Hoje Macau 5 DEZ 2011 #2507

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Ciclone

Pneus que chiam na areia em Las Vegas, não fazem barulho em Macau. Por Fernando

SEGUNDA-FEIRA 5.12.2011 www.hojemacau.com.mo

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OPINIÃO

A Cultura nas LAG 2012

A CULTURA DE UM CIDADE EXPRIME-SE NO MODO COMO ESTA SE NOS APRESENTA À VISTA DESARMADA.

António Conceição Júnior info@hojemacau.com.mo

A

cidade é o palco onde tudo assenta, tudo se joga e desenrola, seja a área da cultura ou outra área qualquer. Porém, esta evidência, transversal a todas as matérias, parece merecer pouca atenção. A urbe é um organismo vivo, uma entidade feita de colectivos identitários, que conferem a toda esta mistura de DNAs multi-secular, uma característica multicultural, cada vez mais díspar, a requerer indispensável reconhecimento e valorização. Com efeito, abordar o tema da cultura implica a existência de alguns pressupostos que, estou certo, são plenamente compreendidos pelos diversos níveis do poder: a premência no preparo de uma literacia que se enceta nos bancos da escola; a transversalidade da noção de cultura e multicultura no teatro de operações que a cidade é; e o entendimento do inconformismo como um processo de vitalidade sócio-cultural merecedor de amplo diálogo. Nesta perspectiva, deve-se entender a necessidade da interiorização destes conceitos para a compreensão da transversalidade na anatomia da cidade. Com efeito, não é possível falar em cultura sem que se entenda que o problema da insolvência do trânsito caótico em Macau, e outras imprevisões, são, em absoluto, uma questão de desequipamento cultural. A cidade criativa, que venho defendendo, não é uma cidade só para “criativos”, mas antes uma cidade que esteja equipada em todas as frentes por decisores com horizontes que, transversalmente, possam compreender os efeitos dos desequilíbrios que afectam todas as pulsões. Diz a medicina chinesa que se existe muito Yin, se compense o desequilíbrio incluindo-se o luminoso Yang, para que se restaure a harmonia. Para que isso aconteça é sempre necessária a literacia cultural que permita compreender os fenómenos, os desequilíbrios e as pulsões citadinas.

O CENTRO E A MARGEM

Ao centro terá de se lhe chamar centro, mas à periferia chamar-se-á também margem, isto é, o estado da informalidade qualitativa, das mangas arregaçadas, o proletariado solida-

mente cultural, a fronteira da troca de saberes. A construção da cidade qualitativa exige o tal palco que possa albergar uma interlocução construtiva. É assim que, entre o centro e a margem - que é perímetro da metafórica roda que tudo põe em movimento - se poderão estabelecer sinergias e detectar portadores de saberes vários, independentemente de raça, credo, nacionalidade, etc., que ajudem a trazer clarificação e síntese, com base na já velha máxima de que ninguém é alguém sozinho. É preciso estarmos cientes de que o exercício da cultura, nas suas diversas expressões, ainda não faz parte do que se convenciona chamar de norma. A cultura, no sentido da busca de novas soluções para velhas questões, é um conjunto de actos de reflexão profunda. Há que entender que, como dizia Confúcio, “questionar também faz parte dos Ritos”. Daí que se me afigure que faça o maior dos

sentidos projectar trajectórias para dez ou vinte anos, para que, desde já, se prepare para o futuro uma geração multilingue, enquanto que, por agora, se deve investir nos jovens agentes culturais, dando-lhes o mundo de que carecem. A cultura não pode ser uma formalidade, um conformismo. A cultura não pode jamais ser nem burocracia, nem centralismo. Não conheço ainda as propostas das LAG para a área da cultura, porém, para além da agenda obrigatória de eventos e compromissos nas áreas da acção cultural, património, publicações, politicas de leitura, investigação, indústrias criativas e culturais, parece-me ser de pensar nos alicerces, na óptica do binómio cidade/cultura ou cultura/cidade. Para começar, a criação de uma Escola de Ofícios para formar profissionais qualificados e certificados nas mais variadas

Macau tem de se abrir ainda mais ao mundo. Escolas e Academias devem assumir a multiculturalidade, a internacionalização como marca, porquanto hoje já nada deve existir senão em termos globais.

áreas, desde a carpintaria, marcenaria, electricidade, estuques, alfaiataria, sapataria, enfim, ofícios cujo ensino existiu à conta dos Salesianos e que a indústria do betão fez desaparecer, com consequente perda de mão-de-obra qualificada, apoio e suporte da qualidade e modos de vida dos cidadãos. Do mesmo modo, urge existir uma Academia de Artes Visuais e Performativas, no sentido simultaneamente académico e de ateliers, livres e abertos ao experimentalismo e aos saberes teóricos, numa circulação de vivências e ideias, que dê resposta às carências que se sentem. Importa também compreender que políticas, que visões suportariam estas infra-estruturas. Macau tem de se abrir ainda mais ao mundo. Escolas e Academias devem assumir a multiculturalidade, a internacionalização como marca, porquanto hoje já nada deve existir senão em termos globais. Afinal foi o cosmopolitismo dos Tang (séc. VI-IX) que deu origem ao Renascimento Chinês, abrindo Ch’ang An a Turcos, Persas, Árabes, Indianos, Indonésios, Judeus, Coreanos e Japoneses, chegando ao ponto de, a estes últimos, lhes ter sido concedido poder exercer cargos administrativos. Estas preocupações advêm da necessidade de preparar e dotar a cidade com infra-estruturas e pessoas capazes de contribuir lucidamente para a preservação da sua identidade, com o apoio de antropólogos, sociólogos, museólogos, musicólogos, isto é, de investigadores, de gente conhecedora e experiente, quando a decisão de tornar Macau um centro internacional de turismo e lazer se consumar. Tal significa, indubitavelmente, a valorização da urbe, da cidade criativa interdisciplinar, capaz de se reinventar pela diversificação, mas sobretudo pela compreensão do verdadeiro e profundo sentido do significado transversal de cidade. Este palco, onde tudo terá de ser fortemente valorizado - desde o trânsito, requalificação urbana, habitação, cuidados de saúde, educação e formação cívica, ambiente, espaços verdes, património, etc. -, valorizará, antes do mais a qualidade de vida da população, conferindo Dignidade a este lugar singular, condição para a projecção de Macau como centro mundial.

Propriedade Fábrica de Notícias, Lda Director Carlos Morais José Redacção Gonçalo Lobo Pinheiro; Joana Freitas; Lia Coelho; Nuno G. Pereira; Rodrigo de Matos; Virginia Leung Colaboradores António Falcão; António Graça de Abreu; Carlos Picassinos; Hugo Pinto; Marco Carvalho; Maria João Belchior (Pequim); Michel Reis; Rui Cascais; Sérgio Fonseca; Tiago Quadros; Vanessa Amaro Colunistas Arnaldo Gonçalves; Carlos M. Cordeiro; Boi Luxo; Correia Marques; Hélder Fernando; Jorge Rodrigues Simão; José I. Duarte, José Pereira Coutinho, Marinho de Bastos; Paul Chan Wai Chi; Pedro Correia; Peng Zhonglian Cartoonista Steph Grafismo Catarina Lau; Paulo Borges Ilustração Rui Rasquinho Agências Lusa; Xinhua Fotografia António Falcão, Gonçalo Lobo Pinheiro; Lusa; GCS; Xinhua Secretária de redacção e Publicidade Laurentina Silva (publicidade@hojemacau.com.mo) Assistente de marketing Vincent Vong Impressão Tipografia Welfare Morada Calçada de Santo Agostinho, n.º 19, Centro Comercial Nam Yue, 6.º andar A, Macau Telefone 28752401 Fax 28752405 e-mail info@hojemacau.com.mo Sítio www.hojemacau.com.mo


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