Pensar a imagem

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A imagem pensativa Atraente ao olhar, as fotos de Cottingham só podem, no seu deslocamento ínfimo, deixar sonhar aquele ou aquela que as contemplam. Superfícies impenetráveis, elas aspiram, entretanto, o movimento do olho, forçando-o a procurar a origem da sua intranquilidade. Através da superexposição do grão, a materialidade da imagem introduz areia nas engrenagens do visual e cria um tempo, o do olhar. Segundo Roland Barthes (2003, p. 1134), esse é o instante preciso em que a fotografia se faz subversiva, “não quando se assusta, repele, ou mesmo estigmatiza, mas quando é pensativa”. Na sua análise nas linhas finais da Sarrasine balzaquiana (“E a marquesa permanece pensativa”), Barthes (2003, p. 700-701) entrevê o esboço de uma indecisão suspensiva que, por sua vez, Jacques Rancière (2009, p. 115-140) encontra na atitude pensativa dos adolescentes sonhadores fotografados por Rineke Dijkstra. Esta “pensatividade” ainda permanecerá relativa, por muito tempo só nomeará o estado de alma de um sujeito representado, em resumo, a pensatividade da imagem será, portanto, confundida com a pensatividade do sujeito da imagem. Ora, a “pensatividade” só desenvolve realmente sua força de subversão quando não realça mais o sujeito representado, mas quando se difunde e afeta tudo que a cerca. No espaço entre a imagem e o olhar que ela provoca, uma atmosfera pensativa se forma, um meio pensativo. Tal meio e tal espaço potencial, indeterminado ainda nas suas atualizações singulares, um meio de pensatividade precedendo todo pensamento e que, assim, “encerra o pensamento não pensado” (Rancière, 2009, p. 115 [2012, p. 103]).1 Com força, as fotos de Cottingham lembram que, longe de ter permanecido exterior ao pensamento ocidental, a imagem sempre esteve no coração do pensamento, suscitando nela uma exteriorização, uma saída de si. Operacionalizado em um projeto de apreensão compreensiva como representação, de esquema ou de clichê, a imagem inevitavelmente arruína todo recentramento, no que ela expõe o pensamento como seu fora, no que ela carrega, para fora de si, a Entre colchetes, referência à tradução brasileira, que reproduzo. RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. Tradução Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2012. (N.T.)

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EMMANUEL ALLOA ENTRE A TRANSPARÊNCIA E A OPACIDADE

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