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rogério mota - bmw motorrad portugal A ESTREIA DE IVO LOPES NO MUNDIAL DE SBK

A quarta ronda do Mundial de Superbike, o principal campeonato dedicado às motos derivadas de produção, revestiu-se de particular importância para as cores nacionais. No circuito Barcelona Catalunha, Ivo Lopes tornou-se no primeiro português a alinhar nesta fórmula com uma moto de fábrica, cortesia da BMW Motorrad WorldSBK. Mas como foi possível chegar até aqui?

POR Fernando Pedrinho / MotoX.Pt • FOtOs Matteo Cavadini, Fernando Pedrinho

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Uma pessoa teve particular importância neste ‘wild card’ (participação esporádica) do piloto da Amadora. seguiu e esteve com Ivo por todo lado, como se fosse a sua própria sombra. Desde a box com a equipa técnica do piloto a que Lopes foi chamado a substituir, Michael van der Mark, à grelha de partida, ‘hospitality’ da equipa ou deambulações pelo ‘paddock’. Falamos de Rogério Mota, o diretor geral da BMW Motorrad Portugal, que nos levou a percorrer a estratégia que teve por detrás deste feito.

“temos de recuar a 2019” para perceber como se conseguiu esta façanha, dizia-me o timoneiro da marca alemã para as duas rodas em solo nacional. “Coincidiu com a minha passagem dentro da BMW Portugal para esta nova função, enquanto o Ivo e a Zanza (equipa) já estavam a disputar o campeonato nacional com motos da marca. Acabámos por integrar os dois projetos, sabendo que estávamos perante um talento gigante”, resumiu desta forma o início de uma caminhada que se construiu num país pequeno e escasso de recursos no motociclismo desportivo.

A PASSAgEM PARA ESPANhA

Desde há bastante tempo muita gente defende que Ivo Lopes merece um lugar no Mundial de superbike, pelo seu talento e capacidade, com vários a não se furtarem mesmo a uma comparação direta com Miguel Oliveira. “Houve que saber contatar as pessoas certas para colocar de pé um projeto realista”, realçou Rogério Mota. “Deu muito trabalho e houve que ultrapassar muitas barreiras para dar os passos certos, pois um em falso a este nível é basicamente ‘game over’. Falámos com a Motosport (o departamento desportivo da BMW), com os colegas de Espanha e desenvolvermos um projeto ibérico para 2020, porque já havia uma equipa no país vizinho que contava com apoio da BMW Motorrad Motorsport”. surgiu então o projeto de fazer alinhar um piloto português numa equipa espanhola para disputar o campeonato principal dos dois países. “Na nossa estratégia, tratava-se de, futuramente, ‘alavancar’ a carreira do Ivo”, numa aliança tripartida.

LEVANTAR VOO LOgO NO PRIMEIRO ANO

O alegre e expressivo piloto natural da Venteira não desmereceu a confiança depositada. “Em 2020 foi logo campeão na categoria ‘Open’ e no seguinte ascendeu à ‘superbike’ onde também se sagrou como campeão de Espanha da categoria”, resumiu Rogério Mota. “Isso fez com que o foco aparecesse (a participação no Mundial de superbike) mas dar esse salto era tudo menos fácil”. A parte seguinte da estratégia passava por integrar Lopes em alguns dos testes de pré-temporada das equipas com apoio oficial. “O Ivo participou em dois deles no circuito de Almeria, beneficiando da presença da equipa da marca que alinha no mundial de Resistência e da formação oficial do WsBK que foi lá testar algumas soluções e o chamou para dar a sua opinião e contribuição”.

À PROcURA DE UMA OPORTUNIDADE

É a partir dessa altura que a direção da marca em Portugal começa à procura de uma oportunidade de inscrever o piloto nacional numa prova do mundial, fosse como ‘wild card’ em substituição de algum piloto ausente, em 2021. “tentámos um par de vezes, no Estoril e em Portimão”, recordou o diretor geral da BMW Motorrad Portugal. “No Estoril teria sido para substituir o (Michael) van der Mark, que se havia lesionado numa sextafeira que se tornou muito frenética, com muita gente a tentar que o Ivo fosse chamado a substituí-lo. Contudo, acho que foi bom não ter acontecido, pois seria tudo muito de repente. Já estavam a decorrer os treinos e se ele entrasse nessa altura teria perdido os dois treinos livres de sexta-feira e só entraria já no sábado. Acho que acabou por se tomar a decisão certa. Um passo em falso neste campeonato é fatal e ainda bem que o conseguimos proteger”.

A POSSIBILIDADE DE PORTIMãO

A tentativa seguinte teve como alvo a prova de Portimão, já em 2022. “Não se tratava de um ‘wild card’ mas de fazer alinhar uma terceira moto”, disse Rogério Mota. “Estávamos em pleno agosto e era necessário reunir tudo o que é necessário para fa- zer alinhar outra moto. Mas o Ivo já tinha construído o seu nome dentro da BMW, pelo que a estrutura da Motorsport também começou a conhecê-lo e a entender o seu potencial. O convite para os treinos de Almeria já o demonstrava e tratou-se de uma oportunidade real. só que uma coisa é substituir um piloto, dentro de uma estrutura já existente, algo bem diferente de construir uma terceira moto, toda a equipa técnica e meios associados que há que colocar de pé para esse evento. Estamos a falar de cerca de dez pessoas e duas motos!” só que a esperança nunca morre e com quatro pilotos oficiais a disputarem o Mundial de superbike, pois há que não esquecer a equipa da Bonovo Action BMW, “sabíamos que esta oportunidade iria surgir”

VER A LUz NO BARcELONA cATALUNhA

E foi de novo o infortúnio do piloto neerlandês que materializou a tão almejada presença do piloto nacional no Mundial de superbike, após a grave lesão contraída na prova de casa, na ronda anterior em Assen.

Um feito conseguido com muito esforço e empenho de todos os que rodeiam Ivo Lopes, mas com dificuldades acrescidas, pois a M1000RR da marca germânica é reconhecida como a mais complicada de pilotar de toda a grelha. só para se ter uma ideia do grau de dificuldade que representa esta ascensão, Ivo Lopes vem do EsBK espanhol onde corre “com uma moto ‘stock’ e pneus Dunlop e teve passar para uma moto que não tem nada, mas mesmo nada, a ver com a moto dele”, salientou Rogério Mota. Diziam-me no Barcelona Catalunha que só a potência máxima se traduz em 30 cavalos adicionais, sem falarmos da resposta do motor ou da muita ajuda eletrónica que há que gerir e preparar. “Esta M1000RR é uma verdadeira moto de competição e os pneus da Pirelli são muitíssimo diferentes dos que está habituado.”

MOSTRAR PROgRESSãO

Numa pista que já conhecia bem, mas pouco favorável às BMW por se tratar de uma pista onde a tração mecânica é fundamental, “mais do que os tempos por volta, a mensagem transmitida foi observar a progressão do Ivo”, revelou Rogério Mota, aqui no papel de um autêntico gestor da carreira desportiva do piloto da Amadora. “Foi perceber que ele consegue dar retorno das sensações tidas com a moto e que volta após volta consegue progredir. E isso ficou demonstrado, independentemente dos lugares ou tempos alcançados, que temos aqui um piloto profissional que consegue pegar em algo completamente novo e é capaz de mostrar evolução de forma imediata”. tudo isto num nível altíssimo onde se podem ter dez a quinze pilotos a discutir diferenças de meio segundo! “Perder uma décima em cada setor, ou seja, quase nada, traduz-se no final em cerca de meio segundo que pode fazer toda a diferença num lugar na grelha”, realçou Rogério Mota. “Como dizia, o mais importante foi a capacidade do Ivo mostrar à equipa que entende a moto e as alterações introduzidas se traduzem em nova melhoria quando reentra em pista”, concluiu.

MISSãO cUMPRIDA

Com uma estonteante calma, mas uma alegria contagiante, que colocou toda a equipa germânica a sorrir nos três dias de prova, Ivo Lopes cumpriu a sua missão com distinção. Os seus tempos por volta nunca pararam de baixar, envolveu-se em luta direta com nomes consagrados do campeonato, ou em ascensão, e andou sempre com a estrela da equipa, o britânico scott Redding, à vista. tudo isto brindado com um ponto para o campeonato mundial, mas sobretudo, a sensação de dever cumprido!

“A equipa conseguiu entender no volta a volta a progressão que ele demonstrou ao longo de todo o fim de semana, algo que comentavam constantemente entre si. Por outro lado, estavam muito curiosos para ver que tipo de retorno que o Ivo iria transmitir da moto, um piloto que vem de uma moto ‘stock num campeonato que gira em tempos muito interessantes se comparados com os alcançados no Mundial. O Ivo conseguiu dar esse ‘feedback’, algo que deixa qualquer equipa técnica muito satisfeita, para poder melhorar e evoluir a moto. Por fim, na sobreposição da telemetria do Ivo com a dos restantes pilotos da BMW, para perceber a tal diferença, na sua esmagadora maioria os gráficos estão muito aproximados e o próprio chefe de equipa (o experiente Marcus Eschenbacher) mostrou-se muito surpreendido por não estar à espera de uma ‘colagem’ de resultados tão rápida”

E A PRóxIMA é PARA qUANDO?

Não se sabe! Ivo Lopes mostrou serviço numa grelha em que só o atual campeão (Álvaro Bautista) e o recordista de títulos (Jonathan Rea) têm contrato já assinado para 2024. “Esta foi a oportunidade para o Ivo mostrar que é capaz de progredir. Não existe uma expetativa do que o que foi alcançado nesta participação se traduza em algo de concreto para a próxima época. O principal objetivo foi demonstrar à BMW Motorrad Motorsport que tem no Ivo um piloto português com muito talento e que pode contar com ele para o futuro!”

A sorte dá um trabalho tremendo, mas a visão de Rogério Mota e da BMW enchem de esperança os adeptos de Ivo Lopes de poderem ver o piloto nacional a tempo inteiro no Mundial de superbike.

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