CONECTA - Experiências Humanas Virtualizadas

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IMERSÃO VIVENDO FORA DO TEMPO E ESPAÇO

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SUMÁRIO CIBERS

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DIA A DIA DIGITAL

INFÂNCIA DIGITAL

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VIRTUALIZAÇÃO NA INFÂNCIA

JÁ PENSOU?

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TECNOLOGIA E HUMANIDADE

ARTE

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JAVA ARAÚJO

DESTAQUE: IMERSÃO

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VIVENDO FORA DO TEMPO E ESPAÇO

FLUXOGRAMA

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FATO OU FAKE?

RESENHA

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KISS ME FIRST

CIBERCIDADANIA

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CIDADANIA DIGITAL

COLUNA

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APPFICAÇÃO: 24 HORAS DE CONEXÃO

CARTA DO LEITOR

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#CONECTACOMAGENTE

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FICHA TÉCNICA Produção: Ellen Tavares e Giselle Cahú Editoria geral: Bruno Nogueira Redação: Ellen Tavares e Giselle Cahú Comissão de pauta: Bruno Nogueira, Ellen Tavares e Giselle Cahú Ilustrações: Guilherme Cahú, capa e páginas 22 e 23 Fotografia: Giselle Cahú Tiragem: 25 unidades Gráfica: Printi Projeto gráfico: Guilherme Cahú Colaboração nesta edição: Java Araújo, ilustração página 11 Edição 1 / Novembro 2018 Contato: revistaconecta@hotmail.com Site: revistaconecta1.wixsite.com/conecta

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EDITORIAL O ser humano em sua grandiosa inteligência (re)inventa e utiliza diversas tecnologias. Numa absoluta falta de tecnologia, esta revista certamente precisaria de vários malabarismos para chegar até você e, talvez, nem estaria sendo lida neste momento. Desde que o mundo é mundo, tecnologias existem. O fogo, a roda, o telefone… Até nas molas do colchão em que dormimos existe tecnologia. As tecnologias digitais configuram um dos grandes avanços do homem em termos dimensionais. Podemos nos comunicar simultaneamente com pessoas do mundo todo, fazer compras em Dubai mesmo estando no Recife e, mais do que isso, construir laços emocionais, compartilhar e viver histórias sem precisar verbalizar nenhum “A”, apenas teclando. Segundo o dicionário Houaiss, Experiência é o ato ou efeito de experimentar(-se); qualquer conhecimento obtido por meio dos sentidos. Virtual significa algo existente apenas em potência; que poderá vir a ser, existir, acontecer ou praticar-se; que constitui uma simulação criada por meios eletrônicos. E Virtualidade diz respeito a algo cuja existência é virtual; potencialidade; essência. Estabelecendo um link entre esses verbetes, e tendo em mente os famosos cinco sentidos humanos — visão, olfato, paladar, audição e tato —, podemos admitir que a experiência virtualizada é sentida fisicamente, vivenciada igualmente a uma experiência que ocorre distante de telas e eletrônicos em geral. Portanto, quais são os efeitos da tecnologia na vida humana? Que experiências são vividas virtualmente? Como isso afeta e permeia rotinas? Será que temos vivências virtuais tão profundas que nem nos damos conta? Será que temos consciência da força que tem um meme ou uma fake news? Nesta primeira edição da Revista Conecta trazemos o tema Experiências Humanas Virtualizadas para refletirmos um pouco sobre como lidamos cotidianamente com as tecnologias que permeiam nossa vida. Boa leitura! 5


DEPOIMENTOS / CIBERS

DIA A DIA DIGITAL O mundo digital cria novos mundos, comunidades, relações interpessoais, laços afetivos… Estar conectado vai além de estar online: é participar e pertencer. A Conecta entrevistou três jovens que contaram sobre os ambientes online frequentados e vivenciados cotidianamente por eles, confira!

“Desde 2012 o Warcraft faz parte da minha vida como uma diversão. O jogo do universo (World of Warcraft), é uma comunidade imensa, um cibermundo que em alguns pontos se parecem com o nosso: as facções rivais, a Horda (vermelha) e a Aliança (azul), me lembram o capitalismo contra o socialismo, direita vs. esquerda. Em alguns momentos o jogo me faz refletir sobre a nossa sociedade, como na expansão do Legion, quando os demônios invadiram o mundo e as facções se ajudaram, isso me fez pensar que não é porque alguém pensa diferente de mim que ela automaticamente será minha inimiga, juntos somos mais fortes em tempos difíceis. Além disso, em World of Warcraft existem profissões e todas dependem uma da outra, como as profissões de coleta e “criação”, onde quem cria os itens precisa da matéria prima coletada pelas profissões de coleta. Mais ou menos como nosso sistema, no mundo real, só que se forma simplificada.

Juliana Lima, 20 anos, YouTuber. Dona do canal Juliana Lima. Joga World of Warcraft desde 2012.

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Além de ter uma história muito boa, eu curto o jogo por ele ser variado por causa dos mods (modos de jogo) e porque vários amigos meus também jogam. Eu sempre acabo fazendo novos novos laços, curto interagir com o pessoal independente de qual jogo eu esteja. No World of Warcraft as interações funcionam por meio de Guildas, Dungeons e Raids, ou seja, no momento em que estou jogando estou automaticamente interagindo. Graças a tecnologia e o desenvolvimento na área da comunicação, pude fazer amizades que carrego até hoje, acredito que essa possibilidade de interação seja fundamental nos dias de hoje. É graças à tecnologia e os games que somos capazes de ter experiências incríveis e explorar novos mundos sem sairmos de casa, isso é incrível.”


“O 9Gag é um website, um blog de humor que cresceu ao longo do tempo e alcançou não somente os “nerds” e “geeks”, mas basicamente todo mundo, tornando-se uma cibercomunidade de abrangência mundial. Por isso, apesar de ter o humor como foco principal, deixou de ser apenas um blog de humor e passou a ter várias sessões de conteúdo que são alimentadas pelos próprios usuários, que também interagem dando Upvote (“voto positivo”), Downvote (“voto negativo”) e/ou comentando nas postagens. É isso que me prende ao 9Gag: os próprios usuários e seus conteúdos novos e engraçados, ou apenas bonitinhos, que me deixam curioso para ver mais coisas. Fazem 6 anos que acesso ativamente o blog, o 9Gag foi minha fonte de humor diário por muuuito tempo, sempre me divertindo quando eu precisava. Geralmente eu sou o usuário que lê e dá Upvote ou Downvote, mas quando lançaram um aplicativo chamado 9Chat, que facilitou a interação dos usuários do 9Gag através de um chat, fiz amigos que tenho até hoje, tanto do Brasil como de outros países, até me relacionei com uma pessoa que conheci por lá. Essa conexão é maravilhosa, a gente pode conhecer muita gente e muita coisa diferente. Hoje em dia, a plataforma nem favorece tanto esses encontros, mas na época do 9chat eu peguei alguns contatos, entrei num grupo e formei amizades. Sem a tecnologia isso seria impossível, é muito mais fácil conhecer gente de longe com ela, e com comunidades assim facilita ainda mais porque você conhece pessoas que compartilham vários gostos com você.”

Eduardo Barreto, 21 anos, estudante de engenharia da computação na Universidade Federal de Pernambuco. Frequenta o 9GAG desde 2012.

“Asgardia é mais um passo na ambição humana, o primeiro de muitos em direção ao espaço, é a realização do sonho de ir além. Com a base no espaço sideral sob a liderança de Igor Ashurbeyli, fundador do Centro Internacional de Pesquisa Aeroespacial (Viena), e presidente do comitê de ciência espacial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Asgardia surgiu em 12 de outubro de 2016 com o objetivo de criar uma estrutura para regulamentar e se apropriar das atividades espaciais. O satélite, ou melhor, Asgardia, orbita à terra sob supervisão do Comando de Defesa Aeroespacial Norte Americano, o Norad 1. Ela é uma cibernação que conecta cidadãos de todo o mundo e leva importantes princípios ao espaço com sua base filosófica, científica, tecnológica, legal, a ‘lei do espaço universal’ e a ‘astropolítica’ através de seu site.

José Barbosa. 26 anos, estudante de engenharia de controle e automação na Universidade Federal de Pernambuco. Asgardiano desde novembro de 2016.

Asgardia é uma nação altamente inclusiva, todos dialogam e definem os rumos. Já participei de debates e votei em eleições para definir o nome e a bandeira da nação. Além disso, todo asgardiano pode assumir cargos no governo e órgãos públicos, a nação é democrática e livre, sendo direito de qualquer cidadão votar e ser votado. A geografia já não é uma limitação, superamos essas fronteiras até sem perceber. Estou cercado por pessoas e informações que não se limitam à nacionalidade, distância ou etnia, tanto em Asgardia quanto em grupos no Whatsapp e Facebook, por exemplo, pessoas que podem estar ao meu lado ou do outro lado do mundo, que se comunicam, interagem e se ajudam, já virou rotina.” 7


INFÂNCIA DIGITAL / VIRTUALIZAÇÃO NA INFÂNCIA

VIRTUALIZAÇÃO NA INFÂNCIA Cada vez mais precoce, o contato com o mundo virtual interfere no desenvolvimento da criança.

ELLEN TAVARES E GISELLE CAHÚ

H

á quem diga que as crianças já nascem ensinando seus avós a tirarem selfies. Dedinhos cada vez menores deslizam pelas telas touchscreen, teclas dos computadores, notebooks e controles remotos das TVs. Durante refeições, em passeios, salas de espera e até na hora de dormir, mídias de telas interativas são utilizadas como “chupetas eletrônicas”. Essa infância digital é alvo de muitos debates, mas são poucas as conclusões sobre as consequências da ultra presença de telas a curto, médio e longo prazo. O uso cada vez mais precoce e abusivo das tecnologias digitais na infância vêm sendo estudado por profissionais das áreas de saúde e educação, devido aos impactos no desenvolvimento, comportamento e aprendizado das crianças. Para o neuropsiquiatra especialista em terapia cognitivo-comportamental avançada, Igor Lins Lemos, crianças até dois anos de idade não devem ter contato com artefatos tecnológicos, como tablets e celulares, pois estudos da Associação Americana de Pediatria mostram que o uso excessivo de tecnologia por bebês causa des8

truição da bainha de mielina, componente do neurônio. “A partir dos dois anos pode ser feito o uso da tecnologia, mas com um tempo de entretenimento que não ultrapasse 1 hora por dia e que haja pausas nesse intervalo, além de monitoramento dos pais”, afirma Igor. Para a psicanalista infantil, Julieta Jerusalinsky, os três primeiros anos de vida da criança são determinantes para a sua formação psíquica e emocional. Como aborda em seu livro Intoxicações Tecnológicas: o sujeito na era das relações virtuais, o tempo gasto pelas crianças com mídias digitais não deve tomar o lugar de atividades importantes ao desenvolvimento do cérebro infantil, nem impedir que a criança vivencie momentos de ócio, tédio, necessários para a organização psicológica e a criatividade. No entanto, percebe-se que há muitas peculiaridades que necessitam de atenção e cuidado para cada faixa-etária. Com apenas 10 anos de idade, Thales Araújo, irmão de Evellinn (14), Theo (4) e Erick (2), decidiu ser o youtuber da família. Mesmo diagnosticado com glaucoma


congênito, narra, grava, edita e posta em seu canal vídeos sobre jogos, principalmente Minecraft. Segundo João Paulo Araújo, pai de Thales, o menino é autodidata: “Eu não sei fazer o que ele faz: jogar na tela, falar, editar, postar, não ensinei isso a ele, ele aprendeu sozinho na internet”, diz João. Para ele, um dos pontos positivos do contato dos filhos com a tecnologia é justamente o despertar de novos interesses, além de oferecer recursos para descobertas e fomentar a imaginação. Segundo o pai do youtuber mirim, é essencial que toda criança brinque, jogue bola e ande de bicicleta, entretanto ele defende a importância dos pais estimularem e darem subsídios para que as crianças interajam com a tecnologia desde cedo, já que podem se interessar por profissões no ramo da tecnológico e terão um conhecimento adicional quando forem enfrentar o mercado de trabalho. Seus pais não só acompanham os vídeos como incentivam os amigos a assistirem e compartilharem, contudo, em contrapartida, para o uso ser saudável foi preciso estabelecer algumas regras: “Eles só podem usar o computador e celular após as atividades escolares, e há restrição de horário e tempo, até porque eles trocam facilmente um livro pelo computador”, diz João, e completa: “São quatro irmãos, precisam socializar entre eles. Às vezes têm que desconectar um pouco da televisão, computador, tablet e celular para que brinquem e conversem entre si.” João Paulo evita exatamente o que escreve a psicanalista infantil, Julieta Jerusalinsky em Intoxicações Tecnológicas: “Vivemos em tempos que podemos estar de corpo presente, mas psiquicamente ausente em relação àqueles que nos rodeiam. De corpo presente, mas sempre olhando para uma janela virtual.” De acordo com João Paulo, o cuidado com a segurança virtual dos filhos é frequente. Tanto ele quanto a mãe das crianças monitoram os celulares, acompanham

o histórico de navegação e bloqueiam o acesso a conteúdos impróprios. Mas, mesmo com todo esse cuidado, João relata que os comportamentos dos seus filhos são alterados com o uso excessivo: “Já notamos que o uso constante causa irritação e alteração de humor, principalmente em Thales. Por ter a audição mais aguçada, ele precisa de silêncio e concentração para gravar e editar os vídeos, por isso acaba se isolando. Às vezes para tudo voltar ao normal precisamos impor abstinência total de tecnologia, principalmente de jogos”, relata ele. O confinamento em bolhas virtuais proporciona muitas consequências. Segundo o psicólogo clínico, Fábio Nascimento, o convívio social, interação e qualidade dos relacionamentos são diretamente afetados e ficam comprometidos: “O uso excessivo de tecnologias induz a criança ao isolamento, pois para poder vivenciar as experiências virtuais, ela não deseja presencialmente compartilhar o tempo, a convivência e a troca de experiências com o outro. Consequentemente esse isolamento trará uma perda no seu desenvolvimento social, em razão da criança não aprender a lidar com o outro e com o mundo, e nem com situações corriqueiras da vida infantil”, observa o psicólogo. Além disso, segundo ele, quanto mais nova a criança maiores serão os problemas com dores de cabeça, alteração de postura, distúrbios do sono, atraso de aprendizagem, dificuldades de socialização e concentração. Foto: acervo pessoal.

João Paulo Araújo e seu filho Thales. 9


INFÂNCIA DIGITAL / VIRTUALIZAÇÃO NA INFÂNCIA

É exatamente por isso que Nathalia Duprat, se esforça para mostrar aos filhos o mundo magnífico que existe fora das telas. Mãe de Helena (5) e Manoel (3), a jornalista que se auto intitula heavy user de internet utiliza algumas estratégias para que a vida real seja sempre interessante. Diferente dela, que só aprendeu a utilizar o computador na adolescência, seus filhos já nasceram inseridos no mundo digital, pulando o ABC da tecnologia. “Se você der um celular para uma criança pequena ela vai saber que com o dedinho alguma coisa acontece. Manoel já sabe quais são os desenhos que passam no YouTube e quais só têm na Netflix. Se ele quer ver Patrulha Canina ele diz: ‘mamãe, quero ver netfris’, com apenas 3 anos ele já entendeu que existe uma dinâmica de conteúdo”, relata a jornalista. Enquanto mãe, Nathalia aponta como um eterno dilema saber até onde pode ir: “Não dá para blindar a criança da tecnologia, até porque ela me vê usando, seria incoerente. Além disso, digamos que ela não usa em casa, mas na escola tem aula de informática com tablet”, comenta a jornalista referindo-se a Helena. “A máquina dá possibilidades de acesso ao mundo de várias formas, mas também tira um pouco o contato com a vida real. Existem inúmeros jogos educativos, mas se eles não forem utilizados de forma controlada podem virar ladrões de tempo. O desafio é conseguir dosar até onde você pode ir, eu não tenho como blindá-la, a questão é como vou lidar”, pontua a comunicadora que afirma que diálogo e limite andam de mãos dadas. “Na minha época eu tinha rua, eu tinha liberdade, vigiada pelos meus pais, mas era liberdade. Em casa só existia a tela da TV e fora do ambiente de casa existia a brincadeira e o passeio em família... Hoje confinamos as crianças em apartamentos e salões de prédios, tem wi-fi em todos os lugares, elas não participam porque estão conectadas”, relata 10

a jornalista que dá uma bela dica para mudar essa situação: “Eu faço uma curadoria para os momentos de lazer, ofereço novos repertórios. Levo ao museu e ao parque para brincar com outras crianças.” Uma das estratégias utilizadas por Nathalia é simples e barata: quando vai sair com as crianças leva sempre papel e lápis, e, às vezes, um joguinho de quebra-cabeça. “Você precisa doar seu tempo. Qual é o atrativo que eu vou dar se o celular pode dar? Ele vai dar Patrulha Canina, ele vai dar PJ Mask… É um mundo maravilhoso, enquanto no mundo real eu posso dar atenção. A vida real tem que ser atrativa porque se o celular for mais interessante as crianças vão virar o que os adultos estão se tornando: uma mesa de bar com todo mundo junto, mas cada um no seu celular”, critica Nathalia. Outros fatores citados pela jornalista versam sobre ritual e educação. Segundo ela, dar o celular à criança resolve a vida do adulto ao mesmo tempo que gera um problema: “Se você sempre dá o celular ou liga a TV para a criança almoçar quieta, por exemplo, você cria um ritual de ‘só come se for vendo TV’. Criança tem que ter rotina, tem que ter hora pra comer, tomar banho brincar e estudar, criança não pode ter ritual. Um ritual cria uma prisão, uma condição”, pontua a jornalista, que completa: “É uma escolha de não lidar com as dificuldades e afundar a criança no mundo de tela, numa vida completamente digital”. A comunicadora observa ainda que a tecnologia interfere até em nossa relação com a comida, e dá o exemplo do uso do micro-ondas substituindo o fogo para acelerar o processo de esquentar o alimento. “É necessário repensar sobre essa batalha ‘analógico vs. digital’, precisamos usar a tecnologia ao nosso favor, com qualidade. Por exemplo: o Google é fonte, informação bruta. Ele não tem experiências, não conversa, não fala. O segredo é o que você faz com a informação, é aí que surge a importância e desafios do professor, por exemplo”. Foto: acervo pessoal.

Nathalia Duprat e família.


Vancleide Jordão e as maquetes dos alunos do oitavo ano. A professora Vancleide Jordão reafirma o posicionamento de Nathalia: “Diziam que o professor ia desaparecer, eu digo o contrário: cada vez mais precisam de pessoas que conectem caminhos para mostrar às crianças o potencial das coisas. É responsabilidade do professor criar possibilidades para guiar seu aluno”. Vancleide se interessa tanto pela relação humana com a tecnologia e na inserção dos aparelhos eletrônicos na primeira infância, que é bióloga, psicomotricista relacional, psicopedagoga, coordenadora de tecnologia de um colégio particular na Zona Norte do Recife, especialista em tecnologia da educação e mestranda em psicologia da comunicação. Segundo a professora, existem vários modos de inserção de aparelhos eletrônicos na primeira infância. No âmbito educacional onde atua, o uso de eletrônicos inicia-se após o primeiro ano do ensino fundamental: “Dizem que a criança já nasce no processo tecnológico, mas o estímulo ocorre de fora para dentro. Com 5 anos a criança tem outras habilidades a serem desenvolvidas, prontidões que vão deixá-las aptas ao ler o mundo que as rodeiam”, elucida Vancleide. A docente explica que para a tecnologia servir como ferramenta precisa de uma intenção pedagógica clara. Segundo Vancleide, a coordenação de tecnologia lança mão de um trabalho de reflexão contínua sobre seus processos e resultados visando atender aos objetivos e valores presentes na escola. Um exemplo prático é a aula que ela está dando no decorrer da entrevista: os alunos do oitavo ano visitaram Xingó (AL) e estão reproduzindo a usina elétrica e o campo eólico com recursos de robótica e materiais reaproveitados. Além de ensinar aos alunos a utilizarem recursos tecnológicos, todo trabalho realizado por Vancleide busca potencializar a aprendizagem: “Do que adianta um aluno responder 1450 questões de um livro de matemática mas não conseguir ajudar alguém com esse conhecimento? O mesmo ocorre com a tecnologia: é preciso conectá-la com o real e ver significado. Nunca foi tão urgente hoje pensar o uso das ferramentas tecnológicas”, afirma a docente que há 25 anos trabalha trazendo a robótica para a realidade de contextos problematizadores. Vancleide aponta que é esse o grande segredo para formar um aluno

autônomo: “É preciso criar situações problematizadoras que estimule o aluno a buscar respostas. Quando você problematiza, faz aquela criança pensar no entorno e no momento em que tem vontade de buscar respostas, ela dá um passo adiante”, explica a psicopedagoga. Para Vancleide, um fator essencial é a família: não pode existir um filho conectado e um pai desconectado. “Como posso dar limite a algo que não conheço? Os pais precisam estar conectados com os filhos, têm que jogar com eles, acompanhar as pesquisas na internet e observar as redes sociais, do mesmo jeito que os pais deles faziam quando eles eram pequenos e saíam de casa: vigilância. Não dá pra ser um pai analógico tendo um filho digital”, afirma a professora. Vancleide completa pontuando que não podemos nos isolar nem nos desconectar das necessidades reais: “Ninguém pode tirar a convivência do desenvolvimento humano. O ambiente virtual não proporciona o entendimento da subjetividade dos processos, o humano não pode deixar de existir. Poderíamos ter feito essa entrevista via internet, mas é tão bom poder olhar uma para a outra e conversar. Quem vive só na realidade virtual tem suas dificuldades, por isso os altos índices de depressão. O segredo está no equilíbrio, está em você se encontrar enquanto pessoa, encontrar o Outro e caminhar em desenvolvimento”. 11


JÁ PENSOU? / TECNOLOGIA E HUMANIDADE

TECNOLOGIA E HUMANIDADE ELLEN TAVARES E GISELLE CAHÚ

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orações que batem por marca-passos, robôs que realizam trabalhos domésticos e ainda têm inteligência emocional, computadores que convertem a fala humana em escrita, moedas virtuais, remédios e sapatos impressos em 3D e dispositivos que monitoram a saúde, são exemplos de experiências virtualizadas pela automatização do que era feito por humanos. Dentre tantas tecnologias inteligentes, podemos entender a relação entre tecnologia e humanidade como uma sinfonia, que significa a fusão entre simplicidade e complexidade. Ao mesmo tempo que simplifica a nossa realidade, a evolução tecnológica nos impõe desafios complexos, como a falta de privacidade, a violência cibernética e dilemas éticos — como a biofabricação de órgãos. Sendo assim, como fundir o avanço tecnológico e o desenvolvimento humano numa harmonia sinfônica? A resposta é simples e complexa: pensar no coletivo. Ao entendermos melhor o nosso modo de viver subjetiva e coletivamente, podemos desenvolver tecnologias que nos ajudem como comunidade. Ideias inovadoras estão sendo colocadas em prática perto de nós, como o Mind The Future (Pense o Futuro), localizado no parque tecnológico Porto Digital, no centro do Recife. Um makerspace que integra essa iniciativa é o Laboratório de Objetos Urbanos Conectados (L.O.U.Co), que utiliza conceitos e ferramentas para compreender mudanças geradas pela aceleração tecnológica, mapear problemas e ajudar o ecossistema desenhando futuros através da geração de produtos, serviços e negócios inovadores. A fim de fomentar projetos para cidades inteligentes, criando e desenvolvendo soluções que melhorem a vida das pessoas, o L.O.U.Co disponibiliza equipamentos de difícil acesso como impressoras e scanner 3D, cortadora laser, sensores de luminosi12

dade, qualidade de ar, fluxo de água e chuva, para pessoas que desejam se tornar melhoradores de mundo. O Laboratório é quase um filme de ficção científica! Muitas referências são facilmente encontradas em livros e filmes, como carros voadores em cidades suspensas. Os mesmos filmes e livros levantam uma questão intrigante: seremos substituídos por robôs mais inteligentes, resistentes e capazes que nós? A resposta é da especialista em tecnologia da educação e professora de robótica a mais de 20 anos, Vancleide Jordão: “A diferença entre o homem e a máquina está na capacidade de tomar decisões diferentes. É do indivíduo, são condições que dependem de cada história, não somos futuros robôs”. Rejeitar o avanço tecnológico seria um retrocesso, precisamos abraçá-lo, refletir e continuar agindo para integrar as novas tecnologias às reais necessidades humanas. Confira exemplos de tecnologias inteligentes ao redor do mundo: Recife: Uma das melhores coisas que a tecnologia oferece é a inclusão e diminuição de barreiras para deficientes. Som em 3D, já pensou? Estudantes do Instituto Federal de Pernambuco desenvolveram um óculos de realidade virtual que, diferentemente de bengalas e cães guia, identificam objetos e obstáculos que estejam com até quatro metros de distância. Através de três sensores ultrassônicos inseridos na armação, o óculos traduz, via aplicativo, sinais em impulsos sonoros, facilitando caminhar entre obstáculos. Essa maravilha já está disponível, o protótipo custa entre R$ 50 e R$ 100. Dubai: Nas ruas de Dubai, o primeiro policial robô do mundo cumprimenta cidadãos e se comunica em diversos idiomas. Criado para combater o crime, manter a cidade segura e elevar a felicidade aumentar os níveis de felicidade, o robô reconhece gestos e disponibiliza um tablet para as pessoas registrarem crimes, que são reportados à polícia via internet. O robô, desenvolvido pela Inteligência Artificial da Máquinas de Negócios Internacionais juntamente com as tecnologias do Google, é uma aposta para compor, até 2030, 25% da força policial dos Emirados Árabes, mesmo sem portar armas. Londres: Já pensou se as casas, ao invés de se integrarem ao ecossistema, fossem o próprio meio ambiente? Cientistas da Universidade do Oeste da Inglaterra estão desenvolvendo uma tecnologia de tijolos inteligentes capazes de reciclar água e gerar energia. O objetivo final é a criação de “paredes bioreatoras” compostas por tijolos feitos com algas e outros microorganismos, tudo coordenado digitalmente para monitorar e se adaptar a diferentes condições ambientais. Esses tijolos inteligentes (e vivos!) podem prover parte do elemento sustentável que falta à vida urbana sem esforço dos cidadãos.


Java Araújo, designer e ilustrador. Ilustração sem título. Parte da exposição Nobreza, 2016. 13


DESTAQUE: IMERSÃO / VIVENDO FORA DO TEMPO E ESPAÇO

VIVENDO FORA DO

TEMPO E ESPAÇO Estamos cada vez mais imersos em um novo tipo de configuração social, no qual o virtual não só permeia o nosso dia a dia, como também está se tornando uma extensão alternativa da realidade, ao virtualizar as nossas experiências humanas.

ELLEN TAVARES

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o entrarmos em um restaurante, um fato curioso salta diante dos nossos olhos: em todas as mesas, o celular detém a atenção de pessoas acompanhadas ou sozinhas. Não há troca de olhares ou interação. O que se sobressai é um constante movimento de deslizar a tela do celular para cima, distribuindo corações ao curtir postagens, e seguindo e deixando de seguir usuários. Além disso, mais conversa acontecendo na ponta dos dedos do que olho no olho. E quando chega o prato, a cena é a mesma. As pessoas comem e teclam. A sopa de letrinhas dá lugar a sopa de teclinhas. A preocupação está mais em fazer a foto do prato do que apreciar o sabor ou desfrutar da companhia, por exemplo. Essa verdadeira obsessão por permanecermos conectados e ativos o tempo todo, nos impulsiona a uma vida de conectividade intensa em que vivemos além das barreiras temporais e fora dos limites espaciais. De fato, nossas vidas transcorrem entre o real e o virtual na tentativa de encontrar algum equilíbrio nessa dualidade. Cenas de imersão como essa são evidenciadas rotineiramente, também, quando nos obrigamos a olhar o e-mail diversas vezes, acompanhar as atualizações nas redes sociais, responder centenas de mensagens. Além de dependermos de uma boa conexão de internet para satisfazer nossas curiosidades, buscar informações, cumprir tarefas, pagar contas, descobrir tendências, ideias, empresas e pessoas. Devido à essa enxurrada de virtualização das experiências humanas estamos cada vez mais imersos em um novo tipo de configuração social, no qual o virtual não só permeia o nosso dia a dia, como também está se tornando uma extensão alternativa da realidade. 14

Nesse moderno jeito de viver alteramos aspectos da nossa cultura para suprir necessidades virtuais. Por exemplo, não tiramos mais fotos para guardá-las como parte de nossa história, hoje as fotos são tiradas de maneira fugaz, servindo apenas para curtir, comentar, compartilhar e retweetar. “Às vezes queremos tanto enfeitar a realidade só para postar que perdemos muito tempo, ao invés de aproveitarmos mais aquele momento”, a fala é da fotógrafa Carolina Alves, de 20 anos, enquanto, na varanda de sua casa, conversávamos sobre como a realidade virtual vem influenciando de forma massiva o nosso cotidiano. Para ela, as redes sociais são uma extensão da realidade, nem sempre mostramos o real por completo, mas o que queremos que os outros vejam. “O que eu posto está muito ligado ao meu repertório, com aquilo que eu sou, mas no Instagram isso é evidenciado de uma forma que fica tudo mais bonito, como em uma vitrine, uma vez que, eu escolho o que quero que as pessoas vejam: quem eu sou, o que tenho e o que vivo através de fotos, padrões e lugares”. Ela observa que atualmente nós damos continuidade, muitas vezes sem perceber, a um comportamento de personalidades influentes de épocas anteriores, que encomendavam pinturas e esculturas evidenciando o que tinha de melhor em seu corpo físico para serem lembradas por gerações daquela forma.


Imersão Instagramizada São cores, paisagens urbanas, cenas cotidianas, detalhes rotineiros, acontecimentos especiais ou corriqueiros, todos despertam o uso da câmera para Carolina, que registra tudo o que acontece para ser compartilhado nas redes sociais. Carol possui três contas na rede social Instagram, se considera uma instagrammer, termo utilizado para os usuários dessa rede de imagens, na qual ela seleciona o tipo de conteúdo para cada um dos perfis, administrando os três todos os dias, e garantindo que todos têm o seu olhar envolvido por uma perspectiva diferente. “No meu perfil oficial, eu penso muito antes de postar, por ser público e não saber quem realmente estará vendo. Minha intenção nessa conta é que as pessoas de todos os lugares se sintam inspiradas ao entrar nele, seja pela harmonia da organização e criatividade que estão as postagens, seja pelo conteúdo”, diz ela, enquanto entra nesse perfil. Ela mostra que os posts são calculados estrategicamente com a lógica que o feed já estava seguindo, como composição, enquadramento, edição de cor e contraste, pensados entre imagem e fundo, que cria uma atmosfera perfeita para expressar a sua intenção. São fotos da sua realidade, mas estetizadas de uma maneira que poderá ganhar mais curtidas. “Antes ficava estressada se o feed ficasse desorganizado, até deixava de postar algumas fotos, mas parei para pensar que isso é uma besteira, não posso ficar refém disso”. Ela compara: “Por exemplo, se eu for comer algo só por ser instagramável, em algum momento eu tenho que parar e reconhecer que, de alguma forma, isso não está certo. Minhas escolhas de vida não podem estar sendo baseadas no que eu vou poder postar ou não.” As duas outras contas são, respectivamente, uma apenas para os amigos mais próximos poderem acompanhar fotos e vídeos do seu

Carolina Alves, fotógrafa. dia a dia, “No Girassol — nome da conta privada — são as fotos que eu quero guardar ao mesmo tempo que quero que meus amigos vejam, só a realidade, sem filtro”. Por ser fotógrafa, a outra conta é profissional e se chama “1997 Fotografia”, ela conta que o tipo de conteúdo postado é diferente de suas contas pessoais, na qual são fotos dos momentos que está vivendo, pois no profissional é postado o que as pessoas querem ver. De acordo com Manuela Salazar, mestre em Comunicação Social pela Universidade Federal de Pernambuco, que em 2017 defendeu sua dissertação de mestrado sobre a estetização do cotidiano feito pelo uso do Instagram, atualmente as fotos são tiradas para que mostremos uns aos outros o quanto somos populares, o quanto somos viajados, o quanto somos cultos. Portanto, vivemos um estilo de vida não mais para nós mesmos, mas para as pessoas de um modo não altruísta. Para a mestre em Comunicação Social, essa forte tendência de misturar fotografia com as nossas vivências cotidianas é parte de uma mudança cultural que envolve dois aspectos, o primeiro é a popularidade dos celulares com câmera que impulsiona a fotografia não mais pensada como duradoura e sim como efêmera, fazendo jus a lógica de rapidez e imediatismo do feed do Instagram. O outro aspecto está ligado à individualidade, na qual nas tentativas de sermos indivíduos únicos e originais produzimos experiências vividas através de imagens, desenvolvendo um estilo próprio e compartilhando momentos escolhidos. “Nessa sociedade que tem produzido mais imagens do que nunca, a fotografia hoje em dia é usada para participarmos de trocas 15


IMERSÃO / VIVENDO FORA DO TEMPO E ESPAÇO

comunitárias que reforçam nossas identidades como produtores e consumidores culturais. Nosso dia a dia se torna obra de arte, buscamos o belo, aprazível e prazeroso em todos os setores das nossas vidas, inclusive na fotografia”, esclarece Manuela. Conectividade A ideia de ficarmos conectados todo o dia cria a ilusão de que somos partes ativa da sociedade em que vivemos e nos dá a sensação de que permanecer conectado é sinônimo de estar vivo. Para Sidclay Souza, doutor em Psicologia, com pós-doutorado em Psicologia pela Universidade Federal de Pernambuco, essa foi a maneira encontrada na modernidade para recriarmos o sentimento de pertencimento a um coletivo, estabelecendo uma cultura de expor toda a nossa vida — através de fotos, vídeos, opiniões — nas redes sociais. Foto: acervo pessoal.

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Sidclay Souza, doutor em psicologia.

À vista disso, quando priorizamos esse tipo de comportamento, apenas expressamos a sociedade a qual pertencemos. “O indivíduo que se prende demais às tecnologias, o faz para tentar se encaixar nas demandas sociais e acompanhar as mudanças em ritmo acelerado que a própria sociedade o impõe, caso contrário, sente-se excluído e incapaz de socializar”, pontua o especialista. Ainda segundo Sidclay, esse uso constante das redes sociais influencia significativamente as relações humanas e modifica o nosso universo, sobretudo no que se refere à comunicação. Ele ainda acrescenta que somos atraídos pelas redes sociais por causa da similaridade com o mundo real somado às infinitas possibilidades que a internet nos oferece, como, por exemplo, sermos o que sempre quisemos ser. “É nas redes sociais onde todos tentam fazer de suas vidas ‘uma obra de arte’, mostrando apenas o que querem que os outros vejam. Só publicamos aquilo que nos coloca numa posição em que gostaríamos de estar, numa posição ideal”, pontua. E acrescenta: “As redes sociais são uma extensão da realidade que muitas vezes acaba sendo uma realidade ‘simulada’ já que o ciberespaço permite que o sujeito possa assumir papéis que não condizem com o que ele é na vida real.” Consequentemente, quando há o uso exagerado de redes sociais, o especialista explica que pode ocorrer a inversão dos fatos: em vez da tecnologia ser um instrumento que auxilia a vida das pessoas, ela nos submete a um elevado grau de dependência e alienação. “Se por um lado, há a possibilidade de uma maior interação social, por outro, as consequências que derivam da falta de limites, como dependência tecnológica são preocupantes. A fotógrafa Carolina Alves compreende que se não filtrarmos aquilo que vemos no Instagram, aquele conteúdo vai nos influenciar de alguma forma. “O que vejo vai definir o que eu vou pensar, sentir e agir, e isso está diretamente ligado com quem estou me tornando. Se eu sigo muita gente fitness eu vou querer emagrecer, mas não por questão de saúde, mas pela parte estética em mostrar para os outros”. Ela ainda coloca: “A foto é importante porque eterniza o momento, mas tem que ter muito cuidado para que a gente não viva só da foto e não do momento de verdade.” Para Sidclay, não é a tecnologia que dá forma à sociedade, mas a própria sociedade que dá forma à tecnologia de acordo com as necessidades, valores e interesses das pessoas que as utilizam. “Não somos melhores por não usar redes sociais ou usá-las menos tempo que outros, mas sim quando usamos de forma moderada e com criticidade”, destaca o psicólogo. “A vida pode ser considerada como uma verdadeira obra de arte a partir do momento em que somos capazes de enfrentar as dificuldades e os desafios que precisamos lidar rotineiramente, sem precisarmos retratar a nossa vida como se fosse um conto de fadas com o objetivo de obter likes e visualizações”, conclui o psicólogo.


Quem nunca leu uma notícia e pensou: “Na dúvida, é melhor compartilhar”? Em meio a tantos debates sobre fake news, a população está cada vez mais cética com as notícias divulgadas, principalmente na internet. Todavia, não é tão simples identificar o que é fato e o que é fake, pois essas informações noticiosas, que não representam a realidade, podem ser compartilhadas como se fossem verídicas, via jornal impresso, televisão, rádio e, priancipalmente, através das redes sociais. Por isso, produzimos um infográfico para você realizar sua apuração, identificar e não sair compartilhando fake news.

É ABSURDO OU ESTRANHO? Leia mais do que o título, eles podem ser sensacionalistas apenas para obter cliques.

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Produzir e propagar Fake News é crime e pode gerar até 3 anos de reclusão.

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RESENHA / KISS ME FIRST

KISS ME FIRST EXIGE CUIDADO NA INTERPRETAÇÃO Assustadora e atraente, a imersão em realidades distintas pode significar mais do que os olhos podem ver.

GISELLE CAHÚ

E

m 29 de junho de 2018 estreou na Netflix a série britânica Kiss Me First. Composta por seis episódios entre 46 e 48 minutos, a trama conta a história de Shadowfax, ou Leila, como ela se chama no mundo real. Interpretada pela atriz Tallulah Haddon, que atuou no drama Taboo (BBC). Leila é uma jovem solitária e, em tese, segundo a sinopse da série, viciada num game de realidade virtual chamado Azana. Após conhecer Tess (Simona Marrom), ou Mania, como é chamado o seu avatar, Leila encontra Adrian (Mateus Barba), Calumny (George Jovanovic), Force (Freddie Stewart), Jocasta (Misha Butler), Tippi (Haruka Abe) e Denie (Samuel Bottomley). O grupo passa a maior parte do tempo vivendo na Red Pill (Pílula Vermelha), uma região secreta de Azana constantemente atualizada de forma impecável para satisfazer todos do grupo, um lugar encantador que guarda segredos assustadores. Em referência clara à Matrix, a Red Pill oferece uma realidade diferente da vivida por seus integrantes. 18

O drama se passa entre Azana e o mundo real. Com uma bela fotografia complementando a narrativa e um trabalho impecável nos gráficos do jogo Azana, Kiss Me First aborda segurança digital, fake news e jogos como a Baleia Azul, temas que estão em alta diante de ações hackers, dos boatos cada vez mais frequentes na internet e de pessoas mal intencionadas. Temas recorrentes em séries como Black Mirror e Mr Robot, que tratam de um universo cyberpunk. Além disso, a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 16 de junho de 2018, pouco antes da estreia da série, classificou como doença o vício em jogos eletrônico. Kiss Me First foi um investimento certeiro do criador Bryan Elsley. O autor, que também está por trás do sucesso da Skins, série da televisão britânica que aborda dramas vivenciados por um grupo de adolescentes nos dois últimos anos do ensino médio, adaptou a obra da escritora britânica Lottie Moggach à trama que leva o mesmo nome do livro: Kiss Me First. Apesar de vender a proposta de vício


em jogos eletrônicos, Kiss Me First explora questões como uso de drogas, morte, famílias disfuncionais e solidão. O jogo de realidade virtual surge como uma plataforma de encontro e união dos personagens, é a costura dos retalhos que constroem Kiss me First. Leila é movida muito mais pela curiosidade do que pelo vício, em “Alguma Coisa Ela Fez”, primeiro episódio da série, Leila é apresentada como uma garota solitária, que teve que lidar desde cedo com dificuldades dolorosas como a doença da mãe e deixa explícito que ela está voltando a jogar após 3 meses distante de Azana. A personagem principal não apresenta características de vício, como irritabilidade, prioridade do jogo acima do trabalho e amigos, por exemplo. Ela passa muito tempo fora do jogo, trabalhando e se relacionando com as pessoas reais que vivem na Red Pill. O jogo não é exatamente o problema, o foco é no perigo que existe diante da facilidade de manipular jovens psicologicamente vulneráveis. “Viver é trabalho duro”, como afirma um dos personagens, Azana oferece uma plataforma de fuga, lugar seguro longe do caos. Leila, em Perdendo o Controle, terceiro episódio da série, tenta mostrar aos outros o que o vilão está fazendo, mostrar que aquilo é um jogo e não a vida. O roteiro é mal executado, os seis episódios não dão conta do recado. O que a série escolhe não explicar ao espectador gera uma confusão no decorrer dos acontecimentos e cria expectativa por uma segunda temporada, já que alguns acontecimentos ficaram sem explicações. As pontas soltas incomodam quem chega ao último episódio. Kiss Me First constrói um cenário negativo — e apenas negativo — sobre games diante da exploração do mundo oferecido na realidade virtual, especialmente por pessoas com distúrbios psicológicos e profundos problemas afetivos. Mesmo que em algumas passagens Leila, a personagem principal, seja advertida a não retornar para Azana no episódio quatro, Amigos Nos Decepcionam, o foco do problema oscila e a culpa dos acontecimentos passa de Adrian, o vilão manipulador, para a plataforma Azana, um jogo com um objetivo diferente da Red Pill. É necessário um olhar cuidadoso para Kiss me First. A série pode gerar preocupações exageradas, principalmente aos que têm filhos que costumam jogar online e se comunicar com pessoas do mundo todo. É problemático interpretar de forma negativa as experiências virtuais, é um universo em expansão que oferece diversas ferramentas de crescimento em esferas como a pessoal, interpessoal e cognitiva e privar os jovens dessa vivência pode privá-los também de ampliar seus horizontes. Assim como no mundo real, o mundo virtual oferece perigos, mas, ao invés de deixarmos de viver, precisamos aprender a viver de forma segura, aproveitando as facilidades que o digital nos oferece. 19


CIBERCIDADANIA / CIDADANIA DIGITAL

CIDADANIA DIGITAL Atitudes cidadãs podem ser amplificadas através de ferramentas tecnológicas. Somos mais cidadãos do que pensamos ser?

GISELLE CAHÚ

C

aracterizada como vínculo entre as pessoas, o estado e a sociedade, a cidadania é exercida através de diversos modos de participação, do voto à faixa de pedestres. Construída coletivamente através das leis e normas que baseiam os direitos dos cidadãos, é afirmando nossos direitos, deveres, fazendo e tomando parte da sociedade que exercemos a cidadania. Seres políticos que somos, não deixamos nossa natureza de lado nem mesmo quando não a percebemos, afinal, estamos conectados e participamos do mundo virtual. Ligada à participação, aos direitos humanos, ao sentimento de pertença, e principalmente à habitação dos ambientes digitais, a cibercidadania modifica a concepção tradicional de cidadão principalmente no que se refere aos modos de manifestação. Seu significado vai além da conectividade, refere-se essencialmente à possibilidade pertencer a um ambiente de interações virtuais criando relações numa perspectiva política, social e cívica, onde o sujeito tem voz ativa no desempenho e na reivindicação de direitos e deveres, seja através de plebiscitos, petições, twitaços e até textões no Facebook. Para o jornalista, mestre e doutor em sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Luiz Carlos Pinto, 20

cidadania é uma condição de viver com direitos em sociedade, não havendo separação entre a cidadania na vida conectada e desconectada. “O que forma a cibercidadania é, em primeiro lugar, a continuidade dos direitos observados no mundo offline”, afirma Luiz. Para ele, as regras, leis e direitos desse “mundo offline” também precisam existir online. Diferentemente de muitos teóricos, o professor de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco não acredita numa cibercidadania desterritorializada: “Eu gosto de pensar essas coisas entrelaçadas. Desterritorializar a ação política e criar condições de uma cidadania global é um discurso político. Para mim, os ganhos políticos que acontecem em ambiente digital precisam ser compreendidos na sua relação com os aspectos geográficos”, afirma Luiz. Conectar é preciso Segundo informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad C), divulgada em 21 de fevereiro de 2018 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o Brasil entrou em 2017 com 116 milhões de pessoas conectadas à internet. Contudo, seguimos na contramão da

Território nem sempre se refere ao espaço geográfico e físico. Para filósofos como Deleuze e Guattari, pensar o território também é pensar nas interações de um grupo e nas construções de sentido que essas interações promovem. Para o geógrafo Rogério Haesbeart, a própria desterritorialização parte do rompimento de valores simbólicos e de identidades construídas entre laços e fronteiras.


expansão tecnológica visto que o país deixa a desejar em questões básicas: dados da mesma pesquisa, referentes ao mesmo ano, apontam que o Brasil tem quase 12 milhões de analfabetos. A esta barreira de acesso somam-se outras como a capacitação do uso da tecnologia e o capital necessário para possuir e manter as máquinas, por exemplo. Segundo Luiz Carlos Pinto, também integrante do coletivo independente de jornalismo investigativo, a Marco Zero Conteúdo, ter acesso à rede de troca de informações que a internet está inserida é um direito básico. “O direito à cidade depende de você estar na cidade; para ser um cibercidadão é necessária a interação nos ambientes virtuais. Ter acesso à conexão não é suficiente, é preciso saber lidar, transitar, criar narrativas. Assim como não adianta estar conectado e o acesso ser medíocre. Por exemplo, em lugares como as cidades do interior e periferias que antes não tinham internet, hoje têm acesso à conexão e quando eu vejo está todo mundo em alguma rede social que tem um aspecto muito ambivalente”, argumenta Luiz, pesquisador de formas periféricas de apropriação tecnológica, propriedade intelectual, segurança em rede, privacidade e cidadania. De fato, as comunidades virtuais carregam em si dois valores contrários, que podem tanto serem úteis para agir de forma cidadã quanto o inverso, favorecendo atitudes antiéticas como o bullying, a fake news e até mesmo a alienação. Mas não são apenas as redes sociais online que carregam em si essas possibilidades de uso. Um exemplo é o aplicativo Waze, uma das maiores ferramentas de trânsito e navegação do mundo, vencedor do prêmio de melhor aplicativo portátil de 2013 no Congresso Mundial de Portáteis. O aplicativo, alimentado pelos usuários, permite ao motorista evitar tráfegos intensos e vias esburacadas. Infelizmente muitos

Taxa de analfabetismo de pessoas de 15 anos de idade ou mais

SEXO

IDADE

Homem

15 ou mais

Mulher

18 ou mais

25 ou mais

COR Preta ou parda

40 ou mais

Branca

60 ou mais

Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2016.

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Luiz Carlos Pinto, jornalista, mestre e doutor em sociologia pela UFPE. condutores utilizavam o aplicativo para desviar de blitz policiais, favorecendo criminosos e motoristas irregulares. Por isso, em agosto de 2016 a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, da Câmara dos Deputados aprovou por unanimidade o Projeto de Lei 5596/13, que prevê a proibição de aplicativos e redes sociais que alertem sobre a ocorrência de blitz de trânsito. “As tecnologias são coisas sobre as quais ainda é possível atuar”, pontua Luiz, “elas não estão prontas, não servem só para uma coisa.” Para ele, o uso que fazemos das ferramentas tecnológicas depende do que essas tecnologias são para nós, assim como dependem da nossa capacidade de criar outros sentidos para elas, outras forças e inspirações além daquela que nos é vendida. Além disso, as bolhas de conteúdo favorecem o empobrecimento da conexão, são elas que muitas vezes “impedem” o acesso a ferramentas e a entrega de novos conteúdos. O Mete a Colher, Chega de FiuFiu e o Onde Fui Roubado são exemplos de plataformas que utilizam a participação popular para serem eficaz, mas não possuem grande adesão e muitas vezes são desconhecidos pela população. Para Luiz, as pessoas têm dificuldade de saírem do seu conforto: “Existe o entendimento de que a tecnologia não requer nosso esforço. Tem muito 22

conteúdo chegando, muita coisa para consumir, por que é você quem tem que produzir a informação?”, indaga o jornalista, referindo-se ao pensamento compartilhados por muitos. É aí que reside uma questão essencial: a educação. “O povo tem que ser mais educado, sim, mas qual educação? A educação que orienta as crianças a pensarem de uma maneira individual, não coletiva? A medida que você vai além do acesso você empodera uma população para elas criarem as suas interpretações do que está acontecendo ao seu redor, e, em termos de governo, quem realmente quer isso? Nem todos os governos têm interesse em empoderar o povo com ferramentas universais de criação narrativa, isso é uma arma”, afirma Luiz Pinto, que atuou como Superintendente de Comunicação e Imprensa da Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente de Pernambuco, do fim de 2009 ao início de 2014. Alfabetização midiática e informacional Para o engenheiro eletrônico (UFPE), mestre em psicologia cognitiva (UFPE) e doutor em ciências da educação pela Université de Paris (René Descartes), Alex Sandro Gomes, alfabetização midiática e informacional é um conjunto de habilidades que permite ao cidadão saber consumir e produzir conteúdo. “Você vai consumir o conteúdo, vai ter a habilidade para interpretar, verificar a veracidade, e depois atuar nas mídias sociais. É um processo longo de socialização, algo que se aprende convivendo com as pessoas.” Para ele, o melhor discurso é o da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), que propõe um livro como programa de formação de professores organizado por habilidades e competências para empoderar outros cidadãos. “Desde sempre a comunicação é utilizada como instrumento de controle. Para mim, alfabetização midiática é uma forma de emancipar as pessoas da influência da comunicação. Mas ela é muito complexa: vai lhe deixando feliz com aqueles likes e quando você percebe está emocionalmente ligado àquela mídia. A maioria da população desconhece como funciona, por exemplo, você sabia que essa conversa está indo para um servidor de voz para aumentar a precisão das propagandas que vão aparecer para você daqui a pouco no Instagram e no Facebook? Eles negam que fazem isso mas com certeza eles fazem”, afirma Alex, que hoje atua como professor no Centro de Informática da UFPE, apontando para o celular que estava gravando a entrevista. Alex Sandro compreende como a pessoa mais alfabetizada midiaticamente aquela que não usa mídias digitais. Para ele, saber usar uma plataforma não significa ser alfabetizado midiaticamente: “Pode parecer que a pessoa que mexe com mais ferramentas são as mais bem alfabetizadas, mas para mim é ao contrário. Eu estou alfabetizado na


medida em que estou liberto da influência daquela coisa. Acho que tem uma relação de liberdade, consciência e autonomia. O brasileiro gasta muitas horas por dia online, o que é isso? É perda de tempo? Não, é audiência que eu vendo para alguém que a transforma em recursos. Se eu consigo viver com qualidade com uma quantidade relativamente adequada de informações, acho que tenho um nível de consciência sobre minha relação com a noosfera digital que não me aprisiona. Alfabetização não é lidar com ferramentas, é no sentido de emancipar-se dela”. Afinal, como agir de forma cibercidadã? Para Alex Sandro, inteligência coletiva refere-se diretamente à cibercidadania: “Uma multidão é mais sábia do que o mais sábio dos sábios”. Segundo o docente, agimos de forma cidadã no mundo online quando interpretamos, consumimos conteúdos e, mais ainda, quando causamos impacto na concepção de algo e/ou num coletivo, seja com uma música, uma performance ou até um meme. “Já ouvi falar que é o meme que vai salvar o Brasil. O meme é uma forma de e-cidadania muito interessante, é uma forma de falar da verdade. O humor é aquela coisa tênue entre o ridículo e a verdade, e acertamos com muita frequência em fazer humor digital. Se 50 milhões de pessoas, que é mais o menos a quantidade de pessoas que estão na internet, riem de um juiz, ou falam bem ou mal de uma determinada liderança com um meme, isso é um grande efeito, é genial, é um poder de mobilização fantástico. E-cidadania é causar efeito”, afirma o membro da Academia Pernambucana de Ciências, Alex Sandro, que atua com a concepção de ambientes colaborativos de aprendizagem. Em alguns momentos, atuamos como cibercidadãos e não nos damos conta disso.

Ao compartilhar o que acreditamos e levar uma crítica adiante, podemos fazer mais pessoas pensar sobre aquele determinado assunto. Contudo, para o professor Alex Sandro, existe um porém: “O nível de subjetividade e engajamento intelectual da pessoa que repassa um meme é quase zero, mas faz sentido, é uma propagação, eu não posso, por exemplo, falar sobre gripe e desconsiderar o portador, não é ele quem está passando? Isso faz parte de uma engrenagem gigantesca, é um nó que sozinho não tem muito valor, mas ele tem que existir para formar um grande fenômeno. Ao mesmo tempo que aumenta o alcance você pode criar um mundo. Alex Sandro, também líder do grupo de pesquisa Ciências Cognitivas e Tecnologia Educacional acredita que apenas daqui a 150 anos vamos perceber com clareza o efeito da humanidade exposta a tanta informação: “A gente fica frustrado pq acha que vai resolver no decurso de um governo. Não vai. Isso é uma evolução civilizatória, é um processo civilizatório, um processo histórico”. Ainda há um caminho longo para galgar: “A e-cidadania, o ciberativismo, ainda é para poucos”, afirma o professor. Mas sempre existem formas de agir e Alex Sandro aponta algo fundamental para mudar esse sistema: “Solidariedade. Quantas vezes você emprestou um livro para o porteiro do seu prédio? Quantas vezes você parou para conversar com alguém? A minha estante está cheia de livros, mas apenas 5% da população têm estantes. Temos 2,5 milhões de pessoas no Grande Recife para cinco bibliotecas públicas, quando é que as pessoas vão ler? Não podemos esperar pelo poder público, as ferramentas estão aí, faz um canal no YouTube, valoriza a leitura, esquece livro por aí, dê livros de presente, seja voluntário. Exclusividade é para poucos, o contrário dessa visão egoísta é a solidariedade”.

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Alex Sandro, doutor em ciências da educação pela Université de Paris.


COLUNA / APPFICAÇÃO

APPFICAÇÃO DA VIDA : 24 HORAS DE CONEXÃO GISELLE CAHÚ

A

aluna de jornalismo, Bruna, de 20 anos, cultiva o hábito de ler toda noite antes de dormir. O livro de hoje é da série A Amiga Genial, que baixou de graça direto no Kindle. Enquanto ela lia, Bruna recebeu uma mensagem via Whatsapp no grupo de carona da Zona Norte, parece que amanhã vai ter protesto na Boa Vista, mas não saiu nada nos portais de notícia. Já pela manhã, às 6:30, Nath já está pronta, apenas terminando a xícara de café para sair. Sua Google Agenda está lotada, ela precisa, inclusive, comparar os preços da Amazon, Submarino e E-bay, para comprar uma babá eletrônica para sua sobrinha recém-nascida. Ela está se mantendo ocupada para não pensar em Vitor, que costumava ser seu namorado até Flávia, sua amiga, achar o perfil dele no Tinder. Sem carona combinada para hoje, Bruna viu no CittaMobi que o ônibus vai passar em 10 minutos e dessa vez não foi iludida pelo sistema: o Dois Irmãos / Rui Barbosa chegou! Já o ônibus de Flávia não passou, a demora foi tanta que ela desconfiou que algo grave pudesse ter acontecido, abriu o Twitter e constatou o que de fato aconteceu: um protesto de moradores na BR 101 bem na saída do terminal do Barro reivindicando ao digníssimo gestor da

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cidade o recapeamento da via, “Morte todo dia, mais um buraco na via”, dava pra ler num dos cartazes da foto da notícia. Flávia precisou pegar um Uber e avisou a amiga pelo Telegram que o Waze mostrava tudo vermelho e não ia conseguir chegar na hora da aula, aproveitou o engarrafamento para checar os e-mails e passar de uma fase super difícil no Candy Crush. Impedida de chegar a tempo na aula, Flávia decidiu cumprir a promessa de ir almoçar com a avó, mas como está fazendo o desafio 21 dias vegano, foi logo abrindo o Ifood para garantir a foto do décimo sétimo dia no Instagram, hoje vai ser uma incrível feijoada vegana acompanhada de almôndegas de berinjela que deve chegar em 70 minutos na casa de Constância, sua avó. Durante o almoço, Flávia precisou ensinar a sua avó algumas coisas. Dona Constância vai participar da Marcha das Vadias no Derby e queria muito aprender a tirar uma selfie na Marcha para atualizar a foto do perfil no Facebook. E mais! Dona Constância queria saber para que serve o jogo da velha que ela vê nas legendas do Instagram. Ela é uma senhora antenadíssima, desde o mês passado começou a aprender inglês no Duolingo e já completou quase todas as atividades. O único peca-


do dela é repassar correntes e, às vezes, dia sim dia não, uma fake news. Com a barriga cheia e após um cochilinho de 20 minutos para reabastecer as energias, é hora de encontrar Bruna para fazer a entrevista solicitada em Técnica de Entrevista e Reportagem II. Com o carro da avó, Flávia pegou Nath na faculdade e foram o caminho inteiro ouvindo uma playlist super recifense no Spotify. Entre Academia da Berlinda e Igor de Carvalho, as amigas conversavam sobre um episódio engraçado: naquela manhã, um boysinho na universidade disse a Bruna que “era bom conhecê-la no mundo real” e só depois de dar um sorriso amarelo ela percebeu que era um seguidor do Instagram: “Não tem a @ escrita na testa”, completou Flávia, rindo da situação. No meio do riso Flávia lembrou que não editou a foto para postar hoje, se ela perder a hora de pico em que seus seguidores estão online, por volta das 20h, o desempenho da foto vai cair. Bruna socorreu a amiga e aproveitou para editar a foto no Lightroom, já que a amiga costuma colocar uns filtros horrorosos no VSCO Cam. No tradicional happy hour na Rua da Moeda com os colegas de trabalho, Vitor tenta passar um tempo

longe do smartphone e se entrosar, para isso utiliza o aplicativo Forest, que promete fazer crescer na tela uma floresta inteira em troca de tempo inativo. Infelizmente sua árvore morreu porque o assunto ficou chato, ele esqueceu da árvore, abriu o Instagram, deu de cara com a foto de Flávia e todo o termino do namoro com Bruna passou como um filme em sua cabeça. Eles tinham aberto uma conta em conjunto no Banco do Brasil para curtirem as praias do México na viagem em comemoração da formatura dela. As passagens já tinham sido reservadas no Airbnb, mas hoje só sobrou na conta o valor depositado por ele, Bruna retirou sua quantia no mesmo dia em que se sentiu traída. Com um nó na garganta, Vitor foi twittar sobre seus sentimentos medindo cada palavra que escrevia na esperança de Bruna ler, o que não aconteceu. Já em casa, Bruna viu que esqueceu de ativar o Water Your Body e, consequentemente esqueceu de beber água. Ela vai ter que tirar o atraso de 1 litro que passou batido. Com o Modo Noturno ativado para a luz azul da tela não lhe tirar o sono, decidiu postar no seu Tumblr sobre o término do relacionamento e, assim como na noite anterior, precisou jogar Candy Crush até cair no sono.


CARTA DO LEITOR / #CONECTACOMAGENTE

Abordar experiências virtualizadas nos deixou curiosos sobre como a tecnologia influencia a vida dos nossos leitores. Por isso, lançamos uma pergunta no mar, ou melhor, na nuvem. Confira as melhores respostas dos bravos navegantes da internet.

DE QUE FORMA A TECNOLOGIA INFLUENCIA SUA VIDA? Luciane Morais, 20 A tecnologia auxilia no meu trabalho por meio de ferramentas para pinturas digitais, bem como é presente em todos os aspectos da minha vida cotidiana, como jogos eletrônicos, TV, e utensílios domésticos. Wenceslao, 23 A tecnologia influencia minha vida de muitas maneiras: para fazer projetos da faculdade, para me divertir no YouTube ou no Netflix, para guiar-me pelas ruas da cidade, para falar com minha família ou meus amigos, para procurar informações na internet e expor meus pontos de vista. <3 Helsiane, 40 A tecnologia afeta minha vida diretamente à medida que transforma meu dia a dia, seja acelerando minha entrega de resultados na empresa, através de ferramentas e aplicativos, seja com a interação e o compartilhamento de pessoas e informações, gerando ganho de tempo e reduzindo problemas de mobilidade urbana. Maria Olívia, 19 Uso praticamente para tudo: estudar, trabalhar, me divertir, organizar minha vida, gerenciar meu dinheiro e fazer compras, principalmente pela facilidade e economia. Além disso, o alcance é maior, tenho acesso a muito mais conteúdos por meio dela, sem falar que está presente não só na internet, mas em coisas simples como usar o VEM ou um cartão de crédito. Daniel Azevedo, 21 A tecnologia facilitou o mundo. Fronteiras parecem não existir; o acesso à informação fora facilitado; todo mundo perto, mas ao mesmo tempo longe. Na minha vida, especificamente, é o meio pelo qual mantenho meu ciclo de amizade, obtenho informação, busco lazer. Um retrocesso tecnológico significaria a paralisia do meu modo de viver. Ivanilson, 40 Diariamente em praticamente todos os aspectos pois utilizo-a como ferramenta de trabalho, informação, comunicação, entretenimento, tomada de decisões, de forma comercial e científica, além de educacional. Não dependo exclusivamente dela, mas ela me ajuda otimizando e acelerando a conquista de todos os meus objetivos diários.

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Sopa de teclinhas simples  Tempo de preparo 30 min Serve: 1 O segredo da sopa está na qualidade dos emojis, dê preferência ao caseiro ao invés do industrializado. Se você utilizar o industrializado, então não adicione sal. Ingredientes  Teclas Mac em bom estado.  250 g de emojis.  1 litro de água.  Sal e orégano (ou pimenta-do-reino) a gosto. Modo de preparo 1. Verifique a segurança da sua conexão wi-fi. 2. Doure os emojis numa frigideira. Escorra o excesso de fofura e reserve. 3. Despeje a água e acrescente a quantidade de teclas que desejar. 4. Adicione o tempero. 5. Cozinhe por cerca de 20 minutos até que as teclas estejam macias. Se a potência da sua conexão for baixa, deixe cozinhar por mais 10 minutos. 6. Insira os emojis e sirva. Recomenda-se comer acompanhada do seu smartphone para curtir melhor a sopa.

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