Revista Gotaz#04

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gotazkaen estúdio - galeria - loja grafite - fotografia música - ilustração diálogos - editorial fitas - filmes - workshop teatro - vinil exposições e revelações

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edi to rial diretores executivos e criação: daniel silva (daniel@gotazkaen.com) e diana figueroa (diana@gotazkaen.com) editor-chefe: elvis rocha (elvis@gotazkaen.com) | produção: guimarães neto (neto@gotazkaen.com) produção de conteúdo online: equipe gotaz | revisão: josé rangel editora: gotazkaen estúdio (contato@gotazkaen.com)

No começo dos anos 1980, a Amazônia era um rincão ainda mais distante do centro econômico do país. Um tempo em que conexões mundiais em cliques eram um sonho em desenvolvimento, e que impunha aos geograficamente localizados na parte de cima do mapa a difícil tarefa de se virar para ter visibilidade nos limites além-muro. Nas artes não era diferente. Se sempre houve talento, intercambiar e viver experiências diversas era reservado a um pequeno grupo que, na ânsia de confrontar o mundo, buscava longe da terra natal a própria imagem, liberta das imposições objetivas do espelho, para voltar mais tarde com uma visão mais depurada sobre a singularidade amazônida. P.P Condurú foi um deles. Deixou a cidade magrelo e imberbe para retornar, tempos depois, como um dos mais destacados e controversos artistas da cena estadual. Pedimos a Luciana Magno que ouvisse suas histórias e soubesse o que anda aprontando o ainda inquieto artista, num papo de parceiros gostoso de acompanhar. Ainda nesta edição, outros que foram. Que voltaram. Que foram e não voltaram. Que foram e não sabem se voltam. Que não pensam em partir. A nudez nas imagens de Luiza Cavalcante. Os muros de Sebastião Tapajós Júnior. A poesia de Rodrigo Barata e Felícia Bastos. A tinta fresca de Erinaldo Cirino. A luta contra o relógio de Dirceu Maués. O trabalho dos que, na força e no amor, mantêm espaços de arte na capital.

Tem um bocado mais. Pode ler.

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Capa revista gotaz#04 fotografia: diana figueroa design: daniel zuil

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cola bo ra dores 1 - fabricio matos - (baco-dionísio)

3- jack nilson - (dom helder câmara)

"Nome romano do Deus grego Dionísio, que remete às festas e aos vinhos, à ebriedade e à natureza. É um deus fora da mitologia romana e suas origens transcendem a Grécia. Ele está ligado à cultura do nomadismo e da extração do vinho. É identificado com o sentido original da filosofia: a busca da felicidade e o ócio. Além disso, é um deus que faz referência à música e ao nascimento do teatro grego, e por tudo isso faz parte da minha mitologia."

"Figura oblíqua que eu jamais veria como espelho, mas que, talvez ingenuamente, me inspire um estado de deslizamento entre lugares aparentemente inconciliáveis. Padre e comunista, político e crente, figura midiática ao mesmo tempo complexa e simples, uma flor de um tipo de contradição que habita corações menos ortodoxos."

4- Felicia bastos - (Nossa Senhora do Perpétuo Socorro)

2-elton galdino - (Cthulhu)

"Como considero todos as divindades fictícias, prefiro as da ficção propriamente dita. Cthulhu é mais antigo que qualquer deus que conheçamos. Criado por HP Lovecraft (ou não), autor que sucumbiu à loucura tão bem explorada em seus contos. Ph’nglui mglw’nafh Cthulhu R’lyeh wgah’nagl fhtagn.”

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"Nossa Senhora do Perpétuo Socorro me faz pensar em meu pai, devoto, com sua linda imagem na cômoda. Aos olhos, me agrada o colorido; ao coração, a lembrança. Também não posso esquecer – e ele nem deixa! – de São Longuinho. Já sou praticamente devota, pois recorro a ele diariamente em busca da chave do carro."

5- Nill Cerqueira - (Nossa Senhora de Guadalupe)

"Pelos relatos, uma "Senhora do Céu" apareceu a Juan Diego, identificou-se como a mãe do verdadeiro Deus, fez crescer flores numa colina semidesértica em pleno inverno. A padroeira do México deixou gravado em um tecido da região a sua própria imagem que guarda muitos mistérios na sua composição , mas o que me aproxima dessa lindíssima imagem é o fato de ter participado na infância de um ministério de música que levava o nome da virgem e até hoje essa imagem me faz lembrar amigos, esperança , felicidade , amor e leveza."


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10 - vasco cavalcante - (morpheu)

6- marcia motorhead - (santa muerte)

"Eu escolhi a Santa Muerte por ser uma entidade popular no dia dos finados no México. Gosto muito dos ritos e celebrações que fazem em homenagem a ela, que,mesmo sendo uma figura considerada mórbida, mostra que a morte é só uma passagem e que perante dela somos todos iguais."

9- Gil vieira - (tomé)

7 - Luciana Magno - (santa luzia)

8 - Luizan Pinheiro - (Zé Pilintra)

"Uma oração na infância para tirar cisco do olho (Lê-se com adaptações subliminares para uma vida adulta): Corre corre Cavaleiro vá na porta de São Pedro, vá buscar Santa Luzia pra trazer o seu lencinho pra limpar os meus olhinhos."

"Em loucura e em territórios inóspitos, sob o luar da cidade atravessava mundos, cruzava fronteiras, invadia buracos, vacilava entre passos tortuosos como uma dança sedutora e leve... Salve Zé, tô na liga!".

"Num mundo paranoico de inseguranças e ilusões, em que tudo que é sólido se desmancha no ar, faz-se mais necessário que nunca botar o dedo na ferida. Desconfiar, investigar para crer. Revirar do avesso, mesmo que seja a carne do Messias. Fecha os olhos e vê."

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"Quanto às divindades, creio no sonho. Talvez ele seja o grande propulsor do mundo, pois sem ele não somos nada. Se perdermos a capacidade de sonhar, morremos. Penso que qualquer simbologia que possamos ter com relação a ficção de deusificação no mundo, provém do sonho. Sem ele não há vida, não há mundo, não há nada." 11 - Lorenna montenegro - (virgem maria)

"Tive uma criação católica como boa parte dos que nasceram nesse país, mas com o tempo fui desgostando, conhecendo outras religiões e achando o agnosticismo mais a minha cara. Mesmo assim, mantenho uma ligação filial com essa entidade misteriosa que é maria, a fêmea, a mãe, o ventre do mundo." 12 - LAERCIO ESTEVES - (SÃO CAPPA)

"Nem explico."

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-um teco de rebeldia -

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- III e IV -

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arte para além do bem e do m al

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ín di ce

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38 - lugar de devoção -

subversão do instantâneo

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olha a fonte

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- poesia com os olhos -

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28 por uma cidade menor

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- muros e raízes -

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80 -

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- fusconha em fuga.

cannabis e videotransgressão

a politização da diferença

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um teco de rebeldia por luciana magno fotos: diana figueroa e divulgação

O pensamento veloz e a obra em constante mutação de P.P Condurú

“Maldito é o caralho.” P.P. é o exercício da sua própria autonomia. Um teco de rebeldia, uma ponta de audácia. Ele é quase uma receita completa de bolo de chocolate estampado na página principal de um jornal da ditadura (Já testei, a receita é um sucesso para as visitas). P.P. é seu autorretrato, desfocado, pintado, abstraído, ruminado da alternativa sã de quem vive das próprias regras. Não se engane, e não tinha como ser diferente: não me interessa seu trabalho, suas cores ou formas, sua ma-té-riiia (mentira, interessa um pouquinho sim), mas muito mais interessa o P.P que está no trabalho, o rastro de vigor e de longas conversas que acompanha o espremer de um tubo de tinta no fim. Mais que um artista, P.P. É um amigo, e como diria o Max Martins (ao se referir do próprio P.P): É bom, e isso basta.

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Luciana: "Quando a ideia de vanguarda acaba, com coragem a gente escolhe ser pintor”, ou é a coragem que acaba com a ideia de vanguarda? Fala um pouco sobre o teu processo...

P.P: Quem fala isso é o Baravelli (Luis Paulo Baravelli). Ele é de uma geração anterior à minha, que é mais esculhambada. Ele optou por intitular a si mesmo como ele é, a pessoa dele é assim, de pintor mesmo. O trabalho dele é muito bom, mas isso hoje em dia não cabe no que eu estou fazendo. O que eu tô fazendo é uma experimentação tão legal, abrangente mesmo, tô aprendendo tudo de novo. Até coloquei no site (http://ppconduru1.wix.com/ppconduru) um texto explicando que a partir daquele trabalho todo que fiz contigo, do livro de 30 anos, de resgate, de rever tudo aquilo, eu descobri que foi um ciclo e agora começou outro. Série Des Caras 1991 Série Des Bichinhos 1991

Luciana: Como?

PP: Esse outro mistura muito mais. Parece que tudo o que eu fiz eu aprendi, então não fica mais só fechado na pintura em si porque eu fiz muita coisa além de pintura e desenho: fiz performance, eu era performático, um agitador cultural. Eu me meti em tudo quanto é coisa. Putz! Fazia cada merda, independente de grupo e coisa assim. Mas era a minha postura como ser humano mesmo. Eu descobri tudo isso aí, ponto. Agora tô fazendo um trabalho que me satisfaz mais porque eu não fico condenado a ficar pintando sozinho, a ficar vivendo só de pintura, porque é tudo misturado. O meu trabalho não tem um viés acadêmico formal como esses artistas de universidade que escrevem que nem maluco, que fazem tanta teoria, tanto conceito de arte que fica difícil para eles executarem a arte deles. São poucos os que conseguem sair do texto e executar de fato a obra. Muitos deles vão ser curadores, vão ser outras coisas que não artistas, então é uma prisão também.

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SĂŠrie Des Retratos Dalma 1980

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"meu trabalho não tem um viés acadêmico. são poucos os que conseguem sair do texto e executar a obra."

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Luciana: E como tu interages com esses sistemas?

PP: Eu não tenho esse viés acadêmico porque quando decidi que eu ia ser artista plástico, lá no início, eu optei por isso: não quero ser acadêmico! Senão eu estudava formalmente, ia ser arquiteto, depois ser artista plástico. Eu não concordava com esse tipo de postura, abandonei isso e sou marginalizado até hoje por essa minha opção. E agora parece que caiu a ficha, depois de ter visto toda aquela produção, o projeto do livro era pra eu ver o que tinha feito, porque tava tudo espalhado e eu não tinha essa noção. Então a partir disso amadureceu, fiquei mastigando, fora que a minha vida

é tão arte quanto a minha arte, então é tudo experimental, é tudo espontâneo, é tudo no improviso, é tudo na coisa que vai acontecendo, nada é programado para daqui a um tempo ser isso ou ser aquilo. Faz parte do trabalho, da minha opção como artista. Pra eu ser assim, preciso viver de arte, então minha arte é engajada no mercado, pois preciso da demanda, preciso vender meu trabalho, preciso pagar minhas contas. Aí já foge um pouco do campo conceitual da arte. Nesse trabalho que agora eu tô fazendo eu tento juntar tudo isso, fazer uma grande cagada, trabalhar com outras pessoas. Eu tô me metendo agora com jogos eletrônicos, então é uma coisa que eu não sei aonde vai dar, não sei

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o que vai acontecer. Isso me interessa muito porque já tava chato eu saber que tinha que pintar pra ganhar dinheiro; se faltava grana eu pegava o que tinha e pintava e saía atrás, vendia. Essa coisa ficou meio vício, uma coisa chata, de preguiça mesmo. Luciana: O teu último trabalho, que eu convivi de perto, de experimentação técnica, eram os azulejos...

P.P: Ainda são! Só que os azulejos foram se transformando em pixels. Como o trabalho é muito grande só consegui fazer 600. A meta quando eu escrevi era fazer 2.000 peças, ainda faltam 1.400 (risos). Eu pretendo fazer tudo isso.

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"minha vida é tão arte quanto minha obra. é tudo experimental, é tudo espontâneo, tudo no improviso."

Luciana: Digital?

P.P: Não, elas são umas peças, se materializam. Só que quando eu começo a trabalhar com elas dentro do computador o trabalho vem se apresentando pra mim lentamente, vem se colocando como ele quer e eu tenho que ficar atento pra poder mexer as peças. Ele caiu dentro do universo do computador pra eu divulgar, pra fazer todo um trabalho de acompanhamento de público, mas eu vi que quando eles se transformam em pixels a liberdade de trabalhar é muito grande, mas não me deixava inventar coisas, mexer com peças que não existem, eu só mexia com o que já tinha sido materializado. Depois pra ganhar dinheiro também eu tinha que partir pra matéria e os pixels não iam me dar dinheiro, então eu resolvi fazer o que fazia nos pixels em desenho. Comecei a pintar os desenhos, cada série dessas de azulejos tem 20, 25, 30 azulejos, um diferente do outro. Essas séries eram vetorizadas também, agora que eu tô me dando a liberdade porque agora que viraram mais pixels, que entraram os fundos, outros materiais, já não é só isso... Já se materializa como madeirite, como plástico de lona preta.

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Luciana: E como tu acompanhas o ritmo dos teus trabalhos?

P.P: Essas coisas começaram a interferir no trabalho. Tive que parar, fazer uns cursos pra me situar, pra entender que porra era essa que eu tava fazendo. Me situei legal, tô digerindo e agora já mudou tudo, aí eu tenho que ficar me freando. Eu tô tambem na execução desse jogo online, um joguinho que já tinha desde a primeira proposta daquela exposição com as instalações. Tem uma sala que é projeção, então vai ter essa mostra para o ano no Museu do Estado, e a terceira

parte é uma mesa onde a pessoa interage e projeta o que ela criar na mesa. Mas queremos transformar isso num jogo tanto pro meu site quanto pra pessoa ficar no celular na fila jogando. Nossas reuniões não estão coincidindo; sou eu, o Guaracy Brito Jr. e o Hardy, que trabalha com jogos eletrônicos. Então estamos nessa viagem. Já tem o texto com as regras do jogo e é uma piração: um universo em que a pessoa e as coisas vão acontecendo, uma confusão. Mas tá nesse pé. Tem muitas frentes, por isso que eu tenho escrito bastante, podem vir que eu tô bom de conceito agora. Mentira, eu não sou bom de conceito não.

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Luciana: Essa é uma pergunta bem pessoal que eu vou fazer por já ter convivido contigo uns 6 anos: pode se dizer que tem dois P.p's: o P.P. pessoa e o “mito”. Eu queria que tu me dissesses como isso que chega a ti e qual a tua responsabilidade com essa figura.

P.P: Olha, a responsabilidade vem desde aquela opção que eu fiz, de querer ser artista, aí se cria o mito. Era época de ditadura, de repressão, ninguém tinha essa postura, de “dizer não”, de deixar o cabelo crescer aqui em Belém. Eu fiquei uma pessoa visada; onde me olhavam diziam “É ele! Ele é maconheiro, é comunista...” Criaram um monte de coisa, tem coisas que eu nunca fiz… É Belém, por isso que muitas vezes eu ia embora daqui, porque as pessoas me enchiam o saco com essas coisas. Eu queria ir pra um lugar onde ninguém me conhecesse, ficar no anonimato onde não existisse essa perseguição, porque esse mito na realidade é um saco, ele não existe! É coisa fabricada de cidade provinciana, porque fora daqui ninguém me conhece. A minha responsabilidade é que quando eu

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optei viver o que eu queria viver, caguei e andei e um abraço. O fato da minha liberdade incomodar os outros é minha responsabilidade, mas quem se incomodou que se mude, né cara? Eu vou continuar minha vida. Tem uma coisa: eu sou muito de viver o que tá acontecendo agora, não me ligo em passado saudosista: o que passou, passou. Uma das coisas que eu acho dos artistas de faculdade, que têm mestrado, doutorado em artes, é que eles não trabalham a vida pessoal deles, ficam muito conceito, muito escola de estudo, fica distante uma coisa da outra, uma coisa que a pessoa vai lá e executa até com dor de cabeça. Já vem moldado, sabe? Faz que dá certo! E eles não trabalham o lado pessoal deles. Tenho amigos que trabalham legal, mas como pessoa são rudes, não sabem tratar de uma bando de coisas que a vida tem. Eu sinto que fica distante. Nesse caso tem duas pessoas: o artista e a pessoa. Parece aqueles artistas que mudam de nome, sabe? Nessa de ser muito técnico, muito conceitual, perde um pouco da magia da vida, de como ela se desorganiza e se organiza, aí sempre fica copiando, copiando, copiando como é a vida, mas não vive.


"sou muito de viver o que tá acontecendo agora, não me ligo muito no passado. o que passou, passou."

Luciana: Entre esses incômodos e essa tua procura de te trabalhar como pessoa tiveste várias idas e vindas a Belém. Conta um pouco de quanto esse trânsito foi importante.

P.P: Eu cheguei no Parque Lage (Rio de Janeiro) para estudar mesmo, porque não tinha escola de artes em Belém. Só que cheguei lá tinha acabado de acontecer o velório do Glauber Rocha, uma coisa importantíssima. O movimento que tava acontecendo era com o Ruben Guzman acobertando todos os artistas durante a ditadura, exilando lá, pra ganharem dinheiro dando aula, essas coisas. Eram só esses feras, e eu não me atinava pra isso, nem sabia que isso tinha valor. Ainda brigava com esse pessoal porque eles eram chatos, conceituais demais, e eu sempre fui meio do contra, e tinha a minha turma lá, que era só nego doido. O Parque Lage foi legal. Depois eu viajei com uma exposição individual. Foi quando entrou dinheiro e eu comecei a ficar curioso com o Brasil. Uma hora que me encheu o saco em 85, puto com Belém de novo, eu tinha um atelier todo montado com o Igor Laguna; trabalhávamos em Icoaraci, super do caralho,

mas Belém começou a ficar pequena pra mim e eu resolvi ir embora e procurar um lugar no Brasil. Eu não tinha nem ideia. Fui a São Luís e lá me mandaram direto pra Fortaleza. Foi quando eu conheci um artista que disse pra eu ir direto pra São Paulo. Fui e fiquei cinco anos lá. Luciana: Quem foi o artista em Fortaleza?

P.P: O Siegbert Franklin. Eu tava de galeria em galeria e tinha que vender porque tava com o equivalente a 40 reais, só. Eu entrei lá, ele tava tomando conta da galeria umas cinco da tarde, mostrei e ele pirou no desenho. Nosso trabalho tem uma semelhança e ele me levou pra tudo. Eu morava no subúrbio, nem lembro qual era o nome, mas era uma pousada em construção; morava na parte de baixo mas quando tinha muita poeira me mandavam lá pra cima. Ele me levou pra Aldeota e vendi uma exposição toda. Foi quando eu fui parar em São Paulo. Fui pra vivenciar mesmo o que era, uma época muito do caralho. A década de 80 em São Paulo foi muito boa.

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"o erro da vida pra mim é abstração. o que planejei essa semana deu errado. não fiz nada do que eu programei. Isso é a vida. não tem coisa que desfaça isso."

Luciana: E a volta para Belém?

P.P: A volta pra cá foi muito feliz. Eu tava varrendo casa, numa miséria fudida, de saco cheio de São Paulo. Eu tinha vindo a Belém pra fazer uma exposição e me apaixonado por Belém de novo, esquecido das aprontações todas, aí podia voltar. Fiquei seis meses lá varrendo casa, aí pensei: “E se eu for morar em Belém?”. Aí não conseguia mais parar de sorrir, acabei voltando. Eu me questiono muito de ter parado aqui; são 20 anos, ontem tava pensando nisso. Mas égua: eu não tenho vontade de sair daqui. Tenho vontade de ter um atelier só atelier mesmo, menos casa, pra trabalhar... Eu trabalho muito só, porque eu não tenho dinheiro como essas Adriana Varejão da vida, com 15 ajudantes. Luciana: P.P, essa é uma pergunta mais subjetiva. O teu traço é livre. Muita coisa parte pra abstração e tem tendência a expandir. Como é que tu sonhas? Qual o nível de abstração nos teus sonhos?

P.P: Essa semana aconteceu uma coisa muito louca: eu tava trabalhando mais no computador. Mas quando eu tô pintando e vou dormir, ou tô transando, vem muito mais, muito mais. É uma sensação muito louca, que eu sempre tive: parece que eu tô entre as imagens, que eu sou as imagens; então é muito prazeroso pra mim. Como é esse nível de abstração? É pro lado emocional, da sensação. Isso tem muito no meu trabalho desde o início. Tenho uma repulsa a trabalho que não tem emoção, que não tem alguma coisa que mexa co-

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migo, me dá uma agonia. Prefiro esse lance da abstração. O erro da vida pra mim é abstração: a vida deu errado. Eu planejei essa semana toda, deu errado, não fiz nada do que eu programei. Isso é a vida, cara: não tem coisa que desfaça isso, então se não tiver isso na arte é muito escroto. Uma coisa muito elaborada, muito conceitual, mesmo quando tu colocas em um raciocínio formal, acadêmico, quando colocas o erro da vida, vai uma coisa tão certinha, que tu pensa: não é assim não. É sofrer, né? Luciana: Sim...

P.P: Eu descobri um dia desses que meu cerébro ainda é como era quando eu era criança. Fiquei muito impressionado! Tive um problema, tive que bater chapa da cabeça. Fiquei apavorado. Pensei: bom, agora vão descobrir o tanto que eu bebi (coloque duas xícaras e meia de trigo com fermento na batedeira); o tanto que eu fumei (acrescente três ovos); o tanto que eu fumei maconha (bata tudo com um copo de leite); o tanto que eu aprontei (e duas colheres de manteiga da terra). Porque eu fui acostumado a ver aqueles livros do quanto a maconha (despeje a massa numa forma untada e deixe em forno baixo por 40 minutos) faz mal; aí a pessoa só tinha uma estradinha na imagem do cérebro (retire do forno, deixe efriar e pode servir); o meu não vai ter nem estradinha nem nada. O médico veio com a minha chapa, e disse: “Pô, teu céwwvrebro é infantil cara, ele tá intacto, nem diminuiu de tamanho. Ele não é sequelado”.


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arte para além do bem e do mal por gil vieira ilustração: marcia motorhead

A violência, como a vida, é grande e prazeroso perigo. Tem seus pés gradualmente perfurados por fina muralha: aquela que demarca o limiar entre tantas dualidades quantas se queiram. Na sua carne penetra essa edificação, mais parecida com corda bamba que com muro, e a qualquer momento ela cairá para o bem ou para o mal. Sente dor e prazer e sangra porque vive, e os cães endoidam com esse cheiro animal saboroso. Grasnam e pulam e arranham e mordem a muralha querendo mais uma gota de violência. Odor de sangue desperta neles fome insaciável. E cães, claro, somos todos. Inclusive ou principalmente o artista. O artista às vezes se parece com um aparelho que organiza pensamentos por meio de imagens, sons, sensações. O artista não é fácil. O artista às vezes é testemunha: ele vê fatos atuais, passados, futuros, reais ou imaginados. Ele às vezes é chamado a dar seu depoimento. Noutras, apenas suas obras depõem. As obras, em geral, valem mais que o artista. Coisas, em geral, valem mais que pessoas. Deus, em geral, é uma nota de cem. Christie’s e Sotheby’s valem mais que todas as empregadas domésticas semianalfabetas, que todos os assassinados em Ananindeua, Marituba e Marabá, que todos os trabalhadores escravos na amazônia minúscula.

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A amazônia, animal selvagem e triste, amamenta a volúpia e a cobiça dos filhos de outras pátrias, enquanto sua própria cria definha subnutrida. As violências da e na amazônia são inúmeras. Muita gente e eu falamos dela como lugar edênico, eldorado perdido encontrado, paraíso mítico feito de oceanos de água doce, floresta frondosa, animais multicolores, índios e caboclos nas canoas pacatas. Apesar de que muita gente e eu vivemos na amazônia cheia de asfalto, barracas, piçarra, má educação, assaltos, engarrafamentos, dinheiro, poluição, quente como fosse sempre inferno e chuva como fosse sempre dilúvio. A amazônia é um mistério, pau de dar em doido. Pedaço agigantado de terra encantada por onde se arrastam índios de olhos puxados e pele morena. Também às vezes preta às vezes branca, que índio inegavelmente é parte dessa miscigenação chamada brasil. Arrastam-se e cantam, caçam, plantam, brigam, fazem cestas, vasos, colares, beiju, fumaça e curumins. Também, é claro, se escondem acuados. Que índio, sendo parte desse animal selvagem e triste chamado brasil, não escapa à sina de viver acuado dentro de ocas, reservas, parques, jaulas, vitrines, fábricas, ônibus ou salas de aula.


Nas salas de aula muitos outros e eu ensinamos que o Brasil é um país tropical de selvageria exótica, de tristeza catártica. E bonito por natureza. Ensi namos que em 1822 declararam heroicamente nossa independência, que em 1888 aboliram heroicamente a escravatura, que em 1889 proclamaram heroicamente a república, que em 1964 perderam mas em 1985 reconquistaram heroicamente essa felicidade que atende pelo nome de democracia. Nas salas de aula abunda heroísmo, bolinhas de papel amassado e fones de ouvido. Porque o brasil é uma estória, mas o que a gente quer mesmo é gargalhar e ouvir música enquanto nos empurram pela infindável tarefa: aprender o sorriso puro dessa grande festa de viver.

A vida, essa indecência que às vezes nos assalta (a alguns mais que a outros), é desde sempre celebrada na arte. E arte também (aparentemente) se ensina nas salas de aula, pra essa gente acuada por trás dos fones de ouvido. Ensina-se – ainda que ninguém tenha entendido o engasgo da arte, ou melhor, sendo ela outro animal selvagem e triste, seu uivo doloroso. Mas, alguns outros e eu achamos que a arte celebra muito mais a morte. Vêmo-la fúnebre, porque às vezes parece atestar uma impotência incomensurável diante dos fantasmas do mundo. Principalmente na amazônia, onde assombrações se escondem acuadas ou ficam esquecidas e invisíveis mesmo à luz do dia.

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As assombrações são como perfume de morte, que se prolonga depois de já retirado o cadáver. Como gemido de dor que se prolonga ecoando na noite. Como imagem persistente apenas na retina da memória. Assombrar é viver. Quando percebidas pelo artista e testemunhadas por meio de imagens, diz-se que as assombrações viram obra de arte. Obra de arte é esse pedaço contraditório do mundo em que se materializa a violência e o gozo de existir. Obra de arte às vezes é essa coisa que habita em nós e nos modifica. Noutras vezes é aquela coisa que habita nos acervos, reservas técnicas e livros de história. Também pode ser ambas, porque arte afinal é paradoxo. E paradoxalmente, como convém, o artista é vário. Algumas vezes é como mágico, fazendo surgir sobrevivência das situações mais inóspitas, equilibrando criação e pobreza sem deixar cair os malabares, pra que possa colher algumas moedas enquanto não aceleramos ao sinal. Noutras, é alquimista,

"Quando percebidas pelo artista e testemunhadas por meio de imagens, diz-se que assombrações viram obra de arte."

transformando miséria em dinheiro ou quem sabe monstruosidade em beleza. Porque o artista sabe também vampirizar a dor alheia e a sua própria, pra transformá-la em prazer e produto. Ou em obra de arte. E por mais que pareça estranha e absurda a pequeneza que em geral se paga pelo suor do artista materializado em forma de obra, ou estranha e absurda a cifra milionária alcançada por algumas dessas criações, o artista original, excêntrico e vário, jamais se deixa abater por armadilhas morais: arte pela arte, crio porque preciso, sangro porque vivo. E preço e valor, venhamos e convenhamos, é questão de instituição. Concentrar renda às vezes é um procedimento análogo ao de colecionar arte. Mas não nos atenhamos a questiúnculas obscuras, já que o dinheiro é a raiz bíblica de todo mal. Obra de arte é esse pedaço de matéria morta impregnada de vida, que se pendura na parede grossa de um museu sob a luz de um spot planeja-

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do e metódico. E que se exibe aos visitantes tal qual fetos num vidro de formol, sem alma. Ou como nomes inatingíveis num mapa-múndi, lugares inalcançáveis. Como um pensamento aleijado e imóvel. Ou como o melhor dos poemas, mas numa linguagem estrangeira para a maior parte do público que é dono das instituições públicas. Decifra-me ou te devoro. Estou sendo maldoso e pessimista, é claro. Defeitos de nascença. Mas atrás das paredes de pedra dos museus e seus enigmas, atrás dos fones de ouvido das salas de aula, atrás da muralha onde se equilibra a violência, correm para a distância – não se sabe bem para onde – rios, árvores, minérios, a planície, toda a amazônia estranha. Não se sabe pra onde corre a Amazônia, esse animal selvagem e melancólico...

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Poesia com os olhos por vasco cavalcante

A nudez recriada com suavidade pelas lentes de Luiza Cavalcante

O que é arte? Muitas vezes me pergunto quando me defronto em galerias e museus com obras conceituais de difícil interpretação e acesso. Quando experimento pensar sobre um conceito de arte contemporânea, sinto uma enorme dificuldade, assim como assimilar certas manifestações nesse campo. Houve um tempo em que arte era muito mais um refinamento técnico na construção de uma obra do que o seu significado propriamente dito. Ou seja, a busca da perfeição do traço, das formas, das cores, das sombras, etc., a fim de retratar o mundo em que se vivia. Mas isso mudou, felizmente. Uma mudança gradativa em que o artista passa a incorporar decisivamente em seu trabalho o ato criador. O conceito aliado ao pensamento filosófico, à invenção. Fazer registro fidedigno da natureza, da pessoa humana, já não era mais a mola propulsora para a atividade artística, isso já não bastava. Aliado a um questionamento sobre sua percepção de vida/mundo, o artista transgrediu o tempo e foi buscar experimentações baseadas em uma ideia, um pensamento, um

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exercício de puro devaneio, e nos deu um desafio, de sermos também coautores de suas obras. De participarmos não apenas como observadores anônimos, mas do entendimento sobre sua criação, sua concepção, sua expressão artística. A arte passa a nos exigir um esforço, um pensar mais além, não mais apenas um exercício de contemplação, mas de participação na compreensão da obra. E, algumas vezes, acaba acontecendo o que ocorreu com a filosofia, de muitas vezes na história do pensamento humano, uma ideia nova só ser compreendida e absorvida, muitos anos depois. Se tomarmos por base que o novo provavelmente trará um estranhamento na sua primeira exposição, justamente pelo fato de ser novo, então a compreensão tanto visual, como conceitual, imediata, desse objeto de arte, pode nos levar a desconsiderá-lo nesse momento primeiro, para depois com uma melhor reflexão sobre sua forma, seu conteúdo, sua expressão, encontrarmos o seu segredo, o que está oculto e passamos a afirmá-lo como obra de arte.


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O que encontramos para chegarmos a esse fim, na verdade, é um reflexo de nós mesmos, algo que talvez nem soubéssemos, e que algumas vezes nesse momento uno, surge repentinamente. A essência da obra, a nosso ver, a nossa própria essência. Considero esse ato de pertencimento involuntário de uma obra de arte contemporânea, por acharmos uma identificação, um reflexo que nos contém, como um exercício que pode ser tão complexo quanto o do artista ao concebê-la. Com isso, passei a buscar no mundo das artes, obras que, mediante uma reflexão necessária por ser resultado de um processo criativo, as que me trouxessem uma descoberta nova, um novo olhar, uma possibilidade de aprendizado, uma cooptação de um ensinamento, mas que tivessem também algo que me identificasse, uma espécie de mistura, de simbiose, de troca, doação múltipla, que a obra e o meu olhar sobre ela passássemos a estar juntos a partir daí, e houvesse o tal pertencimento, que é ambivalente e duradouro, talvez até inexorável, aventando, é claro, quanto à impossibilidade de algo desse gênero.

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"desde o início, o olhar de luiza já fazia experimentações. Havia uma necessidade em transformar o mundo ao seu redor."


A fotografia também migrou para a reinvenção. Mesmo com a ideia do registro de um instante único definido pelo olho mágico do fotógrafo, em que celebra a luz e seus efeitos sobre objetos animados e estáticos, diante do que ele acha importante retirar da extensão do tempo, como se recortasse um momento de uma cena única, e a elegesse como de real grandeza; traz no meu modo de ver, a sensibilidade de montar uma história inteira, em um fotograma apenas, uma imagem que se aplica a conter uma vida, com personagens, nuances, sons, cheiros, etc. Quando observo o trabalho fotográfico de Luiza Cavalcante, sinto isso inteiramente. Desde o início, o seu olhar já fazia suas experimentações. Havia uma enorme necessidade em transformar o mundo ao seu redor. Nos primeiros contatos com uma câmera digital, muito nova ainda, já fazia registros interfe-

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rindo no ambiente, desconstruindo os espaços, as pessoas, os gestos, uma não conformação com o seu horizonte visual. Buscando em tudo o que via ao seu lado, uma nova expressão, um novo sentido, como se montasse a vida como gostaria que ela fosse, como um diretor dirigindo um filme e registrando um novo mundo. Observei isso comovido, nesse processo que a trouxe ao mundo da fotografia e que fez com que eu acreditasse e admirasse o seu trabalho. A evolução desse tempo para o estágio em que se encontra atualmente foi relâmpago. Por si só, continuou a interferir, e recriar seus espaços, personagens, fotografando o mundo às avessas, como ele não era, e como ela o pensava e dessa forma o precisava registrar. Mas agora já com um olhar bem mais amadurecido e coeso, apesar de para o mundo das artes parecer tão nova ainda.

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"Floralis diz tudo isso. a nudez recriada para ser vista de uma forma totalmente pessoal de ver a sensualidade."

Floralis diz tudo isso. A nudez recriada para ser vista de uma forma totalmente pessoal de ver a sensualidade, se autoescrevendo com suavidade, com um romantismo extremo e ao mesmo tempo um momento singular de êxtase, em que a luz e as formas, juntamente com os adereços que compõem a imagem, nos dão uma sensação de leveza, mistério, saudade, sonho, possibilidades. O elemento que ela pinça para formar esse diálogo com a sensualidade é a flor. A delicadeza da flor envolvida em mistérios, redesenhando o corpo feminino, e mais uma vez trazendo sua representação única sobre a existência

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do seu mundo ao redor. Luiza escreve poemas com os olhos. Apesar de Floralis ser um conjunto de imagens sob um mesmo tema, observo que na construção de Luiza, cada imagem é uma unidade, cada uma expressa sua própria história, elas têm uma ligação quando observadas em conjunto, mas quando as vemos separadamente, se tornam únicas, não precisam das outras para se expressar, e cada uma tem sua identidade como objeto de arte. Tentei nessa explanação sobre Floralis escolher umas fotografias e elegê-las como pontuais nesse trabalho para analisá-las separadamente, mas resolvi

me eximir disso, porque acho que cada um tem que buscar sua própria identidade, cada um tem que observar e descobrir a imagem mais representativa dentro da sua própria conceituação, emoção e posterior pertencimento. Quando jovem li um filósofo indiano chamado Krishnamurti, em que ele em um de seus muitos pensamentos dizia: “O observador é a coisa observada”. Nunca esqueci esse pensar. E sempre que me vejo diante de algo que me provoca emoção, me vem essa reflexão: o que me traz a esse estado é o que de mim vejo no que estou vendo. Floralis me dá essa comoção.


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por uma cidade menor por jack nilson ILUSTRAÇÃO: nil cerqueira

Belém, cidade aberta, se dá de aberta aos olhos de quem vê. O olhar como mediador da experiência corporal. O andar como fluxo irradiador de experiências outras. Um corpo que flana pelas ruas, aventura geográfica criadora de novas perspectivas. Perspectiva, palavra-chave para o enredamento desta cidade nos fios da imagem e da história, da história da imagem, história da arte, história da imagem como representação, representação da própria história, mesmo que de uma história menor. História inventada, como toda história e representação. A cidade é uma ficção. Ter orgulho de uma cidade não é nada fácil, além de pouco útil na prática (vide orgulho besta), mas menos fácil ainda é sobreviver ao calor que assola esta cidade, calor solar, alta temperatura o ano inteiro com pancadas de chuva prometidas para o fim da tarde, mas nem sempre cumpridas. Aliás, cumprir promessas não é algo que combine com grandes capitais, mesmo as menos abastadas. A cidade é muito grande, percebe-se logo ao primeiro olhar – se é que um primeiro olhar existe. Os mais ingênuos dirão “mas São Paulo é muito maior” ou “Salvador é que é grande”, ou, ainda, citarão Nova Iorque, Buenos Aires, Londres

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e outras cidades do mundo e deixando ver um ar cosmopolita tipicamente provinciano, proferirão sentenças arrebatadas. Definitivamente a cidade é grande. Ponto. A cidade: pequenas ruas longas, pequenos muitos vendedores ambulantes, poucas e perigosas passarelas, violência pequena quase desenfreada, todas as marcas da maldade humana e do desenvolvimento atabalhoado. Ecos de uma modernidade mal resolvida. Crescer é preciso, mesmo que com isso se esmaguem as pessoas: crescer é perigoso. A cidade embalada para presente pelo ritmo das máquinas de música, bicicletas-som, carros-som, pessoas-som, tudo-som. Tudo é muito. É preciso muita festa para aguentar uma cidade assim: festa o ano inteiro. Rock, Saudade, Tecnobrega, Forró, Pagode, Sertanejo... Daqui a pouco é Círio, a cidade pára. Aliás, daqui a pouco pára se escreve sem acento (ou parece que já se escreve assim, as coisas passam rápido demais). E o fim de ano já está chegando... Depois do Círio, o tal do Natal dos paraenses, já é Natal de novo, o Natal de quase todo mundo. Depois é ano-novo de quase todo mundo de novo e no ano seguinte, tudo de novo pra quase todo mundo. A cidade não para.


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"Se barbárie é coisa dos grandes, melhor mesmo é ser menor."

Mas que a cidade é grande, isso é. Talvez não seja, mesmo, taluda como Nova Iorque, Berlim, Tóquio, São Paulo, mas nem é disso que se fala aqui, mas daquele desejo íntimo de grandeza que leva aos melhores pecados e aos piores temores. E temores também podem levar a algum lugar. É preciso que se escrevam manifestos por uma cidade menor ou por várias cidades menores. É preciso diminuir a cidade, talvez dividi-la em várias outras, menores, tentar conter esse furor de desenvolvimento que nunca chega e do qual só vem uma vaga brisa. Talvez a modernidade não tenha mesmo acontecido direito por aqui, como afirmam alguns, mas aposto

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que se aconteceu passou tão rápido e para tão poucos que ninguém viu direito. Talvez alguns barões da borracha, no máximo. Talvez a famosa onda de suicídio atribuída à derrocada de tais barões tenha sido, na verdade, ocasionada por esta visão aterradora. Ver a modernidade assim, rapidinho, e não poder dela desfrutar direito deve ser uma coisa apavorante. Não é coisa pra qualquer barão suportar. Os barões da Europa, os verdadeiros barões, barões de direito e de direita, mesmo antes dela existir direito, não devem ter passado por isso. Devem ter assistido a tudo de camarote: vista privilegiada e com direito a repeteco: replay. Mas isso não é culpa de nossos pobres e suicidas barões assinalados, culpa mesmo

é do complexo de cidade grande em corpo de cidade pequena ou de cidade pequena em modos de cidade grande. Pra que o desejo de ser tão grande? Macunaíma provavelmente desconfiaria disso, voltaria intrigado pro mato, era esperto demais pra cair numa dessas. “Não carece”, talvez dissesse. Mas é bom crescer, diriam seus irmãos, mais bobos e deslumbrados. Acho que se é pra ser bobo, é preciso ser desconfiado que nem Macunaíma ou distraído como o vagabundo Carlitos, que não compreendia a lógica da produção em grande escala. Cair numa cilada, só uma vez. Cair em outra, até tudo bem, contanto que não seja igual à primeira. “Distraídos venceremos”, disse um poeta da margem, menor e enjoado.


Ser menor também não é tão ruim assim, ruim é não ter consciência alguma disso. Que se faça então da minoridade uma resistência, uma força de combate, como a de Kafka escrevendo em uma língua que não era a sua e expressando, com isso, toda sua revolta pessoal e escritural. Ou como os videoartistas, que, contra a corrente hierarquizada e sistematizada de um cinema narrativo industrial, provam que é possível produzir potência através de uma linguagem pequena.

Ser menor não é ser de menos, às vezes é apenas questão de tamanho. Ou mais: “a maioria é ninguém e a minoria é todo mundo”. Os mais apegados ao seu território são os que menos percebem a desterritorialidade. É preciso rasgar os manifestos. Ou gritar um manifesto latente. A desconfiança do caboco, do matuto, não é à toa. O matuto matuta e embora conformado com uma existência distante de certos padrões, que ele certamente admira mais pela sua ignorância – no

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sentido de desconhecê-los, por serem diferentes, outros –, é astuto suficiente para saber que deve apreender com cuidado e desconfiança as coisas estrangeiras. Faz parte de sua cultura essa desconfiança, mesmo que não tenha algo escrito que a comprove. A força de uma coisa não vem de seu tamanho e tamanho nem é documento. E documento de cultura, Benjamin, alemão, ao que parece sem muito orgulho de sê-lo, disse que é documento de barbárie. E se barbárie é coisa dos grandes, melhor mesmo é ser menor.

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subversão Do instantâneo por elvis rocha

Dirceu Maués e a luta contra a padronização da sensibilidade

A cada pergunta, longos minutos de silêncio. Definitivamente, o tempo de Dirceu Maués é outro. As respostas, ornadas pelo mesmo cuidado com que trata suas imagens, feitas em Belém, Brasília ou Berlim, justificam a espera. Dirceu pensa – e vive – a fotografia como uma espécie de subversão ao relógio. Usa o timing muito particular como escudo diante da padronização da imagem. E da vida. Ou da imagem da vida. Acredita e defende a ideia que antecede a ferramenta, e desfruta da liberdade proporcionada pelas câmeras artesanais para registrar - com sensibilidade, sem pressa o movimento do mundo. A Gotaz o ouviu. confira.

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"Na infância, lembro de brincar com imagens das páginas das enciclopédias; um jogo em que virávamos as páginas e cada um tentava escolher a imagem mais atraente dizendo: 'É meu!'. Colecionávamos imagens dos álbuns de figurinhas. Mas só vim me envolver como produtor de imagens mesmo quando ganhei uma câmera de minha mãe. Fotografar rapidamente virou quase um vício."

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“Tinha 21 anos e fazia engenharia elétrica na universidade. Trabalhava nos fins de semana como garçom no Parque dos Igarapés pra ter um troco e comprar minhas coisas. Ganhei uma câmera bem simples, compacta. Fotografava tudo, aí meu curso de engenharia foi pras cucuias. Só queria saber de fotografia. Larguei o curso e decidi fazer Educação Artística, que era mais próximo de fotografia. Mas a engenharia e sua base de física e matemática me ajudaram a apreender rapidamente o processo de formação da imagem.”

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“Gostava de viajar pro interior do estado, fotografar aquele universo onde a relação das pessoas com o tempo é outro. Esse interesse em como nos relacionamos com o tempo já era parte de minha identidade. O tempo parece estar sempre nos atropelando, mas esse tempo é de um mundo que é imposto pra gente, que tenta controlar nossas ações, programar nossas vidas. Há uma pressa em tudo. Minhas primeiras fotografias falam um pouco sobre isso: mostram a vida de pessoas em que o tempo que importa é o tempo de uma relação mais sustentável com a natureza, com a própria natureza humana; o tempo das marés e da lua, não o tempo controlado por relógios.”

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“Com as pinholes há uma subversão do instantâneo, conceito que marcou a fotografia e se confundiu com ela por um longo período. Meu trabalho com as pinholes veio da possibilidade que esse processo abria de poder experimentar um campo amplo e pouco explorado dentro da fotografia. Ministrei muitas oficinas em Belém. Sempre pensei que essa técnica poderia ser utilizada não apenas como instrumento didático ou pedagógico para se entender um processo mais complexo, mas como campo possível de expansão da linguagem fotográfica, e em um dado momento acabei me enfronhando nele.”

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Como processo, a técnica pinhole dá muitas possibilidades. O fato de construir a própria câmera liberta de muitas amarras que uma câmera industrial impõe não apenas por um programa (software e hardware), sistema padronizado que já vem dado, mas também por um discurso consumista de que o último modelo de câmera sempre é melhor, um discurso que esteve ligado ao conceito de instantâneo, que sempre buscou certa precisão da imagem. Trabalhar com uma câmera artesanal pinhole abre outras possibilidades, cria suas regras, não segue uma padronização. É uma forma de subversão ao meio, a esse discurso da precisão, velocidade, tempo.”

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“12 anos de fotojornalismo me alimentaram de histórias, dos bastidores da vida. Fotojornalismo nem sempre foi, pra mim, rapidez, mas espera, longas esperas, pensando sempre em como se antecipar ao acontecimento, pré-visualizar, pensar nos possíveis desdobramentos de uma situação. O instantâneo era só uma parte do processo todo. Estar muito tranquilo e calmo (o que para muitos significa lentidão) em meio a uma grande confusão ajuda a ver melhor o todo.”

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“Meu trabalho não pretende negar as tecnologias emergentes, até porque a tecnologia está sempre presente nas coisas mais simples que podemos pensar: uma câmera artesanal é dita artesanal apenas por ter sido construída com as próprias mãos, mas seus materiais são altamente sofisticados tecnologicamente: seja uma câmera de lata ou de papelão.”

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“Meu processo de criação tem muito desses jogos e brincadeiras da infância. Quando era menino, construía meus próprios brinquedos: caixas de fósforo se transformavam em caminhões; aviões eram feitos de isopor das caixas de ovos; cidades inteiras eram construídas sobre o chão de barro batido, usando um pedaço de madeira para raspar as ruas no chão; fazíamos corridas de palitinho nas corredeiras que se formavam com as chuvas nas valas da rua. Havia o prazer de inventar o brinquedo, e esse inventar já era parte da brincadeira, assim como hoje inventar a câmera faz parte do processo de fotografar, inventar as estratégias, as subversões dos procedimentos também fazem parte do mesmo processo.”

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“Me irrita um pouco na fotografia ou em qualquer outra linguagem (e isso acontece muito no cinema e no vídeo também) um certo discurso que coloca os meios técnicos à frente de uma poética ou de um conceito artístico que o trabalho carrega consigo desde o início. É como se o que faz com que um trabalho fique bom não depende da ideia que o gera ou do olhar do artista, mas sim do equipamento, ou da ferramenta que ele utilizou. Claro que a ferramenta é importante, mas o conceito ou ideia é primordial e anterior. Será sempre a ideia que gera ou que conceitua um trabalho que determinará que ferramenta será melhor para realizá-lo: se uma câmera de lata ou uma digital de última geração.”

“Nas minhas leituras, fui descobrindo autores que dialogavam com o meu trabalho. Foi surpreendente ler ‘Filosofia da caixa preta’, do Vilém Flusser. Claro, ele usa a fotografia como metáfora para falar de como somos, cada vez mais, uma sociedade com atitudes e comportamentos programados e controlados, não apenas pelos aparelhos tecnológicos, mas pensando em aparelho num sentido mais amplo. Michel de Certeau foi outro teórico que descobri depois que voltei ao curso de artes. Ele fala sobre as táticas e modos de subversão das regras e comportamentos impostos pelo Estado.”

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“No final, meu trabalho acaba indo cada vez mais pra dentro da câmera, pra dentro do dispositivo. E agora estou fazendo umas intervenções urbanas com câmeras escuras. ‘Extremo Horizonte’ nasceu um pouco de minha estada em Brasília, de ter sempre, nessa cidade, o horizonte aberto à frente do olhar e de aprofundar algumas estratégias de uso da câmera. Tinha experimentado algumas coisas que iam da fotografia para o cinema com o vídeo, e em Extremo Horizonte faço um movimento de volta do cinema em direção à fotografia. É uma fotografia com o movimento inscrito nela, e onde o olhar precisa percorrer a fotografia.”

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fusconĦa em fuga cannabis e videotransgressão por luizan pinheiro ILUSTRAÇÃO: elton galdino

2.*e por que não*

1.*nada melhor que no final da tarde* da um balão com as gatas* no fusconha é claro*

Fu$conha em Fuga (2007) é uma dessas irônicas e criativas produções videográficas espalhadas pela internet. Originária dos porões da Cidade Nova (Ananindeua/Pará), um conjunto-bairro em que a cena cultural produz, para além do entretenimento, práticas artísticas alternativas há várias décadas: bares, bandas, skates, grafites, pixos, hip hop etc. Fu$conha é mais um desses casos. Pelas mãos de seu diretor Edgar Henrique imanta e revela a sacada cínica de forjar no vídeo uma celebration of love da cannabis sobre rodas num fusca azul chamado Fu$conha. A videotransgressão de Edgar nos leva a um flerte com o cinema mudo com os títulos dando liga das sessões e a trilha pulsando na mente: pegadas explícitas que nos conectam noutro tempo, quando o cinema tinha muito o que dizer sem nada falar. Assim, Edgar dispara suas baforadas estéticas rumo ao olho-mente do espectador e tira onda com a lei na precariedade de seu acontecimento-vídeo.

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O precário instaura assim um dos lugares com que podemos ler esta produção. Num certo nível, um alinhamento do sentido de literatura menor em Deleuze e Guattari: “uma literatura menor não é a de uma língua menor, mas antes a que uma minoria faz em uma língua maior”. E é nesse alinhamento que Fu$conha em Fuga dispara uma minoridade que se embasa em uma precariedade de meios. A língua menor do Fu$conha contra a língua maior, high tech de outras produções. “Faz valer um furor contra a medida, uma celeridade contra a gravidade, um segredo contra o público, uma potência contra a soberania, uma máquina contra o aparelho”. Aqui o precário, a minoridade, não têm o sentido de falta de recursos de alta tecnologia para produção videográfica, mas o sentido de força e afirmação de suas intenções sujas e cínicas que aspiram ao sarro-pigarro que cabe aos que estão “cagando e andando”, para usar uma expressão de rua, a ideia de grande arte; o que nos leva, desta forma, aos nichos subs da contemporaneidade na Cidade Nova. Fu$conha quase nem se trata de artístico no sentido mais usual do termo, mas na capacidade de experimentar uma visualidade e um discurso com suas marcações sujas daquilo que a imagética e mítica cannabis amplia.

2. *hehe*

É na selva virtual, a internet, que se acumulam inúmeras experiências artísticas em diversas linguagens, assim como registros de experiências artísticas. Experimentações fílmicas produzidas a partir de uma redução de meios tecnológicos ganharam visibilidade no espaço virtual. A produção desses pequenos filmes nos leva a perceber um foco de livre experimentação artística embasados na lógica do humor, do cinismo e da transgressão em forma e discurso e imagem.


3.*bola logo esse pastel*

Constitui-se assim nas vísceras do Fu$conha, o rito fissurado do objeto em fuga. E pense-se aqui que fuga pressupõe não só escape, afastamento, ampliação, expansão do universo que o pastel promove, mas num “sempre seguir a linha de fuga do voo da bruxa”. O desordenado e irregular percurso que reverbera no liso do espaço. Um mover-se na mão como pasta ou massa: reverso e equivalência entre massa-seda e erva-enxerto. E para não se ficar bolado. Bola-se logo a matéria em fuga: o pastel.

4.*e aí como é que é**fogo na bomba*

É das intensidades esgarçadas que a palavra se desdobra. Dobra-se. Desdobra-se num apelo apurado: *e aí... A queima já posta em trânsito do objeto outro. O outro do pastel. O pão enrolado no papel de cada dia posto a queimar na claridade luminar ardia. Ágil combustão a fundir as palavras ditas ali numa soma. Fusão que fabrica a imagem que de cara, declara fogo, explosão e brasa. 7.*se liga com a viatura*

5.*passa a bola mão de cola*

A mão que cola a matéria-seda, descola-se para passar ao outro o objeto em riste. Não mais colado num si, mas na partilha do verbo. A verdade que lateja entre os dedos. O verbo fumar no peito do vero símio contemporâneo de si, a tecer a história num rito sobre rodas. Fustigando a vida no Fu$conha em fugacidades nuas. Pelas ruas da Cidade Nova. Nova mente.

6.*cof* cof**

Desliza a fumaça no peito aberto para o mundo. *cof* cof**. O Fu$conha abre espaço na virtualidade e sua onda fluídica liga o homem no tempo de um acontecimento em slow motion, contraponto da velocidade imposta pela lógica moderna. O acelerado dos dias. *cof* cof**. Os tragos ativam a tosse seca e remetem às sonoridades num latejar lento, leve para o tempo. *cof* cof**. O que vier virá a se colar nas cenas dos dias. *cof* cof**. Se liga.

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A viatura no Fu$conha em Fug@ é o clássico ícone da lei. O contraponto das experiências alucinógenas tomadas na sua força de contravenção. “Veraneio vascaína, vem dobrando a esquina...,” cantava o Capital Inicial no boom do rock brasileiro dos 80. Ou numa outra tonalidade titânica: “Dizem pra você, Obedecer! Dizem pra você Responder! Dizem pra você Cooperar! Dizem pra você Respeitar!... Polícia! Para quem precisa... Mas aqui a viatura dá um outro tom: a lógica podre e desmedida do baculejo em ação. Mas o Fu$conha não se entrega...

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8. *onde*

A sonoridade que aflita, alerta o cotidiano e invade o ar compondo a trilha deste Fu$conha. Na marcação do poder de polícia investido em cada Estado não se identificam diferenças entre manifestação artística e criminalidade no corpo da cidade. É uma relação imbricada e interdependente das duas operações. Art and Crimes. O artístico e o criminal se conectam na Arte Brasileira: seja marginal, seja herói. Olha o Oiticica aí gente! Inflama a chama que agencia os focos de resistência onde a cannabis transita.

10. sujou os canas caralho*

11. encosta vagabundo!

O agenciamento tácito da lei se arvora a revogar a livre expressão do bagulho. Encosta vagabundo! é a palavra de ordem, a validade da lei em termos de obstrução do ir e vir. A pólis tomada pelas tretas não especifica os casos. Caso de polícia. Não foca em diferenças. Tudo habita o ser do crime. Todos são criminalmente ativos. Ativados pela lei que os gesta. Aditivados pela lógica da falsa segurança porque na cidade nada é seguro. Ou de outro modo. Seguro é o que se paga para o sistema segurar sua onda. Imprime-se aqui o estado paralelo do crime no corpo mesmo do sistema de con-fiança que agita o mercado.

12. não joga filho da puta!

Anti-flagra. O jogo aqui não é o não-vestígio para o não-baculejo, mas o princípio da perda. Perda de potência do fumo pela palavra de ordem. Perda da magia da celebration pelo renderse à lógica tonta do Estado. Não joga filho da puta: é a palavra de desordem. Expressão do valor inalienável da cannabis. Fino trato dado ao objeto-bagulho em videotransgressão.

Os canas: aqueles que sacaneiam a cannabis.

13. encosta é o caralho* ninguém para porra ***

A velocidade aumenta enquanto aumenta a tensão. O som da sirene dispara o gozo do escape, a adrenalina da fuga, a risada louca. O coração disparado remete à afirmação da vida em riscos. O Fu$conha intensifica a força de contraposição entre o poder e a expressão. Disparo em rajadas de fumaça contra Law and Order. Special Victims Unit. O Fu$conha em Fug@ é essa unidade em que as vítimas são especialmente os que sabem do sistema sua condição de opressão-repressão. O Fu$conha em Fug@ é a micromáquina que quebra a unidade do sistema e sua maquinaria corrupta. Os velhos aparelhos repressores do Estado sempre estiveram aí, sabedores de gestos e intenções claras, expressivos quase à beira de um sentido artístico, pois performáticos em si mesmos. Viciadamente performáticos. Este “Estado não se define pela existência de chefes, e sim pela perpetuação ou conservação de órgãos de poder. A preocupação do estado é conservar”. Na pior das intenções conservar para degustar numa espécie de hannibal lecture. A preocupação do Fu$conha é escapar e de outro modo conservar pelo gesto dos gestos antigos das hordas primitivas. O Fu$conha em Fug@ é máquina de guerra, deslizando num escape da Máquina de Estado.

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14. encosta maconhero, Policia!

Autoritarismo da fala. Outra palavra de ordem. Outro vazio da fala. O grito desesperado do acúmulo de vazio. A insistência do cumprimento da lei se estriba no grito histérico que ecoa no tempo: encosta Maconhero, Polícia! Mas o Fu$conha não para. Dispara o acelerado da máquina num ininterrupto deslocamento. “Com efeito sempre que possível o Estado empreende um processo de captura sobre fluxos de toda sorte, de populações, de mercadorias ou de comércio, de dinheiro ou de capitais, etc.” Da captura do Fu$conha, a resistência em velocidade. A fuga pelo lugar do desvio. Aflição dos cana bravos que em seus trajetos de perdidos se ligam no acontecimento Fu$conha. “Mas são necessários trajetos fixos, com direções bem determinadas, que limitem a velocidade, que regulem as circulações, que relativizem o movimento, que mensurem seus detalhes os movimentos dos sujeitos e dos objetos”. A máquina ativada da repressão se desloca por sobre o Fu$conha... desregulamento do movimento. Disparo ágil no explosivo gesto que infringe a lei e a ordem podre.

15. vem me pega boboca*

Desvio da fala. A gramaticalidade insana no videotransgressão é força. Desvio da língua. Minoridade desta em pulsão louca. Aqui não há reparo no desvio do corpo-texto pois ele já é todo o seu irreparável desvio. Um corpo louco em escape. A obra-vídeo em forma e conteúdo abre o jogo permissível do que é possível o precário como já se disse antes. Insubmissão em desvio. Ninguém pega.

16. *vai vira mané*

Fu$conha em Fug@: um regime de signos contrapostos pela i-lógica da cannabis na direção da lógica do Estado. O efeito aberto na gravidade do objetovídeo imbricado ora em discurso, ora em matéria. Percurso esquizo já todo fissurado abrindo espaços indecomponíveis... Apenas percebidos nas vagas do tempo.

17. E fudeu o fusconha capotou!

O escape explosivo do Fu$conha em Fug@ em seu ápice: a capotagem. Aqui cabe dizer da matéria do videotransgressão. O jogo ágil nas mãos de Edgar. A manipulação dos carrinhos de brinquedos constitui a sacada da inibição do que pode ser a tensão carnal da máquina repressora contra a máquina louca do Fu$conha. Na perseguição, o deslocamento da visão adulta para a visão infantil remete a uma insubmissão pelo que o jogo infantil promove: o desmonte da lógica adulta pela i-lógica infantil. Alice olhando a estante das maravilhas. Insubmissão da criança diante do mundo. Negação das regras do jogo na operação do livre prazer. Fu$conha em Fug@: máquina de guerra infantilizada na ativação de gestos novos.

18. Fu$conha capota em uma fuga da policia por causa de um baseado! O conduto fala: vai se fuder seu policia!

Manchete de jornal. O lugar onde se coloca a ordem do dia. Estética histérica em página de jornal. Mas para o Fu$conha em Fug@, a revelação de sua face mais nobre: o insulto, o grito desajustado, insubmisso, a afirmação da baforada cínica, a afirmação de vida contra a contaminação insana do que pode o poder repressor. Fu$conha em Fug@: videotransgressão disparado no corpo do contemporâneo. Antiarte a dizer o lugar do precário numa celebração suja, desordenada, errática e explosiva. O lugar outro da fala, da arte, no submundo das matérias. O antiautor também fala: vai se fuder seu polícia!

* Curta-metragem de Ficção amador que se torna o inÍcio da pesquisa CINEMA EXPERIMENTAL DE BAIXO CUSTO desenvolvida no TCC de Edgar Henrique para o Curso de Artes Visuais ESMAC 2007, a partir desse pode-se afirmar que se trabalha um roteiro com o mínimo de recursos possível, por exemplo, é usada uma câmera de 3.0 MP e programa de edição básica do Windows, a iluminação natural (luz do sol), tabaco Trevo, carrinhos de brinquedos e outros Fakers. os títulos DO TEXTO mantÊm a grafia usada no vídeo, confira em: www.youtube.com/watch?v=25igSBeDaNQ

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lugar de devoção por lorenna montenegro fotos: diana figueroa

Espaços independentes fomentam e ajudam a jogar luzes sobre a produção artística local

Para uma cidade que se referencia no espaço urbano por meio de belas edificações pensadas por ingleses, franceses e italianos como Antônio Landi, Belém abriga poucos espaços independentes para difusão da arte. O diferencial, porém, é que nesses locais existe uma genuína devoção à custa do esforço e criatividade de múltiplos profissionais. Entre galeristas vocacionados pela paixão de entes queridos, artistas que criaram locais para expor suas produções e difundir para o mercado, encontramos histórias e exemplos de galerias que se metamorfoseiam em espaços culturais, lugar de pesquisa e estímulo artístico. Quando o artista visual Armando Sobral morou em São Paulo, participou como um dos fundadores do Atelier Pi-

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ratining. Um tempo depois, já de volta a Belém, travou contato com outras experiências de produção e criação coletiva na Fundação Curro Velho, onde dava aulas de gravura. Lá conheceu Elaine Arruda e Pablo Mufarrej. Em 2009, a ideia de criar um espaço que servisse tanto para a produção de obras quanto à difusão da arte saiu do papel em parceria com Elaine, com quem criou o Atelier da Campina. Um tempo depois, eles convidaram Pablo e juntamente com a francesa Véronique Isabelle, fundaram o Atelier do Porto. “O Atelier da Campina servia para desenvolver o nosso trabalho e tinha uma vocação artística de arcar com as despesas de forma colaborativa, mas sem pretensões de ser um coletivo. Aí quando me envolvi mais com a pesquisa

da escultura que demandava uma estrutura física maior, fomos procurar outro lugar, e foi quando achamos essa casa e a partir dela, iniciamos esse projeto de pensar nossa atividade como ideia de coletivo, que tivesse foco não só na produção, mas uma visão do mercado local”, pontua Armando Sobral. Entrando na casa de pé-direito alto, o olhar é atraído para a sala onde ficam expostas as obras do quarteto e de outros artistas contemporâneos, tendo como referência principal a gravura, elemento que provocou a criação do atelier. “Quando nos instalamos aqui agregamos a galeria, o espaço expositivo, mas com um caráter de escoamento da produção e formação de público, somando a possibilidade de fazer eventos”, diz Armando.


Atualmente, o trabalho se divide na área da produção, onde cada um trabalha a sua poética, e na maneira coletiva de escoar o que produzem. “Isso se torna visível quando se chega aqui no atelier e vê o espaço de cada um para trabalho e pesquisa, vê a feitura da gravura de metal, por exemplo, conhece a maneira de fazer, o procedimento. É um diferencial realmente chegar à galeria, ver as obras e entender como elas são produzidas, por isso funciona de uma maneira diferente de uma galeria convencional”, explica Elaine Arruda. Outro ponto importante de intersecção no que faz a essência do lugar é a relação com o meio onde está localizado. “Esse entorno, o Porto do Sal, tem uma influência sobre a nossa produção e também faz com que o nosso trabalho

tenha um cunho social quando trazemos esse universo do bairro para dentro do Ateliê. A Véronique trouxe para cá o Almir Jr., pintor de letras do porto, que é nosso artista consignado”, lembrou Elaine. Outro viés é o educacional, por meio do estágio ofertado a alunos (de dois a três por semestre), do curso de Artes Visuais da Universidade Federal do Pará. “Vamos mostrando que o artista não tem aquela mística, não é aquela figura que tem a produção meio apartada. Quando chegam aqui eles veem que a rotina, o trabalho é uma atividade em processo que demanda um esforço contínuo e que a interlocução com o mundo e a realidade é o que vai fazer o artista encontrar o seu lugar”, frisa Armando.

Atelier do Porto: Rua Gurupá, 104. Cidade Velha. atelierdoporto.blogspot.com.br

o atelier do porto se destaca pela maneira coletiva como escoa a produção dos artistas gotaz.com.br

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espaço reator e kamara kó (à direita): ambientes abertos a encontros e parcerias Espaço Reator: Travessa 14 de Abril, 1053, entre José Malcher e Magalhães Barata.

Outro atelier que serve para pesquisa e experimentação é o Espaço Reator, de Nando Lima. Ator, iluminador, dramaturgo, ele também mora no prédio de três andares onde funciona o espaço, que abriga uma sala para encenações e performances, outra para projeções, exposições e um terraço/lounge. “Aqui é um lugar para suprir a necessidade de arte experimental, para poder criar livremente e depois apresentar, e chamei artistas que também trabalham dessa forma, buscando um hibridismo entre linguagens como o audiovisual e artes cênicas não necessariamente comercial”, explica. Red Bag, por exemplo, é um espetáculo que envolve teatro, vídeo, artes visuais e performance, fazendo referência a artistas experimentais como Robert Mapplethorpe (fotógrafo norte-americano). Para assistir ou conhecer um pouco dos processos desenvolvidos no Reator, é cobrado um valor módico de bilheteria ou a entrada é franca, se o projeto tiver sido contemplado por algum edital. Outra coisa que chama a atenção no Reator é a mobilidade, pois o espaço se modifica de acordo com a necessidade dos artistas.

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“Eu vivo aqui, então organizo o tempo de utilização do lugar de forma que não interfira no meu cotidiano e em comum acordo com os colaboradores. E é interessante porque aqui muitos acabam desenvolvendo outras facetas artísticas, como o caso do Danilo Bracchi que tem uma companhia de dança (A Cia. De Investigação Cênica), mas que aqui desenvolve performances, como ‘Bailarina Fassbinder’, que foi ensaiado aqui e encenado no Teatro Cuíra”, relembra Nando, acrescentando que cotidianamente são realizadas leituras de textos. “O Reator não tem um horário específico de funcionamento e vem se consolidando como um espaço de encontro também e sempre aberto a parcerias”, diz Nando. Entre os artistas que sempre participam dos processos criativos – que são bem colaborativos e realizados com patrocínio ou não – estão Jefferson Cecim, Leo Bitar, Andrea Rezende, Patricia Gondim e Alexandre Sequeira. Com o fotógrafo, a ideia é expor, em novembro, fotografias de pessoas que passaram pelo Reator e fizeram imagens do espaço, mostrando as diferentes “leituras visuais” do lugar.


Kamara Ko: Travessa Frutuoso Guimarães, 611. WWW.KAMARAKOGALERIA.COM

Makiko Akao trouxe a bagagem adquirida na Associação Fotoativa para abrir, em 2011, a galeria Kamara Kó, empreendimento voltado para a arte fotográfica. “A minha vivência com o Miguel Chikaoka me permitiu conhecer muito desse universo, e quando eu e ele criamos um banco de imagens, nasceu a Kamara Kó. Quanto à parte de projetos culturais, eu aprendi na Fotoativa a gerir e a entender esses mecanismos, ainda mais porque ela funcionava aqui dentro da Kamara Kó nos primórdios”, conta Makiko. Seleção, identificação e catalogação das fotos são trabalhos que ela tomou gosto em desenvolver, até por conta da familiaridade com as imagens que comercializava no banco. Com isso, foi se acostumando a editar, mas não se considera curadora. “A gente fazia um pouco de tudo aqui e com transição da película para o digital, as atividades foram minguando. Aí houve a necessidade de dar outra característica ao espaço, que foi repensado como galeria, até por conta da valorização

da fotografia pelo mercado como obra de arte”, acrescenta. A pauta da Kamara Kó abarca propostas de fora do estado, tendo inclusive este ano realizado a exposição “Ikaros”, do francês Marc Dumas, além de ter trazido imagens aquareladas de Rubens Matuck e João Capobianco. Mas, vislumbrando essa tendência bem recente da fotografia numerada, com valor comercial, a Kamara Kó, além de tomar conta do acervo de Chikaoka, representa e fomenta a produção de fotógrafos da terra como Paula Sampaio, Alberto Bitar, Bob Menezes, Octavio Cardoso, Anita Lima, Guy Veloso e outros. No segundo semestre de 2013, a galeria celebrou dois anos participando da importante feira SP-Arte/Foto, mostrando ao público do país a força da fotografia produzida aqui. “Vejo como alguns dos princípios da galeria difundir a aquisição de obras fotográficas, ampliar o mercado de arte e possibilitar aos artistas o escoamento que vai sustentá-los para continuar criando”, aponta Makiko Akao.

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Galeria Debret: Rua Arcipreste Manoel Teodoro, entre Presidente Pernambuco e Padre Eutíquio. 630.

Diores, , que mantém vivo o espírito da Debret. À direita, Lucia Chaves e a filha Luena, da Elf.

desde os anos 70, a galeria debret se mantém como ponto de encontro para artistas da região Colecionador apaixonado, o advogado Gileno Muller Chaves criou, há mais de 30 anos, um espaço para agregar os amigos e ser um refúgio, um ponto de encontro de artistas plásticos paraenses. Assim surgiu a Galeria Elf, hoje mantida pela viúva dele, Lucia Chaves, e os filhos Luena e Ingo. “Desde a década de 70 ele esteve envolvido com cultura, pois era o consultor artístico de editais de arte do Governo do Estado. Ele trabalhou para ter meios de trabalhar com aquilo que gostava, promover a arte, e acabou criando um mercado que até então não existia”, lembra Lucia. Gileno foi se relacionando com ar-

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tistas como Paes Loureiro, Age de Carvalho, Augusto Morbach, Walter Bandeira, Valdir Sarubbi e Emmanuel Nassar. Com o tempo, a Elf foi formando público, e principalmente compradores, que não são aqueles que compram para decoração, mas sim para colecionar. “Inclusive hoje eles frequentam o espaço regularmente aos sábados – dia em que comumente são realizadas as vernissages – e começam a emprestar uns aos outros as obras por um tempo determinado”, conta Lucia. Ela fica com a função de gerir o espaço enquanto a filha Luena desenvolve os dotes como galerista, buscando conhecer mais o mercado, ficando em

contato direto com os artistas e montando as exposições. “O nosso compromisso é esse: difundir a arte contemporânea paraense, em especial a pintura, a gravura e algo de fotografia e esculturas”, frisa a gestora. A longevidade da Elf é fruto da constância e do planejamento. A casa só fechou em duas ocasiões – uma reforma e a mudança para a casa da Vila Bolonha, e por causa da morte de Gileno. “A Elf e Debret são as únicas e mais antigas galerias particulares da cidade. O escultor João Pinto montou a Debret no porão da casa dele, e o Gileno resolveu construir uma casa para funcionar apenas como galeria, com toda a


na debret nasceram carreiras que logo conquistariam o país estrutura e espaço adequados. Reunimos hoje mais de 1.500 peças, entre pinturas, gravuras, desenhos, aquarelas, azulejos, fotografias e cerâmicas, expondo uma vez por ano obras do acervo”, enfatiza Lucia Chaves. Falando na Debret, a irmã de Pinto Guimarães, Diores, é quem cuida da galeria, que é referência em aquarelas: “Meu irmão, além de artista, dava aulas de arte aqui no espaço, que sempre foi muito ‘vivo’, então foi questão de tempo que o atelier virasse galeria”. Assim, a Debret serviu como ponto de encontro para artistas que logo seriam conhecidos pelo Brasil, como Claudio de La Rocque Leal, Rui Meira, Paolo Ricci, Geraldo Moraes Rego,

Jorge Eiró, Ruma, Acácio Sobral, Dina Oliveira e mais. Os famosos “kuarups” de Pinto Guimarães, falecido em 1997, também podem ser vistos por lá. A Galeria mantém uma regularidade nas exposições, que ocorrem bimestralmente. “A Debret apresenta um resumo histórico das artes visuais aqui e no país, e ainda permite comparar as fases de muitos artistas paraenses”, diz Diores. Firmando as bases na circulação de mercado, inserção na cadeia produtiva das artes visuais e difusão da arte contemporânea, esses artistas e empreendedores vão preenchendo com criatividade e qualidade os redutos artísticos e assim enchendo os olhos do público.

Elf Galeria: Passagem Bolonha, 60. Nazaré. www.elfgaleria.com.br

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MUROS E RAÍZES por elvis rocha FOTOS: diana figueroa

O grafite E A HISTÓRIA de Sebá, que retornou a belém disposto a deixar, literalmente, sua marca

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Sebastião Tapajós Júnior tinha sete anos quando, no começo dos anos 1990, despencou da rede no apartamento mantido pela família no centro do Rio de Janeiro. Acordou uma semana depois. Não lembrava do pai, o músico Sebastião Tapajós. Não lembrava da mãe, a bancária Marisa Carneiro. Não lembrava do sorvete preferido. Não lembrava de nada. A perda da primeira infância e a memória dos anos iniciais nunca recuperada marcariam o processo de reconstrução da persona de Sebá, um artista de rua carioca-santareno compulsivo em deixar sua assinatura nas telas e muros dos lugares por onde passa. Perto dos trinta, e após longas temporadas acumulando técnicas e experiências rodando por aí, Sebá decidiu voltar para a terra onde “aprendeu a comer olho de peixe amassado com farinha” com a intenção de reencontrar raízes e colaborar no processo de fortalecimento do grafite na capital para-

ense. Elegeu o bairro do Reduto, no centro de Belém, para tocar de maneira independente o “Reduto Walls”, projeto de revitalização dos muros da zona boêmia da capital que pretende, em médio prazo, se transformar em uma espécie de museu a céu aberto, como o artista gosta de definir. “O Reduto é um bairro que tem toda a energia que as zonas portuárias do mundo têm. É um espaço boêmio, GLS, com muita história, lendas e mitos. A ideia é que esse projeto se transforme,

eting of Favela (MOF), realizado anualmente no Rio de Janeiro, e das edições brasileiras do Meeting of Styles, ambos referências na arte urbana do país. Os muros do Reduto são a continuação de uma ligação com a arte que nasceu cedo. Primogênito de uma referência musical paraense, Sebá cresceu convivendo – na capital carioca, onde a família se radicou – com lendas como Altamiro Carrilho, Billy Blanco, Sivuca e Hermeto Pascoal fazendo um som na sala de casa. Apesar dos ouvidos agraciados pelas visitas, não foram os acordes e dissonâncias dos amigos paternos que despertaram no garoto a curiosidade sobre a própria veia artística. “Eu ficava maravilhado com a capa dos álbuns. Era uma época em que muitos artistas visuais trabalhavam em parceria com os músicos nos lançamentos dos discos, e algumas dessas peças eram verdadeiras obras de arte. Foram nessas capas que eu comecei a me interessar pelo traço, pelo desenho e pela pintura”, diz.

"o reduto é um bairro que tem toda a energia que as zonas portuárias do mundo tÊm"

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em pouco tempo, num festival que reúna manifestações artísticas ligadas à rua, como o hip hop, a capoeira, o grafite etc.”, diz Sebá. Know-how ele tem. Não bastassem os anos dedicados ao grafite, em trabalhos solo ou na participação em crews pelo Brasil, Sebá traz no currículo a experiência como colaborador na organização de festivais como o Me-


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Sebá já tinha passado pelo trauma da perda da memória e vinha aos poucos se reacomodando no mundo, que precisou redescobrir com paciência, num processo em que os lápis e pincéis foram parceiros fundamentais. Os longos períodos de ausência do pai, no auge da carreira, e a necessidade de encontrar um meio para extravasar a hiperatividade o fizeram enfiar a cara nos rabiscos, que apesar de ainda sem muito rumo, geraram interesse. “Meu pai e minha mãe trabalhavam muito e eu passava um bocado de tempo sozinho, então comecei a desenhar e a pintar aos

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oito anos. Participei da minha primeira exposição logo em seguida, aos nove, com cinco telas em uma exposição de artistas mirins, organizada pelo jornal O Globo. O desenho era onde eu me acolhia e podia ficar bem comigo mesmo.” Com a separação dos pais, a vida – econômica e emocional – mudou, e a relação com o desenho ganhou mais intensidade, assim como as longas horas fora de casa. Sem muito interesse pela educação escolar formal, Sebá encontrou em um antigo parceiro do pai o esteio para desenvolver as técnicas que aplicaria em suas telas.


desde que voltou a belém, sebá tenta pintar um muro por semana

Durante dois anos, o atelier do artista plástico Longuiño virou seu segundo lar. Admirador dos impressionistas, repassou a Sebá um pouco de história da Arte e o apresentou a conceitos e técnicas que o acompanhariam vida afora. “Ele me passava as técnicas e eu fazia os desenhos. Aprendi a mexer com luz e sombra. Foi uma época boa porque ali eu vi que podia ser um artista. Tinha descoberto que era daltônico há pouco tempo, então aprender técnicas como a do carvão, por exemplo, me ajudou a ver que eu podia fazer as coisas sem me preocupar demais com as cores.” A conexão entre a adolescência e o ideal impressionista de ganhar as ruas e retratar o cotidiano não poderia se dar de outra forma para um garoto urbano que não pelo spray. Foi por meio dele que Sebá fez amigos, arrumou as primeiras confusões e pegou gosto pelas facetas da arte urbana, mais tarde traduzidas na paixão pela grafitagem. “Era a adolescência, né? Pichação, porrada da polícia, descolar spray. Fui me desligando um pouco das referências clássicas que eu tinha aprendido e passei a me ligar nessas experiências. Continuei participando de mostras esporádicas no formato galeria, mas sem compromisso. As marinas e naturezas mortas que eu fazia ficaram pra trás e aprendi como funcionava a linguagem da rua”, lembra.

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O coração do pai seria o responsável pela primeira reaproximação de Sebá com a terra onde nasceu. Ao sofrer um infarto, Sebastião Tapajós contou com a presença do filho em Santarém durante quase um ano, um período em que ambos apararam algumas arestas e desenvolveram outras, numa relação nem sempre tranquila. “Fiquei esse período com meu pai e ainda tínhamos muita coisa pra acertar entre a gente. Então não foi fácil algumas vezes. Foi bom porque voltei a Santarém, vinha a Belém de vez em quando, e no final desse período me mudei pra Salvador, onde sempre digo que reaprendi a viver.” “Reaprender a viver”, neste caso, significa envolvimento mais direto com crews de grafitagem, a descoberta da tatuagem como meio de vida e a participação como colaborador em grupos de teatro na capital baiana. Depois dos clássicos, das ruas cariocas, a cultura negra ganhava sua vez no imaginário de Sebá. “Em Salvador me envolvi com o 071 Crew e o grupo de Teatro Vila Velha. Até hoje existem trabalhos meus espalhados pela cidade, no Pelourinho, na Cidade Baixa. Foi lá que me interessei por design e comecei a produzir cartazes, ler bem mais e a tatuar, o que me abriu a cabeça pra novos jeitos de expressar as ideias.”

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A temporada soteropolitana também acrescentaria ao rol de influências figuras como o grafiteiro Bel Borba, hoje radicado fora do país, e o artista plástico argentino naturalizado brasileiro Carybé, um dos ícones das artes visuais baianas. O finado Carybé, aliás, protagoniza uma passagem que Sebá lembra, se não com orgulho, pelo menos com indisfarçado bom humor. “Conheci um professor de biologia maluco que me convenceu a falsificar Carybés e fiquei dos 17 aos 20 anos trabalhando com isso. Um tio meu mais doido ainda soube e queria até me mandar pro exterior pra estudar técnicas de falsificação”, recorda, aos risos. De volta ao Rio de Janeiro, Sebá manteve a tatuagem, se envolveu em encrencas, retomou o contato com os “Destruidores do Visual” (crew que integrava desde 2006 e no qual grafitava os muros cariocas), e terminou a faculdade de design. Nesse meio tempo, trabalhou como diretor de arte em agências de publicidade, participou de eventos de arte urbana fazendo contatos e trocando experiências, e encarou uma temporada no Velho Mundo que amadureceu a vontade, cultivada há tempos, de recomeçar a carreira e a vida na capital paraense, o que já vinha ensaiando em temporadas passadas por aqui como coordenador de projetos na área cultural e

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participante de eventos ligados à arte urbana. “Sabe aquela história do 'andei, andei, andei e nada gostei?' É mais ou menos isso. Nada me inspira mais do que Belém. A faculdade acabou. Tava fazendo umas telas e vendendo pra atelier, pra galeria, e tinha me distanciado da rua. Aí fiquei quase um ano viajando pela Europa e me bateu essa vontade de voltar.” Desde que voltou a Belém, Sebá tenta cumprir a meta de pintar um muro por semana, no esquema “achar um lugar disponível e jogar tinta”. Sem apoio, tem tirado do bolso para levar adiante o embrião do projeto, com a esperança de que a iniciativa atraia interesse para ganhar as dimensões que almeja. Das letras simples ao grafite mais trabalhado, da acrílica ao bombril, Sebá tem espalhado pelo bairro um pouco das ideias que o fazem acreditar que Belém é o lugar onde pretende estar nos próximos anos. Clowns, heróis, lendas amazônicas, críticas sociais e nonsense integram seu rol de temas preferidos. E ele quer ir, nas próprias palavras, além. “Estamos num bom momento para o grafite no estado e minha vontade é colaborar. O ‘Reduto Walls’ está sendo pensado para agregar valores ao que já está sendo feito com o trabalho de outras pessoas, e acredito que os resultados dessa soma serão bons. É isso que espero.”


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a politização DA DIFERENÇA por FABRÍCIO MATOS FOTOS: LAERCIO ESTEVES

Cada vez mais a cultura, mídia e a política se tornam os eixos das disputas pela opinião pública e pela visibilidade de projetos distintos para a sociedade brasileira. Os movimentos sociais dão sentido político à cultura, e ganham espaço dentro das mídias, o que influencia a construção de uma nova ideia de política e de cidadania, de novas formas de estar na sociedade. Passamos pelo momento de questionamento das estruturas e das autoridades políticas e sociais, instituições, governos, organizações, em uma série de manifestações com pautas di-

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fusas e projetos políticos distintos: momento que ficou conhecido como “Copa das manifestações”, “Jornadas de junho” ou vários outros nomes pelos quais foram identificados. Esse momento desaguou e fortaleceu uma série de outros movimentos com agendas mais focadas, tais como: o passe livre, democratização da comunicação, meio ambiente, educação, saúde, cultura etc., reafirmando a necessidade de politização da sociedade brasileira sobre seus problemas estruturais recorrentes.


"cada vez mais cultura, mídia e política se tornam os eixos de disputa pela opinião pública." A política, além de ser um sistema (o sistema político) também (e principalmente) é a forma como os cidadãos atuam na sociedade e se reconhecem (ou não) no seu sistema de governo (poder transitório) e, em última instância, o seu Estado (poder estrutural, de caráter mais permanente). O fosso que separa o que a sociedade “é” e o que ela “quer” seria a crise de representação política. Uma crise instaurada na separação da política da vida do cidadão comum, que vive de serviços públicos precários, sem saúde, educação, transporte, privatização do espaço público pelo consumo, violência generalizada e falta de segurança pública, o abuso do uso de força cotidianamente pelas polícias, e outros fatores que não concretizam o estado

de bem-estar social necessário ao desenvolvimento sustentável ao país. No entanto, apesar do senso comum apontar para a existência de uma crise generalizada da representação política, é possível afirmar que existe uma disputa de representação por diferentes projetos políticos. Até onde pode ir uma crítica que, de tão avassaladora, tem uma mira tão grande que abarca e pretende derrubar as fronteiras existentes entre projetos políticos? Um momento de politização da sociedade pode ser um momento de reflexão dos rumos da democracia, e do aprofundamento dela pela democratização da sociedade. Existem diferenças significativas entre projetos de desenvolvimento, entre visões de

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mundo e de estruturas democráticas entre os movimentos que estiveram presentes nos protestos de junho. Da atitude anti-imigrante à negação dos partidos num movimento social, do nacionalismo/regionalismo à crítica ao feminismo e à marcha das vadias, do fundamentalismo religioso à rearfimação do lema ‘ordem e progresso’, existem elementos comuns: a negação da diferença. Nega-se o diferente por querer que ele não exista socialmente, por preconceito, por autoritarismo. Mesmo a chamada ‘postura de tolerância’ coloca-se num lugar pretensamente ‘superior’, mas sempre sujeito a não se misturar. ‘Eu tolero aquele que eu posso controlar’. Uma postura comum ao liberalismo à direita.

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"a política é uma ação de liberdade entre comuns, uma comunidade em que se reconhece o outro."

Esse projeto está posto para o Brasil, por meio da volta do conservadorismo que nega a política (institucionalizada ou não), pois acredita que ela é suja e portadora sempre de interesses escusos. Esse projeto traz reivindicações que vêm através da culpabilização dos políticos, cuja bandeira é ser contrária à corrupção generalizada, além de outras reinvindicações de caráter reacionário, tais como: redução da maioridade penal, nacionalismo, negação do casamento e criminalização da homossexualidade, negação das políticas de cotas sociais, entre outros. Este projeto está posto por uma nova direita que mobiliza a juventude e principalmente a classe média a partir de uma politização conservadora ligada ao nacionalismo, ao racismo, à intolerância aos partidos políticos e aos movimentos sociais, e que estavam nas ruas em junho. Seria esta a nova direita brasileira? Por outro lado, um projeto bastante distinto visa aprofundar a democracia e estabelecer novas esferas de representação, mais próximas dos interesses diretos e da vida do cidadão, questionando seus diversos tipos de violência cotidiana – como precariedade no transporte e na saúde, criminalização dos movimentos sociais, manipulação da mídia, violência generalizada contra

os moradores das periferias das cidades, desigualdade social, precarização do trabalho, violência contra as mulheres, precarização da educação e da saúde, entre outros. Este projeto vê a política como espaço de negociação, reflexão, abertura das instituições para a participação do cidadão, conselhos, orçamentos participativos, mecanismos de controle social (realizados pela sociedade) para os usos do dinheiro público e as estratégias de ação de Estado. As políticas públicas só ganham sentido de públicas se realmente envolverem os cidadãos e os movimentos que os representam em suas formulações. Só têm sentido de ação pública se tiverem a capacidade de envolvimento político, ou seja, se permitirem que as energias e demandas políticas da sociedade penetrem na construção da sua ação pública sobre a cidade, o estado e o país. Este projeto está posto pelos movimentos sociais, partidos políticos de esquerda, assim como os movimentos estudantis e de juventude, que permitem e convivem com a diferença, com o outro. Nesse sentido, a postura da esquerda democrática mistura, convive, discorda, negocia e se alimenta da diferença, vive dela e representa seu momento pulsante. Não nega a diferença, pois ela sabe que se trata da

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própria constituição da sociedade, e da fundamentação ética da democracia, da política e da liberdade. Foi Hannah Aredt quem afirmou a importância da política num momento em que os regimes totalitários haviam deslegitimado totalmente esta forma de ação humana. Ela questionava qual o sentido e o aprendizado possível da política. Por isso classificou os totalitarismos como a negação da política em si, por instrumentalizá-la por meio da violência. Sabia ela que a violência pode destruir o poder, esta relação existente entre os homens, mas não podia construir a política em seu lugar. Isso porque a política é uma ação de liberdade entre comuns, uma comunidade em que se reconhece o outro. Assim, a liberdade não pode ser vivida na solidão, e se exerce quando percebemos que o mundo dos homens e mulheres livres é constituído por mais do que a potência do “querer”, mas também pelo “poder”, ou seja, pelo limite que a negociação com a alteridade (a diferença) nos traz no exercício da política. Ressignificando a política, portanto, é possível pensá-la como uma ação plural, uma ação de diferentes num espaço comum, que cria o novo não apenas pela necessidade, mas também pela liberdade, pelo amor ao mundo.

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III & xv Micronarrativas de Rodrigo Barata ilustradas por FelĂ­cia Bastos

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mamãe segurou os gastos por mais de trinta anos. o filho único e varão perdeu a dignidade e não se apoiou em cerca de tantos hectares. o tio sectário e adicto em pôquer agiotou uns dois casamentos barganhou empregos públicos. a empregada foi para a europa servir um nórdico de falo maior, que nem de hippie velho. a prima só saiu de casa quando encontrou o homem errado e foi minúcia análise. os anais dizem que são felizes e tal! o outro filho único e falido deu pra contar mentiras e todos acreditam. dizem os mesmos anais. é tão inteligente que adora abraçar postes. a irmã caçula virou mulher cedo e nem avaliou nada casou de chofre separação total de bens. os anais questionam o direito das coisas. mamãe não foi santa de tola. bobagem estes três milagres. a tia-avó me con-

firmou mais de muitos mais. às vezes as coisas cheiram a algo de verde musgo. a mesma tia-avó foi comissária da varig. aposentada louca. e era tamanha conhecedora de música erudita. dava nome data e autor da composição. outra tia andava pela casa empunhando terço e sem calcinha. os anais. os anais viram tudo e nunca perdoaram. ela anda pela rua sem nada demais. distribui palavras datilografadas. o concunhado débil mental conseguiu bilhete premiado e destilou todos os níqueis em pubs e puteiros. o primo estudou tanto anatomia. esqueceu de brindar à vida. os anais reportam ejaculações precoces e prazeres zipados. a casa ontem padeceu de sombras. algumas quedaram sobre as costas de minhas noites. mamãe catou molho de chaves. os ferrolhos cegaram.

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a menina triste burlou o acordo de castidade e fez amor com os trastes do beco foi à quermesse da senhora de tal e mostrou os lacinhos da vagina usou os dedos das mãos e tirou homem na sorte fez cara de santa e devaneou na festa de estrelas aprendeu a tabuada de nove e cambiou no comércio da noite pediu para ser cremada de longo e roeu as unhas postiças colecionou canivetes de marca e não reaviu amores obteve licença maternidade e deu à luz voltagem extra imantou os lábios de baixo e interfonou nas guaritas do bairro acordou na ilha de água doce e tomou com gelo o sangue de maria pagou seguro de vida e pulou a cerca do desatino oh! pobre menina azul!

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saí à toa, na bolsa: um vale depilatório um eletro de cárdio partido um contato de penúltima hora muros e círios em versos de ontem uma saudade 3x4 de antes de ontem um blue doído demais um moderador de ânima um cupom de loteria efebos e afagos em versos helênicos um tanto de erva e sachê saí sicrano, na bagagem: uns mirréis minguados um dedo esquerdo pra não voltar

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dona pequenina morava só. a neta vinha de quinze em quinze e trazia do interior geleia de bacuri e feijão da colônia. sexta última um bando de moleques invadiu a vida da senhora. os lobos enquadraram dona pequenina, lamberam os beiços com a despensa da velha: os ansiolíticos e o rum da cômoda, a jogaram no porão, a dona rolou doze degraus. enfiaram a cabeça da pobre no forno e verteram cachaça pela goela adentro, lanharam a pele engelhada de pequenina... ainda deu tempo dela perguntar: pra quê esse ódio tão grande, meu deus?

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cinco de agosto. tem trinta e seis anos. canta para presidentes. ama os rolos de 35 mm e os barbitúricos: fenobarbital, amytal, veronal, gardenal, luminal, nembutal, seconal... m. fica agressiva, irritadiça, suspeita de que outros estão tramando contra ela. ilusão persecutória. dilata sua normal falta de apetite. esbugalha as palavras. chega em ponto de liga. m. narra sem cessar. fala em terceira pessoa. mesmo quando sobre si mesma. diz por exemplo: - m. morreu e encontrou todos os amigos em sua cabeça.

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OLHA a fonte Na série de Erinaldo Cirino, um olhar impregnado de Duchamp

O paraense Erinaldo Cirino foi beber na fonte de Marcel Duchamp para conceber este trabalho, selecionado na convocatória feita online pela Gotaz para esta edição. Formado pela Universidade Federal do Pará, o artista buscou inspiração na obra inaugural do ready-made para, com sua acrílica sobre papel, “articular a maior quantidade de possibilidades possíveis de pensar esta fonte”. Dê uma olhada.

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