ANUÁRIO PUBLICISTA DA ESCOLA DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DO MINHO. Tomo I, Ano de 2012

Page 151

3.1. Referência sucinta à evolução histórica da doutrina da responsabilidade do comandante

a) Até à Segunda Guerra Mundial É usualmente referido pelos autores, como raiz remota da doutrina da responsabilidade do comandante, a obra de Sun Tzu – A Arte da Guerra –, que data do séc. IV a.C., em que o autor sustenta ser dever dos comandantes assegurar-se de que os seus subordinados agem de acordo com um certo padrão de civilidade18. Já em 1439, Carlos VII de Orléans emitiu uma ordem nos termos da qual se determinava que cada capitão ou tenente seria responsável pelos abusos e ofensas cometidos pelos membros da sua companhia, estabelecendo-se, a seu cargo, o dever de, logo que recebesse qualquer queixa, levar o ofensor à justiça, com a seguinte cominação: “Se não o fizer ou encobrir o ilícito, o capitão será considerado responsável como se o tivesse cometido ele mesmo”19. No mesmo século, o ano de 1474 é apontado como aquele em que foi constituído um dos primeiros tribunais internacionais, que julgou Peter von Hagenbach, com fundamento no “seu papel”, ao permitir/facilitar, sob sua jurisdição enquanto governador do Alto Reno, a prática dos crimes de violação, tortura, homicídio e contrabando. Von Hagenbach defendeu-se com base no facto de os atos em causa terem sido praticados em cumprimento de ordens superiores (no caso, emitidas pelo Duque de Burgundy) e, no julgamento, terá afirmado: “Não é sabido que os soldados devem absoluta obediência aos seus superiores?”. Apesar da argumentação foi condenado – e decapitado –, com o fundamento de ter sido provada prática de “crimes que ele tinha o dever de prevenir”20. Apesar do desenvolvimento que se foi verificando quanto à determinação de comportamentos proibidos no decurso das guerras, quer a nível interno – como aconteceu por via do famoso Lieber Code21 –, quer a nível internacional, designadamente com as Convenções da

18

Nesse sentido, veja-se LEVINE, Eugenia, “Command Responsibility. The Mens Rea Requirement”, in Global Policy Forum, February 2005. 19 Cf. WALLACH, Evan/ MARCUS, Maxine, “Command Responsibility”, cit., p. 1. 20 MARKHAM, Max, “The Evolution of Command Responsibility in International Human Rights Law”, in Washington Undergraduate Law Review, Vol. V, Issue I, 2011, pp. 36-37. 21 Como ficou conhecido o documento Instructions for the Government of Armies of the United States in the Field, de 24 de abril de 1863. O seu art. 71.º dispunha: “Quem intencionalmente infligir ferimentos adicionais a um inimigo já totalmente incapaz de combater, ou matar um inimigo nessas condições ou ordenar ou incitar soldados a fazê-lo, deverá sofrer a morte, se devidamente condenado, quer pertença ao Exército dos Estados Unidos, quer seja um inimigo capturado depois de ter cometido tais ilícitos”. Diga-se, aliás, que o Código de Lieber, apesar de ser um regulamento interno, recolhe o direito consuetudinário da guerra terrestre da época,

151


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.