OCUPAÇÕES URBANAS: REABILITAÇÃO DE IMÓVEIS PARA HABITAÇÃO SOCIAL NA ÁREA CENTRAL DE NITERÓI

Page 1

UNIPLI - ANHANGUERA CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO

GUILHERME FRAGA DE FARIA VALLADARES

OCUPAÇÕES URBANAS: REABILITAÇÃO DE IMÓVEIS PARA HABITAÇÃO SOCIAL NA ÁREA CENTRAL DE NITERÓI

NITERÓI 2014


GUILHERME FRAGA DE FARIA VALLADARES

OCUPAÇÕES URBANAS: REABILITAÇÃO DE IMÓVEIS PARA HABITAÇÃO SOCIAL NA ÁREA CENTRAL DE NITERÓI

Parte do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado junto ao curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Plínio Leite, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel.

ORIENTADOR: WILL ROBSON COELHO

NITERÓI 2014


Agradeço à minha pessoa, pela força de vontade, pela procrastinação e pela coragem de seguir no tema. A minha mãe Rosane e minha família pela paciência e compreensão. A minha prima Lis pelas aulas de CAD, conversas, viagens, apresentações, e caminhos guiados na arquitetura. Aos professores, orientadores, mestres e chefes ao longo dos anos, principalmente os que viraram amigos depois. A Isadora, pelo carinho, companheirismo, trocas e orientações extraoficiais. Ao Centro Acadêmico pelo movimento estudantil, atividade e a vontade de querer mudar alguma coisa. A FENEA pelos questionamentos, debates, conselhos, encontros e amizades que vão se estender eternamente, por fazer a gente se encontrar e se movimentar. Aos amigos de Araruama, Niterói, Rio de Janeiro, Juiz de Fora, Belo Horizonte, Vitória, Vila Velha e cidades efêmeras que se constroem temporariamente país afora, pelo apoio, pela força e pelo pouso em tais lugares, assim como podem encontrar por aqui também. Pelo incômodo de ver as coisas banalmente naturalizadas. A natureza e as coisas belas que ela nos dá! A luta e a ideologia, por fazer acreditar! Obrigado!


SUMÁRIO 1. Introdução …............................................................ 6 2. Assunto / tema / recorte …......................................... 8 2.1. Niterói e o centro.................................................8 2.2. Justificativa …...................................................10 3. Problematização ......................................................12 3.1. Moradia como mercado X moradia como direito …... 12 3.2. Políticas habitacionais..........................................13 3.2.1. PlanHab...................................................................................14 3.2.2. MCMV.......................................................................................15 3.2.3. MCMV-E...................................................................................16 3.3. O p e r a ç ã o U r b a n a C o n s o r c i a d a d e N i t e r ó i … . . . . . . . . . . . . 1 7 3.4. Ferramentas........................................................20 3.5. Visão Geral …......................................................21

4. Objetivos …............................................................. 22 4.1. Legislação............................................................................................................22 4.2. Cidade Participativa......................................................23 4.3. Políticas Urbanas.........................................................23

5. Hipóteses …............................................................. 25 2.4.1. Movimentos Sociais Urbanos …........................... 25 2.4.2. Assistência Técnica …....................................... 26 6. Referência projetual.............................................................28 7. Projeto Conceição 177..........................................................30

BIBLIOGRAFIA …........................................................... 31


Í NDI CE DE I MAG ENS FIGURA 01 – Vista aérea do Centro de Niterói, 1973 FIGURA 02 -

Jornal do Século, 03 de janeiro de 1903

F I G U R A 0 3 – Conjunto Minha Casa Minha Vida em Santa Cruz, Zona Oeste do RJ FIGURA 04 – Mapa de reassentamento do MCMV no Rio de Janeiro FIGURA 05 – Conjunto Nova Holanda, Complexo da Maré, RJ FIGURA 06 – Projeto da OUC Niterói FIGURA 07 – Perímetro urbano da OUC em Niterói F I G U R A 0 8 – R e m o ç ã o d a f a v e l a d a Te l e r j n o R J , a b r i l d e 2 0 1 4 . C h a r g e de Carlos Latuff FIGURA 09 – Reportagem de Carta Capital, em 20/05/13 F I G U R A 1 0 – P a s s e a t a d o M T S T, S ã o P a u l o .


1.

I NT RO DUÇÃO “Se morar é um direito, ocupar é um dever.” 1 A expressão tão usada como um lema

da luta por moradia questiona o Estado de Direito

e a realidade da justiça no Brasil,

colocando em evidência as diferenças entre legalidade e justiça. O termo “ocupação” possui muitos sentidos. No caso de uma ocupação urbana pode ser legal ou ilegal, pela lei vigente do país, muitas vezes criminalizada e tachada como “invasão”, assim como seus moradores como “invasores” pela grande mídia e parte da população, geralmente defensores assíduos da propriedade privada. Mas na maioria das vezes, mesmo ilegal, uma ocupação urbana é justa. O seguinte Trabalho de Conclusão de Curso se propõe a analisar e contextualizar as chamadas “Ocupações Urbanas” como uma forma de uso social da propriedade para fins de habitação social e garantia do direito à cidade, a fim de possibilitar um outro conceito de moradia em áreas centrais de grandes cidades para as classes sociais menos favorecidas. Assim também pretende rever as políticas habitacionais vigentes, o modo de produção da moradia e as maneiras de se viabilizar esses processos. Parte do trabalho também consiste em projetos de requalificação de um imóvel subutilizado no centro de Niterói, por meio de assistência técnica para habitação de interesse social2 e a própria autoconstrução, por parte dos próprios moradores, onde os projetos podem se adequar à realidade de cada família e do coletivo em si. A metodologia a ser usada dispõe do uso de instrumentos de política urbana em diversos segmentos para resolução de questões jurídicas e burocráticas, que garantam a viabilização, legalidade, a permanência das famílias e o direito de uso e gestão da ocupação, juntamente com a qualidade habitacional que garanta um ambiente confortável e salubre. Assim também propõe a livre apropriação do espaço e território urbano pela participação pública e política dos moradores da área referida como num experimento de auto-organização comunitária.

1 2

Nascida na retomada do antigo prédio do INCRA em 2004, no Centro do Rio de Janeiro, onde hoje é a Ocupação Chiquinha Gonzaga. PENNA, Mariana Affonso. Socialistas libertários e lutas sociais no Rio de Janeiro: memórias, trajetórias e práticas (1985-2009) / Dissertação (Mestrado) UFF – 2010. Lei 11.888/2008 que assegura às famílias de baixa renda assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social.


O projeto de pesquisa consiste em uma contextualização do tema na atualidade, da importância do movimento de luta por moradia e da contestação e quebra de paradigmas impostos pela cidade do capital. Seguido pelos principais problemas e impasses na políticas urbanas encontrados no caminho até aqui, bem como pelas hipóteses a serem trabalhadas e os êxitos alcançados em exemplos de projetos usados como referência. Importante frisar que este trabalho nasce de um inquietação e de um constante incômodo com uma realidade social que está cada dia mais estampada e escancarada aos nossos olhos, onde vemos cidades explicitamente tidas como mercadorias com o capital especulatório ditando as regras do crescimento urbano: qual região será valorizada dessa vez, qual área servirá como vitrine de um modelo neoliberal de planejamento que atenda à especulação imobiliária; qual sofrerá com a degradação e o declínio da qualidade de vida, incluindo aí a gentrificação e o aumento da violência, assim como a falência de políticas públicas de educação, saúde, transporte e moradia, fatores primordiais do chamado “terceiro mundo”. Vemos aí uma expansão paradoxal de necessidades, por um lado em função aos interesses de uma camada político-empresarial lucrando em cima das funções da cidade, enquanto do outro lado temos os anseios de um classe que a décadas luta para garantir seus direitos básicos e o pleno exercício de sua cidadania como parte de um todo, geralmente obtido por políticas assistenciais ou por suas próprias mãos.

“A democracia... é uma constituição agradável, anárquica e variada, distribuidora de igualdade indiferentemente a iguais e a desiguais.” Platão


2.

Assunto / Tema / Recorte A questão de habitações sociais em áreas centrais é uma pauta constante em fóruns

e grupos de debate de movimentos sociais que lutam pelo direito à habitação. Atualmente vemos políticas habitacionais que excluem a população de baixa renda do direito à cidade, aos serviços básicos de saúde, educação, saneamento, transporte e consequentemente o acesso aos locais de trabalho. O sentido da palavra “ocupação” pode variar pelo contexto de onde está inserida. Até mesmo se tratando de ocupações urbanas temos vários tipos, das em locais já consolidados (prédios e imóveis subutilizados ou abandonados) até as em terrenos, encostas e áreas vazias, de caráter habitacional, político ou social/cultural, organizadas ou não.

Em sua

maioria espaços de atuação social em organizações de apoio mútuo, que buscam questionar tanto na teoria como na prática as referências capitalistas de relação social. Atualmente ocupar é um ato de resistência diante de repressões sofridas e uma ação direta em resposta às falhas políticas públicas.

2.1. Niterói e o centro A ocupação do território que hoje pertence à cidade de Niterói vem de muito antes da chegada do europeu, onde principalmente o grupo dos termiminós habitava grande extensão do litoral brasileiro, com sua concentração maior na costa da região Sudeste. Com a chegada dos colonizadores e as seguintes batalhas travadas pela possessão das terras, o cacique Araribóia ganhou as terras do lado leste da Baía de Guanabara pela ajuda prestada aos portugueses ao expulsar os franceses da região, por volta de 1573, onde foi fundado o aldeiamento de São Lourenço dos Índios. Hoje, depois de diversas intervenções humanas e urbanas, o centro de Niterói que em sua maior parte é aterro caracteriza-se como uma área central de região metropolitana, com seus problemas em comum que vão desde o esvaziamento populacional à degradação do espaço pelo simples esquecimento (as vezes proposital) e abandono por parte do poder público e da população, falta de manutenção constante, etc.


De acordo com o Censo de 2010 3, a população é de aproximadamente 487 mil habitantes, com o bairro do centro abrigando 19,349 pessoas, cerca de 3,97% da população total. Numa área total de 133 km², tem-se uma densidade demográfica de 3,640 habitantes / km². Ainda pelo Censo, o déficit habitacional no município chega a mais de 20.000 moradias, entre domicícios em setores subnormais e setores precários. Também foi levantado o número de domicílios particulares não ocupados: 21.672. Já a população de rua da cidade de acordo com dados da Prefeitura, em 2013, variava de 120 a 200 pessoas nessa situação, contando com pelo menos 80 ocupando o abrigo Florestan Fernandes, no Centro. Após o deslizamento do Morro do Bumba, em 2010, pelo menos 10.000 pessoas ficaram desabrigadas e uma pequena parte desse número foi sendo reassentada em conjuntos habitacionais do Minha Casa Minha Vida em áreas mais periféricas da cidade. Boa parte desses desabrigados encontrava-se ainda no abrigo improvisado no 3º Batalhão de Infantaria, na divisa com o município de São Gonçalo.

Figura 01 – Vista aérea do Centro de Niterói, 1973

3

<< http://www.cidades.ibge.gov.br/ >>


2.2.

Justificativa A remoção de comunidades consideradas em área de risco e em locais de interesse

da especulação imobiliária, tendo como principal desculpa os megaeventos esportivos, as revitalizações urbanas de regiões consideradas degradadas, como a Zona Portuária no Rio (Porto Maravilha) e o Centro de Niterói (OUC), contribuem para a gentrificação da população local, boa parte já residente à anos nessas áreas e de menor faixa de renda. Tradicionalmente as áreas centrais no espaço urbano capitalista são ocupadas pelos mais poderosos, pela sua concentração de infra estrutura, serviços e possibilidades. Em processo de expansão urbana, as fazendas e quintas da periferia imediata ao centro começam a receber permanentemente essa classe abastada. Naturalmente se ocorre um processo de ocupação dessas casas no centro por uma população mais pobre e em grande número, dando origem aos cortiços e habitações coletivas. Em paralelo, no início do século XX as fábricas em sua maioria construíam vilas operárias em seus arredores, situando a habitação de seu operariado perto de seu local de trabalho e adaptando sua rotina ao dia a dia das fábricas, fazendo com que seus locais de moradia, saúde e lazer se realizassem no “quintal” dos locais de trabalho. Assim construíam também uma estrutura de comércio e serviços que servissem aos trabalhadores, onde obtinham um retorno do capital investido em mão de obra pelos próprios gastos de seus empregados com suas necessidades básicas, tendo controle se seus círculos sociais, de trabalho, e de todo o ciclo de giro do dinheiro. A Reforma Passos em 1903 no Rio de Janeiro abriu novas vias de circulação na cidade, demolindo os cortiços e promovendo um modelo de higienização afastando a população pobre do centro urbano da cidade, ato recorrente das grandes reformas nas cidades contemporâneas, baseadas na Reforma de Haussmann em Paris, entre 1852 e 1870, onde “se fazia necessária a adequação da cidade às novas tecnologias de transporte, como o carro e o bonde elétrico e acabar com as características coloniais, as ruas estreitas e a falta de grandes ícones arquitetônicos.” (KAWAHARA, 2012: 25). Niterói não fica pra trás e faz também sua “reforma urbana” em sua região central espelhada na Reforma Passos, abrindo artérias urbanas e desapropriando imóveis, criando espaços para livre circulação e fluxo de mercadorias e serviços. No caso de Niterói também houve a criação de uma zona portuária próxima ao centro da cidade.


Assim como na reforma urbana carioca da época, tal intervenção não ocorreu sem conflitos: houve casos de desapropriação de residências dos moradores da área afetada. Nesse momento, a discussão mais relevante no campo do planejamento urbano dizia respeito à idéia de “higienizar” o espaço urbano. Vê-se que o planejamento urbano em Niterói sempre acompanha (ou impõe?) as mudanças do próprio estatuto político dessa cidade, e as acompanha “transformando” a cidade, e mais ainda seu Centro, lugar por excelência das alterações efetivadas ao longo da história.4

Atualmente nas capitais e regiões metropolitanas, vemos um grande número de imóveis ociosos, em sua boa parte imóveis públicos (do Município, Estado e União), que poderiam muito bem servir de habitação social para a população mais pobre, criando assim uma outra dinâmica nas áreas centrais, que em sua grande maioria são consideradas perigosas em horários não-comerciais, exatamente pelo vazio populacional nessas áreas. Boa parte dessa população vem sido removida de favelas e outras ocupações em detrimento dessas revitalizações urbanas e reassentadas em conjuntos habitacional nas áreas mais periféricas das cidades sem acesso algum à infraestrutura urbana, causando esse processo de exclusão habitacional em massa. No caso da capital carioca, na atual gestão municipal de Eduardo Paes, as remoções vem também com a desculpa de que estão situadas em áreas de risco, mas na verdade fazem parte do projeto de cidade preparada para os megaeventos esportivos e a conseguinte mobilidade urbana resultante do legado desses megaeventos. Na verdade não passam de um motivo para higienizar as regiões que receberão maior número de turistas e equipamentos esportivos na Copa do Mundo de 2014 e nas Olimpíadas de 2016.

Figura 02 – Jornal do Século, 03 de janeiro de 1903

4

BOTELHO, André Amud. Revitalização Urbana em Niterói: uma visão antropológica / Dissertação (Mestrado) UFF - 2006


3.

Problematização O espaço habitacional é o resultado de um complexo processo de produção e comercialização que apresenta características que o diferenciam da produção de outras mercadorias de consumo privado. Trata-se de uma mercadoria que exige longo tempo de construção e imobilização de capital e cuja produção está diretamente vinculada à disponibilidade de terra, serviços e infraestrutura, aspectos que fizeram com que seu preço seja muito maior que o valor dos salários médios.5

3.1. Moradia como mercadoria X moradia como direito Poderíamos enumerar uma série de impasses e impedimentos na política urbana no país, que moldam o crescimento e o planejamento das cidades em detrimento aos interesses de uma parcela influente nas esferas de poder do Estado. Segundo BIENENSTEIN (2001), a produção da habitação popular no brasil combina diversos agentes conduzindo os diversos processos produtivos. Seriam os agentes privados (proprietários e setores imobiliários), o Estado e população, correspondendo as três principais formas de produção da moradia: a produção empresaria, a produção estatal e a produção popular, esta geralmente em loteamentos periféricos e baseada na autoconstrução. Além do principal foco construtivo dos agentes privados, que seria a população de alta renda, a produção de moradia popular por parte destes só acontece quando de alguma forma torna-se um negócio rentável, como na relação de produção alta densidade/baixa qualidade, ou em parcerias com o governo através de linhas de crédito e/ou licitações em programas habitacionais. O solo urbano como produto está a disposição do mercado. E seu valor é condicionado à sua localização, acesso à comércios e serviços, transporte, segurança, conforto, privacidade, geografia local etc. Nesse caso o mercado imobiliário funciona “como um grande agente estruturador da cidade, na medida em que estabelece através do valor do solo quem terá acesso a terra urbana” (ABREU, 2014).

5

BIENENSTEIN, Regina. Redesenho Urbanístico e Participação Social em Processos de Regularização Fundiária. Tese (Doutorado) FAU/USP, 2001


A gestão de Luiza Erundina na prefeitura de São Paulo, de 1989 a 1992, levou a sério a questão da autoprodução habitacional através de seus programas no setor. Por meio de mutirões, COHABs e também empreiteiras, através da participação popular em fóruns e assembleias pelas regiões de São Paulo, foi elaborado um programa municipal de habitação onde desapropriando terras para construir, urbanizando favelas, regularização fundiária e reformando antigos cortiços, mais de 40 mil unidades foram construídas. A partir de 2002 houve um avanço significativo das políticas públicas em âmbito nacional para projetos urbanos e habitacionais com a criação do Ministério das Cidades. Com as mudanças que ocorreram na pasta no ano de 2005, as propostas desandaram e, em 2009, “o governo federal lançou o Programa Minha Casa Minha Vida,

destinado a

impulsionar a construção de moradias como forma de reagir à anunciada crise internacional que eclodiu em outubro de 2008” (MARICATO, 2011: 58). Foi apagada a diretriz maior do projeto desenvolvido em na primeira gestão, que era a de desvincular a política habitacional da política fundiária.

3.2. Políticas Habitacionais

As políticas habitacionais estabelecidas ultimamente vem tentando suprir as demandas e o déficit habitacional no país proveniente das migrações da população do campo para as metrópoles durante as décadas de 70 e 80, pela busca de melhores condições de vida e trabalho que consequentemente causaram um crescimento descontrolado da população urbana sem o planejamento e preparo adequado dos governos na época. Daremos ênfase aqui à uma avaliação e visão crítica aos programas mais recentes, mais especificamente de 2002 pra cá, onde essa demanda foi sendo suprida por tentativas e realizações dos governos Lula e Dilma, baseando-se também em acertos e exemplos vindos de fora, assim como a prática de produção habitacional de maneira mais autônoma levados por movimentos sociais, cooperativas de construção e pela sociedade civil em si, disposta a tentar mudar uma realidade gritante em nosso país.


3.2.1. Plano Nacional de Habitação – PlanHab

Com a criação do Ministério das Cidades em 1º de janeiro de 2003, deu-se início a implantação de uma nova Política Nacional de Habitação. Com a aprovação da Lei Federal 11.124/05 que instituiu o Sistema e o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS/FNHIS) impulsionou a política habitacional como política de estado, e sob a coordenação da Secretaria Nacional de Habitação, vinculada ao Mcidades, foi iniciada a elaboração do Plano Nacional de Habitação (PlanHab). Sua implementação é prevista para até 2023 e se estrutura em quatro eixos: desenho institucional, modelagem de financiamento e subsídios, política urbana fundiária e cadeia produtiva.

O PlanHab traz uma proposta de articulação com movimentos sociais para contribuir na diminuição do déficit habitacional. Partindo das diretrizes da PNH, deverá formular uma nova modelagem de subsídios, propor políticas urbanas e fundiárias para baratear o acesso a terra para habitação social, reduzir custos da cadeia produtiva da construção para ampliar a produção e orientar a elaboração de planos habitacionais em âmbito estadual e municipal.

Também é um objetivo a desburocratização dos serviços de financiamento para se adaptar às estratégias propostas, facilitando assim a produção da habitação por autogestão, que estimularia a produção de qualidade e a organização popular.

Depois de um amplo período em que a autogestão foi considerada uma experiência a ser testada, chegou o momento de poassar a ser parte da estratégia de equacionamento do problema habitacional brasileiro, participando em conjunto com outras formas de promoção.”.6

6

BONDUKI, Nabil, ROSSETTO, Rossella. O Plano Nacional de Habitação e os recursos para financiar a autogestão. São Paulo, 2008


3.2.2. Minha Casa Minha Vida Em 2008 graças ao estouro da bolha imobiliária nos Estados Unidos e a crise internacional que se seguiu, o mercado necessitado de algo que alavancasse a produção em massa e a geração de emprego rápido naquele momento. Eis que surge o maior programa habitacional já visto no país, considerando que o mercado imobiliário é o mais lucrativo que existe. Nesse caso ainda utilizando-se da mão de obra barata para produzir unidades habitacionais para além de 0 a 3 salários mínimos. A produção habitacional partiu da diretriz de se utilizar de terra barata em lugares com nenhuma infraestrutura urbana destinada a população de renda mais baixa, aumentando expansivamente o lucro sobre a construção e respondendo à crise com uma ação efetiva, de capital produtivo. A partir da localização, da baixa qualidade de construção e tipologia e do tamanho dos conjuntos, dimensionados para caber o máximo de famílias, e de acordo com CORREA (2000), a construção de conjuntos habitacionais, enquanto iniciativa da parceria público-privada, é rentável de acordo com os seguintes aspectos: A – é rentável se são superocupadas por várias famílias ou por várias pessoas solteiras que alugam um imóvel ou um cômodo; B – é rentável se a qualidade da construção for péssima, com o seu custo reduzido ao mínimo; C – é rentável quando verifica-se enorme escassez de habitações. (CORREA, 2000: 21-22).

A elaboração do MCMV foi feita sem consulta alguma aos movimentos sociais de luta pela moradia, sendo um prato cheio para as empresas da construção civil. Também caiu como uma luva aos governos municipais realizarem suas políticas de remoções em favelas, comunidades e ocupações e terem para onde direcionar estrategicamente essa população de baixa renda, facilitando a higienização da cidade promovida por tais.

Figura 03: Minha Casa Minha Vida em Santa Cruz, Zona Oeste do Rio de Janeiro.


Figura 04: FAULHABER, Lucas. Mapa de reassentamentos do MCMV no Rio de Janeiro. 2012

3.2.3. Minha Casa Minha Vida – Entidades O MCMV ganhou uma versão voltada aos Movimentos Sociais Urbanos, o Minha Casa Minha Vida – Entidades. No ano de 2008 foi lançado o programa Produção Social da Moradia, dando oportunidade às entidades populares acessarem recursos para construção de habitação social. Veio como uma moeda de troca para calar os movimentos que ficaram de fora da elaboração do MCMV, mas acabou encaixado nas demandas do programa original, sendo um tipo de modalidade do MCMV. O agente financiador continuava sendo a Caixa Econômica Federal. Segundo BASTOS (2013), “ao tentar transformar MSUs em empresas de construção civil, há uma perigosa inversão de princípios, o que no limite, é de certa forma incentivada pela lógica empresarial esperada pela CEF.” E assim, grupos com iniciativa de autogestão habitacional anteriores à elaboração do MCMV-E, como a comunidade Nova Holanda no Rio de Janeiro, foram se encaixando ao novo programa. Na América Latina, as cooperativas de habitação avançaram nessa questão da autogestão da habitação em alguns lugares organizadas em propriedades coletivas como no Uruguai, onde as cooperativas de vivienda recebem recursos subsidiados direto do Estado para a organização dessas propriedades e produção de moradia de modo cooperado.


A Nova Holanda se formou como a primeira experiência em que recursos públicos foram direcionados para a produção de moradia por meio de uma cooperativa de trabalhadores e também a primeira vez no estado em que uma entidade popular de uma favela recebeu recursos públicos diretamente. A associação dos moradores se deu a partir da remoção de favelas no rio e o direcionamento dessa população para a região do Complexo da Maré, quando depois de duas décadas os moradores se organizaram em cooperativa para melhoramento das habitações ditas à época de provisórias.

Figura 05 – Conjunto da Nova Holanda, Complexo da Maré, Rio de Janeiro

3.3. Operação Urbana Consorciada de Niterói O projeto da Operação Urbana Consorciada (OUC) de Niterói foi colocado em prática e transformado em lei pela atual gestão de Rodrigo Neves na prefeitura. Esse tipo de operação está previsto no Estatuto da Cidade7, que nos diz: Art. 32. Lei municipal específica, baseada no plano diretor, poderá delimitar área para aplicação de operações consorciadas. § 1o Considera-se operação urbana consorciada o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental.

7

Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001


Segundo a própria prefeitura, na página no projeto8: O Centro da cidade de Niterói precisa resgatar o prestígio perdido ao longo das últimas décadas. Para melhorar a qualidade de vida de moradores, comerciantes e frequentadores da área, a Prefeitura de Niterói elaborou o projeto de Revitalização da Área Central. […] Vale notar que os recursos que financiarão as intervenções incluídas na Operação Urbana Consorciada, não são públicos. Estes recursos são oriundos da venda de Certificados de Potencial Construtivo (Cepac). Parte dos objetivos da OUC será implementado por meio de um contrato de Parceria Público-Privada (PPP), na modalidade de concessão administrativa.

Os problemas existentes na região do Centro são consequência da falta de manutenção pela gestão municipal ao longo das últimas décadas, algo que podemos dizer que é comum às grandes cidades brasileiras. Um dos principais questionamentos nesse caso, seria: como solucionar um problema de gestão pública, direcionando a administração desse espaço à iniciativa privada? Esse projeto de revitalização que foi proposto por três grandes empresas (Odebrecht, OAS e Andrade Gutierrez) privilegia o capital imobiliário, entrega o centro da cidade à grandes construtoras e, consequentemente, passa por cima de qualquer legislação já vigente sobre a região, como o Plano Urbanístico Regional das Praias da Baía e as Áreas Especiais do centro (AEIS, AEIU e a APAU). Um tipo de operação urbana que deve ser coordenada pelo poder público está totalmente entregue, não só o financiamento e a concessão construtiva, mas também administrativa.

O Estudo de Impacto de Vizinhança – feito pelas mesmas empresas que desenvolveram a proposta, importante ressaltar – concluiu que o projeto aumentará o valor dos imóveis, aluguéis e consequentemente o custo de vida na região. Também diz que acabará por expulsar as famílias de classe média baixa e de baixa renda, os pequenos comerciantes e as lojas de atacado, que são consideradas como efeito “inevitável, irreversível, negativo e permanente”.

Figura 06: Prefeitura de Niterói. Projeto da OUC

8

<< http://www.centro.niteroi.rj.gov.br/ >>


Figura 07 – Perímetro da OUC no Centro de Niterói. Institudo de Arquitetos do Brasil – Leste Metropolitano, Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos – UFF. 2013

O Projeto de Lei reflete uma visão de gestão urbana que privilegia o “espetáculo” e a “imagem”, em detrimento das verdadeiras necessidades de quem mora, trabalha e frequenta a região. Isto fica claro nos exemplos apresentados: grandes prédios muito iluminados, torres corporativas, objetos arquitetônicos estranhos à nossa paisagem, que aliás, se sobreporiam às edificações do Caminho Niemeyer.9

Podemos ver claramente os objetivos de privatizar uma área não só em concessões construtivas mas também na concessão administrativa do espaço, passando a função gestora do município para as mãos de investidores, causando a supervalorização do espaço em termos de permanência da população mais pobre, a gentrificação urbana e a descaracterização da região como uma área central, agregadora de diferentes classes econômicas, tipos de comércio e serviços, ocupações e atividades. Semelhante ao que vem acontecendo na Zona Portuária do Rio de Janeiro, com o projeto Porto Maravilha, o mesmo tipo de Parceria Público-Privada, concessão do espaço, expulsão de antigos moradores de renda baixa e a elitização de um espaço que, também por décadas, foi desvalorizado e visto com maus olhos pelo poder público. 9

BIENENSTEIN, Regina. O Centro de Niterói no Caminho do Capital. Fórum de Política Urbana de Niterói, p. 2. 2013.


3.4. Ferramentas políticas A Conferência das Cidades, uma ferramenta criada pelo Ministério das Cidades para gerar um espaço de discussão democrática, onde durante alguns dias delegados são escolhidos para representar diversos segmentos da sociedade entra nessa categoria de problematização pelo que ela representa, ou tem representado pelo menos na cidade de Niterói atualmente. Movimentos sociais, grupos e instituições de pesquisa, empresários, políticos, e diversos outros setores, Representando seus segmentos discutem objetivos e diretrizes para o desenvolvimento das cidades como um todo, em suas escalas municipais e estaduais e em escala nacional. São as etapas da Conferência, onde na municipal se elegem delegados para a etapa estadual, e na estadual também são eleitos para a nacional. No ano de 2013 a Conferência de Niterói foi marcada por uma forte presença das associações de moradores da cidade. As discussões giraram em torno de temas como transporte e mobilidade, habitação de interesse social, regularização fundiária e programas estratégicos. Todas tinham um cunho social, inclusive no nome, menos os programas estratégicos, no qual se traçaram as diretrizes do que viria a ser a OUC de Niterói, passando por cima de propostas de uso social dessa ferramenta de planejamento urbano prevista no Estatuto da Cidade. O fato de a organização, divulgação e convocação das entidades estar a cargo do poder público possibilita o direcionamento e manipulação de determinadas discussões para cumprir os interesses governamentais e do capital privado associado ao financiamento de tais propostas. A parcela da população que participa acaba sendo uma massa de manobra pra votações que não contradigam com nenhuma política pública da prefeitura e vá de acordo com as intenções do Conselho Municipal de Política Urbana, o COMPUR. A própria lei da OUC, prevista no Estatuto da Cidade, dispões de métodos e ferramentas que possibilitem a implantação de políticas habitacionais e gestionárias para a região aplicada como a Outorga Onerosa do Direito de Construir, a venda de CEPACs, a aplicação de Zonas de Especial Interesse Social, entre outros. Dos principais objetivos da OUC prevista no Estatuto estão as transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais com equipamentos e serviços urbanos e a valorização ambiental da região.


3.5. Visão geral

Num contexto generalizado, são muitas as problemáticas em relação aos assentamentos informais, favelas, ocupações de prédios e terrenos, públicos ou privados, mesmo diante de ferramentas em forma de lei e planos e fundos para viabilizar tais apropriações. Tudo é atropelado em direito aos interesses privados e políticos de setores da construção civil, governos que não pactuam de tais visões e não aceitam tais direitos, e principalmente pelo preconceito e desinformação da população em geral, em sua maioria da classe média. “Eu também pago aluguel e não vou invadir terreno dos outros”; “Pra ter moradia tem que trabalhar e conquistar a própria”. Esse tipo de pensamento junto a associações por parte da polícia e da mídia de movimentos de luta por moradia

à

organizações criminosas já mancham a imagem da luta por um direito básico e das pessoas que correm atrás do mínimo para viver com dignidade. O despejo da população da Ocupação da Telerj no Engenho Novo, Zona Norte do Rio em abril desse ano, a reintegração de posse do Pinheirinho em São José dos Campos, SP em janeiro de 2012, entre outras tantas ações violentas do Estado só fazem a mídia reforçar a criminalização dos movimentos sociais em troca dos interesses da especulação imobiliária e do poder público em trocas de favores com esses especuladores, onde mesmo há mais de 5 anos no local, quando já poderia se pedir o usucapião, os direitos humanos e valores da população são negados e recebidos com bombas de gás e retroescavadeiras. Mediocridade ativa é uma merda.10

Figura 08: Carlos Latuff. Desocupação da favela da Telerj

10 NIEMEYER, Oscar. A vida é um sopro. 2007


4.

Objetivos Como objetivo, esse trabalho pretende fazer uso social da propriedade em sua forma

plena, utilizando-se de vazios urbanos que possam servir de moradia popular para a população de baixa renda, principalmente os desabrigados por remoções e desastres naturais, como o do Morro do Bumba em 2010, que boa parte dos moradores que perderam suas casas ainda encontram-se em abrigos ou recebendo aluguel social.

A

função

social da propriedade é prevista na Constituição Federal de 1988 e descrita suas aplicações no Estatuto da Cidade. Paralelo ao seu uso defende-se também a gestão do espaço através de seus moradores, onde os mesmos possam ter autonomia para tomar as decisões que influenciem na vida coletiva de todos ali, num processo participativo que completaria um ciclo auto-sustentável, desde a produção da moradia à administração e gestão do ambiente.

4.1. Legislação

Dentre os planos de ação do projeto, pretende-se utilizar das legislações em âmbito nacional, estadual e municipal para viabilização da moradia social na região do centro, desde a Constituição Federal até os Planos Locais de Habitação de Interesse Social, passando pelos instrumentos do Plano Nacional de Habitação, do Sistema e do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, Estatuto da Cidade e seus instrumentos – a OUC inclusive -, os Planos Diretores Participativos, e no caso específico de Niterói, o PUR – Plano Urbanístico da Região das Praias da Baía. A própria Conferência das Cidades é um fórum próprio para expor todas as necessidades desses tipos de moraria, a fim de adequá-la ao uso e ocupação do solo municipal para que possa estar inseridas dentre as políticas públicas de regularização fundiária, financiamento do imóvel, autogestão construtiva e administrativa, entre outros, contemplando assim as reais necessidades dessa parcela da população para a obtenção de seus direitos básicos. Deve funcionar como um espaço de discussão independente, onde tais associações de moradores possam ter autonomia para decidir para si próprios os melhores caminhos a serem seguidos em debates, votações, etc, inclusive exigir o total cumprimento dos Planos Diretores Participativos e das ferramentas do Estatuto da Cidade.


4.2. Cidade participativa: cidadania e atuação política Ser cidadão é participar da cidade? A vida é coletiva, mesmo estando sozinho. A atuação pública, de maneira à se pensar em prol do meio onde se vive é necessária, seja em que escala for. A definição de cidade se dá em termos de espacialidade e organização de um território por meios participativos de uma gestão pública, denominada “democrática”. Território este que pode ser definido como um município e si ou um organismo vivo em que suas delimitações venham de demandas e necessidades de um grupo ou uma comunidade, associação, etc. O Estado em sua forma se apresenta como um mecanismo de representação e organização de “cidades” onde as questões locais são levadas por uma democracia representativa. A “cidade” e suas diferentes escalas – macro e micro – e tamanhos pode criar uma estrutura de poder urbano que varia de acordo com suas extensões e centralidades, em um sistema que ode servir apenas para ordem e controle social como também de espaço de organização pública e políca em torno de uma representação participativa em suas problematizações e gestões locais, numa forma não-hierarquizada de gestão democrática.

4.3. Políticas urbanas Um bom exemplo de instrumento a ser usado a favor da habitação social em áreas centrais e, principalmente, utilizando-se da apropriação de imóveis ociosos, é o Plano Diretor do município. Atualmente a prefeitura de São Paulo está sendo pressionada pelos movimentos sociais para que seja aprovado o novo Plano Diretor da cidade, onde prioriza as políticas habitacionais e o uso controlado do solo urbano, evitando o crescimento descontrolado da cidade. Porém, apesar de prever essas políticas no novo plano, vereadores de São Paulo conseguiram adiciona emendas no texto original para que condicionasse essas políticas habitacionais aos mandos e desmandos do capital especulativo, criando assim um impasse entre a realização dessas políticas e as condições criadas para que aconteçam.


A questão que surge, então, para aqueles que defendem uma cidade mais justa socialmente e menos entregue aos interesses imobiliários, é até que ponto as emendas propostas alteram o plano que vinha sendo discutido, e o quanto essas alterações ultrapassam ou não um limite além do qual o plano, de tão transfigurado, não vale mais a pena de ser defendido. Pois o problema de todo plano é sempre esse: nas negociações de última hora, uma enxurrada de emendas pode muito bem escamotear transformações que alterem substancialmente o sentido do plano inicial..11

Em consequência, os movimentos sociais viram novamente suas reais demandas serem deixadas de lado pelo jogo político em favor do interesse de empresário do ramo da construção, entre outros setores que controlam a terra urbana. Apesar da promessa de desapropriação de imóveis, a forma de como se dará esse processo de distribuição das unidades habitacionais ainda deixa dúvidas e críticas

Figura 09 – Publicação de Carta Capital em 20/05/13

11 WHITAKER, João Sette. <<http://www.cidadesparaquem.org/ >>


A aplicação de instrumentos do Estatuto da Cidade que visam usar os vazios urbanos e dar essa função social à cidade como um todo serviria para garantir o acesso à essas propriedades e desapropriá-las para um uso de quem realmente precisa, ao invés de alimentar a especulação imobiliária. O uso desses imóveis deve atender deve dialogar com os movimentos sociais e atender à demanda existente de moradia na cidade, reduzindo assim a desigualdade social em relação a moradia e aos direitos básicos de uso da cidade.

5.

Hipóteses Os questionamentos e problematizações colocadas anteriormente podem ser

respondidos não de forma afirmativa e correta, pois é algo subjetivo e dependente de demandas e características de cada lugar e tipo de população que está se tratando.

5.1. Movimentos Sociais Urbanos Os movimentos sociais urbanos, principalmente os de luta por moradia questionando o uso e apropriação do solo urbano, surgem dos anseios de uma população esquecida desde os tempos do governo militar e principalmente da crise da cidade capitalista , que ao final desse período viram uma oportunidade de se organizar em prol de suas necessidades sem a enorme perseguição e criminalização que sofreriam durante a ditadura. Todos as propostas de reformas de base propostas por João Goulart foram deixados de lado pelo regime militar no período de 1964 a 1985, provocando assim uma organização paralela de setores da sociedade que se contrapunham às reformas colocadas pelo governo na qual não atendiam às principais demandas públicas e atendiam somente aos interesses dos setores empresariais e internacionais. Assim surge o MTST (Movimento de Trabalhadores Rurais Sem-Teto) na década de 80.

Figura 10: passeata do MTST em São Paulo


Quem você pensa que eu sou aquele que você viu na TV o que te faz pensar que sou tão diferente de você pois eu tenho família e também meus filhos pra criar e sou eu que estou aqui lutando porque é meu por direito Devo ocupar Devo produzir Devo resistir

MST, da banda Dead Fish

Os Movimentos Sociais Urbanos contribuíram para o aperfeiçoamento e adequação dessas políticas públicas à suas demandas, abrindo assim uma caixa de diálogo direta entre o poder público e as camadas mais necessitadas da sociedade civil. Através das brechas encontradas pela ausência do Estado, os Movimento Sociais se constituem e encontram espaço para aplicar à cidade o que aquele Estado deixa de fazer.

5.2. Assistência Técnica A lei de Assistência Técnica para habitação social entrou em vigor em 2008, mas a muitos anos ela já vem sendo praticada por arquitetos e engenheiros em conjunto com movimentos sociais de luta por moradia em diversos lugares do país. A lei prevê que toda família com renda de 0 a 3 salários mínimos tenha direito a assessoria técnica para construção ou reforma de sua casa. Assim como temos o S.U.S. para atendimento médico gratuito, ou a defensoria pública para questões jurídicas, a lei 11.888/08 vem atender uma demanda explícita das grandes cidades em busca de moradia digna e condições saudáveis e com o devido conforto espacial para tais habitações. Em Niterói temos o exemplo da ONG Soluções Urbanas, que com o projeto Arquiteto de Família em parceria com o Instituto Vital Brazil, atende as famílias do morro Vital Brazil que não podem pagar pelos serviços de um arquiteto ou engenheiro. Os projetos de reforma das casas tem financiamento da Caixa Econômica Federal, e a reforma propriamente dita fica por conta dos próprios moradores, organizados em mutirões (também com assessoria de arquitetos e engenheiros), que conseguem o material de construção através de uma feira


de trocas organizada pela própria Soluções Urbanas, onde os materiais são doados por lojas de construção que consideram tais materiais fora de linha. Juntamente às entidades que prestam assessoria técnica anteriormente a lei 11.888/08, os movimentos sociais entravam junto para assim aplicar a autogestão habitacional em esquemas de mutirão de autoconstrução, onde os próprios moradores erguem suas casas desenvolvendo as técnicas construtivas com o auxílio do profissional técnico, auxiliando e facilitando o cooperativismo entre tal comunidade.

6.

Referência projetual A Ocupação Mauá 340 localiza-se na Rua Mauá, nº 340, na Estação da Luz, São

Paulo. O projeto final de graduação de alunos de arquitetura e urbanismo e engenharia civil da USP procurou atender as demandas já existentes dos moradores da ocupação promovendo a melhoria habitacional, reformando estruturas, instalações elétricas e hidráulicas, fachada, ventilação e iluminação naturais, redimensionando os cômodos para atender ao número de habitantes e criando espaços de uso e gestão coletivas dentro da ocupação.

Figura 11 – Fachada da Ocupação Mauá 340, antes e depois


Trata-se de um processo de entendimento e atuação da moradia no centro de São Paulo por meio da participação e interlocução com moradores

tendo-se levado à

elaboração de um projeto de reabilitação de um prédio localizado na região da Luz. O prédio está abandonado por seus proprietários há décadas e hoje encontra-se ocupado por movimentos de moradia, há mais de cinco anos.

Figura 12 – Pavimento térreo do projeto

Figura 13 – Nova configuração do pavimento tipo


Figura 14 – Interior e entrada do edifício

7.

Memorial descritivo do projeto Conceição 177

O projeto consiste da reabilitação do edifício para moradia popular, adaptando os antigos compartimentos (salas) em diferentes plantas para melhor se adaptar a realidade de cada família. O pavimento térreo e a sobreloja, como áreas comuns, receberam equipamentos de uso comunitário para facilitar a vida dos ocupantes e otimizar o espaço, criando assim mais espaços coletivos e menos espaços privados. O pavimento térreo também tem a possibilidade de receber eventos públicos para melhor aceitação da comunidade que vive no centro da cidade, podendo participar das atividades e eventos realizados na ocupação.


Figura 15, 16 e 17 – Pavimento térreo, sobreloja e telhado

O Pavimento térreo se compõe de uma entrada independente para moradores com controle de portaria, uma cozinha comunitária, uma oficina, um grande pátio para eventos abertos e um comércio que possibilite escoar produtos feitos na oficina pelos próprios moradores, uma alternativa à renda coletiva da ocupação. A sobreloja já tem um acesso mais restrito aos moradores, tendo uma lavanderia coletiva, um espaço infantil, sala de estudos / biblioteca e um salão multiuso, para reuniões, assembleias, etc. A opção de lavanderia e cozinha coletivas à ocupação diminui a demanda individual desses equipamentos pra cada apartamento, podendo assim ter mais espaços e opções de uso. O telhado possibilita a implantação de um painel solar e de uma horta comunitária pra atender as demandas da cozinha. Os apartamentos tem ventilação e iluminação virados pra fachada frontal e de fundos, e um prisma no meio do edifício possibilitando iluminação e ventilação naturais nos cômodos.


BIBLIOGRAFIA - BIENENSTEIN, Regina. Redesenho Urbanístico e Participação Social em Processos de Regularização Fundiária. Tese (Doutorado) FAU/USP, 2001 - BOTELHO, André Amud. Revitalização Urbana em Niterói: uma visão antropológica. Dissertação (Mestrado) UFF, 2006 - PENNA, Mariana Affonso. Socialistas libertários e lutas sociais no Rio de Janeiro: memórias, trajetórias e práticas (1985-2009). Dissertação (Mestrado) UFF, 2010. - KAWAHARA, Ivan Zanatta. Contradições e Paradigmas do Espaço Urbano Capitalista: Habitação na Área Central do Rio de Janeiro. Monografia. (Graduação) UFF, 2012. - FAULHABER, Lucas. Rio Maravilha : práticas, projetos políticos e intervenção no território no início do século XXI. Monografia (Graduação) UFF, 2012. - BIENENSTEIN, Regina. O Centro de Niterói no Caminho do Capital. Fórum de Política Urbana de Niterói, 2012. - BASTOS, Tiago Souza. Autogestão habitacional e a desmercantilização da moradia: Análise dos avanços e retrocessos na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado). UFF, 2013 - ROLNIK, Raquel. O que é cidade. 1ª edição. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988 - ABREU, Isadora. Minha Casa Minha Vida em Juiz de Fora – Expansão Econômica e segregação espacial. X Congresso de Iniciação Científica, 2014. Itaúnas - CORREA, Roberto Lobato. O espaço urbano. UFRJ, 2000 - MARICATO, Ermínia. O impasse da política urbana no Brasil. Ed. Vozes, Petrópolis / RJ. 2011


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.