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GESTÃO DE SUCESSO

MATÉRIA DE CAPA

Fazenda Rancho Grande é modelo de sucessão familiar, diversificação na atividade e alta produção de leite em sistema intensivo com animais Girolando

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A história da Rancho Grande começou em 1933, quando o senhor Aneite Reis herdou 26,4 hectares de terra em Três Pontas, sul de Minas Gerais (MG), e passou a cultivar café, criar e comercializar bovinos de leite. Ao seu lado, dona Enóe Nazaré Reis, a matriarca de uma família de quatro filhos e responsável por mantê-los unidos até hoje em torno da fazenda, um exemplo de propriedade familiar que consegue prosperar por gerações.

Dona Enóe, atualmente com 93 anos, certamente é a principal razão que faz com que, geração após geração, as pessoas da família Reis escolham permanecer na agropecuária. “Isso é muito gratificante, pois meus netos optaram em dar continuidade ao trabalho na fazenda, que iniciei

anos atrás e, nela, manter a família unida”, acredita dona Enóe. Hoje, boa parte da família possui alguma responsabilidade no gerenciamento da fazenda, seja ela direta ou indiretamente no café ou no leite.

José Carlos dos Reis, único homem e o mais velho entre os três filhos de dona Enóe, representa a primeira geração de herdeiros da fazenda. Desde muito cedo, José Carlos assumiu o trabalho na fazenda, juntamente com seu pai Aneite. “Em 1942, ele conseguiu construir a sede da fazenda, e quando eu tinha mais ou menos oito anos, cerca de 65 anos atrás, ele começou a produzir leite para sustento próprio. A venda de bezerras leiteiras e a comercialização de vacas predominava nesse período”, afirmou José. Além da pecuária leiteira, a propriedade de 1.850 hectares se dedica à cafeicultura e à produção de cereais (milho, soja, sorgo e aveia). Aproximadamente 15% da produção agrícola retorna para a pecuária de leite em forma de silagem de milho ou grãos reidratados de milho. “Seria muito difícil uma propriedade com as nossas dimensões ter estabilidade com apenas uma cultura. Certamente, a diversificação das atividades contribui para a sustentação do negócio como um todo, seja para o capital de giro, na compra de insumos ou outras vantagens”, ressaltou o engenheiro agrônomo e gestor administrativo do grupo, Flávio Reis, filho de José Carlos e irmão de Bruno Reis. Parece claro que a sucessão familiar está garantida por, pelo menos, mais uma geração.

O gestor da Rancho Grande acredita que a pecuária leiteira carrega o maior potencial de crescimento dentro da propriedade. “Temos área para expandir, produzir mais alimentos e um rebanho com uma base genética muito forte para a produção de leite. O conhecimento do Bruno em reprodução possibilita melhorar geneticamente nosso rebanho de forma consistente. Além disso, investimos fortemente em treinamento e gestão de pessoas, buscando a melhoria contínua das tarefas e dos processos dentro da fazenda. São fatores que nos fazem acreditar na evolução da atividade. É um grande desafio”, disse Flávio.

Com o tempo, a produção leiteira foi ganhando importância e paixão. A formação do rebanho começou em 2001, pelas mãos do médico veterinário Bruno Reis, filho de José Carlos, que multiplicou o melhoramento genético dentro da fazenda, utilizando intensamente a tecnologia de transferência de embriões (TE) e a fertilização in vitro (FIV). “Nós começamos a perceber que a qualidade dos animais que vendíamos despontava cada vez mais em muitas fazendas e nas pistas de julgamento por todo o Brasil. Foi quando, em 2011, decidimos investir definitivamente na pecuária de leite”, contou Bruno.

A formação do rebanho teve como base principal a vaca Vera Cruz Tatuagem, da raça Holandesa, da “prateleira de cima” do proprietário Amauri Andrade Pereira, respeitado conhecedor e criador da raça. Uma de suas filhas mais conhecidas é Curiosa do Rancho Grande, uma vaca CCG 1/2 sangue holandês (HOL), filha de Modelo de Brasília x Vera Cruz Tatuagem, com lactação encerrada de 10.503kg de leite e uma das principais doadoras do rebanho.

A partir dessa base genética, Curiosa gerou grandes filhas e netas que brilharam nas pistas, na categoria CCG 3/4 HOL, sendo elas as vacas JEL R. Grande Garrafa TE e a JEL R. Grande Faculdade, que foram campeãs em diversas exposições nacionais. “Ela foi o ‘divisor de águas’ do nosso criatório. Além disso, muitos touros em destaque nas centrais de sêmen são filhos da Curiosa, como: JEL Rancho Grande Doorman Matheus TE e JEL Rancho Grande Iota Júpiter TE. Júpiter é irmão materno de Garrafa”, contou o veterinário. São nove touros Girolando alojados em centrais atualmente, todos filhos da grande Curiosa.

Assim, a Rancho Grande se tornou referência nacional em gené-

tica Girolando, principalmente na produção de animais com grau de sangue 3/4 HOL. Fato comprovado mais uma vez durante a Megaleite de 2019, realizada em Belo Horizonte, onde foram aclamados pelo grande campeonato com a grande Campeã Nacional CCG 3/4 J.E.L. Rancho Grande MR Olry FIV, e um terceiro lugar com a J.E.L. Rancho

Grande Balisto Norma TE, uma vaca que carrega títulos obtidos por onde passou. Esses animais retratam exatamente o conceito de um Girolando moderno e eficiente, altamente produtivo e com muito tipo corporal. “Essas vacas retratam todo o nosso trabalho e objetivo dentro da fazenda; são as nossas modelos de produção. Queremos animais com alta produção de leite, muita saúde e boa estrutura corporal. Afinal, ter belas vacas é muito prazeroso para qualquer produtor de leite que lida diariamente com esses animais”, enfatizou Bruno.

Por trás desses belos animais de pistas existe um grande trabalho na Rancho Grande rumo à alta produtividade, quebrando aquele famoso paradigma de muitos produtores de que “vacas de pista não são as que queremos no curral”. Por muitos anos, o sistema de produção utilizado na Rancho Grande foi o semi-intensivo, com animais de composição racial CCG 1/2 HOL + 1/2 GIR, CCG 3/4 HOL+ 1/4 GIR, alimentados com dieta total em grandes piquetes. Na seca ou no inverno, os problemas não eram grandes, mas na época das águas ou do verão, o desafio era enorme. “No verão, os animais sofriam muito com o excesso de lama, e as altas temperaturas e umidade provocavam forte estresse térmico, casos de mastites, queda de imunidade e surgimento de várias enfermidades que impactavam muito negativamente na produtividade deles. Consequentemente, nosso descarte de vacas para abate era elevado e a viabilidade do sistema já começava a ser discutida”, apontou o veterinário Bruno Reis.

Em novembro de 2017, as vacas em lactação antes em sistema semi-intensivo foram alojadas em um sistema de Compost Barn, com capacidade para abrigar 280 animais em lactação. Inicialmente, essa mudança gerou questionamentos, pois muitos técnicos levantavam a seguinte pergunta: Seria certo construir uma estrutura cara para abrigar animais da raça Girolando, sendo que a grande virtude da raça é a rusticidade? Realmente é uma excelente pergunta, porém muito difícil de ser respondida. Até então, estamos falando de algo inovador, e somente o tempo e os resultados responderão a essa pergunta. “Nós não enxergamos outra saída a não ser mudar de sistema ou encerrar a atividade; quando chovia eu não conseguia dormir, pensando em como seria o dia seguinte, pois já não conseguíamos mais controlar o excesso de lama“, lembrou Bruno.

Atualmente a fazenda produz em torno de 8.500 litros diários, com média de produção por vaca em torno de 33 litros, em três ordenhas diárias. O rebanho hoje, em grande parte, é composto por animais CCG 3/4 HOL e uma pequena parte com animais puros da raça Holandesa, em torno de 35%. Quando analisamos separadamente as médias diárias entre os animais da raça Girolando e Holandesa, é notória a superioridade das vacas Holandesas, que hoje se encontram com média diária em torno de 37kg de leite. No entanto, algumas lactações encerradas na Rancho Grande nos surpreendem, como o Girolando, que pode expressar seu potencial produtivo sob uma situação de conforto. Um exemplo seria a Vaca J.E.L Rancho Grande Avalon Lentilha, com projeção para 305 dias de 11.435 litros, e hoje se encontra com produção de 55kg/dia, com 130 dias em lactação. Já o lote de novilhas são animais produzindo em torno de 32kg de leite/dia, praticamente animais CCG 3/4 HOL. Vamos dar como exemplo a grande campeã J.E.L Rancho Grande MR Orly FIV, uma vaca de primeiro parto que chegou nos 48kg diários de produção e com prenhez positiva com 120 dias em lactação. Fazendo uma analogia: quando não tinha Compost Barn, no lote de novilhas as médias não passavam de 26 litros/dia, e no verão tínhamos queda em torno de 20 a 25% na produção. “No período de verão, ainda é desafiador, mas não observamos mais grandes quedas de produção, a persistência na produção é algo visível. E, complementando, hoje a fazenda tem excelentes números reprodutivos, estamos com uma taxa de prenhez em torno de 29%, e esse número só vem aumentando“, ressaltou Bruno.

O Compost Barn não é um sistema apenas para vacas Holandesas, é um sistema para os produtores que querem aumentar sua produtividade. Independentemente da raça ou grão de sangue, Compost Barn é e será uma realidade para alojar vacas de alto potencial produtivo. E o Girolando, por meio de um intenso e

rápido melhoramento genético, vem ao longo dos anos exemplificando animais com muita produção leiteira. Os animais CCG 3/4 HOL da Rancho Grande vêm correspondendo positivamente a essa mudança de sistema. “São animais altamente produtivos, e logicamente as exigências nutricionais e conforto estão muito próximas às recomendações para animais da Raça Holandesa“, destacou o nutricionista e Supervisor Técnico Comercial – Ruminantes da De Heus, Vitor Silveira.

Com a introdução dos animais no Compost Barn, o número de animais CCG 1/2 HOL diminuiu no sistema. Muitas vendas e descartes voluntários foram feitos propositalmente, pois o foco seria deixar animais com altas produções e livres do uso de ocitocina, e por critério de seleção, as vacas CCG 1/2 HOL acabaram perdendo espaço no sistema. No entanto, a permanência de algumas vacas CCG 1/2 HOL no sistema também demonstrou o impacto do conforto em produção de leite para esse grau de sangue: “Temos animais CCG 1/2 HOL hoje no Compost produzindo mais de 50kg/ dia, em sistemas de piquetes em que essas produções não apareciam”, relatou Bruno.

Para manter a reposição de animais CCG 3/4 HOL no sistema, a fazenda mantém uma pequena parte de doadoras CCG 1/2 HOL. São produtos de grandes vacas Holandesas da linhagem da Fazenda Vera Cruz com afamados touros da raça Gir, como: Modelo, Teatro, Gabinete, Vale Ouro e Castelo, que por meio da TE e FIV são acasaladas com sêmen de touros da raça Holandesa de alto valor genético e posteriormente coletados os embriões que serão transferidos para vacas ou novilhas que servirão de “barriga de aluguel“.

No entanto, vale ressaltar que trabalhar com animais Girolando em sistema de Compost Barn pode ser uma estratégia para se ter toda a fase de recria mais “barata” por dia, comparada com animais da raça Holandesa. Logicamente, o fato de ser mais barata por dia poderá levar a um custo maior até o primeiro parto, pois levará mais tempo para parir, comparado com o manejo intensivo de novilhas Holandesas. Visto que muitas fazendas ainda têm estruturas ideais apenas para as vacas em lactação e isso deve ser levado em conta na escolha de qual grau de sangue será trabalhado

Por fim, fica claro que a composição racial CCG 3/4 HOL é uma opção totalmente plausível para aqueles que queiram introduzir seus animais em um sistema de Compost Barn. A produção de leite que esses animais Girolando na Rancho Grande estão apresentando, no caso, especificamente em sistema de Compost, comprova a viabilidade econômica desses animais para esse tipo de sistema. A grande dificuldade realmente é a permanência da composição 3/4 HOL no sistema. Por esse motivo, muitos rebanhos que inicialmente adotaram essa estratégia, aos longos dos anos, a raça Holandesa predominou no sistema. “Com a evolução constante da genética das vacas CCG 1/2 HOL e CCG 3/4 HOL, será impossível não falar em conforto para esses animais para manter seu alto potencial de produção“, finalizou Vitor Silveira.

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