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Prefácio à edição brasileira

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Introdução

Introdução

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André Barcinski

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Que cena musical interessante existia na Nova York de meados dos anos 1970, não?Se pensarmos nas grandes cenas da história do rock – Memphis nos anos 1950, Liverpool no início dos 1960, o pessoal hippie flower power de São Francisco alguns anos depois – veremos que todas buscavam inspiração no passado.

Quando Elvis, Jerry Lee Lewis, Ike Turner, Howlin’ Wolf e outros pioneiros do rock gravaram pela Sun Records, no início dos anos 1950, estavam levando à frente uma tradição musical que vinha do blues e de suas raízes.

Já os Beatles e seus comparsas, na Liverpool cinzenta do início dos 1960, tentavam, à sua maneira, emular justamente os inventores do rock: Jerry Lee, Chuck Berry, Elvis e Buddy Holly, entre outros. E os criadores da cena psicodélica de São Francisco, como Grateful Dead e Jefferson Airplane, simplesmente uniram as tradições da música folk norte-americana à lisergia que rolava na Califórnia, então em ebulição contracultural.

Já Nova York nunca olhou para trás. A cidade que nunca dorme sempre se recusou a apelar à nostalgia. O Velvet Underground, banda mais importante da cidade – do mundo, talvez? – foi a primeira a abraçar

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BLONDIE – Vidas Paralelas

a vanguarda teatral, musical, comportamental e das artes plásticas, e inventou o rock urbano. O Velvet foi a primeira banda a extirpar de seu som qualquer traço de blues e saudosismo, e se transformou num farol para todos os grupos nova-iorquinos que vieram depois.

Para entender a cena musical nova-iorquina, é preciso entender um pouco sobre a história da cidade. No início da década de 1970, Nova York era um esgoto a céu aberto. As ruas eram imundas e habitadas por todo tipo de degenerados. O Central Park era um “parque de diversões” de viciados em heroína e pervertidos de todo tipo. Veja filmes como Perdidos na Noite, Caminhos Violentos, Warriors – Os Selvagens da Noite e Taxi Driver, e você terá uma ideia melhor da Sodoma que era Nova York naquela época.

A parte sul da ilha de Manhattan estava completamente dilapidada. Prédios abandonados foram invadidos por squatters. Prostitutas e traficantes dominavam o pedaço. Donos de prédios abandonaram suas propriedades ou os alugaram por uma ninharia. Isso atraiu milhares de jovens de todo o país, que fugiam de suas tediosas vidinhas suburbanas e buscavam um local onde pudessem ser livres.

Nesse ambiente pra lá de doido, floresceu o teatro de vanguarda, a nascente cena gay, o cinema underground, o grafite – que deu origem a pintores como Basquiat –, e as festas de black music, que impulsionaram a disco music e o nascimento do hip hop. Também surgiu uma cena musical das mais ecléticas, radicais e transgressoras, que abraçava desde o rock andrógino da banda glitter/protopunk New York Dolls, os experimentos eletrônicos do Suicide, o rock poético de Patti Smith, as jams do artrock do Television ao minimalismo barulhento dos Ramones, o funk branco do Talking Heads e o noise de Lydia Lunch e James Chance, entre muitas e muitas outras manifestações artísticas e musicais que surgiram no coração já um tanto apodrecido da Big Apple setentista.

Esses artistas buscavam inspiração no passado, mas conseguiram criar algo novo, que refletia a urgência, o inconformismo e o antagonismo típicos dos nova-iorquinos daquela época barra-pesada. Foi nesse ambiente social e cultural de anarquia e ecletismo que nasceu o Blondie, a banda mais importante e de maior sucesso comercial da new wave.

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Prefácio à edição brasileira

Hoje, todo mundo conhece o Blondie como um colosso de vendas, uma banda que conseguiu escapar do gueto punk nova-iorquino para se tornar uma das maiores vendedoras de discos dos anos 1980. Canções brilhantes como “Heart of Glass”, “Rapture”, “Call Me”, “Atomic” e tantas outras fazem parte da programação de qualquer rádio de classic rock.

Mas a história de como o Blondie chegou ao estrelato é fascinante, e ocupa boa parte deste livro.

Por trás da doçura das melodias pop do Blondie, existem duas figuras – Debbie Harry e Chris Stein – de personalidade forte e transgressora. Debbie, a “Marilyn Monroe” do punk, uma deusa platinada que, ainda criança, deixava homens e mulheres desconcertados com sua beleza, e sabia o efeito extremamente magnético que tinha sobre as pessoas. E Chris Stein, o arquiteto da dominação pop que o Blondie levaria a cabo a partir de 1975.

Essa dupla fez do Blondie uma marca, cuja influência na cultura pop foi imensa. Eles foram os primeiros a fazer a ponte entre a música underground da cena do CBGB e o mainstream do pop, gravando discoteca (“Heart of Glass”), rap (“Rapture”) e reggae (“The Tide Is High”).

Esteticamente, o Blondie também foi inovador, com videoclipes que entraram em altíssima rotação na então nascente MTV e o visual retrô-cool de Debbie Harry influenciando todo o pop oitentista, de Madonna a Pet Shop Boys, de Duran Duran a Soft Cell.

No Brasil, o Blondie fez grande sucesso em rádios, mesmo que nunca tenha aportado por aqui para shows (melhor sorte tiveram os hermanos argentinos e chilenos, que já puderam testemunhar as apresentações sempre empolgantes do grupo). Mas “Heart of Glass” foi hit em discotecas do Oiapoque ao Chuí, e acabou, 36 anos depois de lançada, na trilha de uma novela da Globo, Boogie Oogie.

Outro aspecto interessante da trajetória do Blondie foi sua ressurreição comercial após sua volta, em 1997, depois de quinze anos separado. O disco No Exit (1999) mostrou que Debbie Harry e Chris Stein ainda tinham o poder de criar pérolas pop, especialmente o single “Maria”, que chegou ao número 1 na parada britânica, exatamente vinte anos depois do primeiro número 1 da banda, “Heart of Glass”.

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