brasil em 2009, os departamentos de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) e de Engenharia Urbana da Universidade de Paris-Est Marne-la-Vallée (UPEMLV) começam a organizar para esta ocasião um evento de caráter bilateral chamado de atelier EQUINOX. Um atelier pensado como laboratório dedicado a inovação urbana, como momento de experimentação. Não se trata de colocar os estudantes em posição profissional, mas sim de deixar a imaginação deles fluir livremente, tirando proveito da atualidade dos saberes e das técnicas adquiridas na universidade. O procedimento pedagógico de projeto adotado consiste em aliar utopias urbanas, prospectivas tecnológicas e reconquistas territoriais. Ele se constrói a partir da articulação entre a compreensão do território, a elaboração de uma problemática e a formulação de visões prospectivas1. Este objetivo não é limitado a elaboração de respostas técnicas, mas sim focado na formulação de proposições para as quais eles não eram a priori solicitados, mas que os concernem enquanto cidadãos e futuros planejadores da cidade. Trabalhar com um território distante e tendo pouco material de informação, gera grandes angústias aos convidados. No entanto, é indispensável ter uma visão do território e elaborar pelo menos uma ideia do projeto, mesmo que ela pareça mal colocada quando confrontada ao território e seus atores (entre eles os que recebem o projeto). Então, propor um conceito foi o viés pelo qual fizemos os estudantes entrarem no território. Mesmo se tratando de um jogo intelectual do qual é preciso saber sair, o conceito permitiu a elaboração de um discurso urbano. A realidade da vida no espaço urbano, seus fluxos, suas dinâmicas territoriais, seus modos de gestão ou simplesmente as diferentes maneiras de habitar as cidades são inquietações que unem estas duas formações universitárias apesar das diferenças territoriais que concernem os dois países e as realidades vividas por cada um dos participantes do atelier. De fato, quando falamos da produção do espaço urbano2, continuamos tratando de questões do uso do solo, precisamente da privatização do espaço público por mecanismos de gentrificação econômica, que transforma lugares públicos em ambientes quase exclusivos dos que podem pagar pelos bens e serviços ofertados, ou pela lógica descomplexada do enclave privado onde a exclusividade é vendida como a grande vantagem do território. Da mesma maneira se olharmos para a relação da vida urbana e seus fluxos, seremos nos dois contextos confrontados ao crescimento das redes, tanto de infraestruturas quanto de circulação de bens, informações e pessoas3. Fato que torna ainda mais estreita a relação existente entre a produção de novas infraestruturas e a valorização do solo urbano pelo mercado, obrigando-nos a articular sem moderação mobilidade urbana com as políticas de dinamização econômica. Paradoxalmente, estes crescimento das redes tem gerando ainda mais exclusão social e territorial além de estarem impactando negativamente o meio ambiente.


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Colocar em concorrência os diferentes interesses de dinamização territorial tem sido o grande desafio da gestão urbana, sobretudo quando se trata de aprofundar mecanismos de participação e de controle na formulação de políticas públicas urbanas. Pois apesar de todos os avanços já obtidos nas experiências mais democráticas de gestão urbana, elas têm sido insuficientes para operar transformações capazes de evitar que as aglomerações humanas estejam em evidência quando falamos das ameaças a sustentabilidade do planeta criadas ou causadas nelas mesmas. Diante de tantas inquietações em comum, torna-se relevante o fato de colocarmos estudantes franceses e brasileiros para refletirem sobre uma realidade urbana com problemas sociais marcados por uma cruel exclusão econômica e por um desarticulado manejo dos recursos ambientais. Tais fatos tornam ainda mais oportuna a troca de ideias sobre um determinado território, onde o lugar nem sempre corresponde as ideias4, mas depende delas para se construir, para projetar seu próprio futuro. Neste sentido o atelier EQUINOX é um ambiente extremamente propício ao confronto de ideias e a apresentação de diferentes visões de desenvolvimento urbano e humano. A CIDADE DE SÃO LUÍS E OS SÍTIOS DE INTERVENÇÃO Graças a contribuição de diversos povos a Ilha de São Luís é ocupada por um milhão de habitantes. Uma ocupação organizada segundo dois princípios, um da continuidade urbana, dividido em duas porções territoriais representadas pelo centro histórico e por área de expansão em tecido contínuo. O segundo princípio se organizou a partir de uma intensiva extensão urbana, fundada na criação de grandes zonas dedicadas à produção de conjuntos habitacionais, à especulação imobiliária e às zonas industriais e portuárias. Diante deste contexto foram escolhidos dois territórios que representam tanto os dois princípios norteadores da ocupação urbana de São Luís quanto a exclusão socio-territorial. O centro histórico, que faz parte da lista do patrimônio mundial da UNESCO foi o primeiro escolhido. O interesse de tratá-lo passa pela necessidade de se levar em conta não somente suas características históricas, mas, sobretudo sua centralidade e suas qualidades culturais. O segundo escolhido foi o Sítio do Tamancão, onde um estaleiro escola funciona articulando formação tecnológica com educação ambiental. Este sítio foi gradativamente ampliado para todo o território do Itaqui/Bacanga que se define entre o rio Bacanga e o Porto do Itaqui. Este território é caracterizado pela ocupação de espaços intersticiais gerados em torno do campus da Universidade Federal do Maranhão e da zona portuária por uma população de baixa renda. RESULTADOS E PERSPECTIVAS Os objetivos fixados para o projeto foram atingidos. 85 estudantes franceses e brasileiros trocaram durante quinze dias métodos de trabalho e abordagens diferentes sobre um território comum sob a tutela de uma equipe pedagógica mista. Os debates, os questionamentos, a desconstrução de argumentos quando confrontados aos novos olhares, perdem a evidência das práticas bem rodadas e foram numerosas estas situações. Destas trocas, dezessete equipes formularam dezesseis proposições de projeto urbano5. Eles não são unicamente o fruto dos trabalhos pedagógicos, mas são respostas de longo prazo para as questões locais levantadas precedentemente. Tratam-se de visões estratégicas para evolução de São Luís e de seu território que representam uma oportunidade para a sociedade civil e para o Estado de se pautar por idéias não formatadas.


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Nós estamos convencidos da necessidade de continuar a parceria já engajada. A próxima etapa consistirá na acolhida recíproca de estudantes da UEMA-BR e de sua equipe pedagógica em 2010 na França pela equipe da UPMLV-FR. Esta nova troca permitirá consolidar um modelo pedagógico para ateliers internacionais de criação urbana. Notas 1 MANGIN D. et PANERAI P. Projet Urbain, Ed. Parenthèses, 1999 2 Allain, Rémy. Morphologie urbaine. Ed Armand Colin/SEJER, Paris, 2004. 253pp 3 PAQUOT, Thierry. Terre urbaine: Cinq défis pour le devenir urbain de la planète. Paris, Ed La découverte, 2006, 31-72pp. 4 MARICATO, Ermínia. As idéias fora do lugar e o lugar fora das idéias : Planejamento urbano no Brasil. In ARANTES, O., VAINER, C. & MARICATO, E. A Cidade do Pensamento Único. Petropolis-RJ, Vozes, 2000. (p121 a p192) 5 OLIVEIRA DE SOUZA, Alex, BONIERBALE, Thomas e VENÂNCIO, Marluce W. de C. Equinox: Atelier de Criação Urbana: Novos Olhares Sobre A Cidade - Atelier de Création Urbaine: Nouveaux Regards Sur La Ville. São Luis, Ed. UEMA, 2009. 110p.


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TRANSDISCIPLINARIDADE NO MODERNISMO: IANNIS XENAKIS Juliano Veraldo da Costa Pita (SP) Transdisciplinaridade, interdisciplinaridade, multidisciplinaridade. Estes termos, tão atuais e tão em uso em nossos dias não são entretanto fenômenos exclusivos da contemporaneidade: Alguns arquitetos modernistas abarcaram mais do que somente a arquitetura em sua obra. A proposta de trabalho a ser apresentada tem seu foco no arquiteto, engenheiro e músico grego Iannis Xenakis, que em estreita colaboração com Le Corbusier concebeu algumas obras representativas dessa interdisciplinaridade na arquitetura. Apesar de sua importância e de sua obra arquitetônica, Xenakis é pouco conhecido ou discutido nestes meios, pois seu maior legado é sem dúvida na música. Xenakis deixou importantes obras musicais modernas, estando ligado à música concreta, brevemente à música serial e finalmente à música eletroacústica. Em suas composições e escritos, Xenakis levava a lógica da arquitetura para a compositiva, criando assim uma ponte entre as duas disciplinas que, se verá no desenvolver do estudo, não são de maneira alguma distantes ou incomunicáveis. Xenakis nasceu em maio 29 de maio de 1922 em Braïla, atual Romênia, filhos de pais gregos. Estudou no instituto politécnico de Atenas, e logo no primeiro dia de aula a Grécia foi invadida e anexada pelas tropas italianas. Sua atenção fica dividida entre a resistência grega contra as tropas fascistas (e depois, contra a ocupação britânica) e seus estudos na escola politécnica na condição de clandestino. Mesmo após ser dado como morto durante um ataque britânico, Iannis prossegue com seus estudos e consegue se formar em 1947 com uma tese final sobre ―Concreto reforçado‖. Após fugir mais uma vez da prisão e se esconder durante seis meses em Atenas, decide fugir para os EUA com um passaporte falso conseguido por seu pai. Em sua viagem, faz uma parada na França, e através de amigos em comum, conheceu Le Corbusier e passou a trabalhar como engenheiro no escritório deste. É sentenciado à morte por terrorismo político na Grécia. Nesta época, tem contato com importantes músicos, como Messianen, Pierre Schaeffer, Stockhausen, Pierre Henry entre outros. Juntamente com Le Corbusier, concebeu projetos como o convento de La Tourette, onde a lógica musical se funde à arquitetônica, criando ritmos espaciais, melodias visuais e complexas composições arquitetônicas. Também juntamente com Le Corbusier e em parceria com o compositor Edgard Varèse projetaram o pavilhão Philips, para a feira mundial de Bruxelas de 1958, considerado por muitos como uma das primeiras experiências multimídia, onde diferentes meios simultaneamente colaboram para a transmissão de uma mensagem. Também organiza ―concertos espacializados‖ no terraço do conjunto de Marselha para o CIAM de 1953 Após esta época frutífera em produção arquitetônica, Xenakis dedica-se quase que inteiramente à música, sendo autor de importantes obra teóricas e tendo suas peças apresentadas e divulgadas por todo o mundo, tornando-se referência em música contemporânea. Apesar disso, não abandonou seu trabalho arquitetônico, tendo participado do projeto de outras instalações nos moldes do pavilhão Philips (Diatope) e de concursos públicos (cidade da música de La Villette), sempre com seu traço característico e a sempre presente relação entre arquitetura e estruturas musicais. Morre em 2001, em casa, às 5 da manhã. Xenakis, mais que a figura histórica, é um exemplo de interdisciplinaridade e da multidisciplinaridade. Colaborador em equipes mistas com os mais diferentes objetivos, Xenakis trouxe para si a essência do pensamento que vai além de estruturas fixas e determinadas para transcender os limites fixados entre as disciplinas e transportar formas e conceitos diversos livremente entre elas.


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Entre a arquitetura e a música, Xenakis utilizou-se muito de relações sintéticas, metafóricas e analógicas. Sintéticas, quando o seu espaço de alguma forma relacionava-se com a música de maneira intrínseca e primordial, como no caso do Pavilhão Philips: o espaço foi proposto e projetado tendo em mente a criação de um espaço único com toda a experiência multimídia. A relação é de certa forma tão íntima e ocorre em um nível tão fundamental, que é impossível compreender o espaço sem a música – e vice versa. Assim, ocorre uma síntese completa e absoluta: não mais duas disciplinas, mas uma obra de arte única. Metafóricas quando elementos estruturais da música fazem-se presentes na arquitetura (e vice-versa): Xenakis recorria a estruturas rítmicas e compositivas e as traduzia e as aplicava de maneira espacial. O melhor exemplo dessa relação ocorre no convento de La Tourette, onde o jogo de volumes e espaço ocorre dentro do tempo do caminhar pelos corredores, e algumas séries rítmicas podem ser notadas nos brises (e na ausência desses) das janelas. O inverso também ocorria: em muita de suas composições musicais, Xenakis recorreu a estruturas arquitetônicas ou estruturais para organizar a música, como no caso de Metastasis, onde a composição segue uma parabolóide hiperbólico, muito utilizada para o cálculo de seus projetos arquitetônicos, como elemento gerador da composição. Finalmente, Xenakis recorreu a várias analogias entre as duas disciplinas utilizando-se de conceitos e termos de uma para se referenciar a outra, como ritmo, acústica, espaço, etc. Esta é má forma de relação bastante comum, pois ambas disciplinas são eminentemente espaciais. Assim, o estudo proposto se baseará na figura e na obra de Xenakis para discorrer sobre o tema da interdisciplinaridade e do papel do arquiteto em equipes multidisciplinares, colocando-se que o tema, apesar de atual, tivera seu início justamente no período moderno com a obra de pioneiros e visionários. Também se entende que Xenakis é importante por sua relação (nem sempre harmônica) com expoentes das artes na época, como Le Corbusier, Edgard Varèse, Pierre Schaeffer e outros.


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OBRAS E PROJETOS DO GRUPOSP: ASSOCIAÇÕES FLUTUANTES. Alvaro Puntoni (SP) Vamos apresentar alguns projetos realizados pelo gruposp, escritório formado em São Paulo desde 2004. O escritório é um espaço aberto à participação de arquitetos e outros profissionais interessados na discussão sobre a produção dos espaços de vivência e os espaços da cidade. Não pretende ser um escritório tradicional com um núcleo rígido e fechado, mas uma organização flexível que admite colaborações e parcerias conforme o trabalho a ser desenvolvido. A associação entre os arquitetos varia conforme o perfil de cada projeto, cada desafio, que é trabalhado com precisão. Esta construção foi se conformando e consolidando nos últimos anos. Este modus operandi dinâmico possibilita a manutenção de uma estrutura austera e diminuta, mas paradoxalmente está permanentemente de prontidão e pode se moldar a dimensão do trabalho a ser realizado e, portanto, não se revela inabilitada para elaboração de qualquer projeto. Outrossim, não necessita ser mantida por trabalhos pouco interessantes e se permite selecionar a demanda e optar pelo serviço. Nos últimos anos o escritório tem se dedicado a elaboração de concursos de arquitetura, projetos para ONGs e instituições públicas, projetos habitação coletiva para iniciativa privada, além de incorporar no cotidiano de suas atividades a participação em pesquisas e docência de seus participantes. Esta forma de organização do trabalho abre a perspectiva se ampliação e desdobramento dos espaços do trabalho, em todos os sentidos, além de sublinhar a convicção que a construção dos espaços para todos pode (e deve) ser engendrado por ações coletivas, essenciais para ampliação do nosso saber específico. As obras e projetos que serão apresentadas revelam esta prática.


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É POSSÍVEL UM NOVO MODELO DE ATUAÇÃO NA ARQUITETURA? Pedro Paes Lira (SP) A atualidade demanda aos arquitetos e urbanistas, respostas cada vez mais complexas a problemas que dada a sua interdisciplinaridade rompem a barreira do conceito que deu origem ao termo arquitetura. O arquiteto, comumente confortável em seus domínios é exigido na atualidade a deixar sua zona de conforto e trabalhar sob várias plataformas multidisciplinares. As cidades contemporâneas, verdadeiras complexas máquinas urbanas, apresentam problemas que demandam o trabalho conjunto e paralelo entre arquitetos e urbanistas, economistas, engenheiros de transporte e consultores, entre outros. Não apenas quando obrigados, ou quando tratando de temas necessariamente multidisciplinares, os arquitetos buscam colaborações em níveis pouco antes vistos em campos da engenharia e da consultoria para obter respostas que sem tal colaboração, e por que não dizer coautoria, não seria possível. Um claro exemplo disso é a coautoria de Cecil Balmond nos projetos da Serpentine Gallery de Toyo Ito em 2002 e do Pavilhão português da Expo 98 com Álvaro Siza. Walter Gropius havia lançado em 1946 a semente de uma filosofia de trabalho que visava atender a tais necessidades, o The Architects Collaborative Inc., conhecido como Grupo TAC: ―O que constitui a função da nossa equipe é um método comum de enfoque; a união de alguns modos a fim de responder aos desafios do nosso tempo‖.1 Gropius se dedicou durante 20 anos a dirigir e formar o grupo de jovens arquitetos associados. O ARQUITETO MAIS ALÉM DA ARQUITETURA? O CASO DE ACXT Em ACXT este desafio é encarado sob a construção de um complexo projeto profissional associativo, que representa uma filosofia de trabalho comum. E por que abordar a arquitetura a partir de um modelo associativo e multidisciplinar numa cultura mediática e de caráter personalizada como a nossa? ACXT nasce da vontade de alguns arquitetos que pretendem dar uma resposta no panorama da complexa realidade presente, o que explica que o seu início se situe no fértil e variado contexto de trabalho de uma equipe multidisciplinar. Frente à criatividade concebida em âmbito personalizado do atelier de arquitetura tradicional, ACXT aposta por um marco criativo de grupo entre profissionais de formação e olhares diferentes. O seu funcionamento interno é regulado por um compromisso associativo entre profissionais de distintas origens e formações, uma rede de conhecimento aberta a toda contribuição que a enriqueça e desenvolva. É uma prova para superar a oferta bipolar que existe hoje entre o modelo individualizado de atelier de arquitetura de pequena escala, e a grande empresa de serviços de arquitetura de origem na engenharia. Desde este objetivo coletivo, o trabalho de ACXT pode entender-se como resultado de uma convivência profissional que respeita a personalidade dos seus membros e partilha alguns princípios. É o fruto das sinergias que se produzem numa envolvente multidisciplinar coeso. Além disso, a existência destes princípios partilhados permite que as obras sejam concebidas por autores e equipes com personalidade e identidade própria, reconhecidas e identificáveis pelas suas propostas particulares. Suas obras possuem uma autonomia conceitual que permite uma leitura quase que individualizada, ou vinculada unicamente aos seus autores particulares. Esta rede de profissionais atua sob o formato de equipes compartidas que possuem autonomia entre elas, mas que ao mesmo tempo atuam conjuntamente. Esta atuação permite uma enriquecedora e permanente colaboração com outros profissionais, ao mesmo


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tempo em que garante uma margem de ação autonômica. Neste esquema associativo multidisciplinar e internacional, é preciso, pois, estar aberto às colaborações e contribuições de profissionais de distintas disciplinas e culturas. ACXT é considerada hoje uma das 10 maiores empresas de serviços de arquitetura em atuação na Europa e a 6ª em atuação na América Latina, atua em cinco continentes. Nesta estrutura há mais de 250 arquitetos associados, atuantes em 13 escritórios localizados na Espanha, Portugal, Inglaterra, México e Brasil, que trabalham conjuntamente e lado a lado com engenheiros de instalações, calculistas, especialistas em transporte, eficiência energética e sustentabilidade, acústica, controle de custos, project managers, paisagistas, urbanistas, economistas e consultores. Dentre seus projetos recentes estão o pavilhão principal da Expo 2008 Zaragoza, o Campus CEIBS em Pequim, a Universidade de Misratah na Líbia e o Projeto para Desenvolvimento de Ecoturismo na Mata Atlântica no Estado de São Paulo, Brasil. O TRABALHO MULTIDISCIPLINAR E AS BARREIRAS ENTRE A ARQUITETURA E A ENGENHARIA O conceito de associação profissional onde arquitetos, engenheiros e demais profissionais trabalham lado a lado tem como objetivo atender as demandas sociais do nosso tempo. Este formato pode oferecer uma resposta mais de acordo com as responsabilidades sociais da profissão, e um papel profissional a altura dos problemas que encontramos e das expectativas dos nossos clientes. Uma necessidade de estabelecer um sistema interdisciplinar que integra conhecimentos díspares, a fim de melhorar a qualidade dos serviços que nos são requisitados. O que esperar da cultura contemporânea de forte conteúdo mediático onde se converte a arquitetura de autor em marca? O que reserva o futuro a uma aposta de raiz multidisciplinar e de trabalho em equipe? A preocupação dos arquitetos para com o meio ambiente e os recursos naturais, os vazios urbanos e os sistemas de transporte, as energias renováveis, nos levam a crer que a arquitetura não é apenas uma oportunidade para fazer espetáculo. A chave está em democratizar o processo de projeto de forma participativa e horizontal, para assim dar uma melhor resposta a responsabilidade social de nossa atividade no sentido de administradores de bens escassos. Palavras-chave: Associação profissional, ACXT, trabalho multidisciplinar


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OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL QUALIFICADA PARA ATUAÇÃO EM PROJETOS COLABORATIVOS MULTIDISCIPLINARES Maisa Veloso (RN) Hoje são cada vez mais frequentes as demandas da sociedade por profissionais capazes de atuar em equipes multidisciplinares, com conhecimentos que transcendam a sua formação profissional específica, notadamente no que diz respeito à capacidade de gestão e atuação em equipe, o que requer habilidades como empreendedorismo, liderança e comunicação. Cresce também o arsenal de informações e recursos tecnológicos, acessíveis em tempo real, o que, de certo modo, democratiza e ao mesmo tempo pulveriza o conhecimento em redes virtuais, abrindo novos horizontes e territórios de atuação. Além disso, a competitividade do mercado de trabalho e a necessidade de aperfeiçoamento constante levam os profissionais à busca por especialização em novas áreas de atuação específica. Nos campos da Arquitetura, do Urbanismo e do Design, esse processo de especialização se torna evidente com a emergência de novas competências como em luminotécnica, acústica de ambientes, eficiência energética de edifícios, gestão de projetos e obras, além dos chamados ―arquitetos de informação‖ no campo do web design, funções para as quais nem sempre foram treinados na sua formação profissional tradicional. As dificuldades e os conflitos inerentes à formação generalista versus a necessidade crescente de atuação específica em contextos multi ou interdisciplinares, tornam-se ainda mais evidentes no momento da coordenação e/ou coparticipação de arquitetos em projetos colaborativos entre equipes de profissionais com formações diversas. Esta comunicação aborda o tema central da sessão ―O arquiteto nas equipes multidisciplinares‖, do ponto de vista da relação entre as formações atualmente oferecidas nos cursos de graduação e pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo no Brasil e a capacitação para a atuação qualificada neste novo contexto profissional, sobretudo na área de projeto de edificações. Baseia-se na revisão da literatura inerente à temática e na experiência da autora como docente e pesquisadora em projeto de arquitetura na Universidade Federal do Rio Grande Norte, onde coordena o Grupo Projetar de pesquisa. Entendemos que a formação continuada do arquiteto urbanista é fundamental para aquisição de saberes e competências para atuação no mercado profissional contemporâneo, e que para tanto é necessária não só a inserção de disciplinas e conteúdos que incluam capacitação para atuação em equipes multidisciplinares como também de uma nova cultura projetual, sintonizada com a pesquisa técnica e científica e as novas práticas profissionais, cada vez mais complexas e inter-relacionadas. E isso tanto em nível de graduação como de pósgraduação, sendo, neste último caso, o maior desafio a implantação de mestrados profissionais, uma das formas de estreitamento entre a pesquisa desenvolvida nas universidades e as práticas vigentes nos meios empresariais públicos e privados. O estatuto institucional da profissão, respaldado em normas técnicas da ABNT e nos documentos das entidades de classe, delega ao arquiteto a responsabilidade global do projeto e consequentemente pela coordenação dos projetos das diversas especialidades. Contudo, na formação projetual nas escolas, os alunos são em geral levados a considerar o projeto do edifício de forma abrangente, na sua relação com o contexto urbano, espaço, forma, função, sendo cada vez mais relegadas a segundo plano questões relacionadas à materialidade construtiva (FABRÍCIO e MELHADO, 2005), em especial no que diz respeito à exequibilidade, aos custos e à gestão dos processos de projeto. Raramente projetos acadêmicos são desenvolvidos de maneira integrada às disciplinas da área de tecnologia ou atingem um nível de detalhamento executivo com as especificações necessárias. Enquanto isso, as pesquisas de ponta na área da construção civil, sobretudo em termos de materiais, sistemas construtivos, redução do consumo de energia nos


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edifícios, são coordenadas por engenheiros (civis, ambientais, mecânicos e de produção), e são eles que ditam cada vez mais as formas e normas do construir, e de certo modo, do projetar no mundo atual. O programa nacional de etiquetagem voluntária do nível de eficiência energética de edifícios comerciais, de serviços e públicos, cuja regulamentação ainda está em discussão, é elucidativo deste fato e será brevemente apresentado nesta comunicação, apenas como exemplo ilustrativo de novos arranjos entre pesquisa e práticas profissionais, com rebatimento no campo de atuação do arquiteto. Assim como ocorreu durante a Revolução Industrial dos séculos XVII e XIX, as revoluções tecnológicas e os novos paradigmas do século XX têm redefinido o papel social do arquiteto e a crise da profissão assinalada por Saunders (1996) desde os anos 90 é em grande parte resultado das dificuldades da profissão de se adequar a um novo contexto histórico de mutações frequentes. Peter Rowe, na introdução do livro de Saunders, evidencia, dentre outros sintomas da crise, a diminuição da remuneração dos arquitetos, o declínio do respeito por parte de outras profissões e um sentimento de não ocupar mais lugar central nas decisões sobre o ambiente construído (apud STEVENS, 2003, p.243). Este por ele quadro descrito é também válido para a realidade brasileira nos dias atuais. Urge, portanto, uma reflexão não só acerca da nossa formação acadêmica tradicional, como também das nossas práticas profissionais, no sentido de enfrentar este quadro e procurar acompanhar de maneira mais efetiva as exigências do mundo contemporâneo. Acreditamos piamente que o lugar da qualificação necessária a este enfrentamento são as escolas de arquiteturas, sobretudo seus ateliês de projeto como lócus de práticas reflexivas (Schön, 1984), e um dos caminhos possíveis é o desenvolvimento da pesquisa aplicada como elo entre teoria e prática do projeto (VELOSO e MARQUES, 2007).


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A CONTRIBUIÇÃO DE ARQUITETOS EM EQUIPES MULTIDISCIPLINARES - O CASO DO PAC-FAVELAS NO RIO DE JANEIRO Mariana Peixoto de Toledo (RJ) Sandra Neves de Andrade (RJ) 1.

INTRODUÇÃO O objetivo principal deste trabalho é refletir sobre o papel desempenhado por arquitetos em equipes multidisciplinares atuantes em programas de urbanização de favelas. O caso analisado refere-se a ações do PAC-Favelas1 em andamento nas favelas: Complexo do Alemão, Complexo de Manguinhos e Rocinha, no Rio de Janeiro. Se normalmente os programas de intervenção urbanística trazem na sua essência o desafio da multidisciplinaridade ao agregar diversos saberes de ordem conceitual, política, técnica ou operacional, no caso do PAC do Rio de Janeiro, pela magnitude das intervenções, os desafios foram ampliados. Além de mobilizar enormes recursos financeiros, o programa constituiu capital social organizado em equipes técnicas obrigadas a tratar de forma interdisciplinar questões ligadas ao território e às comunidades que nele habitam. Apesar de haver muitos arquitetos trabalhando diretamente na elaboração dos projetos e execução das obras (pois foi a existência prévia de planos e projetos o que viabilizou a escolha das áreas), o foco deste trabalho se concentra em atividades que extrapolam a sua formação acadêmica, como no trabalho social e regularização fundiária que acompanham as intervenções físicas. Constatou-se que nessas atividades é comum encontrar arquitetos em cargos executivos de gestão, como em outras funções técnicas exercidas por profissionais e estagiários. A experiência das autoras na interação com outros métodos e saberes profissionais em equipes multidisciplinares2 e a percepção da potencialidade e fragilidade da nossa formação estimularam a elaboração desse trabalho. 2. O ESCOPO DO PAC- FAVELAS As áreas do Complexo do Alemão, Complexo de Manguinhos e Rocinha3 foram definidas como projetos prioritários atendendo a diretrizes como ―projetos de grande porte com impacto na articulação e integração do território e recuperação ambiental‖ para seleção no PAC. As propostas de intervenção deviam atender às diretrizes do Ministério das Cidades, que preconizam ações integradas sob a justificativa que as intervenções físicas em assentamentos precários devem ser aproveitadas como oportunidade única para a transformação da realidade do território e seus cidadãos, promovendo a melhoria da qualidade de vida dos mesmos. Assim, tornou-se obrigatória a implantação de ações necessárias à regularização fundiária, segurança, salubridade e habitabilidade de população local, visando sua permanência ou relocação. As intervenções físicas do PAC-Favelas têm alterado a configuração espacial das comunidades através de intervenções radicais, contemplando itens além da básica melhoria no saneamento e redes técnicas, como grandes áreas de demolição para o alargamento de vias, elevação de via férrea para construção de parque urbano, construção de sistema de teleféricos e implantação de equipamentos sociais de grande porte, como centros sociais e esportivos, escolas, bibliotecas, e criando ainda nas áreas novas moradias para as unidades relocadas. Embora em termos conceituais o programa não difira muito de outros programas de urbanização de favelas, o normativo do PAC incorporou o trabalho social como um componente obrigatório, inclusive para a liberação de recursos das obras, devendo iniciar-se na fase de diagnóstico e planejamento, acompanhando as


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obras e continuando no pós-ocupação, sendo ainda previstas no seu escopo o monitoramento e a avaliação de resultados e impactos. O Projeto de Trabalho Técnico Social (PTTS-PAC-RJ) apresentado pelo Governo do Estado definiu a operacionalização de sua execução em dois vetores de atuação: 1) Gestão dos Impactos das Obras: eixo que busca minimizar os impactos negativos e maximizar os impactos positivos decorrentes das obras; 2) Desenvolvimento Sustentável: eixo que objetiva o fortalecimento da organização comunitária através da realização de atividades para a construção e execução de um plano de desenvolvimento elaborado de forma participativa. Outros programas de ordem social como o Pronasci - Território de Paz, do Ministério da Justiça que reúne várias ações de prevenção e enfrentamento à violência, e o PAC-Cultura também se articulam às ações do PAC-Favelas. 3. MULTIDISCIPLINARIDADE E INTERDISCIPLINARIDADE A execução do trabalho social e da regularização fundiária é feita por equipes de campo compostas por profissionais recrutados na própria comunidade e coordenadas pela equipe central caracterizada pela multidisciplinaridade profissional. Assistentes sociais, arquitetos, geógrafos, economistas, advogados, comunicólogos, engenheiros e psicólogos são alguns dos profissionais responsáveis pela elaboração dos conteúdos pertinentes a cada etapa do trabalho, tais como levantamentos, diagnósticos, planejamento e execução. Nas tarefas de cunho interdisciplinar, frequentemente os profissionais precisam transcender suas formações específicas, pois o processo decisório e a elaboração de conteúdos devem ser feitos em conjunto para garantir resultados satisfatórios. A riqueza dessa experiência reside não só na troca de conhecimentos técnicos, como também no diálogo com as equipes de campo e com os moradores que aportam novos conhecimentos sobre a população e o território, por conhecerem as regras locais e suas reais necessidades. A contribuição dos arquitetos é dada usualmente nas tarefas de pesquisas, levantamentos e cadastros para regularização fundiária; na elaboração de plantas e mapas para espacialização e apresentação dos dados coletados; na condução de grupos focais com a comunidade sobre infraestrutura, moradia ou regularização fundiária; e também na elaboração de peças informativas sobre os impactos das obras em forma de maquetes, folders e cartilhas. 4. DEFICIÊNCIAS E POTENCIALIDADES Embora exista demanda para o profissional que se relaciona diretamente com o cliente coletivo, atuando em processos de planejamento participativo, pelo que se pode observar, a formação básica do arquiteto é falha para esse tipo de atuação, sendo rara a existência de disciplinas de cunho social no currículo das faculdades brasileiras. Ainda hoje nas universidades é privilegiado o arquiteto como autor individual e sequer é discutida a sua forma de comunicação, o que muitas vezes pode dificultar a compreensão de suas propostas. Se, por um lado, existem dificuldades, por outro, diferentemente de outros profissionais da área de humanas, o arquiteto é um profissional agregador de saberes, seu perfil é propositor e executor e preocupado com os resultados práticos a serem alcançados por suas propostas. A visão integradora que faz parte da formação e prática diária dos arquitetos os obriga a olhar os problemas em todas as dimensões, sejam elas física, social, técnica ou econômica, fazendo com que estes profissionais tenham suas capacidades bastante valorizadas como planejadores e gestores.


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Os projetos de intervenção integrada demandam um novo perfil profissional disposto a obter diversos conhecimentos e alterar comportamentos, resta saber se esse desafio deve ser encarado pela academia ou apenas através da prática profissional. Palavras-chave: urbanização de favelas, interdisciplinaridade e prática profissional


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ARQUITETURA INTERATIVA E COLABORATIVA. Luciano Mendes Caixeta (GO) Esta palestra objetiva antecipar uma discussão sobre o momento de transição importante que a arquitetura está experimentando atualmente, migrando-se de um trabalho fragmentado e individualizado para um processo interativo e colaborativo. Abrigar-se das intempéries foi uma das necessidades mais primárias e antigas que a humanidade buscou resolver. Esconder-se das chuvas e dos ventos, defender-se dos animais e seguir a caça fez o homem abandonar as cavernas e tornar-se um exímio construtor. Para o homem sobreviver como espécie foi preciso socializar-se, viver em grupos e organizar-se em comunidades, em outras palavras mais poéticas, criar as suas cidades e fazer os seus edifícios. O processo construtivo desde os tempos remotos dos povos mesopotâmicos, Acadianos e Sumérios (7mil a. C.), teve no trabalho cooperativo o elemento essencial de sua força. O arquiteto primitivo interagia e coordenava as várias atividades inerentes do ofício do mestre-construtor. Para se comunicarem inventaram a primeira linguagem iconográfica (4mil a. C.), por meio de símbolos e formas geométricas cunhadas, na argila, em baixo relevo. Desde sempre, os povos buscam formas de se interagirem e perpetuar os seus conhecimentos, na arquitetura não foi diferente. O papiro de ``Rhind´´, (1650 a. C.), importante achado egípcio, detalha soluções de problemas aritméticos, cálculos de área, volume e de geometria. Os gregos Pitágoras, Euclides, Platão e Sócrates ajudaram significativamente a desenvolver os princípios da sociologia, filosofia, matemática música e arquitetura. Mas, foram os Romanos que, por meio dos dez livretos de Vitrúvius (Sec I a.C.) ``De Architetura libri Decem´´, deixaram um legado de princípios construtivos, que ainda hoje são as principais referências arquitetônicas do mundo clássico. No Renascimento europeu, a arquitetura experimentou novas descobertas importantes, como a perspectiva fugante de Brunelleschi, os tratados de Alberti e Palladio (Sec. XVI d.C.). O desenvolvimento das técnicas dos desenhos ortográficos libertou os arquitetos, permitiram que eles pudessem acompanhar mais de uma obra simultaneamente, paradoxalmente, os afastou das decisões do processo construtivo e, por outro lado, os aproximou da arte. Os grandes mestres da arte como Da Vinci, Michelangelo e Raphael eram também grandes arquitetos. O mundo passaria a enxergar a arquitetura de uma maneira diferente, mais artística, mais decorativa e mais próxima dos poderes político e religioso. Com o expansionismo da industrialização a partir da metade do século XVIII, surge a necessidade de abrigar novos equipamentos e permitir outros meios de transporte. A arquitetura, a contragosto dos arquitetos decorativos, foi ao encontro do processo que buscava desvendar novos materiais e fazer suas regulamentações. A partir desta discórdia anunciada surgem as faculdades francesas de engenharia (das escolas politécnicas) e de arquitetura (das escolas de belas artes), consolidando-se definitivamente o rompimento da tecnologia com a metodologia projetual. Gaspar Monge, a pedido de Napoleão, organizou e regulamentou a geometria projetiva e descritiva (1795 d.C), que passariam a ser, definitivamente, a base para a interação dos meios da arquitetura e da engenharia, pelo menos até o fim do século XX. Os computadores aparecem na década de 40, mas só atingem o grande público a partir da década de 80, com o surgimento das versões de tamanhos mais compactos e das plataformas operacionais mais amigáveis. Apesar do grande impacto causado pelos computadores da era dos processadores Pentium, inicialmente, os programas de CAD e os hardwares tinham grandes limitações. O que se viu, a partir daí, foi, à medida que os computadores e programas se desenvolviam, a substituição gradativa dos meios tradicionais de desenhos analógicos, feitos à mão, por desenhos digitais bidimensionais, que inegavelmente melhorava bastante as condições de trabalho do arquiteto, mas ainda sim, continuavam muito pobres de informações.


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Portanto, neste novo cenário, apesar de ter mudado a mídia na qual se fazia o desenho, não mudou a maneira de se produzir as informações para a fabricação do edifício. Da mesma maneira e intensidade, a interatividade entre os vários projetos que se complementam também continuavam acontecendo com as mesmas suposições e deduções dos velhos desenhos bidimensionais, mesmo estando mais precisos e mais rápidos. Os desenhos bidimensionais têm baixo valor semântico, não conseguem transmitir suficientemente as informações para acontecer à compatibilização dos vários tipos de dados que compõem um projeto executivo. Desde o início da inserção das ferramentas digitais CAD na arquitetura não só os softwares, mas também os hardwares evoluíram bastante, hoje, estão bem mais desenvolvidos e são capazes de fazer simulações próximas da realidade. Com as novas possibilidades das ferramentas tridimensionais digitais o que muda não é apenas o tipo de representação gráfica, mas é, principalmente, a linguagem da comunicação entre os agentes participativos do processo, pois, eles retêm ricas informações derivativas para a fabricação e para a produção do edifício. É o caminho integrativo para a adequação dos mais variados tipos de dados complementares, da mesma forma como vem acontecendo em outros campos do design, tal como na indústria automobilística, aeroespacial e em alguns casos, excepcionais, da arquitetura contemporânea. Historicamente, transferências tecnológicas vindas de outras áreas tem sido o cerne dos muitos avanços bem sucedidos da arquitetura. O Boing 797, lançado recentemente e mesmo antes dele, foi todo pensado, desenvolvido, produzido e montado colaborativamente, utilizando-se um processo de sistema que depende exclusivamente da tecnologia tridimensional digital de modelagem BIM. O desafio que os arquitetos terão que superar, daqui para frente, é da coordenação das diferentes expertises relativas aos dados digitais que compõem a complexidade tecnológica, atuando dentro das atuais exigências do processo construtivo derivativo, que são imprescindíveis principalmente nos edifícios de formas complexas. É inegável que este papel seja preferencialmente do arquiteto, mas é normal que, no meio de toda parafernália digital, ele ainda esteja muito confuso e não esteja percebendo a importância de tomar a frente desta difícil ocupação, salvo algumas raríssimas exceções. Este papel será, inevitavelmente, ocupado por outros profissionais se os arquitetos não se dispuserem a enfrentar mais esta difícil missão. Alguns softwares, como o NavisWorks da Autodesk, facilitam essa tarefa e são especializados no gerenciamento, adequação e coordenação dos vários tipos de modeladores tridimensionais, possibilitam ainda a navegação, a visualização, a animação e a investigação de possíveis incompatibilidades. Num futuro próximo o arquiteto precisará saber mais sobre estruturas para tomar decisões de projeto e os engenheiros terão que aprender mais sobre espacialidade para participarem, discutirem e ajustarem as informações contidas nos modelos derivativos digitais tridimensionais. Com as atuais facilidades, já é possível ter um modelo que leva em conta as características do desempenho estrutural, eficiência energética, custo e outras questões relacionadas à construção e operação do edifício. Um modelo não é apenas uma imagem tridimensional da geometria, mas uma representação rica do edifício que contém todos os tipos de dados interessantes e úteis. O desafio é reunir todos os tipos de dados diferentes, envolvidos na produção de um edifício, em um único ambiente de informação digital, com o objetivo de superar as ineficiências. A coordenação dessas informações poderá habilitar o arquiteto a se tornar, novamente, o profissional capaz de tomar as decisões do processo da produção do edifício, como sempre foi num passado distante.


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DO ATELIÊ À EMPRESA Coordenadores: Gilberto Belleza e Fernando Guerra Os requerimentos da vida contemporânea levaram os escritórios que em sua maioria se configuravam ateliês a se tornarem empresas adaptadas ao mercado e aos regimes da produção econômica. A capacidade para formar grupos de trabalho e atitudes empreendedoras são habilidades exigidas hoje no exercício da arquitetura e do urbanismo. Ambientes de trabalho virtuais e redes de cooperação estão entre as mais recentes formas de produção da arquitetura, acompanhando o processo atual de desempenho das atividades contemporâneas. Frente à regulação da profissão do arquiteto e urbanista, com a sua incorporação ao mercado formal de trabalho, assistimos hoje à necessidade imperiosa de fornecer respostas eficientes e eficazes às encomendas que já não são apenas ―sonhos e necessidades‖, mas demandas por produtos cada vez mais complexos. O que sobrou daqueles ateliês de produção da arquitetura, onde aprendizes e mestres a colocavam, em primeiro lugar, na condição de construção do conhecimento, antes mesmo do produto ser encomendado? Será que deixou de ser ou se tornou um diferencial frente às empresas de consultoria dotadas de certificações de qualidade de processos? É possível ainda defender a condição de profissional generalista, em clara contradição com a tendência percebida na maioria das profissões? Como lidar com a dose de marketing lançada nos projetos quando são levados ao público?


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DO ATELIÊ À EMPRESA – O ARQUITETO EMPREENDEDOR? Artur Novaes (CE) INTRODUÇÃO CO desenvolvimento do tema se fará a partir de uma abordagem empresarial da arquitetura enquanto ―NEGÓCIO‖, e do arquiteto enquanto gerente de uma atividade profissional negociada no mercado de trabalho, ou seja, do arquiteto ―GESTOR‖. Como suporte teórico, abordaremos a teoria Contingencial, o Empreendedorismo, uma análise do papel do Arquiteto nos Empreendimentos Imobiliários e sua importância na Indústria da Construção Civil no Subsetor de Edificações (ICCSE). Este repertório fundamentará os pontos positivos e negativos do quadro atual do perfil empresarial do arquiteto e seu potencial para o enfrentamento das demandas do atual ambiente das organizações. Como conclusão, apresentaremos possíveis caminhos a trilhar pelos profissionais e empresas de arquitetura para sua inserção com qualidade no Mercado de Trabalho. O AMBIENTE ORGANIZACIONAL CONTEMPORÂNEO - EMPREENDEDORISMO E O PAPEL DO GESTOR A evolução recente do ambiente onde se inserem as organizações pode ser caracterizada pelo movimento indicado por Morgan (1996) conforme descrito a seguir. • Da ESTABILIDADE para FLUXO E MUDANÇA • Da SIMPLICIDADE para COMPLEXIDADE • Do MERCADO ABERTO para COMPLEXIDADE Para a compreensão desta nova realidade a Teoria Contingencial estuda as relações de interdependência entre as organizações e seu ambiente e ressalta que, em um ambiente instável e complexo, a capacidade de adaptação é fundamental para a sobrevivência das organizações. Este processo surge através da INOVAÇÃO e do EMPREENDEDORISMO. “A sobrevivência das organizações depende da habilidade dos gestores em reconhecer e interpretar os requisitos do ambiente e a eles responder constantemente, com novos produtos, processos e modos organizacionais” (MOTTA, 2001). O responsável pela criação e implementação destes recursos nas empresas é intitulado empreendedor. “O empreendedor é uma pessoa criativa, marcada pela capacidade de estabelecer e atingir objetivos e que mantém um alto nível de consciência do ambiente em que vive, usando-a para detectar oportunidades de negócios.” (FILLION, 1999-a) O ATUAL QUADRO DA ICCSE NO BRASIL - O PAPEL DO ARQUITETO A evolução da ICCSE no Brasil pode ser caracterizada pela presença maciça do financiamento do Estado até os anos 80. A partir dos anos 90, com o domínio das empresas do setor privado, teve início o incremento de competitividade que obrigou as empresas a buscarem o aumento da produção e da qualidade de seus produtos como diferenciais competitivos necessários a sua sobrevivência no mercado. Deste processo resultou a conclusão que a qualidade dos projetos e sua relação com a obra se constituem um elemento estratégico para o sucesso dos empreendimentos. Reforçando a importância do Projeto de Arquitetura e, conseqüentemente, do Arquiteto no ciclo do empreendimento imobiliário.


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“É na fase de projeto que se tomam as decisões que trazem maior repercussão nos custos, velocidade e qualidade dos empreendimentos”. (FABRICIO & MELHADO,1998) “Os principais atributos de valor do empreendimento imobiliário percebidos pelo cliente são determinados no projeto” (MIRON, 2002). PERFIL EMPREENDEDOR DOS ARQUITETOS? Qual o perfil empresarial do arquiteto? Existe um perfil característico? Está o arquiteto qualificado para ser empreendedor no mundo contemporâneo? Quais são as características necessárias para este profissional? Estas e outras perguntas necessitam de estudos científicos e pesquisas para conclusões definitivas. Entretanto, pela urgência do debate, arrisco-me, baseado no exercício diário da profissão, na lida com colegas e estudantes, em dados empíricos e no senso comum, a apresentar temas e sugestões para discussão, conforme abordagem que se segue. De início, apresento para análise, um conjunto de qualidades propostos pelo Programa Líder XXI, da consultoria Prática Empresarial (Fortaleza, 2003), para o líder empreendedor no ambiente organizacional do sec. XXI. • Visão sistêmica • Senso crítico • Criatividade • Capacidade de (auto) avaliação • Flexibilidade e tolerância (trabalho em equipe). Mesmo empiricamente, a análise destas características, guarda grandes semelhanças com o perfil de profissional exigido na formação dos arquitetos, onde treinados no processo de projeto, exercitamos a exaustão os processos de análise, síntese e avaliação ao criarmos o novo e dividi-lo com diversos profissionais até a finalização da obra. Mesmo de maneira intuitiva, podemos concluir que, por força da atividade e pela sua formação, o arquiteto está instrumentalizado para o bom desempenho da atividade empreendedora. Então, porque temos tantas dificuldades de adaptação ao ambiente empresarial? O fato é que existe como senso comum, certa falta de aptidão dos arquitetos para os negócios, talvez decorrente de outros aspectos da formação ou mesmo do perfil das pessoas que buscam a profissão. A seguir, serão elencados alguns pontos preocupantes no atual momento profissional da categoria que concorrem ou podem concorrer para a desvalorização da atividade. • Ausência de uma cultura empresarial − Continuidade da cultura do arquiteto artista/astral − Pouca importância a contratos, apresentação pessoal, marketing, etc. • Concorrência predatória − Baixa remuneração com prejuízo de qualidade − Má avaliação de custos de produção − Trabalhos sem remuneração • Informalidade excessiva − Utilização de softwares piratas − Profissionais não legalizados nos escritórios • Remuneração distorcida − Indefinição do objeto de contrato


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− Disparidade de parâmetros de preço − Verbas de representação - comissão • Volume de arquitetos entrantes no mercado • Projetos executados por estudantes CONCLUSÃO Para finalizar, procuramos sintetizar possíveis caminhos a serem trilhados na busca da valorização profissional dos arquitetos e de sua atividade. Estes são: • Incremento de uma cultura profissional/empresarial − Criação de espaços de discussão sobre o negócio arquitetura (emprego, remuneração, etc) − Desenvolvimento de campanhas institucionais para o entendimento e valorização do trabalho do arquiteto pela sociedade e o meio empresarial (corporativismo, associativismo, marketing, etc). − Valorização do profissionalismo em detrimento da informalidade • Diversificação da atuação − Empreendedorismo (identificação e apropriação das oportunidades no diversos setores da CCSE.) − Especialização, em paralelo ao generalismo. Este debate surge como necessário para a sobrevivência de nossas empresas, devendo ser realizado de forma séria, desprovida de preconceitos e calcada na atividade profissional do dia-a-dia da maioria dos arquitetos. Para tanto, é necessário incrementarmos os mecanismos de organização e discussão, com o objetivo de compreender o que seja a prestação de serviço em arquitetura hoje, melhorar nossa produção, nossa relação com o mercado e recuperarmos o valor de nossa remuneração para que seja exercida em todo seu potencial.


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BÚZIOS E A EVOLUÇÃO DA PRODUÇÃO ARQUITETÔNICA Roberto Aracri (RJ) Aroeiras, pitangueiras, cuícas, maritacas, micos-leões-dourados... Não ao acaso, a União Internacional para Conservação da Natureza considera Búzios um dos pontos prioritários de preservação da Terra. As mais de quinhentas espécies vegetais e a exuberante vida aquática - com seus peixes, crustáceos e tartarugas, que se reúnem numa festa de cores e formas -, fazem da península um ponto singular do planeta. Foram os bandos nômades, há 2500 anos, os primeiros brasileiros a descobrir o manancial de riquezas que Búzios oferecia. Na trilha histórica aberta por esses pés descalços, passaram índios, escravos, pescadores e nobres. Mas Búzios tem outros tesouros, muitos outros, a serem descobertos. Como a evolução da sua arquitetura, cuja concepção não procura dissimular raízes e apresenta uma leitura do estilo que tornou Búzios um dos mais importantes destinos turísticos do país. Os trabalhos a serem apresentados refletem a transformação urbanística que a cidade sofreu nos últimos 20 anos e demonstram uma preocupação com a preservação da paisagem e sua escala, desvendando a influência do arquiteto baiano Zanine Caldas com o seu trabalho intimista, onde predomina o uso da madeira e cuja obra possui a elegância da simplicidade. Ensinava o filósofo ateniense Sócrates em 450 a.C. que mais inteligente é aquele que sabe que nada sabe. Possivelmente esta é a missão dos arquitetos, deixar à mostra o quanto ainda há para desvendar, e consagrar-se em buscar a relação da qualidade do ambiente com a atividade desempenhada no espaço, compreendendo como se manifesta a expressão arquitetônica na alma do ser humano. Como tão bem descreveu o filósofo e educador austríaco Rudolf Steiner: “É uma característica da alma humana expandir-se, alastrar-se, desabrochar-se em todas as direções. A maneira de se desabrochar, a maneira como ela deseja alastrar o seu ser no cosmo, tem como resultado a forma arquitetônica”. Búzios tem a sua história e os seus pontos de referência e há algumas décadas seguia uma receita de convivência fraterna, como se todos fizessem parte de uma única família. Em julho de 2005, os integrantes do IAB núcleo Búzios compreenderam isso, e na tentativa de promover o resgate da cidade realizaram projetos para gerar a inter-relação de seus habitantes. Búzios dos nossos sonhos homenageou a cidade com 14 projetos de 25 profissionais, que propuseram a integralização da comunidade através de parques, praças, ciclovias e áreas de lazer. A atmosfera cultural, social e natural da cidade foi a principal fonte de inspiração para os ensaios apresentados, uma vigorosa celebração das paisagens mágicas que demonstrou que quando o assunto é planejamento urbano, pequenas coisas podem fazer grandes diferenças. Entre as propostas, um sistema cicloviário integrado ao sistema viário, um parque das ciências com atrativos geológicos e esotéricos, corredores de conservação da biodiversidade interligando os fragmentos de florestas que ainda subsistem em Búzios e uma ilha acadêmica com uma biblioteca e um centro de pesquisas, ampliando e interligando espelhos d‘água e revitalizando o corpo receptor de um bairro que alaga com facilidade e encontra sérios problemas para dar curso a sua água pluvial. Idéias que resgataram pontos fundamentais da identidade, do sentimento de fazer parte de uma cidade. Na raiz da grande mutação está a pequena transformação, uma pequena mudança pode ser o começo de uma grande. As transformações devem acontecer agora. Afinal, temos no presente a obrigação de abrir caminhos, procurando não o ideal afastado e remoto, mas o possível já. Para isso, o desígnio deste trabalho é


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desvendar a prática profissional longe dos grandes centros urbanos e evidenciar o estilo arquitetônico como fato cultural, capaz de interpretar a alma dos seus habitantes e dar sentido aos mistérios da existência. Palavras-chave: Experiência e produção arquitetônica


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ARQUITETURA EM TEMPOS DE TRANSIÇÃO: ESCRITÓRIO EDISON MUSA E A PRODUÇÃO DO PROJETO NO RIO DE JANEIRO PÓS-BRASÍLIA Marise Ferreira Machado (RJ) A partir dos anos 1930, a arquitetura moderna brasileira teve no Rio de Janeiro terreno fértil para suas realizações, o que foi cada vez mais colocando em evidência a figura de um arquiteto, dito moderno, e de uma prática profissional específica. Trabalhando em ateliês e ocupando cargos no funcionalismo público, tal arquiteto ―gênio-criador‖, tão estudado pela historiografia, não exercia, muitas vezes, o domínio sobre o processo do projeto que lhe garantiria o controle da qualidade na execução de sua obra, posto que direcionava seu cliente a terceirizar a fase executiva junto a outros profissionais. Em muitos casos, mostrava-se preocupado com o aspecto da ―excepcionalidade‖ criativa de sua obra, desprezando tudo aquilo que lhe aparecia no caminho a lhe tumultuar tal processo: os prazos, os custos, as necessidades e os interesses de uma iniciativa privada que mais e mais dominava o mercado. Após Brasília, contudo, a arquitetura carioca entraria em um período de transição em que uma nova e transformada realidade demandaria, com urgência, mudanças estruturais nos meios de produção arquitetônicos. Afinal, dada a visibilidade internacional de sua realização, Brasília se constituiria o ponto de reflexão para o arquiteto - brasileiro, de maneira geral, e do Rio de Janeiro, em particular - tendo em vista a participação efetiva que ali tiveram figuras exponenciais da dita ―escola carioca‖ da arquitetura moderna. Desta forma, ao mesmo tempo em que era alçado à uma posição de prestígio no seio da sociedade, o arquiteto ver-se-ia obrigado a enxergar uma realidade em rápida transformação, onde uma sociedade e um mercado com novas demandas o desafiariam a mudar. Enquanto a Segunda Guerra Mundial seria, para os arquitetos franceses por exemplo, o marco radical e determinante de que nada mais seria o mesmo na produção da arquitetura, aqui isso se daria mais emblematicamente após a construção de Brasília. E por que este fato representaria um marco no qual a historiografia da arquitetura brasileira contemporânea seria interrompida1? Por que só uma visão crítica do Movimento Moderno poderia continuá-la, e tal visão custou a acontecer no Brasil não apenas pela pouca ―maleabilidade conceitual‖2 da maioria dos arquitetos à época, mas também por conta dos problemas sociopolítico-culturais gerados pelos governos militares pós-64. Daí os anos 1960 a 1980 representarem um período ainda cercado por muitas questões não pesquisadas, muitas obras e autores não estudados, e um pensamento teórico-crítico nacional a ser investigado. Em meio a um período de ―milagre econômico‖, a arquitetura se estenderia em um boom imobiliário transformador da face do Rio de Janeiro, impelindo o arquiteto a uma prática não mais voltada para a produção dita de ―relevância cultural‖ mas para a que dá forma às cidades, ou seja, para ―aquela realizada nas condições econômicas e técnicas comuns de produção‖3. Pois na arquitetura, assim como na construção, de acordo com Gregotti (1975:174), a mudança, de certa maneira incontornável, consistiria em ―alcançar os níveis industriais conquistados por outros setores do mercado, [...] ciclos mais precisos e completos de trabalho‖. Para o arquiteto daqueles anos, externava-se ali a obrigatoriedade de seu desligamento da ideia de ―reformador social‖ que os teóricos do Movimento Moderno lhe haviam incutido. Abandonar tal atitude, como afirma Piñon (2006:178), o obrigaria a assumir, como atributo fundamental de sua atividade, a competência técnica e construtiva, a fim de evitar uma crise de identidade, pois que papel a ele caberia, afinal, se lhe era negada ―a ação profética sobre a forma de vida dos demais?‖ A resposta a essa pergunta levaria, ainda segundo Piñon, a uma redefinição do que seria a arquitetura,


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deixando-se de considerá-la ―um plus estético que ‗se agrega‘ à construção, para entendê-la como ‗um modo específico de enfrentar a construção‘‖. É quando ganham peso e substância, em meio aos ateliês e às figuras exponenciais da arquitetura moderna brasileira, os escritórios-empresas, lugares do projeto que tiveram uma produção significativa para a arquitetura da cidade, ainda que, até hoje, não tenham servido plenamente como objetos de estudo. Através deles, houve o exercício de uma prática em equipe vigorosa, onde a iniciativa privada e a realidade presente passariam a ocupar posição de primazia. Também foram lugares que realizaram com competência o caminho entre a prancheta e o canteiro de obras, e onde se investiu na relação produtiva entre arquitetos, engenheiros e a indústria da construção civil. Essa prática arquitetônica de cunho empresarial e ritmo industrial, calcada na realidade cotidiana e no que demandava em larga escala o mercado em expansão, enfrentaria o desafio de lidar com a arquitetura enquanto produto para consumo, ao mesmo tempo em que levantaria a questão do que seria a ―boa arquitetura‖. Assim acontecerão, no meio arquitetônico carioca, o descaso sobre grande parte do que se produziu naquele período, e a eventual rejeição do como foi feito e também de quem o fez, provocados à época pelo silenciamento de uma crítica especializada, assim como pela incapacidade, então, de se distinguir nitidamente posições arquitetônicas de posturas partidárias. Tomando, portanto, Brasília como um marco para a constituição de um período de transição a se abrir para a arquitetura carioca nos imediatos anos 1960, o presente artigo apresenta como a arquitetura era produzida no Rio de Janeiro, tendo por estudo de caso o escritório Edison Musa, desde sua fundação em 1963 até o ano de 1983, quando, por sua estrutura física e pela área total construída de suas realizações, já havia alcançado a posição de um grande escritório de projetos. Servindo de referência, então, pela visibilidade de sua produção arquitetônica na cidade, a alguns jovens arquitetos – marcados por lacunas no ensino acadêmico que os impediam de entender claramente o que se passava com a disciplina – este artigo comprova que, em resposta às demandas da sociedade e do mercado de trabalho à época, o escritório Edison Musa, sem esta intenção, contribuiu na formação de um determinado arquiteto e na definição, para este, de uma pauta específica de atuação profissional, qualificando-o para o exercício do projeto em um momento de transição para a arquitetura, no qual o pragmatismo do capital havia se sobreposto às utopias sociais do Movimento Moderno. Palavras-chave: Edison Musa (1934-) – Arquitetura pós-Brasília – Produção do projeto no Rio de Janeiro


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A EVOLUÇÃO DAS ATIVIDADES DOS ESCRITÓRIOS DE ARQUITETURA E A PRATICA PROFISSIONAL Gilberto Belleza (SP) A abordagem dos escritórios de arquitetura sempre teve um papel relegado a segundo plano pelos arquitetos. A necessidade de se atuar numa sociedade em evolução exige dos arquitetos e de seus escritórios um conhecimento da evolução dos escritórios brasileiros e de suas atividades profissionais, perante as necessidades de cada tempo. Será tratada a evolução desde as atividades dos engenheiros arquitetos até os escritórios e ateliers atuais.


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INTEGRAÇÃO DOS AGENTES DURANTE O PROCESSO DE PROJETOS DE ARQUITETURA ATRAVÉS DO DESENHO COLABORATIVO Michelle Brodeschi (ESP) A separação dos elementos que compõem um projeto de arquitetura e construção foi incentivada nos últimos séculos por vários motivos. A formação acadêmica separada, as exigências técnicas e organizações separadas fomentaram a dispersão existente atualmente neste nicho profissional. Não existe mais a figura do ―mestre de obras‖ como havia no Renascimento. O arquiteto naquele momento era responsável por todos os aspectos da obra. Tinha o domínio de varias ciências, das artes e sociologia. O profissional do século XXI está em busca do conhecimento especifico e aprofundado. As empresas buscam terceirizar seus trabalhos e com isso melhorar a qualidade dos seus produtos. Para que esse sistema funcione de maneira ideal, é fundamental a boa integração de todas estas partes especializadas. Existem muitos estudos que buscam a solução para a integração dos agentes responsáveis pelo desenho do projeto como: técnicas de gestão, tecnologias da informação e ferramentas informáticas. Estes recursos têm como intuito desenvolver e evoluir o processo de projeto. Um fato relevante na evolução do processo de projeto foi o surgimento das ferramentas de desenho assistido por computador. Na ultima década lançaram no mercado muitas novidades no campo de CAD paramétrico (ao contrario do CAD analítico, em vez de utilizar traçados por pontos e coordenadas, utiliza parâmetros para definir seus limites ou ações). Esta tecnologia é conhecida como BIM (Building Information Modeling) – e é um meio eficaz para incentivar o fluxo de input e output. Um algoritmo a ser utilizado para a integração dos agentes é o desenho colaborativo. O desenho colaborativo descreve o processo pelo qual vários participantes contribuem para um projeto em todas as fases do ciclo de vida de um produto. Estes estágios podem incluir a concepção conceitual, o projeto detalhado, montagem, ensaios, análises, estimativa de custos, manufatura, e assim por diante. O desenho colaborativo assistido por computador é o processo em que várias equipes trabalham em um projeto, muitas vezes geograficamente dispersos, muitas vezes em paralelo, utilizando-se ferramentas e softwares heterogêneos. Esta é uma abordagem para reduzir as subaéreas de projeto que tradicionalmente eram executadas em série, e para aumentar ao máximo as interfaces que facilitam a comunicação das informações do projeto, de modo que as resume, e podem ser efetivamente concluídas simultaneamente. No processo tradicional de concepção de um projeto, primeiro o arquiteto faz um esboço baseado em um programa de necessidades. Ele então pede a um engenheiro uma orientação estrutural e uma proposta para a construção. Dependendo do tempo disponível deste profissional em realizar um estudo preliminar muitas vezes pode levar algumas semanas ou mesmo meses. O modelo deveria ser construído em um software específico, compatível com o software do arquiteto para otimizar o processo de transmissão de dados. Logo, ao integrar a representação de seu projeto, o arquiteto pode pedir a outros técnicos más sugestões como, por exemplo, ao engenheiro eletricista, ao consultor de conforto térmico, ao fornecedor de acabamentos, etc. Enquanto isso pode ocorrer que o cliente já tenha mudado de ideia e todo o processo deve ser reiniciado. Para evitar esse desperdício de tempo e dinheiro, a aplicação de um método de desenho colaborativo se faz necessária. Por que o desenho colaborativo nos projetos arquitetônicos dentro da prática ainda não é utilizado pela maioria dos escritórios? Talvez porque não seja um bom método, talvez porque faltam softwares apropriados, talvez porque as pessoas que


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poderiam beneficiar-se dele não têm know-how, ou talvez porque assim poderiam ter mais responsabilidades. O arquiteto é normalmente responsável pelo bom funcionamento do edifício e o engenheiro calculista é o responsável pela segurança estrutural. O que acontece se eles começarem a tomar decisões em conjunto? Sempre que as reivindicações ocorrem, a quem devem ir? A resposta seria que todos os membros da equipe mantenham as suas tradicionais responsabilidades e, portanto, tenham o direito de decidir diferentemente do que a equipe propõe. Projeto Colaborativo não significa necessariamente que as decisões são tomadas democraticamente. O método propõe tentar tirar proveito do conhecimento dos membros da equipe e incentiva a geração de ideias e discussões sobre essas ideias. E também permite que a equipe decida sobre as soluções tomadas e qual o método de colaboração que será usado. Muitas das atuais funções, tarefas e responsabilidades se tornarão obsoletas. Valores, riscos e necessidades do projeto evoluirão para se ajustar à nova realidade. As empresas que aprenderem eficazmente fornecer soluções integradas e competir com sucesso demonstrarão um novo tipo de trabalho. Isso inclui projetistas, construtoras, fabricantes, fornecedores e consultores. Modelos de colaboração em empresas farão parte do currículo acadêmico básico para atender as demandas do mercado, e a expansão dos programas de treinamento será uma constante dentro e fora das empresas. Palavras-chave: Desenho colaborativo, processo de projeto, BIM.


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ARQUITETURA EM 3 ESCALAS Mario Biselli (SP) Apresentação do trabalho recente do escritório Mario Biselli e Artur Katchborian, focando projetos e obras recentes, desde a escala da casa até projetos institucionais de grande porte.


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ARQUITETURA EM REDE: DESAFIOS E PERSPECTIVAS Bruno Roberto Padovano (SP) Num mundo que se globaliza cada vez mais e se reorganiza a partir do uso intenso da internet e outras ferramentas das telecomunicações avançadas, a arquitetura supera seus tradicionais referenciais locais e abrange novas dimensões territoriais e temporais. A transformação dos escritórios tradicionais em redes abertas de cooperação entre profissionais e escritórios/empresas de arquitetura, determinadas por oportunidades profissionais que vem surgindo em países e até continentes diferentes, permite vislumbrarmos um novo futuro para a profissão, desde que saibamos operar nessa nova realidade sem perder o controle sobre o processo de projeto, complexo por natureza e de imensa responsabilidade social e cultural. A palestra visa apresentar uma experiência realizada a partir do conceito do projeto desenvolvido em rede, com a elaboração de trabalhos no Brasil e na China, ao longo da última década, com inovações na comunicação como a narrativa literária associada ao projeto sustentável.


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DA ARTE DE CONSTRUIR À INTELIGÊNCIA ARQUITETÔNICA Coordenadores: Gentil Porto e Leandro Medrano A tríade vitruviana (venustas, utilitas e firmitas) pressupunha que a arquitetura deveria obedecer aos padrões de ―bom gosto‖ e às regras da simetria, bem como apresentar uma distribuição correta dos cômodos, um uso adequado dos materiais e uma firme implantação no solo. Embora tenham sido abalados a partir das primeiras décadas do século XX pelo modernismo, esses pilares da disciplina arquitetônica se mantiveram em pé e continuam a orientar o ensino, a prática e a avaliação crítica da arquitetura. Nas últimas décadas, entretanto, parecem surgir indícios de uma revisão teórica alimentada por inéditas transformações urbanas e tecnológicas. A cidade, que sempre fora caracterizada pela estabilidade de estruturas fisicamente construídas, passou a ser configurada pela imaterialidade e fugacidade dos conteúdos difundidos pelos meios de comunicação de massa. Em vez de espacialidades demarcadas por elementos edificados, instalou-se um espaço virtual que é definido pelas condições de transmissão e recepção de dados. Nesse contexto, não surpreende que a autonomia disciplinar esteja em crise nem que as próprias edificações venham sendo cada vez mais definidas por estratégias que costumam desconsiderar cânones formais, funcionais e construtivos. É possível a emergência de um novo campo transdisciplinar fundado na análise, na organização e na produção de significados espaciais independentemente da edificação? Se a experiência espaciotemporal é hoje configurada muito mais pelos efeitos das tecnologias da informação do que pelas estruturas materialmente estabelecidas, deveria a arquitetura deixar de ser compreendida como a ―arte de construir‖ para se converter em ―inteligência arquitetônica aplicada‖? Estaria a arquitetura em um caminho para ser um conhecimento relacionado à capacidade de analisar, organizar e produzir significados espaciais independentemente da edificação?


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DÉTOURNEMENT: A ESTÉTICA DA INDIFERENÇA Gentil Porto Filho (PE) Esta apresentação tem por objetivo discutir o impacto do détournement na arquitetura contemporânea. Definido como "desvio" de elementos estéticos preexistentes para a configuração de novos arranjos, o détournement foi explorado nos anos sessenta pela Internacional Situacionista como um método de superação dos valores estabelecidos. Embora rapidamente assimilado pela arte e pelo design, o desvio de situações urbanas completas − a máxima ambição da vanguarda situacionista − permaneceu, no entanto, praticamente irrealizado até a década de noventa. O que poderia ser designado de ultra-détournement passou desde então a ser sistematicamente materializado por tendências influenciadas pelos postulados de Rem Koolhaas. Se toda uma cultura projetual recente, disseminada internacionalmente por escritórios holandeses como o MVRDV, Neutelings Riedijk e NL Architects, tem se fundamentado em técnicas de deslocamento, justaposição e hibridação de programas e tipologias, cabe aqui perguntar: o détournement consiste hoje num procedimento capaz de transformar a metrópole do espetáculo ou trata-se de uma mera reprodução da sua lógica organizacional?


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MEGA-ESTRUTURA E METRÓPOLE: UMA ARQUEOLOGIA DO PROGRAMA DE REM KOOLHAAS Adriana Veras de Vasconcelos (PE) Fernando Diniz Moreira (PE) Nas últimas décadas, termos como fragmentação, heterogeneidade, descontinuidade e imaterialidade têm sido constantemente usados para descrever a experiência urbana. Aparentemente, a predominância da tecnologia da informação, a justaposição de fluxos e realidades e a ausência de parâmetros que conduzam as transformações na metrópole contemporânea, parecem enfraquecer uma tradição arquitetônica consolidada. No entanto, estas mesmas características da metrópole podem também estimular uma nova forma de pensar e projetar. Nesse contexto, Rem Koolhaas é um dos arquitetos que mais tem explorado a metrópole recente como estratégia projetual. Originalmente jornalista e cineasta, Koolhaas fundou o OMA (Office for Metropolitan Architecture) em 1975 e em 1978, publicou Delirious New York, um dos mais importantes manifestos da arquitetura atual. Ele sugere uma espécie de submissão da ordem arquitetônica à metrópole, para ele, funcionalmente e espacialmente estruturada pela concentração e superposição de vários sistemas urbanos. A partir daí, constitui-se uma congestão de atividades, espaços e programas que são articulados por bigness: mecanismo arquitetônico capaz de manter simultaneamente a autonomia e a subordinação das partes em relação ao todo. Para Koolhaas, a missão da arquitetura não é mais organizar o espaço por meio de elementos permanentes, mas expor a instabilidade e os conflitos da condição urbana atual. Ele advoga por bigness e generic city no horizonte do junkspace. Generic city é a cidade do espaço neutro do aeroporto, da perda da identidade, da homogeneização, da morte da rua e do pedestre. Na ‗cidade genérica‘ a esfera pública é transferida para o shopping mall. Junkspace é o espaço da escada rolante, das grandes caixas e da infra-estrutura, caracterizando os espaços da generic city. A maneira como Koolhaas articula programas complexos em seus projetos reflete a influência das megaestruturas da década de 1960, que buscavam a redefinição da experiência urbana por meio da conexão entre edifício e cidade sob a forma de geometrias complexas, múltiplos níveis de tráfego, redes e unidades programáticas. O conceito de mega-estrutura enriquecido através da contribuição de autores como os Smithsons, Buckminster Fuller, Louis Kahn, os Metabolistas, Yona Friedman, Archigram, Superstudio, os Situacionistas, e Cedric Price, passou a incluir idéias de interação lúdica com o espaço, teatralidade, e submissão da arquitetura aos sistemas urbanos e tecnológicos. Para compreender a relação entre a arquitetura e a metrópole contemporânea nas idéias e estratégias projetuais de Koolhaas, este trabalho advoga o estudo de autores que analisaram e experimentaram o fenômeno da metrópole nas primeiras décadas do Século XX - como a sociologia e a psicopatologia de Georg Simmel, a estrutura mítica da metrópole desenvolvida por Walter Benjamin, e o dinamismo da cultura urbana moderna, proposto por Sigfried Kracauer. Esses conceitos podem ser evidenciados em seus projetos não construídos como o LACMA (Los Angeles Contemporary Museum of Art) e a Biblioteca de Paris; em projetos urbanísticos como Euralille, e também na sua obra arquitetônica, como é o caso do Kunsthall em Roterdã, Seattle Public Library em Seattle e o McCormick Tribune Center do Illinois Institute of Technology em Chicago. Este trabalho oferece uma arqueologia da obra teórica de Koolhaas, estabelecendo conexões entre suas idéias e seus projetos construídos, cuja análise se baseia em três aspectos principais: (1) o conceito de mega-estrutura; (2) fenomenologia, considerando o uso de materiais e a maneira como compõem as fachadas, articulações entre componentes e o programa, espaços de encontro, definição de limites, integração com fluxos e topografia, e a implantação do edifício; (3)


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idéias de Simmel, Kracauer, e Benjamin, mencionados acima, além de autores mais recentes como Guy Debord, Marc Augé e Anthony Vidler. Esses aspectos foram traduzidos nos seguintes princípios projetuais usados na análise: a) Conectividade: movimento baseado na idéia dos fluxos urbanos, rotas, aberturas, visibilidade e acessibilidade no interior do edifício e entre seu interior e exterior. b) Continuidade: maneira como o edifício se relaciona com o seu entorno em termos de forma, topografia, transparência, materiais e composição das fachadas. c) Instabilidade de fronteiras: definição de limites claros entre o interior e exterior do edifício. d) Flexibilidade: capacidade dos espaços internos e externos de um edifício de se adaptarem a mudanças das atividades e rotas urbanas. e) Playfulness: capacidade do edifício de permitir e até estimular o lúdico, a interação entre observador e edifício e entre observador e partes internas do edifício. Capacidade do edifício, de suas partes ecomponentes de serem adaptados pelos usuários e estimular o uso da imaginação na experiência de sua estrutura física. f) Tecnologia: o uso da tecnologia na estrutura e principalmente, na aparência do edifício. g) Espetacularismo: o nível de participação do edifício como uma imagem no espetáculo da mídia. h) Eventfulness – a qualidade de ser definido por eventos ou de instigar eventos. i) Funcionalidade: o papel do edifício dentro de seu contexto. Sua capacidade de se tornar um ‗incubador social‘, como sugere Koolhaas, ou simplesmente um espaço público. j) Legibilidade - orientação e desorientação no interior do edifício. Alguns críticos afirmam que os edifícios de Koolhaas desconsideram a configuração urbana e podem gerar ‗não-lugares‘ ou simplesmente materializar os seus caprichos. No entanto, a experiência desses edifícios e de seus espaços individuais, pode surpreender, oferecendo um diálogo rico entre homem, arquitetura e espaço ubano. Um novo nível de relacionamento pode estar surgindo a partir dessa ‗grande‘ de nossos dias, baseado em formas de articulações mais complexas, como o direcionamento de fluxos e atividades. Palavras-chave: Rem Koolhaas, megaestrutura, cidade contemporânea.


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ARQUITETURA LÍQUIDA Adilson Assis Cruz Júnior (MG) Antônio Carlos Dutra Grillo (MG) O trabalho faz uma investigação sobre o conceito de liquidez na arquitetura. Para isso, faz um paralelo entre o conceito de modernidade líquida do sociólogo Zygmunt Bauman e o de arquitetura líquida segundo os arquitetos contemporâneos que mais se valeram deste termo. Em seguida, contextualiza o conceito de liquidez na sociedade e na ciência contemporânea, e conclui discorrendo sobre o potencial que este conceito aporta à arquitetura. Para Bauman, a pós-modernidade é líquida porque vem diluindo os sólidos − as grandes instituições, as antigas relações sociais e de trabalho, as ordens econômicas e as grandes utopias − e dotando a sociedade atual de grande mobilidade, fluindo através das fronteiras geográficas de forma incontida. Trata-se de uma era de instabilidade e flexibilidade, de excessos e mudanças, de quebras de convenções e paradigmas. Em seu dinamismo, a sociedade atual vive em um processo de contínua e acelerada transformação. Diferentemente da sociedade moderna anterior, a que ele chama de modernidade sólida, a sociedade contemporânea não o faz com uma perspectiva de longa duração, com a intenção de torná-la melhor e novamente sólida. Hoje, tudo está sendo permanentemente desmontado, mas sem perspectiva de permanência; tudo é temporário. Segundo Bauman, passamos hoje por um processo de descorporificação e desterritorialização. A pulverização das distâncias físicas decorrente das amplas possibilidades de comunicação à distância, e também do desenvolvimento dos meios de transporte, tem alterado a percepção do tempo e as necessidades espaciais do homem contemporâneo, ampliando radicalmente a flexibilidade nas relações sociais e de trabalho. O tempo adquire instantaneidade e urgência, e os espaços de trabalho e de relações pessoais perderam o imperativo da proximidade física, multiplicando-se e interagindo-se em distintos lugares físicos. O processo de ―virtualização‖ da vida cotidiana tem demandado uma contínua revolução nos ambientes de trabalho, de moradia e de convívio social, contribuindo para a emergência de uma espacialização leve e fluida. Alguns arquitetos também trabalharam com o conceito de arquitetura líquida, como Marcos Novak, desenvolvendo formas e espaços líquidos virtuais, e o grupo NOX, que investe na busca de uma arquitetura líquida fisicamente edificável, explorando especialmente a interatividade dos usuários com a obra. Já Solà- Morales se distancia da abordagem pela via da imagem, centrando-se nas contingências da arquitetura para abrigar uma vida líquida; mais que a forma em si, lhe preocupa a questão do tempo e a apropriação humana dos espaços. Para ele, na arquitetura líquida a ação humana introduz a noção de fluxo, deslocando o paradigma do espaço para o tempo. Ele considera que a arquitetura deve assimilar a fluidez que existe na realidade, ordenando movimento e duração, trabalhar a mudança ao invés da estabilidade. Para ele, um dos desafios fundamentais da arquitetura que visa o futuro é dar forma à experiência sinestésica do fluxo no movimento da metrópole, distanciando-se do planejamento programático puramente visual e das regulações pré-estabelecidas. A liquidez na arquitetura, para além da forma e do espaço fluido, se insere numa sociedade líquida, como nos aponta Bauman. Ou em uma condição pósmoderna, como explica David Harvey, ou em um mundo complexo, como nos prega a ciência contemporânea. A sociedade contemporânea avança rumo a novas formas de viver, com novas formas e espaços de trabalho, lazer e educação, e com uma relação temporal diferenciada com essas atividades. Novos paradigmas se veem em fase de consolidação, como a redução das distâncias, decorrente do avanço da comunicação à distância e dos meios de transporte, a preservação ambiental e o desenvolvimento


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sustentável. Da liquidez, atributos como o dinamismo, a sensibilidade às interferências externas, a indeterminação em sua fluidez, nos parecem ter uma grande ressonância com a condição humana e com sociedade atual, e por este motivo, um grande potencial de exploração no pensar a arquitetura, mais além da estética. O dinamismo no uso do espaço e do tempo, a capacidade de se adaptar às contingências, a flexibilidade para abarcar funções ou programas, a transformabilidade de espaços e de materiais − o que nos remete a uma ampla noção de reciclagem − são questões também relacionáveis à liquidez, mas que incidem na arquitetura de uma maneira muito mais ampla.


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VAZIO S/A – OBRA RECENTE Carlos M Teixeira (MG) Vazio S/A Arquitetura e Urbanismo mistura prática e pesquisa. Para o estúdio, a visão integrada das disciplinas de desenho arquitetura, paisagismo e urbanismo é uma estratégia fundamental numa época de desafios impostos pelas dinâmicas da ecologia e pela própria complexidade das cidades. Seja no desenho de móveis ou no projeto de residências, equipamentos culturais e edifícios comerciais, prevalece no escritório a interdisciplinaridade. Buscamos uma postura propositiva e ativa: uma visão da informalidade, dos vazios e do mercado como algo que possa nos indicar novos projetos e oportunidades. À visão de uma prática de escritório convencional está associada a experimentação através de pesquisas, concursos de arquitetura, publicações, parcerias com grupos sociais e artísticos, e intervenções urbanas efêmeras que discutem relações entre a cultura contemporânea e a arquitetura.


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O IMAGINÁRIO DA CIDADE Antonio Chalhub (ES) O espaço é uma totalidade e não existe desconectado de uma vida pulsante, de uma vida social que o produza como lugar de uma existência humana. O urbano é apenas uma singularidade distinguindo uma região que apoia os processos de produção e consumo, com elementos fixos e seus fluxos na organização e manutenção da vida social sobre um território (SANTOS, 1985, p. 47). Os espaços da cidade consolidam historicamente impactos ambientais que são incorporados à sua imagem social e sua identidade cultural. Neste imenso arquivo de signos podemos igualmente apreender um vasto conjunto de intenções, de projetos, bem como de ações concretas de pessoas, de pequenos grupos ou mesmo de sociedades inteiras (SECCHI, 1998, p. 15). Na produção social do território estes elementos têm funções urbanas e onde as instituições humanas de organização e controle configuram um ―sistema de estruturas‖ (SANTOS, 1994, p. 16). E este sistema complexo de estruturas espaciais e humanas estabelece uma rede significativa em constante mudança e geram novos significados conforme atributos culturais, bem como sua posição enquanto objeto no contexto espacial. A expressão de um fato urbanístico transforma-se em história da cidade carregada de significados e representações que ora é interpretação individual do historiador ou urbanista, ora é um reconhecimento social legitimado em fatos e documentos. E serão sempre ambiguidades, um ―conto imaginário‖ onde seus discursos não seguem o real, apenas o significam (LE GOFF, 1996, p. 38). Assim é o urbanismo na sua gênese científica quando se debruça sobre um fato histórico onde o espaço urbano é percebido como totalidade, delimitado em um campo de investigação e atuação. Essas narrativas são representações da cidade e vão se tornando um corpo articulado de informações, gerando novos conhecimentos e conceitos que se firmam enquanto área de saber dos urbanistas. ―[...] a cidade e cada facto urbano são por sua natureza colectivos [...e] os históricos se ocupam do facto urbano na sua totalidade‖ (ROSSI, 1966, p. 63). Os vestígios humanos (ou ¨próteses‖, como ensina Milton Santos, 2002) no espaço são testemunhos históricos e prenhes de significação da cidade, amálgamas dos fragmentos do passado com o conteúdo de vida atual. Lynch (1973) demonstra como os indivíduos percebem e organizam informações quando circulam pelo espaço urbano, bem como as influências do tempo e da história na interpretação da cidade. É importante o seu conceito de que as pessoas criam ―mapas mentais‖ para representar e compreender o espaço urbano, onde vias, limites, bairros, pontos nodais e marcos de referência formam uma rede de informações sígnicas essenciais para a vida social nas cidades (LYNCH, 1973). As estruturas espaciais e institucionais da cidade se caracterizam enquanto elementos essencialmente carregados de uma força informacional e de uma memória técnica1. Assim, todo elemento do espaço representa um ―meio técnico-científicoinformacional‖, isto é, uma construção ou reconstrução histórica ―[...] com um crescente conteúdo de ciência e de técnica [...]‖ que vai além da sua simples funcionalidade e da sua morfologia, mas também imbuído de significados e atributos sociais (SANTOS, 1994, p. 139). Esta dimensão é chamada por Milton Santos (2002) de ¨psicosfera¨ e pode ser entendida, também, como imaginário. O imaginário se manifesta no fazer histórico e na constituição de um universo de significações (CASTORIADIS, 1982, p. 12). Não é meramente a imagem de alguma coisa, nem somente uma representação: ―É criação incessante e essencialmente indeterminada (social-histórica e psíquica) de figuras/formas/imagens, a partir das quais somente é possível falar-se de ―alguma coisa‖. (CASTORIADIS, 1982, p. 13).


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A cidade como totalidade apresenta uma lógica espacial simbólica muito peculiar onde engendra as relações com os sistemas de objetos e os sistemas de ações humanas. E imaginário poder-se-ia empregar 2 para falar de algo ―inventado‖, algo subjacente investido de outras significações, metáforas ou metonímias, fruto da imaginação. No entanto, a imagem ou fato deve ser percebido e se tornar acessível para todos: ―Deve ser codificado em símbolos, e esse código deve ser alimentado em uma memória [...]; o código existe para ser decifrado pelos outros‖ (FLUSSER, 2007, p.164). O imaginário é composto por imagens como representação de ―outra coisa‖. É o real transmutado em algo que ele não é, mas, como forma de representação ou, como ensina Baudrillar (1991), como simulação. Nos estudos antropológicos de Gilbert Durand (1997) o imaginário é o trajeto no qual a representação do objeto ―se deixa assimilar e modelar pelos imperativos pulsionais do sujeito‖ (DURAND, 1997, p. 41). Os elementos espaciais que configuram o espaço urbano, com suas cargas informacionais, ―incessante‖ geram social, histórica e psiquicamente um imaginário da cidade. É assim que se estabelece a sensação de reconhecimento do espaço urbano e mesmo nas cidades desconhecidas existe uma lógica espacialmente concebida que propiciará ao indivíduo perceber determinados elementos urbanos encontrando alguma coisa em seu inconsciente e tornando-os familiares. Os elementos construídos e as diversas relações sociais são constituintes importantes e indissociáveis de seus atributos de algo criado como cultura, ou seja, são efetivas instituições imaginárias da cidade no inconsciente do sujeito, em seu ―esquema organizador-organizado que se representa por imagem‖. Em seu ―sistema relacional articulado‖ como a ―fonte da significância simbólica ulterior‖ (CASTORIADIS, 1982, p. 172). E a cidade também deve ser entendida como uma ―[...] cartografia multidimensional da produção de subjetividade‖ (GUATARRI, 2006, p. 176), onde a subjetividade é relação de devir, individuação existencial, processos das multiplicidades que ―[...] ultrapassam a distinção entre a consciência e o inconsciente, entre a natureza e a história, o corpo e a alma‖ (DELEUZE e GUATARRI, 1995, p. 08). O espaço transforma-se em obra de arte coletiva, como manifestação do espírito humano. Este é o caráter universal da cidade, o que a torna suscetível de atributos e objeto de juízo de valor (ARGAN, 1992, p. 220). E a cidade também deve ser entendida como uma ―[...] cartografia multidimensional da produção de subjetividade‖ (GUATARRI, 2006, p. 176), onde a subjetividade é relação de devir, individuação existencial, processos das multiplicidades (DELEUZE e GUATARRI, 1995, p. 08). A cidade real vivenciada ou sua representação produzem o tempo todo subjetividade e representações simbólicas como força imaginária. Palavras-chave: imaginário, cidade e urbanismo.


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COMPLEXIDADE E MÉTODO NA ARQUITETURA CONTEMPORÂNEA Leandro Medrano (SP) A primeira década do século XXI confirma o impasse anunciado à arquitetura e ao urbanismo desde o início dos anos 1960. Se por um lado o fortalecimento da estética da sedução, cuja poética abstrata articula simulacros para o fortalecimento do capital simbólico (obediente aos seus campos estruturais), deu sobrevida à esquemas que marcaram o final do século XX; por outro, evidencia-se, em campos marginais, a crítica profícua aos meios e instrumentos que fundamentam a autonomia da disciplina em relação à sua condição política ou social. É visível o abismo entre a complexidade em um mundo quase esgotado com seus 6,5 bilhões de habitantes, a maior parte deles vivendo em cidades, e as inocentes preocupações dos que tratam do objeto como arquitetura. Esta apresentação desenvolve a hipótese de que, na arquitetura, a simplificação do discurso permitiu a proliferação de escolas e profissionais, mas enfraqueceu a profissão como campo do conhecimento ou da cultura. Em sentido contrário, podemos optar pela complexidade no método para definir uma outra estrutura científica e cultural à disciplina – que poderia atentar ao seu papel crítico, político e formativo na construção de seu lugar no espaço e no tempo.


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NÃO ME TOQUES Sylvio Barros Sawaya (SP) Há uma diferença entre sagrado e fetiche. O sagrado, permanente e fundamental deve ser preservado, o fetiche carregado de idolatria e eivado de crenças é algo que não se pode aceitar. A sociedade laica e profana perdeu o sentido do sagrado e hoje o procura ansiosamente nas árvores, nos animais, nos objetos por entender que a vida é sagrada e, portanto, suas manifestações falam disto. A expressão física é diferente da material. A perda das condições físicas de um objeto não implica na perda de sua materialidade. Continua presente como forma, sentidos, volumes, significações e pode ser recuperada. A noção do sagrado é a de um refinamento maior da cultura de um povo e de uma sociedade. Quando Artigas, referindo-se ao edifício por ele projetado, dizia que era um templo, não falava apenas de um repertório ou linguagem. Falava do movimento profundo visando dar atualidade e perenidade a aquilo que queríamos ser. Há uma indissolúvel relação entre o ensino de arquitetura que passa a ser autônomo e 1948 na USP e concepção do edifício próprio doze anos depois. Esta é fruto de grandes e intensas discussões sobre o significado da arquitetura para a sociedade no momento em que esta se quer contemporânea, moderna e independente. É fruto também de uma ação conjunta de estudantes, arquitetos e professores imbuídos da contribuição da arquitetura para a formação e presença da nacionalidade, como ocorre com Brasília. Artigas, militante e interprete dos maiores nesse momento, o ultrapassa com uma proposição universal que vai além do tempo e espaço de seu nascedouro e a faz necessariamente perene e patrimônio a ser preservado. Dois anos após a apresentação do projeto, lidera a nova proposição para o ensino de arquitetura na FAU, interprete novamente dos anseios e desígnios elaborados por esse movimento e retira do que havia concebido como objeto os elementos de uma nova racionalidade para se ensinar e aprender arquitetura. Tão importante essa afirmação que passa a ser regra em todo o mundo, a de que os objetos no espaço devem ser pensados e concebidos em todos os seus tamanhos e dimensões de uma forma uma. Pensar e imaginar uma xícara ou um território é a mesma coisa, se faz da mesma maneira. Antecipando a relativização de tudo na sociedade globalizada que viria, propõe uma coordenação dos sentidos e significados dos objetos de maneira a expressarem o que somos e o que queremos. A colocação de uma película transparente entre as vigas que sustentam o grande teto iluminante da FAU e que, por sua vez, lhe conferem um sentido de interioridade e verticalidade unindo céu e terra, não parece ser uma agressão, por ser invisível de qualquer ângulo visual. As doutas considerações gerais sobre o patrimônio e sua preservação e o sentimento vívido por se estar mexendo em algo intocável, merecem ser midiatizados pela necessidade de que não chova dentro do prédio, que se diminua o barulho ensurdecedor dos pingos d‘água e do granizo, que se controle mais a poeira que obriga a limpar pelo menos duas vezes por dia as mesas e os pisos. Os japoneses reconstroem seus templos sagrados de tempos em tempos, com os mesmos materiais e com as técnicas que preserva ciosamente e, assim, lhes dão perenidade. Isto obrigou uma revisão da idéia de preservação a fazendo mais e imaterial, voltando-se para os rituais e para as solenidades da sociedade que os utiliza e preza. O edifício da FAU possui uma estrutura firme, dizem os grandes técnicos e especialistas, mas pedaços de concretos se desprendem de sua cobertura podendo atingir os usuários. Foram necessárias redes para conte-los. Os dutos verticais foram


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colocados pela metade ameaçando o esgotamento das águas em chuvas intensas. As vigas que constituem os domos refletiram, empoçando as águas, o concreto apresenta fissuras muitas vezes congênitas fruto da pressa em terminar a obra. É de responsabilidade administrativa sanar estas precariedades sem afetar o patrimônio público único, dando-lhe condições para sobreviver por mais algumas décadas enquanto se encontram as técnicas e os recursos para reconstituí-lo. Manter é preservar e os toques necessários para tal não se constituem em ―pecados‖ por não alterarem em nada o que se quer preservado na sua materialidade. Tombar o edifício e deixá-lo impróprio ao uso convivendo com a sua ruína é consequência de crendice temerosa e idolatria deslocada. Postergar por mais tempo, indefinidamente, o encontro de soluções e sua operacionalização é inviável. O dialogo eficaz se impõe, tanto para as obras quanto para o ensino ministrado. Este, o ensino, nasceu sob a égide de um projeto nacional, uma maneira de se pensar o país. Hoje, sob a globalização, o país e sua nacionalidade surgem sempre no contexto da interdependência da globalização. A especificidade do país surge como fundamental para poder situar-se consciente e atuante no mundo globalizado. Milton Santos em ―Uma outra globalização‖ mostra como isto é possível. Sendo nós mesmos, nos afirmando enquanto tal podemos nos antepor às dissoluções homogeneizadoras e, ao mesmo tempo, contribuir com valores próprios para este mundo que se estreita. A arquitetura continua sendo como sempre, mas sua produção mudou. As novas técnicas de informação e a velocidade crescente das decisões e realizações inseridas em um contexto global o afirmam. O exercício profissional passa a se inserir em um novo nível de competição e colaboração. A faculdade de arquitetura pode e deve interpretar esta nova realidade, com prendendo-a e se antecipando. O país possui uma posição peculiar neste mundo que se explicita, com condições favoráveis e precariedades gritantes. Sua interpretação sem dúvida deverá trazer contribuições pioneiras. Recuperar o edifício e o ensino nele ministrado são duas faces de uma mesma questão: o significado da arquitetura entre nós e sua contribuição para avançarmos enquanto sociedade justa e produtiva, economicamente forte. Há que se descobrir a maneira de tocar este enorme patrimônio do passado e torná-lo vivo e atual, nossos mestres que o construíram desejam isto de nós. A sacralidade do edifício e de seu ensino se realiza através do mesmo gesto de atualização, transformando em coisa viva e utilizada o que o passado nos legou. O projeto do Brasil passa a ser o Projeto do Mundo e do Brasil nele.


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ARQUITETURA E A REALIDADE CONTEMPORÂNEA Patrícia Martins (SP) A aparente superação do paradigma linguístico, que teve na arquitetura deconstrutivista seu último grande exemplo, deslocou o foco da discussão acerca da produção da arquitetura das questões formais e de estilo para questões concernentes ao seu desempenho, seu funcionamento, sua performance e sua relação com a cidade (atual e histórica). Tal deslocamento colocou o programa arquitetônico no centro do debate por formalizar um conjunto de atividades, relações e conexões a serem contempladas pelo edifício. Em segundo plano ficou a discussão sobre a forma, agora livre da histórica tarefa de representar conceitos, propor significados. Podemos identificar, em vários exemplos da arquitetura européia contemporânea, pelo menos duas linhas formais que têm sido amplamente aplicadas como forma de abarcar programas cada vez mais complexos: formas informais, em um tipo de releitura da linguagem moderna, e volumes prismáticos, aparentemente simples, mas que camuflam ricas espacialidades. A hipótese é que essas duas linhas formais têm em comum a problematização da apreensão da realidade, no intuito de aproximar a disciplina dos problemas urbanos contemporâneos e, em última instância, legitimar a arquitetura como parte do contexto cultural de maneira mais dinâmica e participativa na vida das grandes cidades. A desilusão com a utopia moderna refletiu-se desde muito cedo na produção arquitetônica através da busca insistente e contínua por uma maior aproximação com a realidade: a realidade da cidade através da manutenção de sua história (Aldo Rossi); a realidade da comunicação arquitetônica através da complexidade de conceitos (Venturi); a realidade do caos urbano da década de 60 e 70 através de propostas utópicas (Archigram e Movimento Radical de Florença); a realidade da sociedade da informação através da exploração das ideias pós-estruturalistas (Eisenman); a realidade da vida urbana através do evento (Tschumi); a realidade do arquiteto que produz nas metrópoles globalizadas do capitalismo avançado (Koolhaas). Vemos como essa busca tem se fortalecido ao longo dos anos ganhado fôlego com a superação do paradigma linguístico, que permitiu que a forma arquitetônica se libertasse da representação de conceitos e começasse a participar ativamente do processo de projeto, acelerando o engajamento com a realidade. Evidências deste processo podem ser observadas em grande parte da produção arquitetônica europeia a partir da década de 90. Uma visão da realidade Na tentativa de esclarecer os complexos processos envolvidos na realidade contemporânea, Keller Easterling analisa as práticas da globalização presentes na composição política das paisagens urbanas. As estórias contadas em seu livro ―Enduring Innocence‖ exploram os vários mundos contidos na idéia de um mundo globalizado: ―Múltiplos mundos. Múltiplas lógicas. Não um Império, mas vários Impérios. Não uma vila global, mas várias vilas globais. Não um único mundo, mas vários mundos segregados.‖ (KELLER, 2005, p.9) Focada não em sua mistura, mas em sua segregação feroz, Keller analisa o mundo do turismo, da agricultura high-tech, da navegação e seu sistema de portos, dos resorts internacionais, etc. Segundo a autora, tais ‗produtos espaciais‘ aspiram estabelecer domínios lógicos, scapes como ‗mediascapes‟ ou ‗ethnoscapes‘ (2005, p.4), que transformados em franchisings expandem seu território com soberania supranacional, expondo a face real da globalização e sua lógica, e principalmente expondo a ineficiência do designer contemporâneo que considera ética e estética como principais elementos de seu trabalho. A ingenuidade e o conservadorismo do arquiteto que acredita no sonho de um único mundo globalizado - quando confia na simbologia de uma autenticidade local que deva ser preservada ou na ideia de um ‗softworld‘ de conectividade que forneça a ilusão da diferenciação através de uma complexidade superficial - são explicitadas no texto, parte da análise dos disfarces éticos de agentes duplos ou descrentes que usam


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múltiplas personalidades para ganhar a confiança dos jogos mercadológicos e seus padrões de fraude. (KELLER, 2005, p.10) O que quase sempre acontece, segundo a autora, é o serviço que os arquitetos ingenuamente prestam a esses sistemas globais fornecendo-lhes os volumes, os enclosures capazes de representar tais empreendimentos - uma ‗piratical architecture‟, ou arquitetura pirata, ―(...) que não avalia a integridade de sua expressão tampouco sua lamentável necessidade de reforma. Ela intervém nos padrões dos crédulos e dos trapaceiros, avaliando a habilidade dos disfarces de alavancar mudanças.‖ (KELLER, 2005, p.12). Através da frase ―Os sistemas de crenças utópicas amam propriedades‖ (2005, p.73) a autora analisa o fenômeno de duas das maiores construtoras e imobiliárias mundiais que desenvolvem atividades paralelas misturando cadeias comerciais e franchisings com organizações espirituais: “Ambos os tipos de organização são capazes de arrecadar e desembolsar grandes quantidades de dinheiro. Além do mais, ambos usam a arquitetura como parte de um capital simbólico necessário para colonizar o tempo, os estilos de vida, as crenças ou estratégias de marketing. Para aumentar sua influência, eles precisam renovar-se constantemente com novas afiliações e scripts espacialmente psicologisados” (EASTERLING, 2005, p. 74). Como modus operandi próprio desta prática, a autora identifica a operação de subtração: implosões, demolições e outros métodos para apagar edifícios, prática quase nunca associada ao escopo de trabalho do arquiteto uma vez que ‗construir‘ permanece como sua função primordial, a resposta certa para todos os problemas. Cada vez mais construir significa demolir totalmente ou em partes, e em alguns casos a subtração e a construção são indistinguíveis. Mesmo assim o retrato do arquiteto permanece aquele do curandeiro inocente que aparece depois da demolição com uma planta substituta. ―Não importa quão gentil é o tom da retórica, fundamental à subtração é o desejo de permanecer inocente, de reduzir, de preservar ou purificar qualquer coisa que contradiga ou ameace a força dominante.‖ (EASTERLING, 2005, p.179) A consciência de seu poder dissimulador e das operações implícitas em sua prática representa uma grande oportunidade de retomada de poder e ação efetiva da arquitetura, uma verdadeira ―máquina de guerra‖ como proposta por Deleuze e Guatari. O objetivo deste artigo é propor uma leitura da realidade da arquitetura contemporânea e da realidade na qual essa arquitetura se insere. A discussão sobre este cenário coloca-se como fundamental para o entendimento dos processos de projeto atuais, bem como para a criação de metodologias de ensino capazes de devolver ao arquiteto o poder de construção da cidade atual. Palavras chave: arquitetura contemporânea, realidade contemporânea.


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MODELAGEM DIGITAL NA ARQUITETURA CONTEMPORÂNEA: POR UMA ABORDAGEM CRITICA E CONCEITUAL Pedro Luís Alves Veloso (SP) As revoluções tecnológicas e culturais, não sendo nada acidentais, percorrem um estreito caminho, paralelo aos conceitos da criação intelectual, estabelecendo interferências, questões e subsídios comuns. Desse modo, junto à rápida difusão e desenvolvimento da tecnologia digital-informática nas últimas duas décadas, vem ocorrendo uma intensa informatização da própria arquitetura contemporânea. Esse fenômeno, predominante nos países tecnologicamente mais desenvolvidos, tende a permear toda a cadeia de produção da disciplina, reivindicando importantes interferências nos mais diversos âmbitos, da idealização à apropriação do espaço. Em síntese, esse é um momento em que a condição tecnológica e instrumental desenvolvida alia-se às investigações próprias da disciplina, situando a informação como parte integral da atividade arquitetônica, fazendo com que muitos dos processos envolvidos no projeto sejam moldados (mas não determinados) pelo novo meio tecnológico e pelos instrumentos que a informática disponibiliza, como os modelos digitais. O uso de modelos digitais interfere de modo específico na prática arquitetônica, afinal o projeto de arquitetura comumente fundamenta-se no fluxo de conhecimentos espaciais ao longo de uma matriz temporal – experiências prévias, teorias, regras, referências, modelos, etc. Nesse contexto ele é uma prática experimental e sintética, que não ocorre isoladamente na(s) mente(s) criadora(s), mas sim na interação entre o arquiteto e seus instrumentos, ou seja, é uma atividade na qual o pensamento é desenvolvido ―em ação‖ no diálogo direto das ideias com suas representações. Como consequência, ―Cada concepção arquitetônica possível, cada arquitetura que projetemos, será prisioneira da linguagem dos meios em que a formulamos; essa prisão não é o próprio meio - a arquitetura, o espaço -, mas sua representação‖. De fato, as principais inovações da arquitetura contemporânea não se restringem à busca de referências simbólicas sobre as novas tecnologias e descobertas científicas, mas sim de procedimentos sobre o meio digital - quer dizer: inovações que ocorrem em estreita relação com os novos instrumentos. Desse modo, é evidente que grande parte do desenvolvimento e divulgação de novos procedimentos criativos e métodos de trabalho na arquitetura contemporânea estejam atrelado ao uso instrumental dos modelos digitais, estabelecendo não só novas categorias conceituais, como também modos específicos de transmissão, registro e produção do conhecimento no projeto de arquitetura. Um caminho bastante pertinente para se compreender essa relação entre arquitetura e tecnologia, ou mais precisamente, entre processo criativo e modelos digitais é a investigação das características inerentes a tais modelos. Tal abordagem, ao esclarecer aspectos essenciais desses novos instrumentos, pretende contribuir para a leitura desse campo de possibilidades ainda bastante desconhecido e problemático para a arquitetura. Em primeiro lugar, os modelos digitais são instrumentos automáticos. Quer dizer, são representações produzidas por um aparelho científico de cálculo - o computador - de modo que diversas instruções utilizados na sua confecção são realizadas por operações automáticas embutidas nos softwares. A inserção de um aparelho, de fato, expande e automatiza a capacidade de processamento de informações envolvidas no projeto. Diferentemente dos instrumentos tradicionais, como o desenho e a maquete, que expandiam o gesto e a capacidade direta do homem de produzir representações, a produção dos modelos digitais não tem o homem como criador stricto sensu, visto que, nesse caso, ele divide tal papel com a máquina. Quer dizer, com os modelos digitais há um latente deslocamento do papel do homem na constituição das representações de projeto, estabelecendo-se novas


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relações produtivas. Além disso, os modelos digitais baseiam-se nas técnicas numéricas para experimentar e descrever fenômenos, de modo que sua matéria prima é, em nível fundamental, a informação. Assim, sua constituição não provém apenas da descrição subjetiva de um fenômeno ou ideia, mas principalmente do uso de conceitos para explicar o mesmo; é, portanto, uma tecnologia conceitual. E tais recipientes teóricos que constituem um modelo estão sempre submetidos às operações informáticas do computador – no caso dos computador digital, as operações com a linguagem binária -, de modo que o único vinculo necessário entre os modelos digitais e um fenômeno referente é a abstração numérica. Consequentemente, o numero de possibilidades de qualquer informação desse modelo está restrito à operações estritamente quantitativas e lógicas, que necessariamente decompõem os fenômenos aos quais se referem. Em suma, os modelos são processos matemáticos que podem resultar em imagens, diagramas, animações, sons e desenhos. Seguindo esse raciocínio, é notório que a criação de modelos informáticos caracteriza-se pela redução e interpretação dos fenômenos aos quais faz referência dentro dessa sintaxe numérica. E, além disso, essa capacidade de trabalhar em um nível conceitual e processual, assegura também a possibilidade de se extrapolar os limites da representação simulando fenômenos improváveis ou impossíveis. Ou seja, trata-se da possibilidade de se articular dados para criar ficções matemáticas, abstraindo o real ou, mesmo, criando o inexistente. Desse modo, os edifícios até poucas décadas atrás eram resultado da ―[...] materialização de desenhos mas, na atualidade, estão paulatinamente se convertendo em informação digital materializada Fica claro, portanto, que os códigos informáticos não devem ser compreendidos como algo alheio ou indiferente aos processos de criação da arquitetura mas sim como linguagem que possibilita distintas estruturas cognitivas dentro do próprio processo de concepção arquitetônica. Ao estabelecer novos modos de acesso e articulação do conhecimento, o modelo digital reivindica uma série de novos desafios e possibilidades antes ignoradas, além de estabelecer novos limites epistemológicos, que devem ser enfrentados pelos projetista. Trata-se de reconhecer (mas não de se limitar) as regras do instrumento utilizado, uma vez que as necessidades da arquitetura tendem a extrapolar tais limites. Afinal, a modelagem digital só pode produzir aquilo que o arquiteto deseja e, no entanto, o arquiteto tende a conceber somente o que o modelo digital possibilita. Por fim, considerando-se a problemática interface entre arquitetura e modelo digital, coloca-se a seguinte questão: Como utilizar criticamente os modelos digitais adequando-os ao rigor científico, às intenções artísticas e à criatividade inerentes ao projeto de arquitetura? Palavras-chave: Arquitetura; Criatividade; Modelagem digital.


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