Carlos Castaneda - A erva do diabo

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Debruçou-se, pôs a mão ali, pegou a bolinha e colocou-a no fornilho do cachimbo. Mandou que eu desse uma tragada. Tive a impressão exata de que tinha posto a bolinha no cachimbo para eu sugá-la. Num instante a quarto perdeu sua posição horizontal. Senti uma dormência profunda, uma sensação de peso. Quando acordei, estava deitado de costas no fundo de uma vala de irrigação rasa, mergulhado na água até o queixo. Alguém estava segurando minha cabeça para cima. Era Dom Juan. A primeira idéia que tive foi que a água no canal tinha uma propriedade rara; era fria e pesada. Batia de leve contra mim, e minhas idéias se aclaravam com cada movimento que fazia. A princípio, a água tinha um halo verde brilhante, ou uma fluorescência, que logo se dissolveu, deixando apenas um riacho de água comum. Perguntei a Dom Juan que horas eram. Respondeu que era de manhã cedo. Pouco depois, estava completamente desperto e saí da água. - Tem de me contar tudo o que viu - disse Dom Juan, quando chegamos à casa dele. Falou ainda que estava tentando “trazer-me de volta” havia três dias, e tinha tido muita dificuldade nisso. Fiz muitas tentativas para descrever o que tinha visto, mas não conseguia concentrar-me. Mais tarde, no princípio da noite, achei que estava pronto para conversar com Dom Juan e comecei a contar-lhe tudo o que me lembrava desde que tinha caído de lado, mas ele não queria ouvir. Disse que a única coisa interessante era o que vi e fiz depois que ele me “lançou no ar e eu voei embora”. Só me lembrava de uma série de cenas ou imagens como de sonho. Não tinham uma ordem de seqüência. Tive a impressão de que cada uma era como uma bolha isolada, flutuando para o foco e depois se afastando. Mas não eram simples cenas de se olhar. Eu estava dentro delas. Participava delas. Quando a princípio tentei lembrar-me das mesmas, tive a sensação de serem lampejos vagos e difusos, mas, depois, percebi que cada qual era extremamente clara, embora totalmente sem relação com a visão normal, e daí a sensação de serem vagas. As imagens eram poucas e simples. Assim que Dom Juan mencionou que me “lançara ao ar”, tive uma vaga lembrança de uma cena completamente clara, em que estava olhando diretamente para ele de alguma distância. Só olhava para seu rosto. Era de um tamanho monumental. Era chato e tinha um brilho intenso. Os cabelos dele eram amarelados e se moviam. Cada parte do rosto dele se movia sozinha, projetando uma espécie de luz âmbar.


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