Hoje Macau 28 OUT 2016 #3685

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h ARTES, LETRAS E IDEIAS

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Konstantin B

“O único caminho é o d Romano, quando entretenimento e design se tornaram nas coisas mais importantes. Van Gogh é fantástico para decorar quartos de hotel, Rothko é excelente para um átrio de escritório e Warhol para uma sala de estar. Qualquer artista de Zhuhai ou de outra “cidade artística” nos pode executar uma fantástica cópia. Na verdade, comecei a pensar que a história da arte, desde meados do século XIX, quando a Europa foi inundada por objectos decorativos exóticos vindos das colónias, não passa de um encadeamento de revoltas por parte de diletantes desprivilegiados contra o status quo temporário e que a liberdade, nessa progressão, era apenas um baixar da fasquia. Penso que a liberdade na arte deveria significar uma busca por algo anterior a toda esta ramificação de “ismos”, desafiando as doutrinas e instituições artísticas dominantes. A minha história favorita a este respeito é a seguinte: Sviatoslav Richter estava a tocar a Fuga N.14 em fá sustenido de Bach ao piano. Gene Simmons, da banda Kiss, com o seu rosto pintado, apareceu, lançou as mãos à sua guitarra baixo e exclamou na direcção de Sviatoslav – “Agora és livre, por favor dá asas à tua expressão!”

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ONHEÇO Konstantin Bessmertny “desde sempre”. Nesse tempo, o ponto fulcral onde se consagravam os artistas que viviam em Macau era a Galeria do Leal Senado, espaço central, muito apetecível, mas muito exigente. E era assim para que houvesse um critério perceptível e legível a todos, assente num só parâmetro: qualidade. Konstantin vinha da Escola Russa de pintura, o que o qualificava à partida e as portas abriram-se-lhe. Macau ganhou um pintor, todos ganhamos. Mais tarde, com os casinos a multiplicarem-se, emergiu o tema que lhe proporcionou o arranque definitivo para um outro patamar, tendo Macau como leit motiv. A sua próxima exposição no Museu de Arte de Macau justificou esta conversa, que partilhamos com os leitores.

A.C.J. • Em latim, ad libitum significa a bel-prazer, o que remete para a noção de liberdade. Pensas que isto se trata de um lugar-comum? Acreditas na liberdade? Gostarias de definir a tua noção de liberdade? K.B. • A liberdade é certamente um ingrediente essencial da criatividade. No entanto, deve acarretar responsabilidade e respeito mútuo. Mas, na verdade, a palavra liberdade é hoje usada na realpolitik para encobrir a barbárie, a impunidade e a decadência. Em termos artísticos, a liberdade de expressão traduziu-se numa democratização da criatividade e, gradualmente, efectuou a passagem linear da “arte” à “anti-arte” e, finalmente, à “não-arte”. Vivemos num tempo semelhante ao período imediatamente antes da queda do Império

A.C.J. • De alguma forma, fazes lembra-me Hieronymus Bosch ou Peter Brueghel, o Velho. Vês alguma semelhança entre o que se faz no século XXI e o trabalho daqueles artistas? Como reagirias à palavra “sátira” nas tuas obras? Pensaste, porventura, num público específico para esta exposição? K.B. • Acabei de visitar a exposição do 5.º centenário de Bosch no Museo del Prado. Uso com frequência composições maximalistas com narrativas que cobrem toda a superfície da tela, recorrendo normalmente à linguagem visual da alegoria ou da fábula. Gosto de recorrer à sátira e ao sarcasmo que tenho na minha caixa de ferramentas. Adoro recorrer a todos os símbolos e formas semióticas de comunicar disponíveis e construir ideias complexas. Prefiro não me dirigir a um público específico. O que quero é desafiar-me a

mim mesmo, sem me preocupar com o número de “likes”. Preferiria ter apenas um “like” de alguém cuja opinião me seja importante. Imagina, por exemplo, que colocavas uma imagem de uma obra tua no Instagram. Preferias ter um “like” de Da Vinci, ou 1000 “likes” dos fãs de Kardashian? A.C.J. • Será que Ad Lib satisfaz a tua libido artística? De que forma se tornou Macau numa espécie de desafio, ou, em termos mais simples, numa inspiração para ti? K.B. • A minha percepção do mundo mudou desde que comecei a trabalhar em Macau. O que aqui descobri foi uma versão miniatura da Babilónia, na qual os seres humanos misturavam deliberadamente tudo o que estava à sua disposição. É como se um ser superior e invisível conduzisse as suas experiências primeiro em Macau e, só depois, no resto do mundo. Devido à dimensão de Macau, e à sua relativa transparência e liberdade, é possível, sem grande esforço, observar o homem no seu melhor e no seu pior.

“A palavra liberdade é hoje usada na realpolitik para encobrir a barbárie, a impunidade e a decadência” “Vivemos num tempo semelhante ao período imediatamente antes da queda do Império Romano, quando entretenimento e design se tornaram nas coisas mais importantes”


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