TCC arqurbuvv A territorialidade da comunidade de pescadores artesanais em Jesus de Nazareth

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GISELLI VIDOTTO MONTEIRO

GISELLI VIDOTTO MONTEIRO ARQUITETURA E URBANISMO ARQUITETURA E URBANISMO | 2017-2VILA VELHA UNIVERSIDADE 2017- 02


Foto capa: Luciano CajaĂ­ba Rocha


UNIVERSIDADE VILA VELHA CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO

GISELLI VIDOTTO MONTEIRO

A TERRITORIALIDADE DA COMUNIDADE DE PESCADORES ARTESANAIS EM JESUS DE NAZARETH, VITÓRIA - ES

VILA VELHA 2017


GISELLI VIDOTTO MONTEIRO

A TERRITORIALIDADE DA COMUNIDADE DE PESCADORES ARTESANAIS EM JESUS DE NAZARETH, VITÓRIA - ES

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Vila Velha, como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Arquitetura e Urbanismo. Orientado pela professora Michelly Ramos de Angelo.

VILA VELHA 2017



Foto: Luciano CajaĂ­ba Rocha


AOS PESCADORES ARTESANAIS E AOS MORADORES DE JESUS DE NAZARETH



AGRADECIMENTOS Gostaria de registrar minha gratidão à Deus por ter me dado esse sonho junto à saúde e força de vontade para vencer as dificuldades. À Universidade Vila Velha, principalmente aos competentíssimos professores da instituição. Agradeço especialmente, à professora Michelly Ramos de Angelo, sempre atenciosa e motivadora, pelas correções e orientações ao longo do desenvolvimento desse trabalho, pela Iniciação Científica e pelas aulas de Ateliê VI que muito me inspiraram, quando foi reforçado em mim o interesse pelo Urbanismo. À Alexandre Nicolau, Giovanilton Ferreira e Raquel Corrêa pela troca de referências bibliográficas que enriqueceram o trabalho e levaram a melhor compreensão do polígono de estudo. Gostaria de agradecer a minha família. Aires da Silva Monteiro, meu pai, por me presentear com a ferramenta de encontrar a felicidade nas coisas simples e por me tornar responsável pelas minhas escolhas. Minha mãe, Maria da Penha Vidotto Monteiro, serei eternamente grata por me motivar a dar os maiores saltos e por ter a contagiante dádiva de transformar dificuldades em boas histórias. A minha segunda mãe, Vera Lúcia da Silva Monteiro, por nunca permitir que nada nos faltasse e por me ensinar com o seu exemplo, que o amor é incansável. Aos meus irmãos, Ricardo Vidotto Monteiro e Aires da Silva Monteiro Júnior, pela infância que tem cheiros, cores, e entra em movimento no meu coração com qualquer que seja a lembrança, agradeço também por me desafiarem a ir além e por estarem sempre dispostos a me ajudar. Às minhas cunhadas, Rafaela Zem e Aryelle Maciel Pereira, a minhas amigas, Mariana Cezar e Pollyana Martins, Vanderlúcio De Paula e Bruna Santos, pelo esforço em me ensinar quando necessário, em criticar o conteúdo desse trabalho, e pelo companheirismo a mim oferecido. À minha agência Inega (Índia), por sempre me receberem como uma família saudosa, em especial, a meu amigo e agente, Ankit Mehta, pela dedicação comigo e as oportunidades a mim oferecidas que possibilitaram a realização de sonhos, incluindo essa graduação. Aos meus colegas de curso, pelo intercâmbio de conhecimentos e comprometimento nos trabalhos desenvolvidos nessa jornada. Ao guia turístico do Morro Jesus de Nazareth, Fernando Martins, pela motivação que une moradores do bairro a fim de melhorar locais abandonados e pela iniciativa do “Tour no Morro” que possibilita integração do Morro com visitantes. Aos moradores e pescadores artesanais, que foram pacientes e prestativos durante incursões de campo e entrevistas para o diagnóstico desse trabalho. À Lorena Simões, pela criatividade e excelência na diagramação e capa do trabalho. Por fim, gratidão a todas as pessoas que direta ou indiretamente contribuíram com opiniões e pareceres informais, sejam de natureza acadêmica ou motivações pessoais.



"Toda ordem traz uma semente de desordem, a clareza, uma semente de obscuridade." Raduam Nassar


RESUMO O trabalho se insere no debate sobre a relação entre a pesca artesanal e a sua territorialidade e tem como objetivo principal propor um plano de ações para a comunidade de Jesus de Nazareth, com implantações e estudos volumétricos em recortes específicos do bairro, tendo como objetivo valorizar a paisagem cultural existente. Para a elaboração deste produto, foi realizada leitura bibliográfica e fundamentação teórica para definição dos termos presentes no tema estudado; coleta de dados com percursos a pé comentados por moradores, registros fotográficos, aplicação de questionários, leitura do espaço a partir da grade de abordagem para locais informais; leitura de leis específicas; elaboração de mapas de diagnóstico e síntese das informações coletadas subsidiando a análise do lugar; proposições urbanísticas a partir da elaboração de plano de ações, propostas de implantação e perspectivas; e, por fim, apresentação dos resultados a moradores do local. Dessa forma, o trabalho apresenta debates e propostas urbanísticas que possibilitam a valorização da paisagem cultural de tradição da região, respondendo às carências identificadas durante o diagnóstico. Palavras-chave: Pesca artesanal, territorialidade, segregação socioespacial, paisagem cultural.


ABSTRACT The work is part of the debate on the relation between artisanal fishing and its territoriality and its main objective is to propose a plan of actions for the community of Jesus of Nazareth, with volumetric study, site plan in specific parts of the neighborhood aiming to value the existing cultural landscape. For the elaboration of this product, a bibliographical reading and theoretical foundation was made to define the terms present in the studied subject; data collection with footpaths commented on by residents, photographic records, application of questionnaires, reading of space from the grid of approach for informal places; reading of specific laws; preparation of diagnostic maps and synthesis of the information collected, subsidizing the analysis of the place; urbanistic propositions based on the preparation of an action plan, proposals for site plans and perspectives; and, finally, presentation of the results to local residents. In this way, the work presents debates and urbanistic proposals that allow the appreciation of the cultural landscape of the region's tradition, responding to the needs identified during the diagnosis. Keywords: Artisanal fishing, territoriality, socio-spatial segregation, cultural landscape.


LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Pescadores artesanais de Jesus de Nazareth retirando os peixes da rede. Figura 2 - Trabalho e mercado configurando o espaço - Vista de cima do Morro Jesus de Nazareth Figura 3 - Procissão de São Pedro frente aos navios de empresas multinacionais instalada na baía de Vitória Figura 4 - Interpretação dos sentidos da Cidade Contemporânea Figura 5 - Diferença Socioespacial - Vista de cima do Morro Jesus de Nazareth Figura 6 - Diferentes interesses imprimem uma paisagem em Jesus de Nazareth/ Enseada do Suá Figura 7 – Paisagem em Jesus de Nazareth Figura 8 - Empresa Vitória Base instalada na orla de Jesus De Nazareth Figura 9 - Horto Mercado vira os fundos para a comunidade pesqueira Figura 10 - Urbanização da região Figura 11 - Crianças brincando na castanheira que faz parte da história do bairro Figura 12 - Aterro da COMDUSA, Década De 80. Figura 13 - Poligonais Projeto Terra. Figura 14 - Relevos que compõem a paisagem vista de Vila Velha. Figura 15- Distância entre as casas no Morro Jesus de Nazareth Figura 16- Rua que recebe veículos e pedestres em Jesus de Nazareth Figura 17 - Terraços, Coberturas E Paisagem. Figura 18 - Relação Casas e Caminhos Figura 19 - Barraco ainda em risco técnico próximo a torre de energia Figura 20 - Casas Do Projeto Terra Mais Igual na entrada do Morro Jesus de Nazareth Figura 21 - Paisagem do Morro Jesus de Nazareth Vista de Vila Velha Figura 22 - Antiga Escola E. Mattos S. D. Gaudio Figura 23 - Roda de Capoeira do Grupo Capoeira de Angola Figura 24 - Vista para o Morro Jesus de Nazareth com Paletas De Cores Figura 25 - Vista para os barcos na Orla Marítima com Paleta de Cores Figura 26 - Cores utilizadas em artes pelo morro Jesus de Nazareth com paletas de cores Figura 27 - Estudo para implantação a partir da compreensão do relevo por meio de softwares. Figura 28 - Escada rolante de Medellín como elemento identificador da paisagem e de conexão entre parte baixa e alta, favorecendo a mobilidade e segurança pública.softwares. Figura 30 – Projeto Âncoras: Relação Público- Privado Figura 29 - Implantação acesso ao bairro (Projeto Âncora e Píer) Figura 31- Ligação Do Pescador/ Morador com o Recurso Hidrográfico

27 28 29 30 31 32 33 39 39 46 47 48 48 53 56 56 58 58 60 60 62 65 65 66 66 67 72 74 76 76 77


Figura 32 – Territorialidade dos pescadores na Cidade Contemporânea Figura 34 – Escadas rolantes e Horta no acesso à praia Figura 33 – Implantação Acesso à Praia Figura 35 – Acesso à praia próximo ao Bar do Bigode Figura 36 - Caminhos como extensão das casas / Espaços públicos Figura 38 – Acesso para Mirante marcado com Praça Figura 37 – Implantação Acesso ao Mirante Figura 39 – Criação de Mirantes por meio das escadas Figura 40 – Intervenção na Paisagem a favor da Comunidade Figura 41 – Valorização de visadas Figura 42 – Ligação do Pescador/Morador com a Paisagem Cultural Figura 43 – Apresentação da Proposta na Comunidade Jesus de Nazareth.

77 78 78 79 79 80 80 81 81 82 82 83

LISTA DE MAPAS Mapa 01 - Rota dos Pescadores Artesanais de Jesus de Nazareth Mapa 02 - Localização do Polígono de Análise Mapa 03 - Delimitação do Zoneamento Urbanístico Mapa 04 - Mapa de Macroparcelamento Mapa 05 - Mapa de Territorialidade, Fluxos e Hierarquia Viária Mapa 06 - Paisagem Cultural e Funcional Paisagístico Mapa 07 - Mapa Uso do Solo Mapa 08 - Mapa de Gabarito Mapa 09 - Morfologia Urbana Mapa 10 - Análise Interrelacionada Mapa 11 - Ações

41 45 51 52 54 55 59 61 63 69 75


LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Grade de abordagem de assentamentos subnormais: Critério Urbanístico Quadro 2 - Grade de Abordagem de Assentamentos Subnormais: Critério Arquitetônico Quadro 3 - Grade de Abordagem de Assentamentos Subnormais: Critério Quadro 4 - Potencialidades/ Fragilidades / Ações

51 59 66 75

LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Índices Urbanísticos da Área de Estudo

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LISTA DE NOMENCLATURA COMDUSA: Companhia de Melhoramentos e Desenvolvimento Urbano IPHAN: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional MPF: Ministério Público Federal MPP: Movimento dos pescadores e pescadoras artesanais PDU: Plano diretor Urbano PMV: Prefeitura Municipal de Vitória SEPPIR: Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial UNESCO: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura ZEIS: Zona Especial de Interesse Social ZOP: Zona de Ocupação Preferencial ZPA: Zonas de Proteção Ambiental


SUMÁRIO INTRODUÇÃO 22 1. TERRITORIALIDADES E NOVAS ESPACIALIDADES NA CIDADE CONTEMPORÂNEA 26 1.1TERRITÓRIO E AS LIMINARIDADES NA CIDADE CONTEMPORÂNEA: CONCEITOS E DEFINIÇÕES 26 1.1.1 Sobre o conceito de espaço 1.1.2 Sobre o conceito de território e a produção da cidade contemporânea 1.2.1 Segregação socioespacial e gentrificação 1.2.2 Sobre o conceito de Paisagem Cultural

26 26 30 32

2. TRADIÇÃO E TRANSITORIEDADE NAS COMUNIDADES PESQUEIRAS TRADICIONAIS 36 2.1 COMUNIDADES TRADICIONAIS E PESCA ARTESANAL 2.2 CONFLITOS EXISTENTES

36

38

3. DIAGNÓSTICO DA ÁREA DE ESTUDO 44 3.1 HISTÓRICO DA ÁREA 44 3.1.1 O bairro Enseada do Suá 3.1.2O bairro Jesus de Nazareth

44 46

3.2 CRITÉRIO URBANÍSTICO 49 3.2.1 Mapa de Zoneamento 3.2.2 Macroparcelamento

49 53


3.2.3 Territorialidade, Fluxos e Hierarquia Viária 3.2.4 Mapa Paisagem Cultural e Funcional Paisagístico

53 53

3.3 CRITÉRIO ARQUITETÔNICO 57 3.3.1 Usos do Solo 3.3.2 Gabarito 3.3.3 Morfologia Urbana

58 60 62

3.4 CRITÉRIO SOCIOAMBIENTAL 64 3.5 ANÁLISE INTERRELACIONADA

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4. APRESENTAÇÃO DA PROPOSTA DE ESTUDO PRELIMINAR PARA JESUS DE NAZARETH 72 4.1 AÇÕES E ESTUDO PRELIMINAR 74 4.1.1Projeto Âncora e Píer 4.1.2Horta e Acesso à Praia 4.1.3Tobogã e Acesso ao Mirante 4.2 IMPRESSÕES DO PROJETO: APRESENTAÇÃO À COMUNIDADE

CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS APÊNDICE

76 78 80 83 85 86 89



INTRODUÇÃO


INTRODUÇÃO Para este trabalho, objetivando pensar proposições para a cidade contemporânea, num espaço caracterizado por uma paisagem em que sobressai a atividade da pesca artesanal e uma comunidade que advém de um processo de exclusão sócio territorial, fez-se necessário abordar temas referentes a território e territorialidade, espaço e espacialidade, a fim de se compreender os conflitos entre comunidades tradicionais e novos usos do solo urbano.

e pescadores do bairro Jesus de Nazareth, protegendo as características e qualidades peculiares identificadas nesse diagnóstico. Observou-se que medidas para desenvolver e/ou para segregar estão entre uma linha tênue.

Em relação à metodologia utilizada, a primeira parte desse trabalho consistiu na leitura bibliográfica e fundamentação teórica para compreensão e definição dos termos: a) espaço (SANTOS, 1997; SANTOS, 2009; DIEGUES, 2001); b) território (MALDONADO, 1994; SANTOS, 2011; HAESBAERT, No contexto do ambiente escolhido para a proposição de uma intervenção 2011, SANTOS, 1997; SANTOS 2009); c) territorialidade (SACK, 1983; – como exercício projetual para este trabalho – tem destaque, como MALDONADO, 1994); d) paisagem cultural (PORTARIA IPHAN Nº 127/2009; atividade tradicional, a pesca artesanal, que se apresenta como meio de MARTINS, 2008; BARBOSA, 2004; YUNES, 2012); e) cidade contemporânea subsistência de comunidades tradicionais, por meio de aprendizados que (ALVES, 2010; BIELSCHOWSKY E PIMENTA, 2009; NARDI, 2012; DEL são considerados herança de família. A poligonal escolhida é o Morro RIO E SIEMBIEDA, 2013; VIGLIECCA, 2017; e GEHL, 2013); f) segregação Jesus de Nazareth e sua região de borda, que apresenta características socioespacial (CASTELLS, 2012) e; g) gentrificação (ZACHARIASEN, 2006; específicas que se enquadram ao perfil desejado. É um local onde está NETTO, 2014; ZUKIN, 2000). localizada uma comunidade pesqueira, ponto de partida dos pescadores e local de desembarque do pescado e, em contrapartida, é um lugar que tem A reflexão e conceituação sobre os temas tornou possível o desenvolvimento em seus arredores edifícios espelhados comerciais e de serviços, de alto de um caminho analítico para uma série de características qualitativas, padrão, que refletem nitidamente o contraste da tradição com a paisagem sensoriais, materiais e comportamentais da paisagem urbana, que foram da contemporaneidade, de uma cidade genérica, sem identidade. identificadas no espaço de estudo a partir de uma visão territorial na cidade contemporânea. Considerando essas questões, esse trabalho foi elaborado com o objetivo de ler a territorialidade da comunidade pesqueira do bairro Jesus de Nazareth Em seguida, o mesmo método de leitura e fundamentação é adotado e compreender as possíveis ameaças e dificuldades que a comunidade para conceituar pesca artesanal (LOPES, 2013; FAO, 2017; KNOX E enfrenta para posterior proposta de intervenção. TRIGUEIRO, 2014; KNOX E TRIGUEIRO, 2015; ANDRIGUETTO FILHO, 1999; CARDOSO, 2001; MALDONADO, 1994) e compreender a atual A partir da leitura do lugar, por meio de um diagnóstico que envolveu visitas situação das comunidades tradicionais (DIEGUES, 1992; DIEGUES, com percursos em campo, a pé, comentados por moradores; registros 2000; MOVIMENTO DOS PESCADORES E PESCADORAS ARTESANAIS fotográficos; aplicação de questionários; e de outros instrumentos de BRASIL, 2015; LITTLE, 2004; LEI N° 9.985; DECRETO Nº 6.040; CRUZ, coleta de dados, foi possível estabelecer um plano de ações que buscou 2017; PÉREZ, 2012). Foi apontado pelos autores, o que foi verificado promover desenvolvimento humano e qualidade de vida para moradores através das incursões no campo, os principais conflitos que prejudicam

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a cultura da pesca atualmente. No âmbito de vivenciar o cotidiano desses profissionais da arte da pesca artesanal, e assim interpretar e transcrever a territorialidade na área em análise realizou-se a coleta de dados. Através de entrevistas semiestruturadas1 ou de conversas informais e registros fotográficos, foi possível elaborar mapas apontando o percurso dos pescadores artesanais de Jesus de Nazareth até alcançar o pescado e territorialidade entre pescadores artesanais e industriais, identificando quais os riscos e as ameaças essa coletividade enfrenta.

Por fim, simulou-se intervenções urbanísticas para determinados polígonos do bairro. A proposta busca responder a teoria fundamentada anteriormente, como o propósito de zelar pela qualidade de vida dos moradores e pescadores, considerando a sobrevivência da tradição em meio à paisagem cultural na cidade contemporânea.

Com as simulações, foi possível a apresentação dos resultados aos próprios moradores, quando parte do público presente se mostrou deslumbrado com o resultado apresentado. Em contrapartida, parte do público se mostrou temeroso em relação à possibilidade de alta valorização do lugar Para a compreensão do bairro, fez-se necessário um diagnóstico, para seguido das intervenções sugeridas, visto que colocaria em risco a área à isso, foram mapeadas (ARCGIS) informações ligadas ao critério urbanístico, consequente expulsão de parte da população, através da gentrificação do arquitetônico e socioambiental, que partiu da adaptação da grade de espaço. análise de assentamento subnormal de Caterine Reginensi2. A coleta de dados ocorreu nos meses de abril e maio de 2017, e consistiram em duas visitas aos bairros Jesus de Nazareth e Enseada do Suá, onde se conheceu a região estudada através de conversas informais com moradores e pescadores. Por meio dessas visitas, foi possível perceber a importância do Morro Jesus de Nazareth, local onde a maioria dos pescadores reside, para a conservação e proteção da tradição da coletividade pesqueira. Além das informações extraídas no campo, foi feita uma pesquisa documental do Plano diretor Urbano (PDU) para a elaboração dos mapas.

1 Esse trabalho baseia-se na pesquisa ainda em desenvolvimento O espaço da tradição na cidade contemporânea: usos e apropriações do espaço na Prainha de Vila Velha, ES. Sob orientação da Prof. Drª Michelly Ramos de Angelo. Utilizou-se neste trabalho, as entrevistas elaboradas para a pesquisa que podem ser encontradas no apêndice. 2 Para esta análise, adaptou-se a grade “Abordagem Metodológica de locais informais”, desenvolvida pela socióloga, professora e pesquisadora Caterine Reginensi (UFF), fornecida no Minicurso “Pesquisa Qualitativa: Abordagens Etnográficas”, ministrado na UVV (ES), em agosto de 2015. Reginensi tem experiência em pesquisa etnográfica e, a partir de suas pesquisa e leituras, desenvolveu uma grade para levantamento e coleta de dados para locais informais, os quais possuem dinâmicas próprias, e podem ser de difícil acesso e coleta. A grade permite adaptação de acordo com as especificidades do ambiente a ser estudado e dos critérios a serem levantados.

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CAPÍTULO 1

TERRITORIALIDADES E NOVAS ESPACIALIDADES NA CIDADE CONTEMPORÂNEA


1. TERRITORIALIDADES E NOVAS ESPACIALIDADES NA CIDADE CONTEMPORÂNEA

“tão indivisível quanto a sociedade total, de que ele é o território e com a qual sua relação é igualmente indivisível”.

Se fracionado, para sua melhor compreensão, pode-se apontar: os homens, as firmas, as instituições, o meio ecológico e as infraestruturas Para a compreensão do tema apresentado, foi necessário, numa primeira – como elementos que o compõem. Esses elementos apresentam etapa, a identificação de termos relacionados a territorialidade da pesca relação uns com os outros e são variáveis que mudam de valor de artesanal, considerando esta uma atividade que, atualmente, vem passando acordo com o movimento da história (SANTOS, 1997). Considerando por conflitos espaciais na cidade contemporânea. que “a História não se escreve fora do espaço e não há sociedade a-espacial”, “o espaço é social” (DIEGUES, 2001, p.22), sendo que a Em Jesus de Nazareth, na cidade de Vitória (ES), no lugar escolhido para paisagem e o espaço se transformam constantemente para se adequar a intervenção projetual, os elementos naturais, a atividade tradicional da às novas necessidades da sociedade. Para Santos (2009), a paisagem, pesca artesanal, a produção espontânea de um universo arquitetônico/ através das formas, apresenta características tanto da atualidade como urbanístico informal, em contraste com os prédios espelhados da Enseada do passado. do Suá, apresentam relação direta com a paisagem cultural que tal espaço 1.1.2 Sobre o conceito de território e a produção da cidade geográfico compõe.

contemporânea

Visando compreender o desenvolvimento da cidade contemporânea, seus processos de transformação e crescimento desigual – mais especificamente como os pescadores de Jesus de Nazareth expressam a territorialidade da terra e do mar em meio à evolução da cidade/do ambiente urbano – neste capítulo são abordados os conceitos de espaço, território e territorialidade, que afetam a relação social na cidade. Busca-se conceituar, também, paisagem cultural, paisagem urbana, segregação socioespacial e cidade contemporânea, a fim de entender como as características da territorialidade da comunidade pesqueira estão conferindo a paisagem atualmente.

1.1 TERRITÓRIO E AS LIMINARIDADES NA CIDADE CONTEMPORÂNEA: CONCEITOS E DEFINIÇÕES 1.1.1 Sobre o conceito de espaço Tem-se por espaço, a partir de Milton Santos (2009, p.27) “uma multiplicidade de influências superpostas: mundiais, nacionais, regionais, locais” sendo o espaço, para o autor, “maciço, contínuo, indivisível”, e

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Para Maldonado (1994), o conceito de território é de interesse de áreas diversas, tais como geografia, antropologia (no estudo das sociedades tradicionais) e ciência política (tendo o Estado como objeto), dessa forma, podem ser múltiplas as abordagens. Para o geógrafo Milton Santos, em Território, territórios: ensaios sobre o ordenamento territorial (2011), o território é o lugar em que desembocam variadas formas de expressão que traduzem força, fraquezas, paixões, isto é, onde a história da humanidade se realiza a partir das manifestações da sua existência. Ainda, para o autor, O território não é apenas o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas de coisas superpostas; o território tem que ser entendido como o território usado, não o território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho; o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida (SANTOS, 1999, p. 7).

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Figura 1 - Pescadores artesanais de Jesus de Nazareth retirando os peixes da rede. Fonte: Acervo pessoal (2017).

Haesbaert (2011), em estudo para compreender as concepções de território, destaca que – quando trata de território no discurso voltado às ciências sociais e baseando-se nas comunidades tradicionais – é clara a relação entre o território e a natureza, onde o território passa a ser a principal fonte de recurso natural. Embora essa não seja a realidade da maioria das territorialidades de hoje, ainda é possível encontrar essa ligação do homem com a natureza, algo que antigamente era ainda mais forte também pela necessidade mais imediata aos recursos naturais (Figura 1).

Sobre o conceito de territorialidade, Sack (1983, p.56) o destaca como “a tentativa de um indivíduo ou grupo social de influenciar, afetar ou controlar objetos e pessoas, relações, delimitando e efetivando o controle sobre uma área geográfica” 1 . Para Maldonado (1994, p.35), tem-se como territorialidade a maneira metódica em que grupos se auto identificam e defendem “o usufruto ou a posse de espaços interessantes”. A autora considera ainda que o fenômeno se desenvolve com o passar do tempo, ao transmitir uma tradição comportamental por gerações, nascendo à relação espacial que gera lugares.

Para Haesbaert (2011), o território não precisa estar ligado à ideia de enraizamento, limite ou fronteira, o território é relacional e soma o No campo da arquitetura e urbanismo, na compreensão movimento, a transformação e as conexões. 1

Tradução nossa.

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da territorialidade a partir dos fenômenos da cidade atual, contemporânea, tem destaque os estudos de Alves (2010), que ressalta que a cidade contemporânea introduz uma nova maneira de se comunicar, de manifestar suas diversas espacialidades, vivenciando crescimentos desiguais e fenômenos atuais quase desconhecidos. Esse tempo de transformações sociais, culturais e tecnológicas interfere na territorialidade urbana do momento (ALVES, 2010).

Outro conflito apontado por Santos (2009) diz respeito ao que o autor chama de mercado universal (espaço global) e a resistência do lugar (espaço ocupado por vizinhos), em que enfatiza o interesse de retomada da noção de espaço banal, configurado pela contraposição do território como um todo, e as redes (formas e normas de alguns). No entanto, o autor afirma que quem elabora, comanda, estabelece as legislações é o Mundo, sobretudo o mercado, que é agressivo e, na maior parte das vezes, passa por cima inclusive dos princípios humanos.

Ainda na compreensão da territorialidade nas cidades, pode-se destacar a reflexão de Santos (2009) sobre o conflito espacial entre trabalho e moradia, em que o autor destaca que o elemento trabalho interfere no formato técnico do espaço, considerando que a geografia do trabalho é um importante ponto de partida para compreensão da territorialidade (Figura 2).

Em relação ao mundo mercantilizado, Alves (2010) também destaca que a cidade contemporânea responde mais a necessidade do mercado do que às próprias necessidades humanas (Figura 3). Para Santos (2009), atravessamos os séculos carregando um conceito praticamente inalterado de território, com origens na Modernidade.

Figura 2 - Trabalho e mercado configurando o espaço - Vista de cima do Morro Jesus de Nazareth Fonte: Acervo pessoal (2017).

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Figura 3 - Procissão de São Pedro frente aos navios de empresas multinacionais instalada na baía de Vitória

Fonte: : MPF, 2017 Disponível em: < http://www.turminha.mpf.mp.br/nossa-cultura/imagens/serie_regioes/sudeste/espirito-santo-galeria-de-fotos/>. Acesso em: 28 de abril. 2017.

Alves (2010, p.250), por sua vez, afirma que entender a relação global de dependência dos espaços geográficos é uma maneira de entender o território da atualidade. “[..] a cidade atual representa a culminação do processo de desencanto com a modernidade”. Da mesma forma, Del Rio e Siembieda (2013), ao tratarem do desenho urbano contemporâneo no Brasil, destacam que a recente dinâmica urbana gera uma situação territorial mais complexa do que nos períodos anteriores, uma vez que na cidade contemporânea os espaços são adaptados, ao invés de sofrerem permanentemente renovações urbanas, que podem ser mais agressivas. Na produção da cidade contemporânea a partir de propostas de intervenção projetuais no espaço, devem-se considerar fenômenos como a estetização e a espetacularização, destacados por Alves (2010), que vem se voltando mais à aparência da cidade, ignorando qualquer tipo de materialidade e funcionalidade do espaço urbano, ao deixar passar despercebidas as relações do cotidiano e provavelmente suas necessidades. Tal orientação nas concepções

projetuais promove o esvaziamento do espaço público e aguça os sentidos para outra ideia de urbanidade, onde a relação públicoprivado é alterada, incentivam-se a segregação espacial e social no espaço privatizado e fragmentário (ALVES, 2010). Vigliecca (2013) menciona a integração do corpo hidrográfico ao solo urbano como um meio de fornecer estrutura para os espaços públicos e melhorias de questões ligadas à mobilidade. Além disso, acredita-se que tal iniciativa pode se relacionar com a territorialidade de pescadores do bairro ao melhorar questões ligadas com a sensação de segurança e vitalidade de espaços multifuncionais (GEHL, 2013). Tendo como fim contrário à estetização, para compreender as transformações do espaço urbano hoje e, assim, responder às novas necessidades espaciais é preciso observar essas espacialidades e territorialidades que são “[..] novas formas de interação, novos modos de segregação e integração ” (ALVES, 2010, p.252). Para Haesbaert (2011), atualmente é preciso integrar gestão, controle e ordenamento

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do espaço para atender as diferentes dimensões sociais. Segundo Del Rio e Siembieda (2013), investimentos imobiliários promovem projetos de diferentes escalas que configuram o espaço urbano para possibilitar os seus interesses. Como expresso por Alves (2010), se a cultura contemporânea apresenta dois sentidos, um globalizante e outro fragmentário, é nítida a percepção da espacialidade tomada por características econômicas e funcionais do território, que, por consequência, cria paisagens ora com padrões similares, aterritoriais, ora apresenta as discrepâncias sociais e espaciais.

urbanos: o meio ambiente, a paisagem, o contexto e a produção da cidade. Em meio à complexidade relatada pelos autores referenciados, no âmbito de compreender a configuração da cidade contemporânea, é identificada a necessidade de recorrer a uma multiplicidade de disciplinas1 . Com um olhar mais otimista, Del Rio e Siembieda (2013) defendem que no Brasil, atualmente, o urbanismo luta por cidades que traduzam sonhos conjuntos, independentes do desenho urbano em si, mas através de uma variedade de soluções para os espaços da cidade, gerando, juntamente com essa sonhada democracia, responsabilidade cultural e social.

Alves também pontua que para analisar a cidade contemporânea e suas liminaridades, se faz necessário refletir sobre quatro diferentes aspectos 1.2 SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL E A PAISAGEM

CULTURAL

1.2.1 Segregação socioespacial e gentrificação

aterritoriais

Para Santos (2009), a divisão desigual do espaço entre a sociedade se dá de acordo com as determinações sociais oriundas das necessidades e daquilo que é possível em um determinado momento. De uma maneira geral, o espaço vem sendo explorado como meio de recursos e instrumento da desigualdade social. Acredita-se que a reorganização espacial pode contribuir com a produtividade social do espaço, permitindo, assim, alcançar uma sociedade menos desigual. Netto (2014, p.39) define o fenômeno dinâmico segregação como “[...] uma forma de restrição da interação”. Essas restrições se dão quando são identificadas as diferenças sociais e culturais junto aos preconceitos da sociedade. O autor considera o espaço como um agente separador social, quando se torna a materialização e o caminho para a segregação, logo, entende que diferenças sociais evoluem para um distanciamento espacial.

Figura 4 - Interpretação dos sentidos da Cidade Contemporânea Fonte: Elaboração própria a partir de Alves (2010)

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1 Nesse sentido, no período de 29 de agosto a 01 de setembro, realizou-se, em São Carlos, o SILACC 2010, Simpósio Ibero-Americano Cidade e Cultura “Cidade e Cultura: Novas Espacialidades e Territorialidades Urbanas”, disponível em: www. arquitetura.eesc.usp.br/silacc2010.

A TERRITORIALIDADE DA COMUNIDADE DE PESCADORES ARTESANAIS EM JESUS DE NAZARETH, VITÓRIA – ES.


Figura 5 - Diferença Socioespacial - Vista de cima do Morro Jesus de Nazareth Fonte: Acervo pessoal (2017)

mudança física do estoque de moradias na escala de bairros; enfim, uma Conforme observado em diversos exemplos de intervenções urbanas mudança econômica sobre os mercados fundiário e imobiliário. É esta recentes, tais como Porto Maravilha, no Rio de Janeiro; Puerto Madero, combinação de mudanças sociais, físicas e econômicas que distingue a em Buenos Aires; Projeto Urbano em Olinda, Recife; Projeto Novo gentrificação como um processo ou conjunto de processos específicos. Recife, entre outros, o passo rumo ao desenvolvimento da cidade contemporânea, na maioria das vezes, é agressivo à territorialidade e De acordo com Castells (2012), as ações desenvolvidas pelo poder público, às classes menos privilegiadas. Um dos fenômenos estudados a partir voltadas para melhorar determinado lugar, muitas vezes cumprem o papel dos resultados destas intervenções é o da gentrificação. de “higienizador”, sendo estas ações de interesse políticos, econômicos ou comunitários. Zukin (2000) alerta que normalmente o processo de gentrificação ocorre em regiões decadentes, quando redescoberto por olhares das Conforme mencionado por Zachariasen (2006, p.75), “a linguagem corrente do classes médias e ricas, e passam a ser vistas como potencialidades renascimento urbano é a prova de generalização da gentrificação na paisagem e oportunidades. Por fim, a região passa a ser ocupada e explorada por urbana”. Para a autora, essa generalização se apresenta em diferentes consumidores de um padrão diferenciado do anterior. Para Zachariasen (2006), dimensões, sendo elas diretamente ligadas as seguintes características: “[...] o o fenômeno se propagou e se propaga nas cidades grandes, pequenas e nos novo papel do Estado; a penetração do capital financeiro; as mudanças dos centros mais improváveis. níveis de oposição política; a dispersão geográfica; e a generalização da Segundo Hamnet (apud Zachariasen 2006, p. 23): gentrificação setorial [...]”. A gentrificação é um fenômeno ao mesmo tempo físico, econômico, social e cultural. Ela implica não apenas uma mudança social, mas também uma

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Figura 6 - Diferentes interesses imprimem uma paisagem em Jesus de Nazareth/ Enseada do Suá Fonte: Arcevo pessoal (2017)

1.2.2 Sobre o conceito de Paisagem Cultural

nacional, representativa do processo de interação do homem com o meio natural, à qual a vida e a ciência humana imprimiram marcas ou No intuito de identificar e assim preservar as características primordiais atribuíram valores” (IPHAN, 2009, p.13). do lugar, busca-se aqui compreender o que é paisagem cultural. Para isso, deve-se analisar não somente a percepção do existente, mas as Dessa forma, devem ser preservadas as paisagens comportas pela atividades da vida da sociedade no passado e as suas transformações. relação entre o homem e a natureza, considerando as atividades que Logo, depende da transição de um dado momento e dos interesses que o ele desenvolve neste espaço natural. O pescador e o contexto naval território movimenta, sejam esses pacíficos ou conflitantes socialmente, tradicional é uma relação destacada pela Portaria como exemplo que culturalmente, politicamente e economicamente (MARTINS, 2008). compõe a paisagem que deve ser preservada. O IPHAN reconhece o bem imaterial a fim de defender a identidade de algumas práticas Em 2009 o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) tradicionais e culturais, contudo a pesca artesanal – atividade tradicional estabeleceu a Portaria que regulamenta a chancela da Paisagem que luta para sobreviver na cidade contemporânea – não se encontra Cultural, sendo considerado um instrumento de preservação do registrada. Considera-se a paisagem cultural viva ou vivente, pois patrimônio cultural brasileiro. De acordo com a Portaria (nº 127/2009), se relaciona diretamente com uma atividade social que mostra suas “Paisagem Cultural Brasileira é uma porção peculiar do território transformações com o passar do tempo (YUNES, 2012)( Figura 6 e 7).

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Para Barbosa (2004), por se tratar de um bem social, a paisagem pode ser considerada um elemento para o turismo, sendo ela estetizada e valorizada. Entretanto, deve-se dosar as transformações culturais resultantes desses impactos na paisagem, pois podem recriar valores e destruir símbolos. Com isso, é cabível reafirmar que o espaço (que é social) e a paisagem, enquanto formas geográficas estão em constante transformação e respondem às ações da sociedade por motivações ligadas a função aplicada ao lugar. O território pode ser assim considerado quando apropriado por pessoas que concebem a esta superfície o cumprimento do seu papel social. As histórias de vida da população consistem no registro de como os recursos naturais contribuem para a sobrevivência dos seus ocupantes. A partir desse ponto, a maneira como a sociedade explora o espaço e seus recursos naturais faz do próprio espaço um instrumento de

desigualdade. Junto com as desigualdades, deve-se considerar a presença de fatores externos, como as multinacionais inseridas no mercado, que por sua vez, são agressivas na transformação do espaço geográfico e no cotidiano dos territórios. Atinge-se a segregação socioespacial e espaços públicos inutilizados na cidade contemporânea ao considerar mais aparência do que funcionalidade. Os dois caminhos tomados pela cidade contemporânea, indicados por Alves (2010), levam a compreensão de que, em ambas as situações, a cidade é prejudicada, tanto na sua identidade e paisagem cultural, como pelas consequências de uma sociedade fragmentária. O mesmo sentimento de pertencimento que proporciona a territorialidade, segrega a sociedade em diferentes grupos sociais. Em seguida, busca-se compreender o fenômeno da exclusão socioespacial ocorrente cotidianamente nas cidades contemporâneas.

Figura 7 – Paisagem em Jesus de Nazareth Fonte: Acervo pessoal (2017)

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CAPÍTULO 2

TRADIÇÃO E TRANSITORIEDADE NAS COMUNIDADES PESQUEIRAS TRADICIONAIS


2. TRADIÇÃO E TRANSITORIEDADE NAS COMUNIDADES PESQUEIRAS TRADICIONAIS A partir do conceito de Paisagem Cultural, mencionado anteriormente, pode-se afirmar que a pesca artesanal é um elemento que sobrevive na composição da paisagem cultural do Morro Jesus de Nazareth. De acordo Alves (2010), a cidade contemporânea segue dois sentidos não excludentes: o aterritorial, dotado de padrões construtivos globalizados e/ou o que reflete discrepâncias sociais e espaciais. Pode-se dizer que a comunidade pesqueira em análise se vê diante de ambos os sentidos. Em função disso, esse capítulo busca compreender conceitos ligados à comunidade tradicional, pesca artesanal e pesca industrial. Paralelamente, através de abordagens com pescadores, busca-se identificar os efeitos da globalização na transição da cultura de uma tradição, seguido de uma reflexão sobre os diferentes conflitos que o grupo de pescadores de Jesus de Nazareth enfrenta na cidade contemporânea.

2.1 COMUNIDADES TRADICIONAIS E PESCA ARTESANAL Segundo Diegues (1992, p. 142), “comunidades tradicionais estão relacionadas com um tipo de organização econômica e social com reduzida acumulação de capital, não usando força de trabalho assalariado [...]”. Em relação a acomodação destas comunidades no Brasil, o Movimento de Pescadores e Pescadoras artesanais (MPP) destaca que existem por volta de 300 povos indígenas, comunidades quilombolas, comunidades pesqueiras, dentre outras, em seu território, e que cada um desses povos é identificado por um modo de vida diferente (MPP, 2015)1 . 1 A Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) menciona outros povos e comunidades tradicionais no Brasil, como: quilombolas, ciganos, matriz africana, seringueiros, castanheiros, quebradeiras de coco-de-babaçu, comunidades de fundo de pasto, faxinalenses, pescadores artesanais, marisqueiras, ribeirinhos, varjeiros, caiçaras, praieiros, sertanejos, jangadeiros, ciganos, açorianos, campeiros, varzanteiros, pantaneiros, caatingueiros, entre outros.

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Para Diegues (2000), através do conhecimento que integrantes das comunidades tradicionais apresentam do meio ambiente, torna possível a sobrevivência através da exploração de recursos naturais renováveis. A técnica das atividades oriundas em um contexto não urbano, ou com princípios não industriais artesanais herdadas de gerações passadas, é fundamental para a sobrevivência da tradição, e proporcionam naturalmente a preservação de territórios tradicionais (DIEGUES, 2000). A maior parte não apresenta outra fonte de renda, e por serem povos relativamente pequenos com instrumentos de produção primários, diminui-se ainda mais a probabilidade de grandes impactos ambientais causados por eles (DIEGUES, 1992). O interessante contraste entre tradição pesqueira e contemporaneidade arquitetônica/ urbanística sobrevive na paisagem da comunidade tradicional de pescadores de Jesus de Nazareth. A maioria dos pescadores artesanais entrevistados apontou ter herdado da família as habilidades da arte da pesca. Diferente das demais profissões atuais, apesar de dias ruins de pesca existirem, não possuem outro meio de renda e fazem questão de mostrar orgulho pela profissão. Little (2004) considera os seguintes elementos fundamentais na formação das comunidades tradicionais: “existência de regimes de propriedade comum, o sentido de pertencimento a um lugar, a procura de autonomia cultural e práticas adaptativas sustentáveis que variados grupos sociais mostram na atualidade” (LITTLE, 2004, p.23). Na poligonal em estudo, são notáveis: a relação dos pescadores com o mar, com as ferramentas de trabalho e a apropriação da orla marítima, que fazem daquele espaço público o quintal de suas casas localizadas no Morro Jesus de Nazareth. Se não for para embarcar nos riscos do alto mar ou para desembarcar o honroso pescado, utilizam a frente marítima para se encontrarem, falar da vida, da pesca e da rivalidade entre pescadores.

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Os pescadores entrevistados, na posição de maiores interessados pela procriação sustentável das espécies, defendem sua autonomia cultural quando dizem serem os únicos capazes de falar dos períodos em que se deve ou não liberar a pesca para cada espécie, reclamam de leis criadas na região do Nordeste brasileiro que se aplicam em toda extensão do Brasil em ecossistemas completamente diferentes1 . Entre as legislações que abrangem conteúdo em defesa das comunidades tradicionais, destaca-se: a Constituição da República Federativa do Brasil, de 19882 ; o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, aprovado em 2000 (Lei n° 9.985)3 ; e, de fevereiro de 2007, o Decreto nº 6.040, que defende que comunidades tradicionais são:

reivindicando um conjunto de ações ignoradas pelo próprio governo4 e lutam pela rapidez na demarcação de seus terrenos (CRUZ, 2017). Além disso, os pescadores, ao serem questionados sobre o que poderia ser melhor para eles, lamentam o fato de as leis existentes não caminharem junto a eles, e sugerem que são feitas para dificultar e vê-los desistir da atividade da pesca.

[...] grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição (Decreto 6.040/2007).

Lopes (2013), ao recordar do litoral fluminense com sambaquis5 , considera a cultura tradicional da pesca artesanal uma atividade milenar. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, 2017) considera a pesca uma das atividades mais antigas da humanidade. Afirma que a atividade é uma importante fonte de renda, de trabalho e alimento, além da tradição incentivar o homem a continuar no seu local de origem.

Para Pacheco (apud PÉREZ, 2012, p.104), “no caminho do desenvolvimento e do progresso entre aspas, povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais são meros entraves aos quais são negados cidadania e direitos, em muitos casos começando pelo direito à própria existência”.

O Estado, a partir dessas legislações, aparenta defender comunidades culturalmente diferenciadas, sobreviventes por gerações com tradições sustentáveis, que consequentemente se tornam dependentes dos Em relação à pesca no estado do Espírito Santo, Knox e Trigueiro recursos naturais. No entanto, pescadores, comunidades indígenas, (2014, p.5), destacam que o estado “possui uma frota de 2.486 barcos quilombolas e quebradeiras de coco se veem em frente ao Congresso motorizados, com um contingente de 11.517 pescadores ativos”. Conforme as autoras, por se tratar de uma atividade de baixa escala de produção, não vai além da economia de subsistência e, consequentemente, não 1 Sabe-se que a competência para legislar sobre pesca é concorrente da gera autonomia ou riquezas. União, Estados e DF (conforme art. 24, VI da CF); logo, uma lei criada em um Estado do Nordeste não se aplicaria para todo o território brasileiro; muito provavelmente, o pescador quis indicar que a (s) normas (s) aplicadas ao nosso estado foram baseadas em leis existentes em outros estados ou que simplesmente não houve o devido estudo do ecossistema local ao criá-la (s). 2 O vetado inciso II do Artigo Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações. 3 O vetado inciso XV do Artigo 2o do Capítulo I previa: “POPULAÇÃO TRADICIONAL: grupos humanos culturalmente diferenciados, vivendo há, no mínimo, três gerações em um determinado ecossistema, historicamente reproduzindo seu modo de vida, em estreita dependência do meio natural para sua subsistência e utilizando os recursos naturais de forma sustentável”.

As múltiplas formas de categorizar a atividade da pesca dificultam uma definição formal ao termo pesca artesanal, pois raramente identificamse características comuns a tudo que vem sendo titulado dessa forma (ANDRIGUETTO FILHO, 1999). Dentre algumas características comuns (LOPES, 2013; KNOX E TRIGUEIRO, 2015; ANDRIGUETTO FILHO, 1999; 4 Em entrevistas realizadas para este trabalho. 5 A palavra sambaqui tem raiz etimológica no tupi-guarani, significando depósito de conchas. Alguns são datados com mais de 5000 anos.

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CARDOSO, 2001; MALDONADO, 1994), aponta-se: • O poder de predação (escala); • Pelo ponto de vista de sua economia: de subsistência ou comercial; • Se são profissionais autônomos; • Pelo tempo dedicado à atividade; • Pela distância percorrida.

grandes tripulações, produção mecanizada, e aparelhos que facilitam identificar para onde ir e navegar. Além disso, o serviço é setorizado para diferentes grupos de trabalho, “[...] a gerência das empresas toma decisões sobre as políticas, as rotas, o instrumental e as espécies a serem capturadas, assim como organiza e assalaria as tripulações, mantendo o controle da frota pelo rádio” (MALDONADO, 1994).

Nas entrevistas realizadas para este trabalho foi possível perceber que os pescadores de Jesus de Nazareth se autodenominam artesanais: por Segundo Ramos (apud LOPES, 2013, p. 40), as características que utilizarem rede ou linha (nunca a traineira), por navegarem em barcos menores, por considerarem seu trabalho mais pesado do que nos barcos dividem os pescadores se limitam a dois grupos: maiores – quando a maioria rema até o Porto de Tubarão (numa média a) Pescadores de subsistência: sem interesse comercial, pescam de tempo de uma hora e meia). Alguns descartam a possibilidade de se pelo suprimento alimentar e, excepcionalmente, aceitam trocar excessos diferenciarem dos pescadores industriais, por serem assalariados ou provenientes da pesca por outros artefatos que venham a se interessar. não, pois dizem que os pescadores industriais recebem por produção, b) Pescadores comerciais: se dividem em artesanais (autônomos) e no entanto, trabalham até mais por ficarem até 30 dias em alto mar. industriais (empregados). Dentre os pescadores entrevistados, a maioria nasceu em Vitória, reside Fazem parte da pesca artesanal os pescadores que limitam a produção nos morros ao redor da Enseada do Suá (sobressaindo o Morro Jesus da escala relativamente baixa (ANDRIGUETTO FILHO, 1999) e empregam mão-de-obra familiar ou de grupos de vizinhança (CARDOSO, 2001). 2.2 CONFLITOS EXISTENTES Entretanto, pescadores artesanais são responsáveis por garantir a maior parte do pescado consumido pela população brasileira (KNOX; Para Lopes (2013), a sistematização da pesca no Brasil respeita as tradições TRIGUEIRO, 2015) em barcos que não ultrapassam 15 metros de do período pré-colonial e se mantém sólida no decorrer dos anos, no comprimento (KNOX e TRIGUEIRO, 2015; LOPES, 2013). Lopes (2013) entanto, considera gradativamente mais difícil lutar por sobrevivência aponta que pescadores artesanais fazem uso de embarcações rústicas, em meio a uma variedade de conflitos que se inserem com o passar do manufaturadas, na maioria das vezes artesanalmente. A pesca artesanal tempo. Conforme mencionado por Alves (2010), consenso e conflito são também demonstra ter ligação com questões sociais e alimentares essenciais nas distintas configurações de espaço e esferas públicas, no (KNOX e TRIGUEIRO, 2015). dimensionamento do que forma ou destitui o espaço público e privado do mundo contemporâneo. Para Maldonado (1994) a pesca se divide em pesca simples ou artesanal, e a pesca industrial. A autora explica que a pesca artesanal Knox e Trigueiro (2014) em uma reflexão sobre conflitos e novas se diferencia da industrial através da escolha de materiais não muito configurações da pesca no Espírito Santo, apontam como atividades avançados tecnologicamente, pelo trabalho executado em família e sem conflitantes: assalariamento. Enquanto a pesca industrial utiliza barcos maiores, com

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Figura 8 - Empresa Vitória Base instalada na orla de Jesus De Nazareth

Figura 9 - Horto Mercado vira os fundos para a comunidade pesqueira

• Os Projetos de grande escala; • Os Portos – que são vistos como impedimentos legais às atividades pesqueiras. A implantação de portos traz benefícios econômicos, porém, possibilitam impactos sociais e ambientais para a população residente.

suas costas’ para a configuração paisagística ou desenvolvimento social, econômico e cultural da comunidade (Figura 8 e 9).

Fonte: Acervo pessoal (2017)

Para Knox e Trigueiro (2014), as comunidades pesqueiras são impactadas por esses projetos de grande escala, sendo excluídas economicamente, politicamente e socialmente. Segundo as autoras, acreditar que esses empreendimentos que se inserem no litoral capixaba são os principais contribuintes para o desenvolvimento do estado do Espírito Santo, vem devastado as comunidades tradicionais que dividem o mesmo espaço e que não partem do mesmo princípio de desenvolvimento dos projetos.

Fonte: Acervo pessoal (2017)

Segundo Knox e Trigueiro (2014), com todos estes desafios oriundos do não envolvimento da população nas implementações de grandes projetos, a criação de territórios começa a ser também uma discussão entre os pescadores.

Por não conseguirem controlar as condições do tempo, entre a terra e o mar, pescadores se arriscam com a mobilidade e, nesse risco, diferentes grupos sociais se apropriam do espaço, se dividem e se ordenam, e exploram os recursos naturais, constituindo assim a territorialidade marítima (MALDONADO, 1994). De acordo com as conversas informais Em conflito com a paisagem cultural decorrente da pesca artesanal e com e entrevistas com pescadores, muitos possuem barcos inferiores a a atividade em si, é possível observar grandes empresas e atividades oito metros, com motores, e se aventuram em distâncias mar adentro ao redor da comunidade pesqueira de Jesus de Nazareth, que ‘viram as que impressionam (60/70km), enquanto a maioria dos pescadores

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entrevistados rema em média duas horas para alcançar o pescado (Mapa 1). “Com a diminuição da quantidade do pescado, o caminho aos pesqueiros fica cada vez maior ” (KNOX; TRIGUEIRO, 2014, p.9). De maneira geral, todos os entrevistados temem e dependem das condições do tempo para trabalhar.

Em meio às perguntas aplicadas nas entrevistas, ressalta-se aqui: se ainda é possível viver da pesca. Todos os pescadores questionados responderam que sim, que com muito trabalho é possível. Essa coletividade apontada pelas bibliografias referenciadas é quase superficial na realidade da comunidade visitada, a não ser quando o trabalho do pescador é feito O pescado explorado pelos pescadores é proveniente de um espaço de em família. A maioria aponta certa rivalidade entre os pescadores e isso, posse em comum, o mar. Isso influencia na percepção dos pescadores de certa forma, agride a teoria estudada de territorialidade. do território marítimo e, consequentemente, nas suas práticas sociais (MALDONADO, 1994). Ao contrário do que foi visto nos conceitos de Em entrevista informal realizada com um dos componentes da Colônia territorialidade, que traduzem respeito e união entre um determinado grupo de Pescadores de Vila Velha, foi relatado que em momentos de reuniões social, relatos contados pelos pescadores indicam que a competitividade de interesse dos pescadores há a necessidade de se apaziguar o e as dificuldades da pesca levam, muitas vezes, o pescador a infringir o relacionamento entre diferentes comunidades pesqueiras. “Eu brinco território alheio. Um dos relatos destaca que ao voltar no outro dia para que são tribos”, diz o entrevistado ao contar que eles não entram em buscar suas redes e seu pescado “escondidos” no mar durante a noite, acordo. Alega, ainda, que devido à rivalidade existente entre pescadores visando facilitar o processo da pesca, este foi furtado. Com isso, aponta- e à falta de gestão, as comunidades perderam muito, tanto em benefícios, se a competição existente, independentemente de serem industriais ou como em territorialidade - a colônia se encontra hoje em processo de artesanais, como uma agravante do resultado da pesca. usucapião, sucateada, e prédios luxuosos pressionam espacialmente a Para Zibechi (apud PÉREZ, 2012, p.97), comunidade pesqueira de Itapuã, em Vila Velha. Com isso, registra-se a dificuldade dos pescadores em se organizarem enquanto um grupo e A organização dos pescadores e pescadoras artesanais surge como passarem a mostrar a força da atividade tradicional diante de conflitos produto da indignação da comunidade e conformando os grupos dos “sem” que se juntam espontaneamente por alguma mudança territoriais. nas suas condições de vida como as políticas neoliberais, invasões nos seus territórios, etc. São sociedades que têm vínculos sociais, territoriais que se põem em movimento.

As agravantes mencionadas anteriormente ameaçam o modo de vida, a moradia, e o seguimento do trabalho do pescador artesanal. Os novos usos no entorno do Morro Jesus de Nazareth (Horto Mercado, Vitória Segundo Knox e Trigueiro (2015, p.73) a busca pela identidade do pescador Base e SEBRAE) geram impactos na territorialidade daquela comunidade, não almeja uma reforma social, nem busca ser nomeado através de um agridem os hábitos, costumes e conhecimentos herdados na cultura mero grupo de resistências das comunidades tradicionais que lutam pelo dos pescadores artesanais. Logo, questiona-se por quanto tempo “direito de permanecer onde estão e de ser o que são”. Trata-se de um sobreviveriam naquela superfície em meio à especulação imobiliária e grupo que se identifica coletivamente quando percebe que não é mais desenvolvimento acelerado da cidade. Através dessas eventualidades, possível viver da pesca ou deixou de ser chamado de pescador quando é possível perceber que a territorialidade dos pescadores artesanais de viu seu território devastado pela poluição. Esse novo cenário, diferente Jesus de Nazareth encontra-se ameaçada. das tradições antecedentes, altera o princípio do antigo pescador, que passa a enxergar oportunidades no meio político e econômico.

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A TERRITORIALIDADE DA COMUNIDADE DE PESCADORES ARTESANAIS EM JESUS DE NAZARETH, VITÓRIA – ES.


Mapa 01 - Rota dos Pescadores Artesanais de Jesus de Nazareth

LEGENDA ROTA DOS PESCADORES POLÍGONO DE ANÁLISE

UNIVERSIDADE VILA VELHA TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO ELABORAÇÃO: GISELLI V. MONTEIRO ORIENTADOR(A): MICHELLY R. ANGELO SIRGAS_2000_UTM_ZONE_24S WKID: 31984 AUTHORITY: EPSG PROJECTION: TRANSVERSE_MERCATOR FONTE: ENTREVISTAS COM PESCADORES

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CAPÍTULO 3

DIAGNÓSTICO DA ÁREA DE ESTUDO


3. DIAGNÓSTICO DA ÁREA DE ESTUDO

O diagnóstico foi realizado a partir de levantamentos bibliográficos (PMV, 2017; IJSN, 2011; SILVA, 2013) que proporcionaram a compreensão do histórico da região de estudo. Em seguida, visitou-se o Morro Jesus de Visando compreender e diagnosticar a atual situação do entorno da Nazareth duas vezes, quando por meio de entrevistas, conversas informais comunidade pesqueira de Jesus de Nazareth, traçou-se uma poligonal com moradores e pescadores foi possível responder questões propostas onde foi observado, através de entrevistas, mapeamentos, fotografias e pela grade adaptada para este trabalho, a de “abordagem metodológica de sensações/percepções, questões abordadas nesse trabalho (tradição e locais informais” . territorialidade dos pescadores na cidade contemporânea; segregação socioespacial, paisagem urbana, e os conflitos espaciais) paralelamente com os estudos de morfologia urbana, tipologia, gabaritos, uso do solo, 3.1 HISTÓRICO DA ÁREA territorialidade e paisagem cultural. Busca-se, no entanto, compreender as Por intermédio do histórico do objeto de estudo desta pesquisa, almejacomplexidades que configuram o objeto de estudo, sendo elas oriundas se compreender, de um ponto de vista socioespacial, a conformidade da formação histórica do bairro ou consequentes de fenômenos urbanos da territorialidade da comunidade pesqueira de Jesus de Nazareth. contemporâneos. A partir de então, busca-se identificar como aquele lugar vem sendo modificado por meio de um processo de requalificação urbana da Esse diagnóstico abrange os bairros Jesus de Nazareth, uma fração da área que privilegiou usos e ocupações, tais como Praça do Papa, Enseada do Suá e área do bairro Bento Ferreira, hoje ocupada pela empresa HortoMercado, SEBRAE, Hotéis (Go Inn, Golden Tulip), Condomínios Vitória Base, localizados ao sul do município de Vitória, margeados pela residenciais e edifícios voltados para serviços e escritórios. baía de Vitória. O objeto de estudo encontra-se delimitado pela região da Praia do Suá, a nordeste, e o bairro Bento Ferreira, que faz limite a noroeste 3.1.1 O bairro Enseada do Suá e oeste da poligonal (Mapa 2). O bairro Enseada do Suá é resultante do aterro de 1970 realizado pela O bairro Jesus de Nazareth encontra-se delimitado pela Av. Nossa Senhora empresa Companhia de Melhoramentos e Desenvolvimento Urbano dos Navegantes, Rua Oscar Paulo da Silva, Av. Marechal Mascarenhas de (COMDUSA), com a intenção de receber atividades institucionais e Moraes e baía de Vitória (PMV, 2017). Enquanto a Enseada do Suá encontra- comerciais que ficaram limitadas, em questão de espaço, no centro se delimitada pela Rua Óscar Paulo da Silva, Av. Nossa Senhora da Penha, de Vitória. Somente alguns lotes próximos à Terceira Ponte foram Av. João Batista Parra, Rua Humberto Martins de Paula, Rua Alaor de Queiroz dedicados para residências, vendidos através de concorrência com Araújo, Av. Saturnino de Brito, Av. Des. Alfredo Cabral, baía de Vitória e Av. condições especiais estabelecidas pela COMDUSA (PMV, 2017). Américo Buaiz. Porém, a poligonal de estudo se limitará em áreas mais próximas à orla marítima até as avenidas divisoras que se constituem Segundo a Prefeitura Municipal de Vitória (PMV, 2017), a Praia do Suá, é fortemente contribuintes no contraste da paisagem urbana, a Mascarenhas um dos bairros mais antigos da cidade. Durante muito tempo acomodou de Moraes e a Nossa Senhora dos Navegantes, abrangendo o Morro a colônia de pescadores e, posteriormente, acomodou, também, uma Jesus de Nazareth, pequena parcela do bairro Enseada do Suá e Bento população de classe média. Com a construção do Hospital de São Ferreira, onde foi possível perceber a atividade pesqueira, as moradias de Pedro e o aterro realizado na década de 70, os pescadores mudaram o pescadores e a segregação socioespacial. cais para as proximidades do Morro Jesus de Nazareth. Segundo a Prefeitura de Vitória (2017), a poligonal em estudo abrange

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Mapa 02 - Localização do Polígono de Análise

LEGENDA ESPÍRITO SANTO BAIRROS DE VITÓRIA POLÍGONO DE ANÁLISE

UNIVERSIDADE VILA VELHA TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO ELABORAÇÃO: GISELLI V. MONTEIRO ORIENTADOR(A): MICHELLY R. ANGELO SIRGAS_2000_UTM_ZONE_24S WKID: 31984 AUTHORITY: EPSG PROJECTION: TRANSVERSE_MERCATOR FONTE: ENTREVISTAS COM PESCADORES

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duas regiões administrativas, sendo essas: Região Administrativa 3 (Jucutuquara) – onde as áreas planas são resultantes dos aterros de 1920, sendo considerada a sexta região mais populosa de Vitória e a quinta em tamanho e densidade demográfica; e Região Administrativa 5 (Praia do Canto) – com concentração de comércios e serviços, desfrutando da melhor infraestrutura e maior renda média da cidade. Antecedente da Região 3, é considerada a quinta mais populosa e a quarta em área, no entanto, é a sexta com maior densidade populacional.

3.1.2 O bairro Jesus de Nazareth O bairro Jesus de Nazareth antigamente era conhecido como Morro de Bento Ferreira, por se tratar de uma extensão do bairro. Em 1956, o morro ficou conhecido como “Contestado”, por estar ligado ao assassinato de um fiscal da Prefeitura em um conflito com moradores no processo de expulsão para demolição de residências. A denominação Jesus de Nazareth surgiu em virtude da religiosidade do Sr. João Padilha e foi aprovada pela comunidade em 1966 (PMV, 2017). De acordo com a PMV (2017), o Morro Jesus de Nazareth foi ocupado na década de 1950, mas, possivelmente, foi no contexto de industrialização do Estado do Espírito Santo, concomitante à crise de uma estrutura econômica fundada nas bases da cafeicultura, entre os anos 1960-70, que o local teve considerável aumento populacional (IJSN, 2011) (Figura 10). No Morro Jesus de Nazareth, o fácil acesso ao mar e o perfil do ocupante daquele espaço fez da pesca uma importante atividade de subsistência do local. Entretanto, o mar e a quantidade de barcos dispostos no sopé do Morro deixam de ser somente fonte de renda, uma vez que pode ser observada uma relação entre “brinquedo” das crianças e trabalho do pescador, traduzindo uma paisagem, uma identidade local (SILVA, 2013).

Figura 10 - Urbanização da região Fonte: A Partir do Site Veracidade (2017)

a Sra. Djalma da Costa construíram a primeira casa de frente para o mar, nas proximidades de uma Castanheira (Figura 11). A Prefeitura de Vitória (2017) aponta que, segundo moradores mais antigos, a “Prainha” tinha águas transparentes onde era possível pescar facilmente ali (PMV, 2017).

A medida que novos moradores foram chegando, fora, construindo habitações muito precárias de maneira desordenada onde a topografia possibilitava, ou seja, nas áreas planas e de frente para o mar. Além disso, na vizinhança, a Praia do Suá também teve sua formação baseada na atividade pesqueira. A ocupação do Morro Jesus de Nazareth só foi possível por causa dos aterros da Praia do Suá e de Bento Ferreira (Figura 12), locais que antes eram mar e áreas de manguezal. Seu Retomando a história, em 1954, o Sr. Clemente Gonçalves da Costa e desenvolvimento e adensamento se deu a partir da execução do Projeto

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Figura 11 - Crianças brincando na castanheira que faz parte da história do bairro Fonte: Acervo pessoal (2017)

Novo Arrabalde, proposto por Saturnino de Brito no séc. XIX, das ruas moradores contra as tentativas de expulsão por parte da Prefeitura. O mais largas e mais retilíneas (SILVA, 2013; PMV, 2017). primeiro foi quando o Dr. Adelpho Poli Monjardim, prefeito nos anos de 1955-57, determinou que a região fosse fiscalizada e o adensamento Mediante as ocupações desordenadas em um local desprovido de fosse contido, quando fiscais acompanhados de policiamento agiram qualquer infraestrutura, os moradores começaram a enfrentar problemas, para demolir casas e expulsar moradores que se manifestaram tais como circulação e insalubridade do lugar. Diante das necessidades com resistências. Posteriormente, na década de 1970, foi mais uma do bairro nos anos de 1960, o Sr. João Padilha, junto aos moradores, vez adotada essa política de expulsão de famílias, quando moradias abriu e delimitou a maior parte dos acessos existentes, de forma que precárias – geralmente construídas com restos de madeira, papelão, esses novos caminhos não fossem mais ocupados informalmente (PMV, latão – foram derrubadas e incendiadas. Outra vez, em uma luta coletiva, 2017). a população resistiu e conflitou com os policiais e fiscais que atendiam aos interesses da Prefeitura. Nos dois momentos ocorreram mortes, O adensamento descontrolado foi considerado conflituoso até meados o que marcou a luta desses moradores pela permanência no morro e dos anos de 1980. Houve dois momentos de resistências por parte dos legalização dos loteamentos (PMV, 2017).

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Esses eventos de resistência despertaram na comunidade um interesse maior pelo processo de aprendizagem política e social, cooperando para um processo de maiores resistência, luta, debates e reivindicações relacionadas à infraestrutura básica, como água, luz e rede de esgoto (PMV, 2017). Desde 1998, o Projeto Terra (Programa Integrado de Políticas Sociais, Habitacionais e Ambientais, da PMV) visa a urbanização, a regularização fundiária, a preservação ambiental e o desenvolvimento comunitário do Morro Jesus de Nazareth e outras áreas. Dentre as poligonais apontadas pelo Projeto Terra, o bairro Jesus de Nazareth é denominado Poligonal 5 (Figura 13) (PMV, 2017).

Figura 13 - Poligonais Projeto Terra. Fonte: Prefeitura de Vitória. Disponível em: <www.legado.vitoria.es.gov.br/secretarias/sedec/projterra.htm>. Acesso em 23 de abril de 2017

A maioria dos pescadores entrevistados durante a coleta de dados deste trabalho alegou morar no Morro Jesus de Nazareth. Nota-se que a subsistência das famílias desses pescadores (algumas por 15, 30 até 45 anos) se dá, exclusivamente, através da pesca artesanal. A tipologia construtiva adotada desde a formação do bairro Jesus de Nazareth, permite aos pescadores condições de pagar por suas moradias, sendo possível, assim, permanecerem tão perto do píer. A paisagem cultural do Morro Jesus de Nazareth reafirma as histórias relatadas e o quanto a extensão da poligonal em estudo vem sofrendo alterações ao longo dos anos.

Figura 12 - Aterro da COMDUSA, Década De 80. Disponível em: <http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?p=69820269>. Acesso em: 09 de jun. de 2017

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Reginensi (2015) ao buscar interpretações sobre assentamentos subnormais propõe uma grade de leitura para este tipo de espaço, informal, dividindo-a em: a abordagem dos pontos críticos do meio ambiente; a um local em potencial (físico e social); ao papel dos atores

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num sentido amplo (arquitetos, engenheiros, políticos, pesquisadores de diferentes disciplinas) e, ao primeiro plano, às práticas dos moradores. Posteriormente, busca levantar critérios mais específicos, bem como: urbanísticos, arquitetônicos, sócio antropológicos e sócio políticos. Neste trabalho, adaptou-se a grade para questões ligadas às abordagens citadas, focando nos aspectos: urbanístico, arquitetônico e socioambiental.

3.2.1 Mapa de Zoneamento Assim como determinado no Plano Diretor Urbano (PDU), de 2006, a região de estudo é composta por diferentes zonas: ZOP (Zona de Ocupação Preferencial), ZEIS (Zona Especial de Interesse Social) e a ZPA (Zonas de Proteção Ambiental) - que se divide em ZPA 2 e ZPA 3 (Mapa 3).

3.2 CRITÉRIO URBANÍSTICO

Conforme mencionado no PDU (2006), a ZOP 1/04 constitui em parcela Em busca de um olhar amplo do lugar, inicia-se essa análise a partir do do solo urbano com grandes áreas desocupadas que se tornam critério urbanístico. A seguir, são apresentadas as questões que serão contribuintes no processo de transformação urbana acelerado. Têmabordadas nessa extensão do trabalho. Para cada critério existem se como objetivos para a zona, a indução de transformações urbanas, indicadores associados, que geram questões a serem levantadas em a preservação de visuais e a mistura de usos residenciais e não campo, algumas delas grafitadas em mapas que subsidiam a análise residenciais. (Quadro 1).

Quadro 1 - Grade de abordagem de assentamentos subnormais: Critério Urbanístico

Fonte: Elaboração a partir de Reginensi (2015)

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Atualmente, três grandes terrenos se encontram de fato vazios nessa zona. Um quarto terreno, próximo ao HortoMercado, é apontado como vazio nas bases da Prefeitura, porém, verificou-se que, atualmente, possui uma construção que abrigará o SEBRAE. Para que a Zona proposta pelo Plano Diretor Urbano esteja adequada à preservação da comunidade tradicional de pescadores hoje sobrevivente na poligonal de estudo, essas motivações a futuras transformações urbanas devem ser equilibradas rigorosamente e paralelamente ao desejo de preservar as visuais na paisagem. Além de pensar na paisagem, deve-se selecionar usos comerciais que não conflitem ambientalmente com a pesca.

Segundo o PDU (2006), nas ZEIS deve-se estimular a regularização urbanística e fundiária – de onde se assentam habitações subnormais existentes na região e desenvolver programas de interesse social, habitacionais nos terrenos subutilizados ou vazios. Dentre os objetivos dessa Zona voltada para questões sociais, pode-se mencionar: realizar o cumprimento da função social do solo urbano; incentivar donos de terrenos vazios a investirem em habitações sociais; reassentar casas em risco quando não for possível eliminá-las; melhorar a infraestrutura através de equipamentos urbanos; e promover o desenvolvimento humano dos moradores locais. Na ZEIS não há limites em relação ao gabarito, porém, segundo relatos feitos em conversas informais, esta falta de regulamentação é prejudicial na paisagem estudada.

Tabela 1 - Índices Urbanísticos da Área de Estudo

Fonte: PDU (2006), Lei municipal nº 6.705-05fls. 42 (Modificado)

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Mapa 03 - Delimitação do Zoneamento Urbanístico

LEGENDA POLÍGONO DE ANÁLISE ZONAS DENTRO DA POLIGONAL ZOP1_04 ZEIS2_11 ZPA3 ZPA2 ZONAS FORA DA POLIGONAL ZOC 4 ZAR4 ZOC 2-06 ZOP2_04 ZOP 3 ZOP 2_03

MAPA JESUS DE NAZARETH/ ENSEADA DO SUÁ - VITÓRIA, ES ELABORAÇÃO: GISELLI V. MONTEIRO SIRGAS_2000_UTM_ZONE_24S WKID: 31984 AUTHORITY: EPSG PROJECTION: TRANSVERSE_MERCATOR FONTE: LEI Nº 6.705/06

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Mapa 04 - Macroparcelamento

LEGENDA CURVAS DE NIVEL POLÍGONO DE ANÁLISE LIMITE DOS BAIRROS

VIAS

ELABORAÇÃO: GISELLI V. MONTEIRO SIRGAS_2000_UTM_ZONE_24S WKID: 31984 AUTHORITY: EPSG PROJECTION: TRANSVERSE_MERCATOR FONTE: LEI Nº 6.705/06

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De acordo com o PDU (2006), as ZPA’s tem a função de proteger um ecossistema e promover atividades no local que sejam sustentáveis. Na poligonal, essa zona se subdivide em duas categorias, ZPA 2 e 3, que se assemelham por interesse de conservação, porém, a ZPA 3 apresenta maior relevância ambiental. Neste diagnóstico não foi identificado motivos para diferenciação de categorias, sendo que a mata identificada se concentra na ZPA 2.

3.2.2 Mapa de Macroparcelamento Ao comparar as caixas de vias fora do polígono de análise – na parte do território urbano provido de melhor infraestrutura – com as vias em estudo, é possível perceber o quão estreitas são. Não apontadas como locais pelo PDU (2006), as vias do objeto de estudo tentam acompanhar a topografia, porém, em diversas situações, a malha viária que necessita de conectividade se faz íngreme demais. Além disso, é notório que não seguem uma dimensão contínua, se ramificando em pequenos becos afunilados. Atribui-se a esta dificuldade de lidar com a topografia e à ocupação desordenada, os problemas gerados por quadras longas, onde o percurso para qualquer local se torna cansativo (Mapa 4).

3.2.3 Mapa de Territorialidade, Fluxos e Hierarquia Viária Conforme mencionado anteriormente, a região em análise tem contato direto com a Av. Mal. Mascarenhas de Moraes e Av. Nossa Senhora dos Navegantes, dessa forma, se conecta, ou possibilita o acesso, a diversos lugares da Região Metropolitana, como: Centro de Vitória, Av. Leitão da Silva, Av. Nossa Senhora da Penha, Rodovia do Sol (Terceira Ponte) e Av. Saturnino de Brito.

do tipo de veículo que visita o lugar. É necessário um tratamento para vias fechadas (cul-de-sac onde for possível ou conectividade da malha urbana) a fim de melhorar o acesso e fluxo dos veículos. Por meio dessas características, o lugar concentra pontos nodais, com a intersecção de carros provenientes de diferentes vias e sentidos. Nas visitas feitas ao local, percebeu-se maior fluxo de pedestres nas partes mais baixas do morro. Associa-se tal informação à presença de comércios na região, no acesso ao Morro Jesus de Nazareth, ou pela contemplação da orla marítima e pelo trabalho dos pescadores (Mapa 5).

3.2.4 Mapa de Paisagem Cultural e Funcional Paisagístico A topografia contribui significativamente na composição do espaço e na paisagem natural do Morro Jesus de Nazareth. Rodeado por elevações rochosas, o emaranhado de casas da região em estudo se destaca na paisagem cultural (Figura 14). Na observação no lugar e a partir das imagens externas, é possível perceber massas do território consideradas ensolaradas, locais onde odores se fizeram presentes durante a visita, principalmente por meio de atividades ligadas a pesca. Quando se visita o Morro Jesus de Nazareth pela primeira vez, utiliza-se todos os sentidos com precisão. O Morro é repleto de cheiros de comidas diferentes entre uma casa e outra; é preciso ficar atento ao caminho, para não tropeçar, e estar com fôlego para encarar os becos e escadarias que levam o visitante ao mirante e às visadas de diferentes pontos do Morro, entre casas e acima do telhado delas (Mapa 6).

A maioria dos equipamentos públicos está concentrada nos arredores da poligonal e se tornam geradores de tráfego. Devido às caixas das vias serem insuficientes para os dois sentidos, os carros se organizam entre eles no subir e descer das vias. Em determinados momentos as Figura 14 - Relevos que compõem a paisagem vista de Vila Velha. ruas são muito íngremes, sendo consideradas inacessíveis, a variar Elaboração: Giselli Monteiro (2017)

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Mapa 05 - Territorialidade, Fluxos e Hierarquia Viária

LEGENDA PARQUE E ÁREA PROTEGIDA TERRITORIALIDADE PESCA ARTESANAL PESCA INDUSTRIAL HIERARQUIA VIÁRIA ARTERIAL METROPOLITANA VIA LOCAL PRINCIPAL FLUXOS VIA MUITO ÍNGREME FIM DA VIA POLO GERADOR DE TRÁFEGO PONTO NODAL VEÍCULOS AUTOMÓVEIS PEDESTRE PONTO FINAL 370 MICROÔNIBUS 102

ELABORAÇÃO: GISELLI V. MONTEIRO SIRGAS_2000_UTM_ZONE_24S WKID: 31984 AUTHORITY: EPSG PROJECTION: TRANSVERSE_MERCATOR FONTE: CADASTRO IPTU (PMV/SEMFA)

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1 . BIBLIOTECA IJSN 2. INSTITUTO L. BRAILLE DO ES 3. DNER-ES 4.INCAPER 5. EMEF - ACADEMIA POPULAR

6. NÚCLEO J. DE NAZ 7. UNIDADE DE SAÚDE 8. IGREJA MARANATA 9. BAR DO BIGODE 10. IGREJA DE SÃO FRANCISCO

11. IGREJA N. S. DE LOURDES 12. IGREJA N. S. DE FÁTIMA 13. BIBLIOTECA COMUNITÁRIA 14. POSTO ENSEADA DO SUÁ 15. HORTO MERCADO

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Mapa 06 - Paisagem Cultural e Funcional Paisagístico

LEGENDA POLÍGONO DE ANÁLISE BARREIRA CAMINHO PECORRIDO MARCOS VISUAIS VISADAS PRAÇAS ÁRVORES ODORES ÁREA ENSOLARADA ÁREA PROTEGIDA

ELABORAÇÃO: GISELLI V. MONTEIRO SIRGAS_2000_UTM_ZONE_24S WKID: 31984 AUTHORITY: EPSG PROJECTION: TRANSVERSE_MERCATOR FONTE: CADASTRO IPTU (PMV/SEMFA)

1 . VITÓRIA BASE 2. QUADRA DE ESPORTES 3. BAR DO BIGODE 4. ÁRVORE COM IMPORTÂNCIA HISTÓRICA

5. EMPRESA DE MANUTENÇÃO EM BARCOS 6. MARINHA DO BRASIL - CAPITANIA DOS PORTOS 7. SEBRAE EM CONSTRUÇÃO

8. HORTO MERCADO 9. SISTEMA ESCELSA 10. MIRANTE E TORRE

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Muros de diferentes empreendimentos e residências criam caminhos monótonos de serem percorridos e tornam as ruas mais perigosas sem a vitalidade ocasionada por comércios que atraem olhares de vigilantes naturais. A distância entre muros e vias para carros não permite a construção de calçadas na maior parte do terreno, fazendo com que todos circulem pelo mesmo espaço (Figura 15 e 16).

problemas do cotidiano, mostrando a possibilidade de articulação.

Os caminhos e circulações no interior do bairro se mostram inferiores aos das demais partes da cidade que possuem topografia mais plana e são melhor estruturados. Parte desses caminhos aparenta ser autoconstruídos e muitos deles, de acordo com Fernando Martins, o guia turístico do Morro Jesus de Nazareth, sofreram intervenções artísticas a fim de melhorar a “cara” do lugar e a maneira como os próprios moradores se apropriam dos espaços públicos. Martins alega que após as intervenções, reduziu-se consideravelmente a quantidade de lixo deixada nos becos e ruas. Nos caminhos, utilizou-se concreto no chão e aço galvanizado nos guarda-corpos. Tais iniciativas dos moradores podem ser consideradas formas coletivas de buscar a resolução de

A movimentação entre os espaços observados acontece, na maior parte do tempo, por meio de pedestres, principalmente próximo à quadra de esportes, na frente marítima e nos comércios do bairro. Os poucos carros vistos mostraram dificuldades em estacionar devido à falta de vagas ou por conta do relevo acidentado. Os moradores utilizam prioritariamente transporte público para se locomoverem, sendo que o tempo gasto com deslocamento casa-trabalho varia entre 15 e 45 minutos. O supermercado mais utilizado pelos moradores do bairro se localiza na Praia do Suá, e leva-se entre 15 a 20 minutos, andando, para alcançá-lo. Apesar dos supermercados próximos ao bairro fazerem entregas no Morro, notam-se moradores subindo escadarias com sacolas pesadas, além de vendedores ambulantes de sururu e peixe anunciando seus preços. Existem pequenas mercearias, bares e lojinhas pelo Morro Jesus de Nazareth, no entanto, as mais consolidadas e melhor infraestruturadas estão nas ruas onde é possível o acesso com carros.

Figura 15- Distância entre as casas no Morro Jesus de Nazareth

Figura 16- Rua que recebe veículos e pedestres em Jesus de Nazareth

Fonte: Acervo pessoal (2017)

Fonte: Acervo pessoal (2017)

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3.3 CRITÉRIO ARQUITETÔNICO Procura-se, através da análise do critério arquitetônico, identificar o tipo, as condições das habitações e o padrão construtivo identificados no local de estudo. Apresenta-se, no quadro a seguir, os indicadores observados, as respectivas questões que serão abordadas sobre esse assunto e os mapas (na coluna Mapas) elaborados que dizem respeito a essa temática (Quadro 2). Após visitas de campo, realizadas nos dias 13 de abril e 20 de maio de 2017, notou-se que na região as casas são simples, em sua grande maioria autoconstruídas, em tijolos – ora sem reboco, ora rebocados

e pintados com cores que se repetem pelo Morro –, e com cobertura de amianto. Apesar de buscarem vencer limitações impostas pela acentuada topografia e o pouco espaço, a grande maioria das casas apresenta-se em boas condições de uso. As casas, de maneira geral, não respeitam afastamentos entre elas, sendo bem próximas umas das outras ou sem qualquer limite de afastamento. Os locais externos às casas são considerados vias de circulação, que se transformam em quintal para as crianças e espaço público de encontro dos moradores.

Quadro 2 - Grade de Abordagem de Assentamentos Subnormais: Critério Arquitetônico Fonte: Elaboração a partir de Reginensi (2015)

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3.3.1 Mapa de Usos do Solo

uso pela Prefeitura de Vitória (2017) (Mapa 7).

Analisando a atual situação dos usos existentes na poligonal, nota-se o predomínio do uso comercial no perímetro da área de estudo, tratando-se de um comércio que atende variados públicos e bairros. O uso residencial é predominante no interior do bairro Jesus de Nazareth, e se subdivide em multifamiliar, nas proximidades da orla marítima, e unifamiliar, nas partes mais altas do Morro Jesus de Nazareth. O uso misto se apresenta em vias de acesso ao bairro, as quais apresentam fluxo maior de carros e pessoas. São poucos os terrenos identificados sem

Em muitas casas foi possível perceber a presença de terraços e ausência de varandas - estes elementos, quando existem, são pequenos e ficam na parte frontal das habitações. A arquitetura local não respeita afastamentos frontais, de fundos ou laterais, elevando a taxa de ocupação do território (Figura 18). Pode-se perceber a extensão das casas em áreas que ainda estejam livres nas laterais, mas ocorrem principalmente em pavimentos superiores, devido à falta de espaço (Figura 17).

Figura 17 - Terraços, Coberturas E Paisagem.

Figura 18 - Relação Casas e Caminhos

Fonte: Acervo pessoal (2017)

Fonte: Acervo pessoal (2017)

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Mapa 07 - Uso do Solo

LEGENDA POLÍGONO DE ANÁLISE RESIDENCIAL MULTIFAMILIAR

RESIDENCIAL UNIFAMILIAR

COMERCIAL

MISTO

OUTROS

SEM USO

ELABORAÇÃO: GISELLI V. MONTEIRO SIRGAS_2000_UTM_ZONE_24S WKID: 31984 AUTHORITY: EPSG PROJECTION: TRANSVERSE_MERCATOR FONTE: CADASTRO IPTU (PMV/SEMFA)

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3.3.2 Mapa de Gabarito

altas, possivelmente intervenção dos próprios moradores. Acredita-se que essa característica esteja ligada à topografia do local – constroemse calçadas mais altas a fim de impedir que águas que vêm das ruas do alto do Morro entrem em suas casas que são tão próximas à rua. Conforme mencionado anteriormente, a maioria das casas tem suas portas frente à rua, tornando-se quase inexistentes muros na entrada das casas. As casas que apresentam afastamento suficiente para isso se fecham em muros e diminuem a relação do morador com o meio externo.

As construções da poligonal de estudo, em geral, são de um a três pavimentos. Em casos isolados, identificam-se construções de quatro a seis pavimentos, como: nas proximidades da via de acesso ao bairro; em vias de maior fluxo, aliado ao interesse econômico, que tem ligação com as facilidades de comércios existentes ou pela frente marítima (Mapa 8). A partir de conversas informais foi identificado que a falta de ordenamento gera conflitos entre os moradores, quando novas construções obstruem visadas de casas mais antigas para a baía de O projeto Terra Mais Igual realocou moradores que tinham suas Vitória. casas localizadas em área de risco de deslizamento no alto do Morro, Fora da poligonal, é perceptível o contraste a partir da observação de trazendo-os para perto do ponto final de ônibus, localizado no acesso edifícios que chegam a até 16 pavimentos, configurando uma paisagem principal ao bairro, em cota mais baixa. Segundo conversas informais urbana que conflita com o relevo natural, e desenha diferenças sociais com moradores, as casas foram doadas e, a partir dessa ação, a qualidade de vida dessas pessoas melhorou, considerando que antes também por meio de alturas (Mapa 8). moravam em habitações precárias construídas com restos de madeira. Apesar de relatos dos moradores apontarem que não há risco de Hoje, existem poucas habitações nessa situação no Morro. alagamento ao redor do Morro, observou-se algumas calçadas mais

Figura 19 - Barraco ainda em risco técnico próximo a torre de energia

Figura 20 - Casas Do Projeto Terra Mais Igual na entrada do Morro Jesus de Nazareth

Fonte: Acervo pessoal (2017)

Fonte: Acervo pessoal (2017)

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Mapa 08 - Gabarito

LEGENDA POLÍGONO DE ANÁLISE

PARQUE E ÁREA PROTEGIDA VAZIO

DE 1 A 3 DE 4 A 6

DE 7 A 12

DE 13 A 16

ACIMA DE 16

ELABORAÇÃO: GISELLI V. MONTEIRO SIRGAS_2000_UTM_ZONE_24S WKID: 31984 AUTHORITY: EPSG PROJECTION: TRANSVERSE_MERCATOR FONTE: CADASTRO IPTU (PMV/SEMFA)

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Figura 21 - Paisagem do Morro Jesus de Nazareth Vista de Vila Velha Fonte: Acervo pessoal (2017)

3.3.3 Mapa de Morfologia Urbana Tratando-se de uma formação rochosa, de relevo íngreme, o lugar, em suas cotas mais altas, desperta admiração dos moradores e visitantes que alcançam essa paisagem, podendo avistar desde o outro lado da baía de Vitória, a cidade de Vila Velha, até as cotas mais baixas do próprio Morro Jesus de Nazareth (Figura 21). Ao analisar o mapa de morfologia urbana em uma escala micro, nota-se que o perfil atual apresenta casas muito próximas umas das outras, característica oriunda dos lotes pequenos que acabam por não apresentarem afastamentos frontal, lateral e de fundos, como já mencionado. Nota-se que a taxa de ocupação das casas tem relação com os gabaritos analisados anteriormente, sendo maior a taxa de ocupação dos edifícios em que abrigam maior quantidade de andares.

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As demais edificações se encontram “salpicadas” pelo Morro, nem sempre voltadas para ruas locais. Em muitos momentos, abre-se um caminho no terreno da frente para proporcionar acesso à rua. Reafirmase que a ocupação do bairro se deu de maneira espontânea, seguindo uma lógica própria de ordenação, conforme mencionado no histórico do bairro Jesus de Nazareth (Mapa 9). Ao norte da poligonal, os edifícios são sistematicamente organizados em terrenos parcelados de maneira uniforme. A leste da poligonal, na Praça do Papa, há uma grande área ociosa. Ambos contrastam com o modelo de ocupação adotado pelos moradores do Morro Jesus de Nazareth, que sem condições de pagar por altos aluguéis dentro de regiões melhor infraestruturadas, buscavam (e buscam) se manter próximos às atividades empregatícias da cidade de Vitória (Mapa 9).

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Mapa 09 - Morfologia Urbana

LEGENDA CURVAS DE NÍVEL POLÍGONO DE ANÁLISE LIMITES DO BAIRRO

EDIFICAÇÕES

QUADRAS

ELABORAÇÃO: GISELLI V. MONTEIRO SIRGAS_2000_UTM_ZONE_24S WKID: 31984 AUTHORITY: EPSG PROJECTION: TRANSVERSE_MERCATOR FONTE: CADASTRO IPTU (PMV/SEMFA)

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3.3 CRITÉRIO SOCIOAMBIENTAL Esta análise traz uma abordagem baseada em observações quantitativas e sensoriais/ perceptivas do lugar, buscando relatar questões ligadas à comunidade pesqueira, como os serviços públicos prestados dentro da poligonal relacionados com a quantidade de moradores. Analisa o uso atribuído à massa verde presente na poligonal, a territorialidade e a rota traçada pelos pescadores. Dentro deste critério, buscou-se verificar e analisar os indicadores apresentados no quadro a seguir, o que subsidiou a elaboração dos mapas específicos (Quadro 3). Na poligonal, foram identificados poucos espaços como praças e quadras esportivas, destinados ao uso público: uma quadra de esportes

frequentemente utilizada por jovens do bairro e duas praças: a praça do “Tota” e outra conhecida como “Terreirão”, onde, segundo relatos de moradores, era local de confronto entre moradores que moram na parte alta e os que moram próximo à praia. Hoje, de acordo com estes relatos, essas rivalidades acabaram e o local é utilizado como ponto de encontro para adultos e crianças. Em agosto de 2017 o bairro foi cenário de uma Megaoperação contra o tráfico - que dividiu opiniões sobre a necessidade/adequação da ação. Parte dos internautas e moradores do local defende que envolver 361 policiais para a operação é exagero e que há criminalização da pobreza da região (GAZETA ONLINE, 2017).

Quadro 3 - Grade de Abordagem de Assentamentos Subnormais: Critério Fonte: Elaboração a partir de Reginensi (2015)

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Figura 22 - Antiga Escola E. Mattos S. D. Gaudio

Figura 23 - Roda de Capoeira do Grupo Capoeira de Angola

Fonte: Acervo pessoal (2017)

Fonte: Acervo pessoal (2017)

Os crimes violentos contra a pessoa (CVPES) representam as ocorrências relacionadas aos homicídios, subdivididos em homicídio doloso e culposo; tentativa de homicídio e lesão corporal. Em 2008 Jesus de Nazareth concentrou cerca de 2% dos (CVPES), sendo considerados altos os índices criminais no bairro (LIRA, 2014).

O bairro é servido por uma creche, uma escola municipal de ensino supletivo e fundamental, uma unidade de saúde, duas bibliotecas, diversas igrejas, entre outros equipamentos de uso público. Segundo Fernando Martins (morador e guia turístico do bairro), a antiga estrutura da escola Edna de Mattos Siqueira Gaudio, que foi realocada para próximo do ponto final devido à demanda de espaço, ficou inativa por um longo período (Figura 22). Hoje, o espaço é utilizado para aulas de capoeira e jiu jtsu, por iniciativas da comunidade e grupos, como a Capoeira Volta ao Mundo (Figura 23). Por meio de relatos e conversas informais, nota-se o esforço e desejo de moradores da comunidade em cursos que capacitem as crianças e competidores com limitações físicas através de atividades culturais voltadas para música e esporte.

É possível perceber ações de engajamento dos próprios moradores, como, por exemplo, a pintura das escadarias e criação de pequenos canteiros em vias que são estreitas para a passagem de carros e mesmo pedestres, traduzindo a intenção de melhorar a apropriação/ territorialidade e evitar que outros moradores jogassem entulhos nas calçadas.

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No fim da Rua Afonso Sarlo, próximo ao ponto final do ônibus, existe uma grande área vazia, onde apenas uma academia pública se encontra instalada. Mais acima o Morro, na ZPA3, próximo à conhecida Casa Branca, e onde as torres de energias estão instaladas, existem áreas vazias que atualmente são tratadas com desprezo, com terrenos que acumulam entulho e lixo. Considerando que o bairro carece de espaços públicos com qualidade, chama-se atenção para esses lugares que apresentam enorme potencial de aproveitamento para espaços públicos e uma exuberante vista para a cidade de Vitória, baía de Vitória e cidade de Vila Velha.

zona ZPA2, e os canos do sistema de esgoto que desembocam ali, prejudicam na produção da horta e na salubridade das casas vizinhas, por atrair insetos e roedores. Adentrando às vielas do bairro, desperta-se, constantemente, os sentidos do corpo. É possível sentir o cheiro das comidas sendo feitas pelos moradores, do feijão na panela, do peixe ou do pão caseiro feito e vendido no bairro. Moradores ouvem música relativamente alta, e isso imprime um gosto musical do lugar, que ecoa no alto do Morro.

Além do entulho identificado nesses terrenos, no decorrer da visita de campo sentiu-se falta de lixeiras entre becos, escadarias e ruas, tornando constante o encontro de embalagens jogadas no chão. Segundo Fernando Martins (morador e guia turístico), a coleta do lixo das casas é feita diariamente, e de quatro em quatro meses faz-se o Mutirão do Módulo Velho, porém, o mutirão não acontece há mais de 8 meses. O acúmulo de lixo de frente para a horta comunitária, na

O pescador tem a atividade tradicional marcada em seu corpo corado pelo sol, com linhas de expressões conquistadas mar adentro ao longo da vida. Dentro dessa análise socioambiental, chama-se atenção para a pertinente ideia abordada nesse trabalho, de que a atividade tradicional da pesca é elemento estruturante da paisagem do Morro e deve ser preservada e expressada com maior clareza. Em visitas ao local, foi possível perceber uma concentração de pescadores / moradores do bairro em pequenas aberturas da poligonal de estudo para o mar,

Figura 24 - Vista para o Morro Jesus de Nazareth com Paletas De Cores

Figura 25 - Vista para os barcos na Orla Marítima com Paleta de Cores

Fonte: Acervo pessoal (2017)

Fonte: Acervo pessoal (2017)

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relação essa mencionada por Haesbaert (2009). De frente para o conhecido “Terreirão”, praça nomeada Fernanda Ferreira, uma residência, com um quintal um pouco maior do que as demais recebe as cores das pinturas feitas por crianças e adultos de todo o Morro, como forma de expressão e apropriação do espaço. Ali se desvia a função de ser apenas uma residência, quando em diversas ocasiões abre as suas portas a moradores para confraternizações, sem fins lucrativos ou com esse fim, para auxiliar outras necessidades da comunidade. Em relação à paisagem e às cores que a compõem, pode-se verificar três importantes visadas e suas paletas, que, de certa forma, traduzem a identidade local: a paisagem do Morro Jesus de Nazareth vista de outros lugares distantes; as cores dos barcos na orla marítima; e as cores constantemente utilizadas em artes pelos moradores em escadarias e muros. Na paleta de cores identificada a partir da vista para o Morro Jesus de Nazareth, nota-se a presença de tons pastéis. Na paleta de cores que compõem os barcos, nota-se a presença de cores primárias e quentes. Enquanto nas artes dos moradores, misturam-se as cores quentes e frias, em tons pastel ou nuances dessaturadas, em tonalidades que remetem a desenhos infantis (Figura 24, Figura 25, Figura 26). Através do diagnóstico apresentado, foi possível compreender a formação do bairro Jesus de Nazareth, em que ficaram claras as diferenças sociais existentes dentro da poligonal, entre Jesus de Nazareth e o bairro da Enseada do Suá.

Figura 26 - Cores utilizadas em artes pelo morro Jesus de Nazareth com paletas de cores Fonte: Acervo pessoal (2017)

O critério urbanístico apontou características do meio urbano que dificultam a qualidade de vida dos moradores, entre qualidades e observações que levaram a compreensão do lugar. O critério arquitetônico mostrou ações comportamentais dos moradores, como estratégias de ocupação e sobrevivência no relevo rochoso. Por fim, o critério socioambiental trouxe uma compreensão peculiar que

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busca apontar características e comportamentos que fazem do bairro Jesus de Nazareth, seus moradores e pescadores artesanais, únicos, conformando uma paisagem singular que deve ser valorizada.

LEGENDA

Após a abordagem de cada critério fez-se necessário compreender o lugar de uma maneira consubstanciada, para isso, elaborou-se um mapa de diagnóstico síntese, composto pelas informações quantitativas, sensoriais, materiais e comportamentais mais relevantes da região do Morro Jesus de Nazareth.

3.5 ANÁLISE INTERRELACIONADA A análise interrelacionada considerou os principais pontos identificados nos itens: paisagem cultural; uso e ocupação do solo; gabarito; hierarquia viária; que foram analisados nos subcapítulos anteriores, além das incursões em campo, revelando aspectos importantes a serem questionados e utilizados como veículo impulsionador para as intenções projetuais que foram propostas, apresentadas no próximo Capítulo. Essa análise funciona como um resumo dos principais elementos vistos, a fim de reuni-los em uma instância específica e necessária para o prosseguimento do estudo (Mapa 10). A partir das observações aqui mapeadas, foi possível resumir características sobre a área do polígono de estudo. As análises ajudaram na interpretação sobre quais diretrizes urbanísticas serão necessárias para mitigar problemáticas e explorar potencialidades locais. No capítulo a seguir, são sugeridas ações urbanísticas que possam vir a ajudar os pescadores e moradores a defender o território que se revela na paisagem cultural contemporânea e valorizar a sua importância histórica/cultural/social. ELABORAÇÃO: GISELLI V. MONTEIRO

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Mapa 10 - Anรกlise Interrelacionada

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CAPÍTULO 4 APRESENTAÇÃO DA PROPOSTA DE

ESTUDO PRELIMINAR PARA JESUS DE NAZARETH


4. APRESENTAÇÃO DA PROPOSTA DE ESTUDO PRELIMINAR PARA JESUS DE NAZARETH

como extensão das casas, resultando na sensação de segurança almejada (conforme visto em GEHL, 2013 e VIGLIECCA, 2017). Trazer conectividade ao Morro Jesus de Nazareth: com a cidade, para que deixe de ser visto como uma barreira por ser um local informal, e conectar baixo-alto do Morro, com Pretende-se neste capítulo apresentar alternativas de desenho como acessos marcados. resposta às necessidades espaciais e sociais identificadas anteriormente. A proposta tem como um dos principais desafios melhorar a qualidade Integrar Paisagem Cultural Urbana. Devolver aos moradores/pescadores a de vida dos moradores do Morro Jesus de Nazareth e revelar o território conexão com a praia local, redescobrindo o corpo hidrográfico conforme do pescador artesanal. Para isso, norteando as intenções projetuais, destacado por VIGLIECCA, 2017, ora por acessos físicos, ora por valorização tem destaque os seguintes conceitos: de visadas da baía ao longo de caminhos pelo bairro. Inserir novos elementos em função das necessidades da comunidade, não meramente Apropriar-se do relevo: (como espaço público) proporcionando conexão estetizados, sem buscar imitar expressões paisagísticas tradicionais do e identidade ao lugar (conforme visto em VIGLIECCA, 2017), ao estudar Morro, mas representar um acréscimo à história contada na paisagem. o relevo por meio de uma malha topográfica gerada pelo ARCHICAD, foi possível identificar áreas estratégicas (marcadas em vermelho) que Apontam-se, a seguir, as fragilidades e potencialidades do polígono em possibilitam platôs ou implantações, a variar com as necessidades estudo, que foram levantadas a partir do diagnóstico do lugar. A partir das identificadas no diagnóstico, permitindo que a proposta se encaixe à potencialidades e fragilidades, foram relacionadas às diretrizes ou para forma natural do relevo (Figura 27). valorizar aspectos positivos ou para minimizar os negativos. Tais diretrizes tiveram como desdobramento ações projetuais a serem trabalhadas no Possibilitar maior Segurança Pública: Inserir espaços multifuncionais e espaço, que buscam responder à grandes temas relacionados a a) Usos e utilizar do pavimento térreo para aprimorar a vida ativa do bairro, tornando funções/ Morfologia; b) Mobilidade e c) Inclusão socioambiental (Quadro 4). os espaços públicos mais caminháveis, com maior vitalidade, ter a rua

Figura 27 - Estudo para implantação a partir da compreensão do relevo por meio de softwares. Fonte: Elaboração a partir do ARCHICAD 21 (2017).

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Quadro 4 Potencialidades/ Fragilidades / Ações Elaboração: Giselli Monteiro (2017)

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4.1 AÇÕES E ESTUDO PRELIMINAR Compreende-se que as remoções não são ideais e devem ser evitadas, por isso, aproveitam-se os espaços vazios existentes no Morro Jesus de Nazareth para criação de novos equipamentos de uso público. No entanto, diversas análises de estudos espaciais e volumétricos levaram a conclusão de que algumas remoções se fazem necessárias. Acreditase que os novos caminhos podem melhorar a qualidade de vida dos moradores que passam a ter maior facilidade em transitar no relevo que atinge 95 metros de altura. Considera-se a aplicação de tecnologia para solucionar problemas relacionados a declividade da área, como a utilização de acesso mecanizado como uso de escadas rolantes (Figura 11). Deposita-se nesta ação a esperança de uma mudança cultural, social e urbanística na vida dos moradores da região. Embora a ação pareça um tanto utópica para a realidade das cidades capixabas, a estratégia foi devidamente adotada pela cidade de Medellín (Colômbia), onde a intervenção urbana proposta foi laureada com o prêmio internacional Lee Kuan Yew World City Prize, Figura 28 - Escada rolante de Medellín como elemento identificador da paisagem e o um dos mais importantes prêmios de urbanismo e desenvolvimento de conexão entre parte baixa e alta, favorecendo a mobilidade e segurança pública. internacionais. Medellín, que era reconhecida internacionalmente pela violência, vem ganhando reconhecimento a partir das transformações Fonte: The Fix City Brasil. Disponível em <http://thecityfixbrasil.com/2012/04/19/favelas-do-rio-terao-escadas-rolantes-inspiradas-em-sistema-de-medellin/>. Acesso social e urbanística (Figura 28) (ARCHDAILY, 2017). em 15 de out. de 2017 No que diz respeito às ações destinadas a responder questões socioambientais, busca-se utilizar a mata e a cultura da pesca artesanal presentes no Morro como ferramentas de melhoria e de desenvolvimento para moradores. Propõe-se a requalificação de parte dos espaços atualmente utilizados em estaleiros para a criação do Instituto da Pesca – local subdividido para armazenar o pescado, capacitar pescadores em atividades que gerem renda e produzir gelo, a fim de reduzir a dependência de pescadores com atravessadores (vendedores de peixe), que por comercializarem o gelo, acabam tornando o preço do pescado alto até para comunidades locais (CALVENTE, 1999; CASTRO et al., 2005).

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Nota-se que a triangulação das questões Usos e funções/Morfologia, e Mobilidade e Inclusão Socioambiental, se sobrepõem e em diversos momentos. Acredita-se que o plano de ações pode gerar- benefícios sociais, econômicos e ambientais, de maneira integral, para a comunidade Jesus de Nazareth.

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Mapa 11 - Ações

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ELABORAÇÃO: GISELLI V. MONTEIRO

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4.1.1 Projeto Âncora e Píer Ao entender o território como principal fonte de recurso natural, a implantação busca resgatar a ligação da comunidade tradicional com a natureza e com o recurso hidrográfico, questões importantes vistas a partir de autores como Haesbaert (2011) e Vigliecca (2017) (Figura 29, Figura 31). Acredita-se que de tal forma é possível reformular a territorialidade dos pescadores, que no atual modelo de cidade contemporânea responde mais ao mundo mercantilizado do que aos princípios da comunidade (Figura 32) (SANTOS, 2009; ALVES, 2010). Os novos edifícios que respondem as carências identificadas no diagnóstico, são solidários com o entorno, buscando qualificar a relação entre os espaços públicos e privados (Figura 32) (VIGLIECCA, 2017).

Figura 30 – Projeto Âncoras: Relação Público- Privado Elaboração: Giselli V. Monteiro (2017)

http://www.uvv.br/servicos/biblioteca/pdf/manual_final.pdf

Figura 29 - Implantação acesso ao bairro (Projeto Âncora e Píer) GSEducationalVersion

Elaboração: Giselli V. Monteiro (2017)


Figura 31- Ligação Do Pescador/ Morador com o Recurso Hidrográfico Elaboração: Giselli V. Monteiro (2017)

Figura 32 – Territorialidade dos pescadores na Cidade Contemporânea

Elaboração: Giselli V. Monteiro (2017)

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4.1.2 Horta e Acesso à Praia

A fim de não deixar passar despercebidas as relações do cotidiano notadas com vivacidade no Morro Jesus de Nazareth, propõe-se, por meio dessa implantação, prender-se às necessidades e à funcionalidade do espaço urbano para que a relação público-privado seja reforçada, evitando assim a segregação espacial e social (Figura 33, 34, 35 e 36) (ALVES, 2010). Figura 34 – Escadas rolantes e Horta no acesso à praia Elaboração: Giselli V. Monteiro (2017)

http://www.uvv.br/servicos/biblioteca/pdf/manual_final.pdf

Figura 33 – Implantação Acesso à Praia

Elaboração: Giselli V. Monteiro (2017)


Figura 35 – Acesso à praia próximo ao Bar do Bigode Elaboração: Giselli V. Monteiro (2017)

Figura 36 - Caminhos como extensão das casas / Espaços públicos Elaboração: Giselli V. Monteiro (2017)

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4.1.3 Tobogã e Acesso ao Mirante Conforme mencionado anteriormente: a paisagem e o espaço se transformam para se adequar às novas necessidades da comunidade (SANTOS, 2009). A proposta permite que a paisagem conte a sua história desde o passado até os dias atuais. Ousa-se fugir dos sentidos: globalizante e fragmentário, mencionados por Alves (2010). A topografia ocasiona identidade ao projeto, que se integra às construções existentes. Os espaços propostos são multifuncionais e atendem ludicamente a diferentes faixas etárias, expressando um sonho democrático e conjunto (DEL RIO; SIEMBIEDA. 2013; GEHL, 2013) (Figura 37, 38, 39, 40, 41, 42). Figura 38 – Acesso para Mirante marcado com Praça Elaboração: Giselli V. Monteiro (2017)

http://www.uvv.br/servicos/biblioteca/pdf/manual_final.pdf

Figura 37 – Implantação Acesso ao Mirante Elaboração: Giselli V. Monteiro (2017)


Figura 39 – Criação de Mirantes por meio das escadas Elaboração: Giselli V. Monteiro (2017)

Figura 40 – Intervenção na Paisagem a favor da Comunidade Elaboração: Giselli V. Monteiro (2017)

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Figura 41 – Valorização de visadas Elaboração: Giselli V. Monteiro (2017)

Figura 42 – Ligação do Pescador/Morador com a Paisagem Cultural Elaboração: Giselli V. Monteiro (2017)


4.3 Impressões do Projeto: apresentação à comunidade No dia 10 de Novembro de 2017 foi apresentado à comunidade Jesus de Nazareth um breve diagnóstico que contextualizou potencialidades, fragilidades e riscos que o Morro possui diante de fenômenos como a segregação socioespacial e gentrificação, o que subsidiou as propostas também apresentadas. Fundamentou-se a importância da pesca artesanal na paisagem cultural que o Morro está inserido, justificando as ações que levaram ao desenho proposto (Figura 43).

de intervenção no lugar, o que pode favorecer possíveis mobilizações daquela comunidade. Vale lembrar que, desde o diagnóstico da pesquisa, houve a participação de moradores, seja na condução pelo Morro, seja na participação nas entrevistas ou conversas informais.

Na reunião, após apresentação da proposta, parte do público presente recebeu muito bem o trabalho, entendendo também como uma provocação positiva para a comunidade, a partir do vislumbre das possibilidades do lugar. Um dos pontos que mais chamou a atenção foi a possibilidade de conexões entre a parte baixa e mais alta do Morro a partir das escadas rolantes – referenciadas com a proposta de Medellín, A reunião foi realizada na Escola Municipal de Ensino Fundamental na Colômbia – vistos como facilitadores de acesso, permitindo maior (EMEF) Edna de Mattos Siqueira Gaudio, em Jesus de Nazareth, tendo segurança ao local e criando um atrativo visual e identitário por meio de como participantes: representantes e moradores. Foi utilizado um um equipamento. Por outro lado, parte do público se mostrou temeroso data-show e expostos os mapas e croquis para a área. O objetivo em relação a possibilidade de alta valorização do lugar por meio das era verificar a recepção da proposta de projeto e possibilitar que a intervenções sugeridas, uma vez que poderia ocasionar a consequente comunidade tenha para si um documento que mostra as possibilidades expulsão de parte da população, por meio da gentrificação do espaço.

Figura 43 – Apresentação da Proposta na Comunidade Jesus de Nazareth. Fonte: Acervo pessoal (2017)

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CONSIDERAÇÕES FINAIS


CONSIDERAÇÕES FINAIS Os tradicionais traços dos pescadores artesanais e moradores do bairro Jesus de Nazareth estão impressos na paisagem cultural desse meio urbano da cidade contemporânea de Vitória – ES. Logo, devem ser traduzidos e defendidos de uma maneira mais evidente e rigorosa, caso contrário, a cultura e territorialidade desse povo que se arrisca nas incertezas do mar e da terra, podem ser substituídas pelos sentidos globalizantes e fragmentários da cidade contemporânea.

mar, melhorar a saúde urbana do seu território, e possibilitar novas oportunidades de aprendizados e de empreendimentos para pescadores e familiares, são iniciativas que visam mitigar a frustação identificada nos pescadores entrevistados em relação à profissão, e quem sabe, assim, preservar a tradição da pesca artesanal na comunidade.

Apesar de existir a colônia de pescadores Z5 Maria Ortiz, a subsistência da comunidade pesqueira depende inteiramente das condições do tempo e da dedicação dos pescadores. Na maioria das vezes, é no mal tempo que se pescam os maiores peixes. A carência de apoio legislativo e estrutural – ferramentas, equipamentos públicos voltados para a saúde e educação da família do pescador, vinculados com a organização – colocam o pescador em risco. Por meio do diagnóstico foi possível perceber que as casas do bairro, de maneira geral, embora simples, apresentam-se em boas condições e autossuficientes. Portanto, em uma ótica urbanística, aponta-se que a infraestrutura que cerca essas casas (vias, vielas, escadarias, organização do trânsito, fluxos, acessos, espaços públicos) deixa a desejar, o que limita a qualidade de vida e desenvolvimento humano dos moradores. Para integrar a coletividade ao meio urbano em constante transformação, tornou-se desafio proteger o Morro de intervenções que expulsem a população identificada, buscando a concordância entre preservar a tradição e promover o desenvolvimento dos moradores, internamente. Para isso, aponta-se: a utilização das áreas vazias ou modificação de usos inadequados, identificados na poligonal, para equipamentos públicos que proporcionem mobilidade e inclusão social. Reconquistar o espaço do pescador e morador nas proximidades do

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REFERÊNCIAS

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APÊNDICE

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