História da Historiografia

Page 173

Detratores do homoerotismo grego

grega alojou a forma mais característica e mais nobre do amor no intercurso passional entre homens ou, mais precisamente, entre um mais velho, adulto, e uma adolescente” (Ibidem.), por outro, ele condena a efetivação carnal desse amor, remetendo-a para o campo das “monstruosas aberrações” (Ibidem, p. 58). De fato, Marrou descarna a pederastia grega: A essência da pederastia não reside nas relações sexuais anormais (lembrei a repugnância que a inversão, no sentido gideano, passivo, do termo, inspira à língua e à sensibilidade gregas): ela é, de início, certa forma de sensibilidade, de sentimentalismo, um ideal misógino de virilidade total. (Ibidem, p. 56. Grifo nosso).

Marrou relaciona a homossexualidade com as sociedades guerreiras, “nas quais um grupo de homens tende a encerrar-se em si mesmo. A exclusão material das mulheres e o total retraimento destas acarretam, sempre, uma ofensiva do amor masculino” (Ibidem, p. 53). No ambiente militar: Tende-se ali a deslustrar o amor normal do homem pela mulher, exaltandose um ideal de virtudes viris (força, bravura, fidelidade), cultivando-se um orgulho propriamente masculino, sentimento fortemente expresso por Verlaine nas duas peças de Parallèlement em que celebra, com cinismo agressivo, a recordação de suas orgias com Rimbaud. (Ibidem).

Dizer que a possibilidade de dois homens de manter um relacionamento erótico, ou mesmo de se amarem, está condicionada, exclusivamente, ao distanciamento das mulheres é um argumento fraco e não explica nada da realidade do desejo humano em sociedades guerreiras. Essa tese reflete muito mais a moralidade cristã de Marrou, recordando a “inversão” de Gide e as “orgias” de Verlaine e Rimbaud. O seu pudor cristão o conduz a uma análise inocente ou cega da pederastia, apegando-se a um idealismo filosófico, como se esse idealismo fosse a coordenada fundamental do comportamento erótico entre erastés e erómenos:

174

Aqui, como em tantos outros domínios, o luminoso gênio helênico soube conduzir sua análise com tanta profundeza que me bastará referir as conclusões que Platão e Xenofonte concordam em atribuir a Sócrates. A relação passional, o amor (que Sócrates já distingue do desejo sexual e a ele opõe) implica o desejo de assomar a uma perfeição superior, a um valor ideal, à a)reth&. Não me refiro ao efeito nobilitante que pode exercer sobre o mais velho, sobre o erasto, o sentimento de ser admirado: o aspecto educativo da ligação amorosa concerne, evidentemente, sobretudo ao parceiro mais jovem, ao erômeno adolescente. (Ibidem, p. 57).

O próprio idealismo platônico, “a pederastia, convertida numa aspiração da alma à Idéia” (Ibidem, p. 64), é arremessado para o campo das psicopatologias por Marrou, que toma sempre como referência a normalidade da conjugalidade heterossexual ditada por sua formação cristã: Este sentimento, tão minuciosamente analisado por Platão, aclara-se à luz de uma análise freudiana: é, evidentemente, o instinto normal da procriação, o desejo apaixonado de perpetuar-se num ser semelhante a si que, frustrado pela inversão, se inclina e se manifesta sobre este plano história da historiografia • ouro preto • número 6 • março • 2011 • 171-188


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.