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Breve história da Pré-História
Há cerca de dois milhões de anos, saídos da África, os primeiros homens espalharam-se pelo continente eurasiático e evoluíram em várias espécies.
Há cerca de 200 mil anos, talvez partindo também da África, o Homo sapiens invadiu o mundo e acabou por tornar-se o único representante do gênero humano na Terra. É o nosso antepassado.
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A PRÉ-HISTÓRIA É UM ramo singular da História. Procura contarnos uma epopeia que durou milhões de anos, e todos os anos, ou quase, novas descobertas que suscitam novas hipóteses põem em causa a epopeia tal como ela nos era contada até então. Essa ciência, que trata dos tempos mais antigos, é por certo muito jovem. É preciso esperar pelo início do século XIX para que alguns cientistas europeus, ao compreender que as misteriosas pedras talhadas descobertas aqui e acolá tinham sido ferramentas, consigam se libertar da narrativa há muito tempo imposta pela religião. Não, o homem não é uma criatura modelada por Deus à sua imagem e que apareceu no momento da Criação, há 6 mil anos. O homem é um primata como qualquer outro, e as misteriosas leis da evolução transformaram-no lentamente, durante milênios, no ser que é hoje, que conseguiu, graças à sua inteligência – e por vezes aos seus disparates –, dominar o planeta. Quem são seus antepassados? Onde o homem pré-histórico apareceu pela primeira vez? Que caminho seguiu para conseguir se impor? Há apenas dois séculos que procuram-se respostas para essas questões, e o material de apoio é restrito. Para sair da noite do esquecimento de centenas de milhares de milênios, os paleontólogos
não dispõem de arquivos escritos, como os outros historiadores, nem de cidades em ruínas, como os arqueólogos, apenas de indícios bem mais frágeis: pedras e restos de ossos, por vezes uma simples falange ou um dente partido, exumados centenas de milhares de anos mais tarde porque os acasos da geologia os protegeram. Esses elementos só valem enquanto um dente mais antigo ou uma falange de outro tipo não vêm semear a dúvida sobre as hipóteses que a primeira descoberta tinha permitido formular.
Os deslumbrantes progressos da genética, que ocorreram desde o início do século XXI, o melhoramento das técnicas de escavação e a precisão na datação permitiram-nos dar saltos extraordinários. Ninguém duvida de que o nosso século irá iluminar pouco a pouco as zonas ainda na sombra. Ainda há muitas. Contentemo-nos então, neste capítulo introdutório, em apresentar muito esquematicamente o estado do conhecimento atual sobre os primeiros passos da aventura humana, e de evocar os vários modelos que procuram explicá-los.
O PALEOLÍTICO
Convencionou-se que a Pré-História engloba os tempos que se estendem desde a origem do homem até as primeiras grandes civilizações.2 Ela é dividida, desde o século XIX, em vários grandes períodos caracterizados pelo tipo de ferramentas utilizadas pelos homens. O primeiro e mais longo coincide com o tempo em que o homem talhou as pedras. É o Paleolítico, isto é, a antiga Idade da Pedra (do grego palaios, antigo, e lithos, pedra), que começa com a aparição do gênero Homo, a categoria de primatas a que pertencemos.3
2 Até a segunda metade do século XX, entendia-se que a entrada na História – logo, o fim da Pré-História – era assinalado pelo conhecimento da escrita. No entanto, algumas grandes civilizações não tinham escrita. Por isso há uma tendência para abandonar essa divisão. 3 Os biólogos classificam os seres reagrupando-os em conjuntos subdivididos por: reino, ramo, classe, ordem, família, gênero e espécie. O homem de hoje pertence à espécie Homo sapiens, que pertence ao gênero Homo, família dos hominídeos (que engloba grandes símios como os bonobos, os gorilas, os orangotangos, etc.), ordem dos primatas, classe dos mamíferos, sob o ramo dos vertebrados, reino animal.
Atualmente, calcula-se que isso nos coloca na África, entre 2,8 e 3 milhões de anos – 2,8 Ma BP, como escrevem os cientistas, ou seja, 2,8 milhões de anos before present – antes do presente.4
Antes disso houve os australopitecos, espécie de pré-humanos, pequenos, quase bípedes, mas que ainda subiam em árvores e que tinham se diferenciado dos outros grandes macacos há mais de três milhões de anos, por volta de 6 Ma BP. Lucy, cujo esqueleto foi descoberto na África nos anos 1970, é sua mais ilustre representante, mas sabe-se hoje que ela não é nossa antepassada direta. Os primeiros homens nasceram da evolução de outra espécie de australopitecos, prima, portanto, da de Lucy. Caracterizam-se por diversas particularidades morfológicas, entre as quais mãos com polegares opositores, um cérebro grande e um bipedismo tão evoluído que lhes concede uma aptidão para a corrida. As duas primeiras características explicam, sem dúvida, o gosto deste Homo habilis – nome da primeira das espécies humanas – pelas ferramentas. As primeiras são alguns seixos grosseiramente partidos. O corte vai se tornando cada vez mais preciso.
Nossos longínquos antepassados deviam utilizar bem mais materiais, sem dúvida madeira ou ossos, mas como sabê-lo? Após tantos milênios, é evidente que os vestígios se perderam.
Há dois milhões de anos, ao acaso das mudanças climáticas e em busca de alimento – pequenos animais, cadáveres, de que se alimentavam no início –, um punhado de homens abandona a África e espalha-se pouco a pouco pelo continente eurasiático. Talvez pertencessem à espécie Homo erectus, literalmente o “homem ereto”. Seja como for, o “homem de Pequim”, cujos restos, com mais de 500 mil anos, foram descobertos na década de 1920 em uma espécie de gruta não muito longe da capital chinesa, é um deles. Separados, os descendentes dos que chegaram primeiro evoluem durante milênios e milênios até formar espécies diferentes.
4 Para os cientistas, tal “presente” remete exatamente ao ano 1950, durante o qual foram executadas as primeiras datações que utilizaram a radioatividade, a que se chama a datação pelo carbono-14.
O homem de Neandertal, que habita a Europa e a Ásia Ocidental, é conhecido desde a sua descoberta, em meados do século XIX, em um pequeno vale alemão que lhe deu o seu nome. Demorou muito tempo até se saber como classificá-lo. Era um antepassado do homem moderno, um primo? Desde o início do século XXI, a maioria dos cientistas calcula que ele pertence a uma das espécies do gênero Homo que se formaram nessa altura. Existem várias outras, reconhecidas muito recentemente. É o caso do minúsculo “homem de Flores”, descoberto em 2003 na ilha da Indonésia que lhe deu o nome, ou ainda do “homem de Denisova”, identificado em 2010 graças ao sequenciamento de um pedaço de falange apanhado em uma gruta na Sibéria.
Durante esse longo período, os homens conseguiram dar alguns saltos tecnológicos maiores. O mais importante é o domínio do fogo, que permite sobreviver aos grandes frios, afastar os animais selvagens e tornar a comida mais saudável, pois agora podia ser cozida.
Out of Africa
Há cerca de 200 mil anos, ao fim de um novo processo de evolução, aparece a mais importante das espécies do gênero Homo, pelo menos no que nos diz respeito. Trata-se da nossa, o Homo sapiens, homem sábio. A literatura científica também o chama de “homem moderno”, ou “homem anatomicamente moderno”. À semelhança do que acontece com seus predecessores, sua origem geográfica não está determinada. Para um grande número de paleontólogos atuais, teria nascido na África e deixado esse berço para partir à conquista do mundo inteiro. Essa hipótese tem o bonito nome de “out of Africa”.
Na realidade, encontram-se vestígios do Homo sapiens de 100 mil anos em Israel, de 50 mil anos na China e de 45 mil anos na Europa. Sensivelmente nesse hiato de tempo, aproveitando o fato de as terras estarem muito mais perto umas das outras do que na atualidade, ele conseguiu se instalar na Austrália. Bem mais tarde, entre 16000 e 13000 BP, segundo a tese comumente aceita (mas muitas vezes posta em causa), atravessou o Estreito de Bering (entre a Rússia e o Alasca), que formava uma faixa de terra firme, e invadiu a América, o último continente a ser povoado pelos humanos.
Se o homem saiu de fato da África há 100 mil anos, como pretende a teoria que acabamos de evocar, o Homo sapiens cruzou inevitavelmente com muitos outros Homo ao longo do caminho. O homem de Neandertal, se dermos crédito aos vestígios mais recentes da espécie encontrados no sul da Espanha, teria vivido até 26000 BP. O homem de Flores, até 18000 BP. Durante milênios, portanto, o Homo sapiens coabitou com eles e com outros Homo que povoavam a Eurásia. Como se deu essa coexistência? É uma das grandes questões da paleontologia contemporânea. A coexistência foi pacífica ou combativa? O recém-chegado hibridou-se com os predecessores? Neste caso, uma tal mestiçagem, que implica espécies diferentes, deveria ter produzido humanos diferentes. Ou então o sapiens conseguiu eliminar metodicamente todos os seus concorrentes do gênero Homo. Mas como? Através de um genocídio metódico? Transmitindo-lhes doenças contra as quais eles não estavam imunizados, como fizeram os espanhóis com os índios da América no século XVI? Escapando às alterações climáticas, fatais para os outros, graças à sua superioridade intelectual? Mas essa superioridade é assim tão evidente? Durante muito tempo, por causa da suposta desarmonia de sua face, considerou-se o Neandertal como o protótipo do bruto, do primitivo muito próximo do animal. Mas, ao estudá-lo com mais atenção, descobriu-se um ser de grande sofisticação, autor de importantes inovações no domínio das ferramentas, que enterrava seus mortos cuidadosamente, o que aponta para profundas preocupações espirituais. Por outro lado, repare que, tendo ele existido entre 250000 BP e 26000 BP, o Homo neanderthalensis é a espécie humana que teve uma existência mais longa na Terra.
E se fosse a hipótese de partida que estava errada?, interrogam-se outros paleontólogos. E se o Homo sapiens não tivesse nascido de um só berço africano, mas fosse fruto da evolução que se verificou um pouco em vários lugares do globo? Terá sido, então, à custa de hibridação, de mistura, que se chegou à existência do homem moderno?
O grande salto à frente
Pouco a pouco – o fato é raro no mundo animal –, nossa espécie tornou-se a única representante do seu gênero no planeta e pôde