Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS CURSO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

GIORDANO BENITES TRONCO

LINHAS DE POBREZA NO PLANO BRASIL SEM MISÉRIA: ANÁLISE CRÍTICA E PROPOSTA DE ALTERNATIVA

Porto Alegre 2015 1


GIORDANO BENITES TRONCO

LINHAS DE POBREZA NO PLANO BRASIL SEM MISÉRIA: ANÁLISE CRÍTICA E PROPOSTA DE ALTERNATIVA

Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Políticas Públicas pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Orientador: Marília P. Ramos

Porto Alegre 2015 2


GIORDANO BENITES TRONCO

LINHAS DE POBREZA NO PLANO BRASIL SEM MISÉRIA: ANÁLISE CRÍTICA E PROPOSTA DE ALTERNATIVA

Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção de graduação do Curso de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Aprovada em:______de________________________de__________.

BANCA EXAMINADORA:

_________________________________________________________ Profª. Dra. Marília Patta Ramos

__________________________________________________________ Profª. Dra. Letícia Maria Schabbach

__________________________________________________________ Profª. Dra. ????????????

Porto Alegre 2015 3


AGRADECIMENTOS

Agradeço ao CEGOV por ter me dado a oportunidade de trabalhar com Políticas Públicas e por ter me proporcionado o primeiro contato com o tema da minha monografia. Dentro da equipe, agradeço em especial: à Aline Hellmann, por ter me ajudado prontamente com indicações de bibliografia sempre que eu requisitei, e por ter sido uma ótima coordenadora nesses últimos dois anos e meio; à Ana Júlia Possamai, por ter acreditado em mim e me dado a oportunidade de trabalhar no CEGOV; e a Bruno Sivelli, companheiro de discussões sobre os assuntos deste trabalho e de tantos outros assuntos mais.

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O maior dos males e o pior dos crimes ĂŠ a pobreza. - George Bernard Shaw 5


RESUMO

O presente trabalho critica a metodologia de medição da pobreza empregada pelo Governo Federal no âmbito do Plano Brasil Sem Miséria. O governo estabelece uma linha de R$ 77,00 per capita para definir famílias em condição de extrema pobreza e outra de R$ 154,00 para definir famílias em pobreza. Esses valores, inicialmente embasados na linha de extrema pobreza internacional do Banco Mundial e na linha de operacionalização do Programa Bolsa Família, não possuem critérios fixos de atualização e são invariáveis entre as diferentes regiões brasileiras, zonas urbanas e rurais. A essa metodologia é contraposta outra, da economista Sonia Rocha, que estabelece linhas de pobreza regionalizadas e indexadas aos valores de cestas de consumo observadas nas diferentes regiões do país. Os resultados das duas medições são comparados, mostrando que as linhas do PBSM são incapazes de captar 13,7 milhões de brasileiros que vivem em situação de pobreza. É sugerida, para o aperfeiçoamento da medição do governo, a regionalização das linhas e a sua indexação ao preço de cestas de consumo regionais. ABSTRACT This paper criticizes the methodology of poverty measuring used by the Brazilian Federal Government in Plano Brasil Sem Miséria. The government establishes a line of R$ 77,00 per capita for the targeting of extremely poor families and another one of R$ 154,00 per capita to target poor families. These values, which originally were based in the World Bank’s international extreme poverty line and Programa Bolsa Família’s operationalization line, have no fixed rules for updating and are the same to all Brazilian regions, urban and rural zones. We oppose this methodology with another one, developed by economist Sonia Rocha, whom established regionalized poverty lines with values indexed in regionally consumed baskets of goods. The results of both methodologies are compared, showing that Brasil Sem Miséria’s lines are incapable of perceiving 13,7 million of Brazilians as poor. For the improvement of the government’s poverty measuring methodology, we suggest the regionalization of its poverty line’s values and the indexation with the price of regional baskets of goods. 6


SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 8 1.

FOCALIZAÇÃO DE POLÍTICAS DE COMBATE À POBREZA .......................... 11 1.1.

PROGRAMAS FOCALIZADOS VERSUS PROGRAMAS UNIVERSAIS ....... 11

1.2.

MÉTODOS DE FOCALIZAÇÃO.................................................................... 18

1.3. LINHAS DE POBREZA NA FOCALIZAÇÃO E MONITORAMENTO DE PROGRAMAS ......................................................................................................... 21 2.

3.

CONCEITOS SOBRE A MEDIÇÃO DA POBREZA ............................................ 24 2.1.

DEFINIÇÃO DE POBREZA E ESTRATÉGIAS DE MEDIÇÃO ...................... 24

2.2.

CALCULANDO A LINHA DE INDIGÊNCIA ................................................... 28

2.3.

CALCULANDO A DESPESA NÃO-ALIMENTAR E A LINHA DE POBREZA 32

LINHAS DE MEDIÇÃO DE POBREZA NO PLANO BRASIL SEM MISÉRIA ..... 36 3.1.

O PLANO BRASIL SEM MISÉRIA ................................................................ 36

3.2.

A LINHA DO PBMS E AS LINHAS REGIONALIZADAS DE ROCHA ............ 39

3.3.

O BANCO MUNDIAL E O DOLLAR A DAY .................................................. 42

3.4. RELAÇÃO ENTRE AS LINHAS DO PBSM E O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA .................................................................................................................. 44 4.

COMPARAÇÕES ENTRE AS MEDIÇÕES DE POBREZA DO MDS E DE ROCHA 50

CONCLUSÃO............................................................................................................. 60 ANEXOS .................................................................................................................... 68 ANEXO A: INDICADORES DE INDIGÊNCIA (ROCHA) / EXTREMA POBREZA (GOVERNO FEDERAL) SEGUNDO REGIÕES, UNIDADES DA FEDERAÇÃO E ESTRATOS DE RESIDÊNCIA – PNAD 2013 .......................................................... 68 ANEXO B: INDICADORES DE POBREZA (ROCHA/GOVERNO FEDERAL) SEGUNDO REGIÕES, UNIDADES DA FEDERAÇÃO E ESTRATOS DE RESIDÊNCIA – PNAD 2013 .................................................................................... 73 ANEXO C: TAXA DE URBANIZAÇÃO SEGUNDO UNIDADE FEDERATIVA .......... 78 ANEXO D: LINHAS DE INDIGÊNCIA E LINHAS DE POBREZA DE ROCHA PARA OS ANOS DE 2011 E 2013 ..................................................................................... 80

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INTRODUÇÃO

Em 2011 o Governo Federal lançou o Plano Brasil Sem Miséria (PBSM), planejamento que articula vários programas já existentes e outros novos em torno do objetivo de erradicar a extrema pobreza no Brasil. Para isso, fez-se necessário estabelecer uma linha oficial para determinar quem era, de fato, pobre. O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), encarregado da tarefa, estabeleceu o ponto de corte de R$ 70,00 per capita para definir famílias em situação de extrema pobreza e o dobro desse valor (R$ 140,00) para a pobreza. Foi a primeira vez que o Governo Federal estabeleceu uma linha oficial de pobreza no Brasil: anteriormente, cada programa trazia sua própria linha de operacionalização, e mesmo em estudos técnicos os critérios para definir o que era pobreza variavam de pesquisa para pesquisa. Três características chamam atenção na escolha do MDS: uma é a semelhança da linha de extrema pobreza com a linha de operacionalização do Programa Bolsa Família (ambas têm o mesmo valor), já usada antes do PBSM. O uso do mesmo valor facilita a instrumentalização do Bolsa Família aos objetivos do plano, ou, de outro ponto de vista, a instrumentalização do plano para funcionar de acordo com o programa já existente. Outra característica que chama atenção é a ausência de dispositivos de correção do valor da linha do PBSM ao longo dos anos. Não há correção anual baseada na inflação ou em outros critérios; a atualização é condicionada à disponibilidade orçamentária e à boa-vontade do governo. Em 2014, quase quatro anos após o início do PBSM, as linhas de pobreza e extrema pobreza foram reajustadas pela primeira vez, em 10%. Além da inflação anual, as linhas do PBSM não levam em conta as diferenças regionais da pobreza no Brasil. Há apenas um valor, válido para todo o território brasileiro, não importando as diferenças entre zonas rurais e urbanas, regiões metropolitanas e não-metropolitanas. Outras metodologias, como a desenvolvida pela economista Sonia Rocha, pesquisadora do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), trabalham com a medição da pobreza a partir das necessidades mínimas alimentares e não-alimentares dos indivíduos e do seu atendimento pela via do mercado. Em outras palavras, linhas de pobreza como as de Sonia Rocha são sensíveis às diferenças nos custos de 8


vida de região para região. Desse modo, são geradas várias linhas de pobreza, compatíveis com as diferenças regionais no custo de vida dos brasileiros. Neste trabalho, analisamos o funcionamento da linha de pobreza e de extrema pobreza do PBSM e a sua utilidade para as políticas públicas brasileiras de combate à miséria. Nosso objetivo é identificar fraquezas nessa metodologia, partindo da hipótese de que uma linha única é menos eficaz na medição da pobreza do que várias linhas regionalizadas e com critérios claros de atualização, que preservem o seu poder de sintetizar a realidade social. Para isso, compararemos os resultados da contagem de pobres e indigentes no Brasil utilizando linhas regionalizadas e não-regionalizadas, de forma a evidenciar que o uso de uma linha única resulta em contagens muito inferiores às de linhas regionalizadas. Linhas de pobreza têm dois usos principais: um deles é o monitoramento de programas, de modo a verificar como os programas sociais impactam na redução do número de pobres. O outro é a focalização do público-alvo de tais iniciativas. O primeiro capítulo discute a importância da focalização em programas sociais, bem como suas possíveis desvantagens ante a opção por um atendimento universalista, que por vezes é mais bem-sucedido em atingir a população vulnerável do que uma política especialmente voltada para esta. O primeiro capítulo também aborda o uso de linhas de pobreza na formulação de indicadores para o monitoramento de programas. No segundo capítulo, explicamos passo a passo a construção de linhas de pobreza a partir do consumo observado das famílias. Trata-se da técnica mais usada para a construção de linhas de pobreza absoluta. Embora a linha do PBSM não utilize diretamente essa metodologia, é importante explicar como ela funciona para que comparações possam ser feitas entre este procedimento padrão e a metodologia do MDS. O terceiro capítulo adentra na história da formulação da linha de extrema pobreza do PBSM e apresenta os argumentos do MDS para a escolha da metodologia. Identificamos problemas em todos os pontos apresentados como justificativa para a adoção do valor inicial de R$ 70,00 da linha, e apresentamos nossos argumentos no espaço desse capítulo. O capítulo seguinte compara os resultados da contagem de pobres no Brasil segundo as linhas do PBSM e as de Sonia Rocha, que representam, nesta pesquisa, o contraponto da 9


metodologia clássica de medição da pobreza à metodologia do MDS. A metodologia clássica aprofunda-se nas diferenças regionais da pobreza no país, sendo, portanto, mais sensível, a ponto de captar, em sua contagem, famílias que são invisíveis para o PBSM. De fato, os resultados entre as contagens são díspares, mostrando que as linhas do MDS são incapazes de captar o mesmo número de pobres e indigentes que uma metodologia regionalizada e baseada no consumo mínimo observado numa sociedade. Por fim, a conclusão expõe sugestões para o aperfeiçoamento da metodologia do MDS e prevê implicações de uma possível alteração na medição da população pobre sobre o orçamento dos programas de combate à pobreza. As sugestões podem ser aplicadas num provável novo plano de combate à miséria pós-PBSM, mas tem boas chances de encontrar resistência política em tempos de corte de gastos públicos. Como sugestão para contornar esse problema, é sugerido o cofinanciamento federativo de programas de transferência de renda, de modo a dividir os custos entre União, estados e municípios naquelas regiões onde a linha de pobreza for alta demais para a intervenção do Governo Federal sozinho. Essa complementariedade já vem acontecendo em alguns estados.

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FOCALIZAÇÃO DE POLÍTICAS DE COMBATE À POBREZA

1.1.

PROGRAMAS FOCALIZADOS VERSUS PROGRAMAS UNIVERSAIS

Ao desenharem políticas, programas e ações que visam combater a pobreza e a desigualdade social, os formuladores de políticas públicas têm duas opções: ou podem deixar o benefício aberto a toda a população, originando políticas universais, ou podem restringi-lo a determinado público, o que é conhecido na literatura internacional como targeting e chamado no presente trabalho de “focalização”. Segundo Coady et al. (2004, p.5), a focalização “é um meio de aumentar a eficiência de um programa através do aumento de benefício que os pobres podem receber dentro do orçamento do programa”1. Para Rocha (2013, p.7), “a questão da mensuração é crucial, pois permite distinguir e dimensionar clientelas potenciais, assim como vincular conceitos à formulação de programas sociais”. Ao mensurar o público-alvo, estabelecendo quantos são os indivíduos pobres, quem são e onde se encontram, o governo pode dimensionar as suas despesas tendo em vista um número concreto de pessoas a serem atendidas. A iniciativa se torna mais eficiente2, pois os recursos são empregados somente na população que realmente necessita deles. O contrário de um programa focalizado é um programa universal, onde não há critérios de seleção e todas as pessoas podem requerer o benefício – o que, em teoria, aumenta os custos para o governo e retira uma parcela dos recursos daqueles que mais necessitam para dar àqueles que não necessitam de fato deles. Peguemos o exemplo de um programa de transferência de renda 3: quando ele é universal, seus recursos são divididos entre beneficiários pobres e não-pobres. O orçamento do programa, como o de qualquer outro, é limitado. Com mais pessoas para dividir o bolo, as fatias são menores e podem não ser suficientes para tirar os mais pobres da sua condição de pobreza. Já com a 1

Tradução livre. Eficiência diz respeito à produção de resultados com o dispêndio mínimo de recursos e esforços; eficácia é relativo ao atingimento de resultados desejados de experimentos. (MARINHO e FAÇANHA, 2001, p. 2) 3 “Programas de transferência de renda são sistemas de proteção e assistência social que envolvem repasse de recursos monetários a famílias, indivíduos ou comunidades de recursos escassos, na forma de transferências governamentais. ” (CECHINNI apud NEME et al., 2013) 2

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focalização, o mesmo montante de recursos é dividido entre menos beneficiários. As fatias do bolo são maiores, de modo que mesmo os mais pobres recebem uma quantidade suficiente de recursos para superar a sua situação, resultando num número maior de pessoas que ultrapassam a linha da pobreza a um custo total menor do que o de uma política universal. A diferença na eficiência (relação custo-benefício) de programas de transferência de renda universais e focalizados pode ser melhor explicada com auxílio do seguinte gráfico:

Gráfico 1: Focalização de transferências de alívio à pobreza Renda Final

Renda Original Fonte: COADY et al., 2004

O eixo “x” do Gráfico 1 mostra os níveis de consumo de domicílios individuais antes da aplicação de um programa de transferência de renda, ordenados do pior (consumo zero) para o melhor. O eixo “y” mostra a renda final após o programa. O consumo máximo e mínimo verificados são Ymax e Ymin, respectivamente, e “z” é a linha de pobreza, que marca o ponto abaixo do qual os domicílios são considerados pobres. Segundo Coady et al. (2004, p. 6), o esquema de transferência ideal é aquele que atinge somente os domicílios abaixo da linha “z”, transferindo montantes individuais de renda em tamanho igual ao que resta para completar o intervalo entre o consumo domiciliar e a linha de pobreza (intervalo “za”). O resultado de um programa assim é a elevação da renda de todos os domicílios pobres, de forma que eles ultrapassem a linha de 12


pobreza, sem que a renda dos demais domicílios sofra modificações. O orçamento mínimo necessário para eliminar a pobreza é determinado pela área do triângulo zaYmin. A linha “ce” representa a aplicação de um programa universal de transferência de renda, onde todas as famílias, pobres ou não, recebem um montante de recursos equivalente a “t”. Devido ao vazamento de benefícios a domicílios que não necessitam de auxílio de renda, o orçamento do programa não é mais suficiente para elevar todos os domicílios acima da linha “z”. Além disso, alguns domicílios (localizados no intervalo “ba”) recebem transferências maiores do que o necessário para saírem da pobreza, o que também contribui para a ineficiência do programa. Essa ineficiência é medida pela área “bade”, e a pobreza restante após o programa é a área “zcb”. Parece claro, pela demonstração do Gráfico 1, que um programa focalizado tem melhores resultados do que um universal. Pesquisas empíricas, porém, mostram que nem sempre é assim. Em estudo realizado por Coady et al. (2004), verificou-se que programas focalizados alocavam aproximadamente 25% mais recursos à população pobre do que programas de alocação aleatória; entretanto, para cada três casos de sucesso analisados, havia um cuja focalização resultou num resultado regressivo, inferior ao de uma alocação aleatória de benefícios. Nesses casos, a focalização teve um efeito menos eficiente do que uma implementação universal teria. Isso acontece quando há vieses na focalização, ou seja, quando ocorrem complicações na seleção do público-alvo e o resultado não reflete a população que de fato é a mais fragilizada, seja por não incluí-la na sua totalidade ou por incluir pessoas que não necessitariam do programa. Por que esses vieses acontecem? Mkandawire, um defensor das políticas universais, sustenta que a focalização, especialmente em países em desenvolvimento, baseia-se em dados nem sempre confiáveis, o que pode originar dois problemas: I) a subestimação do número de pobres e II) o vazamento de benefícios a quem não deveria estar entre o público-alvo. Segundo o autor, Muitos estudos mostram claramente que realizar a identificação de pobres com a precisão sugerida pelos modelos teóricos envolve custos administrativos 13


extremamente altos e uma sofisticação e capacidade administrativa que podem simplesmente inexistir em países em desenvolvimento. […] em muitos países, o desmembramento do aparato do Estado o deixou incapaz, sozinho, de fazer uma focalização efetiva no setor social.4 (MKANDAWIRE, 2005, p. 16)

O vazamento de benefícios é chamado de “leakage” na literatura internacional. Sua consequência é a perda de eficiência do programa, pois os recursos são gastos com indivíduos não-prioritários, reduzindo o potencial de atendimento do público-alvo. Já o déficit de cobertura é chamado de “undercoverage” e faz com que uma parcela da população com o perfil do programa permaneça sem atendimento. Ambos os problemas têm origem em falhas de informação no processo de focalização, como o uso de estatísticas incorretas ou a inclusão de beneficiários fora do perfil do programa por algum agente de má-fé (como um ator responsável pela focalização que inclui parentes e amigos entre os beneficiários). No geral, medidas tomadas para diminuir um desses vieses costumam aumentar o outro. Endurecer as regras de ingresso ao programa, de modo a diminuir o vazamento, torna o ingresso mais difícil para pessoas que não precisam do benefício, mas pode torná-lo também para a população-alvo. Ao mesmo tempo, aumentar a tolerância da linha de corte do programa para assegurar uma cobertura maior pode provocar mais vazamentos. Cabe ao formulador do programa decidir o quanto de cada um desses vieses é tolerável (COADY et al., 2004, p. 11). Além da falta de informação, há outros problemas associados à focalização:

Custos administrativos: Mkandawire lembra que a focalização é uma atividade cara, representando, em média, 9% dos custos totais dos programas, podendo chegar até 29% (GROSH, 1994, e GWATKIN, 2000, apud MKANDAWIRE, 2005, p. 11). Altos custos operacionais com pesquisas, gestão de cadastros e verificação de critérios de elegibilidade encarecem o processo e fazem com que a focalização perca um pouco de sua vantagem econômica sobre o universalismo, ainda mais em países onde a população pobre é escassa, o 4

Tradução livre.

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que gera o paradoxo “países que precisam de focalização (dado seus recursos fiscais limitados) não podem implementá-la e países que podem (dada sua riqueza) não precisam fazê-lo”5 (MKANDAWIRE, 2005, p. 11). Coady et al. (2004) rebatem a crítica argumentando que o gasto maior é compensado pela economia no volume de público atendido. Por exemplo: imaginemos um programa de transferência de renda onde o gasto com coleta de informação para focalização é de R$ 1 por domicílio, o gasto com custos administrativos para entrega do benefício é de R$ 5 por domicílio e o valor do benefício é de R$ 100. Se o programa atender 1 milhão de domicílios, o seu custo total será de R$ 106 milhões, sendo um pouco menos de 6% destinado às despesas administrativas. Agora vamos imaginar que a focalização foi refinada, de modo que a população de domicílios beneficiários foi reduzida para 250 mil e os gastos com focalização subiram para R$ 5 por domicílio. Nesse caso, o gasto total com o programa será de R$ 27,5 milhões. Os custos administrativos subiram para cerca de 10% do gasto total, mas a economia de recursos foi muito maior do que esse aumento. Com uma população-alvo menor, podemos até mesmo dobrar o valor do benefício de R$ 100 para R$ 200, e mesmo assim o gasto será inferior aos R$ 106 milhões anteriores. É claro que essa é uma simplificação da realidade, mas serve para pensarmos na relação tamanho da população-alvo versus custo administrativo.

Custos de incentivo (indiretos): beneficiários podem mudar seus comportamentos para se incluírem como elegíveis a um programa, como no caso de trabalhadores que se mantêm propositalmente desempregados para receber recursos da seguridade social. A mudança às vezes é desejável e é parte do objetivo do programa, como quando as condicionalidades de saúde e educação de um programa obrigam os participantes a adotarem comportamentos de interesse do governo. Coady et al. (2004, p. 9) ressaltam que os incentivos indesejáveis (desemprego voluntário, por exemplo) são pouco relevantes em programas de renda mínima, onde o benefício é demasiadamente pequeno para incentivar a manutenção do público na condição de pobreza.

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Tradução livre.

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Custo social (estigmatização): a focalização rotula determinados extratos da população como “pobres”, o que pode levar ao constrangimento e até mesmo à abdicação do benefício por parte da população apta a recebê-lo.

Custo político: excluir a classe média da elegibilidade ao benefício pode tornar o programa insustentável politicamente. Por outro lado, a focalização pode garantir o apoio de parcelas da população que percebam benefícios indiretos na redução da pobreza (diminuição da criminalidade, sensação de justiça social, etc.) e, é claro, o apoio da população beneficiária.

Apesar de modelos que comprovam matematicamente as vantagens da focalização, como o representado no Gráfico 1, Mkandawire (2005) defende que a escolha pela focalização é uma decisão mais ideológica do que de custobenefício. A posição neoliberal adotada por diversos governos a partir dos anos 70 criou um sentimento de restrição orçamentária e uma corrida por eficiência, o que incentivou o Estado a diminuir gastos e usar o orçamento, agora reduzido, para atender somente à população pobre. Porém, a restrição orçamentária nem sempre é um fator exógeno, mas sim um resultado de esforços para limitar a ação do Estado, “com base na suposição de que é possível atacar a pobreza com menos dinheiro” (MKANDAWIRE, 2005, p. 2-3). Para o autor, uma política de transferência de renda universalista combinada com uma política de taxação progressiva pode gerar uma distribuição de renda real, pois, ainda que todos os indivíduos recebam o mesmo montante de recursos, aqueles com maior renda pagarão mais impostos, o que faz com que a diferença final entre a renda dos extratos econômicos da população caia. O quadro abaixo exemplifica o efeito de uma política de transferência de renda universalista, combinada com uma política de taxação de 40% sobre a renda total de cada extrato econômico:

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Tabela 1: efeitos de um welfare state redistributivo Grupo

Renda média

Taxação (40%)

Transferências

Renda após taxação e transferências

A (20%)

1000

400

240

840

B (20%)

800

320

240

720

C (20%)

600

240

240

600

D (20%)

400

160

240

480

E (20%)

200

80

240

360

Razão entre grupos AeE

5/1

(=1200)

(=1200)

2.33/1

Fonte: ROTHSTEIN apud MKANDAWIRE (2005)

No exemplo acima, a sociedade é dividida em cinco extratos de acordo com a renda média. A todos é disponibilizada a transferência mensal de um mesmo montante de recursos e uma taxação de 40% em cima da renda média total. O balanço final após esse processo é a queda da desigualdade de renda entre os grupos: se antes a renda média do grupo A era cinco vezes maior que a do grupo E, após as transferências e taxações ela é apenas 2,3 vezes maior. Ao contrário de uma abordagem focalizada, nessa abordagem universalista não há o risco de exclusão de beneficiários por undercoverage, pois toda a população está incluída no programa. A política não incorre no risco de deixar beneficiários de fora por conta de uma focalização deficiente. Ainda assim, a solução universalista de Mkandawire exige mais do que aceitação ideológica para ser implementada. Ela demanda outras coisas também, como: uma pesada movimentação de recursos, combinada com um processo de operacionalização maior e mais complexo do que seria necessário para atender somente à parcela pobre da população; uma adequação do sistema tributário; e uma economia majoritariamente formal, consequentemente tributável. Não é o caso da maioria dos países que necessitam de programas amplos de combate à pobreza. O ponto a ser feito aqui é que, enquanto programas focalizados têm problemas sérios, como vazamentos e deficiências de cobertura, a implementação de transferências universalistas pode ser tão ou mais problemática, pois ela requer uma institucionalização maior da economia do que a encontrada, por exemplo, no Brasil, onde há um mercado de trabalho e de produção em grande parte informal e um sistema de taxação regressivo.

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Sem um sistema de tributação adequado e uma economia majoritariamente formal, as vantagens do modelo redistributivo universalista se perdem.

1.2.

MÉTODOS DE FOCALIZAÇÃO

Fatores como informalidade da economia e reforma tributária fogem do escopo de poder do formulador de políticas públicas. Já a escolha do método de focalização é uma variável sob seu controle. Existem várias abordagens diferentes para o targeting de programas, cada uma com suas vantagens, desvantagens e contextos de uso. É possível contornar deficiências da focalização por meio da escolha e combinação adequada dessas abordagens. Abaixo apresentamos as mais populares:

Avaliação individual (Individual/Household assessment): é um método onde “um oficial (normalmente um funcionário do governo) acessa diretamente, domicílio por domicílio ou indivíduo por indivíduo, se o candidato é elegível para o programa”6 (COADY et al., 2004, p. 13). O procedimento padrão ocorre em dois passos: primeiro, há a coleta de informações sobre a renda domiciliar dos candidatos, normalmente por entrevista; depois, essa informação passa por uma verificação (verified means test) através do cruzamento com fontes de dados independentes, como registros de impostos sobre propriedade e notas fiscais (COADY et al., 2004, p. 13). Se as informações baterem com os dados da coleta, o domicílio está apto a participar do programa. Obviamente, essa prática não pode existir se não existirem tais registros, o que coloca em cheque a sua utilização em economias majoritariamente informais e onde a população possui meios extra-mercado de provisão de bens (e que não deixam registros). No caso brasileiro, o IBGE realiza pesquisas que coletam informações sobre a renda domiciliar, como a PNAD e o Censo Demográfico, e a Receita Federal possui informações sobre os rendimentos privados, mas a cobertura das informações da Receita sobre a população pobre é limitada. Na falta de dados de comprovação da renda, outras técnicas podem ser usadas, como o simple means test (onde a verificação se resume a uma

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Tradução livre.

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visita de um assistente social ao domicílio do candidato ao benefício, a fim de verificar qualitativamente se as suas condições de vida se adequam ao que é esperado para o público-alvo), verificação por variáveis proxy ou seleção comunitária.

Verificação por variáveis proxy (proxy means test): constata a elegibilidade do candidato por meio de indicadores que sejam próximos à pobreza, como, por exemplo, a conexão do domicílio com a rede elétrica e de esgoto. As pesquisas para a coleta dessas informações são caras demais para serem aplicadas a todos os participantes de programas de grande escala, o que faz com que esse método seja relativamente raro. A solução é trabalhar com informações autodeclaradas do beneficiário, que depois são parcialmente verificadas por meio da visita domiciliar de um funcionário do programa ao domicílio (COADY et al., 2004, p. 14).

Focalização comunitária (community-based targeting): é um meio de driblar a falta de informações, deixando para lideranças de comunidades locais a tarefa de selecionar beneficiários. Esse tipo de focalização é usado quando o governo não dispõe de dados suficientes para localizar, por si só, o público prioritário em meio à população. A focalização comunitária parte do princípio que as lideranças comunitárias são capazes de conduzir a seleção por conhecerem a comunidade “por dentro”. O governo central perde controle sobre o processo seletivo, mas permanece definindo o quanto de recursos irá para cada localidade. Deaton (2004) identifica dois problemas no uso desse método: primeiro, ela não é aplicável em espaços maiores do que comunidades pequenas, ou seja, não funciona para a focalização numa cidade de porte médio ou maior, muito menos num país. O segundo problema se refere ao vazamento proposital de benefícios. Se os benefícios do programa são grandes, eles se tornam atrativos para toda a população e há um

[...] incentivo para as pessoas identificarem seus amigos e parentes (ou elas mesmas) como pobres. Similarmente, algumas ONGs descobriram que, se usarem a identificação de pobreza para matricularem indivíduos em programas de 19


emprego ou treinamento, então depois de algumas visitas todo mundo vai ser declarado como “pobre”.7 (DEATON, 2004, p. 2)

Essa observação vai de encontro com a preocupação de Ravallion (2003, p. 22) sobre a captura do processo de focalização comunitária por elites locais, que escolhem como classificar a população de acordo com critérios políticos e não critérios de pobreza. Desse modo, a vantagem informacional obtida com o uso do conhecimento comunitário local é contrabalanceada com uma perda de accountability, pois o governo perde o controle sobre os critérios que estão sendo usados na seleção – ou se eles são manipulados para fins clientelistas. Comprovações empíricas da funcionalidade da focalização comunitária ainda são escassas.

Autofocalização (self-targeting): a participação no programa é aberta a toda a sociedade, mas o programa é desenhado de modo que apenas a população pobre sinta-se disposta a participar. A autofocalização requer que o custo percebido de participação seja menor para o pobre do que para o nãopobre, mas, de qualquer modo, o pobre ainda sofre algum tipo de prejuízo caso faça a adesão. Exemplos de iniciativas de autofocalização são programas de promoção de emprego que oferecem vagas de trabalho com remunerações pouco atrativas, o que faz com que pessoas já empregadas não vejam vantagem em trocar seus empregos e investir seu tempo nessa iniciativa. Os ganhos dos participantes pobres nesses programas ficam aquém do desejado, pois se o programa prover benefícios muito atrativos ele automaticamente atrairá a parcela não-pobre da população. Para

Mkandawire,

políticas

com

autofocalização

promovem

a

estigmatização do público atendido, que pode se sentir desconfortável em participar de tais iniciativas. “[…] como resultado, há altos níveis de nãoparticipação, com o que indivíduos elegíveis para um benefício ou serviço não o recebem, ou o recebem parcialmente”8 (MKANDAWIRE, 2005, p. 10).

7 8

Tradução livre. Idem.

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Focalização categórica (categorical targeting): o público-alvo é definido como a população pertencente a uma determinada categoria (de idade, sexo, região geográfica, etnia, etc.). O objetivo é vincular a elegibilidade ao benefício a características que sejam “fáceis de observar, difíceis de falsificar e correlacionadas com pobreza”9 (COADY et al., 2004, p. 14). Como são critérios muito amplos, a focalização categórica funciona melhor quando combinada com outras abordagens mais refinadas. A focalização geográfica é uma opção de combinação comum com outros métodos.

Definir o melhor método de focalização é inútil sem antes conhecer a realidade local da implementação do programa, o alcance e a qualidade dos dados disponíveis e o montante de recursos disponível para arcar com os custos do processo. Como lembra Ravallion:

Evidências recentes sobre a heterogeneidade da performance do mesmo programa em diferentes ambientes, e a falta de heterogeneidade na performance de diferentes programas no mesmo ambiente, apontam para a importância do contexto e a fraqueza das generalizações sobre o que funciona e o que não funciona.10 (RAVALLION, 2003, p. 16)

1.3.

LINHAS DE POBREZA NA FOCALIZAÇÃO E MONITORAMENTO DE PROGRAMAS

Afora a focalização comunitária e a autofocalização, todos os outros métodos exigem que o governo use algum tipo de critério empírico para definir quem é elegível ao programa e quem não é. A partir desse critério é feita a focalização. Nos programas de transferência de renda do Brasil, assim como na maior parte dos programas sociais daqui e de outros países, a focalização é feita utilizando-se a variável renda: o governo estabelece um valor de rendimento monetário abaixo do qual os indivíduos são considerados pobres. Esse valor é a linha de pobreza. Segundo o “Compêndio de melhores práticas para medição da pobreza” do Rio Group, a linha de pobreza é 9

Tradução livre. Idem.

10

21


[...] Talvez o método mais usado e aquele adotado nas primeiras tentativas de se obter dados quantitativos de pobreza. De acordo com essa aproximação, um domicílio – a unidade geralmente considerada – é classificado como pobre se a sua renda ou despesa é menor que o valor da linha de pobreza. A linha de pobreza é um conceito normativo, pois representa o valor agregado de todos os produtos e serviços considerados necessários para satisfazer as necessidades básicas da unidade.11 (RIO GROUP, 2006, p. 35)

Há uma diferença entre linhas de pobreza e linhas de operacionalização. A primeira define a população pobre; a segunda é a linha usada como ponto de corte para o ingresso de participantes num programa, e pode ou não ser igual à linha de pobreza (ainda que seja derivada desta). No Brasil, a linha de pobreza e a linha de operacionalização do Programa Bolsa Família têm o mesmo valor de R$ 77,00. Além de servir como base para a linha de operacionalização de programas sociais, a linha de pobreza serve para mensurar o tamanho da população em situação de pobreza e originar indicadores sociais de medição desse fenômeno ao longo do tempo. Um indicador social, segundo Jannuzzi (2002), é

[...] uma medida em geral quantitativa, dotada de significado social substantivo, usado para substituir, quantificar ou operacionalizar um conceito social abstrato, de interesse teórico (para pesquisa acadêmica) ou programático (para a formulação de políticas públicas). (JANNUZZI, 2002, p. 55)

Exemplos de indicadores sociais relacionados com o conceito abstrato “pobreza” são a “proporção de pobres na população total” (porcentagem de pobres dentro de uma dada população) e “intensidade da pobreza” (diferença na renda entre indivíduos pobres). Tais indicadores são usados no monitoramento dos programas de combate à pobreza. Por meio da sua medição constante, é possível constatar se o fenômeno “pobreza” está sendo mitigado ou não. Números absolutos da população pobre, quando usados para fins de monitoramento, também são indicadores. Os processos de monitoramento e avaliação utilizam indicadores para mensurar fenômenos sociais. Essas informações são insumos não somente para a criação de novos programas, mas para o aperfeiçoamento das iniciativas já 11

Tradução livre.

22


existentes: avaliando-se os indicadores, pode-se chegar à conclusão de que, por exemplo, o benefício de certo programa é insuficiente para retirar as famílias da condição de pobreza. Com esse dado em mãos, o governo pode propor mudanças no programa, como aumentar o benefício, mudar a metodologia de focalização para priorizar o décimo mais vulnerável do público, ou aplicar outra solução. A linha de pobreza é, portanto, um recurso com dupla funcionalidade: é o principal critério da focalização, ou ao menos um critério inicial, pois o público pode passar por uma segunda “peneira” de seleção (como a verificação da conexão do domicílio com a rede de luz elétrica ou de esgoto), e é o ponto de partida para a confecção de instrumentos de monitoramento e avaliação de programas. O valor da linha define o ponto de corte dos programas direcionados à população pobre (focalização), ao mesmo tempo em que serve de referência para a construção de indicadores usados na medição de características da pobreza ao longo do tempo, usados no monitoramento e avaliação. Desse modo, justifica-se a importância do seu estudo para a ciência das Políticas Públicas. No presente trabalho entendemos a linha de pobreza não como um indicador por si só, mas como um componente usado na formulação de indicadores, como, por exemplo, o indicador “número de pessoas ou domicílios em situação de pobreza”. Há situações em que a linha pode ser usada como indicador, como, por exemplo, na medição da evolução do custo de vida mínimo de uma sociedade ao longo do tempo. Não é este o uso que importa para a nossa pesquisa; queremos investigar o uso e limitações da linha na contabilização da população pobre e na focalização de beneficiários dos programas sociais. É nessas aplicações da linha de pobreza que iremos nos focar.

23


CONCEITOS SOBRE A MEDIÇÃO DA POBREZA

2.1.

DEFINIÇÃO DE POBREZA E ESTRATÉGIAS DE MEDIÇÃO

A discussão sobre como medir a pobreza passa antes pela problemática de definir o que é pobreza. De acordo com Rocha (2003), pobreza pode ser definida genericamente como “a situação na qual as necessidades não são atendidas de forma adequada” (p. 9). Essa afirmação nos dá um ponto de partida, mas não especifica quais seriam tais necessidades. Seriam necessidades alimentares? Necessidades de abrigo, roupas e saneamento também estão incluídas? E necessidades como Educação, cuja falta de atendimento não ameaça a vida de um indivíduo, também estão incluídas na definição de pobreza? Observando-se a experiência de diferentes países, nota-se que a definição de “pobreza” é cultural. Segundo Rocha (2010, p. 11), a preocupação com o tema nasceu, ironicamente, nos países ricos, para resolver problemas internos de desigualdade durante o pós-guerra, pois algumas classes sociais se sentiam menos privilegiadas que outras na distribuição de riquezas. A pobreza nesses países tem a ver, portanto, com questões de igualdade e não de sobrevivência. Um indivíduo pobre na Europa do pós-guerra pode não dispor de meios para alcançar a condição de vida padrão daquela sociedade, mas não é necessariamente alguém que passa fome ou carece de moradia. Em países subdesenvolvidos, onde a maior parte da população passa por privações desconhecidas mesmo pelos pobres dos países desenvolvidos, a definição de pobreza como desigualdade não é suficiente. Daí se originaram duas noções diferentes de pobreza: pobreza relativa e pobreza absoluta. “Pobreza relativa” é aquela que leva em conta o nível de vida médio de uma população, e define como

pobre

aquele

indivíduo

ou

família

cujo

rendimento

médio

é

substancialmente inferior ao da média da população. A pobreza relativa não é associada com a privação de necessidades básicas para a vida, mas sim com a diferença na distribuição de renda dentro de uma dada população (a desigualdade social). A “pobreza absoluta” trabalha com o não-atendimento de requisitos básicos para a sobrevivência, especialmente a alimentação. Diferente da pobreza relativa, a pobreza absoluta não é medida em relação à condição de 24


vida média de uma sociedade. De fato, em alguns países a pobreza absoluta é a condição de vida média e, segundo Rocha (2003, p. 16), mesmo em países como o Brasil, que possui renda média e economia majoritariamente urbana e monetizada,

mas

onde

“persiste

importante

contingente

populacional

desprivilegiado”, essa abordagem se mantém relevante. As diferenças entre a pobreza dos países ricos e pobres faz com que algumas organizações internacionais, como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), adotem duas metodologias diferentes para medir a pobreza, uma para países ricos e outra para países em desenvolvimento12. Mesmo dentro de uma nação, a definição do melhor jeito de se medir a pobreza passa pelo diagnóstico do perfil de pobreza daquele país. O governo precisa saber como a pobreza se manifesta no seu território para saber qual a estratégia de medição desse fenômeno que faz mais sentido para a articulação de políticas e programas sociais. Segundo Rocha:

[Definir o conceito de pobreza trata] de identifica os traços essenciais da pobreza em determinada sociedade. É generalizada, atingindo a maior parte da população, ou, ao contrário, é geograficamente localizada? Quais são seus determinantes? É um fenômeno crônico ou está associado a mudanças econômicas e tecnológicas? Quais são seus sintomas principais – subnutrição, baixa escolaridade, falta de acesso a serviços básicos, desemprego ou marginalidade? Quem são os pobres em termos de um conjunto de características básicas, ou em outras palavras, qual o perfil dos pobres? [...] A obtenção de bons resultados operacionais [de política social], mais adiante, depende em grande parte do bom senso inicial ao definir o que é pobreza, conceitual e estatisticamente. (ROCHA, 2003, p. 10)

Seja qual for a interpretação da pobreza, é consenso que o nãoatendimento das necessidades mínimas diárias de calorias e proteínas está ligado à noção mais elementar dela. O fenômeno “pobreza” pode até englobar

12

O Índice de Pobreza Humana (IPH) do PNUD separa as nações em “países em vias de desenvolvimento” (IPH-1) e “países industrializados” (IPH-2). Cada índice é formado por um conjunto de indicadores diferente. O IPH-1 se constitui da “proporção de adultos alfabetizados”, do “percentual de pessoas com esperança de vida inferior a 40 anos” e da média simples entre “proporção da população sem acesso à água tratada” e “proporção de crianças menores de cinco anos com peso insuficiente”. Já o IPH-2 inclui indicadores sobre a esperança de vida e alfabetização, mais um indicador da proporção de pobres (pessoas cuja renda per capita se situe abaixo de 50% da renda mediana da população) e outro de exclusão social, calculado com base na taxa de desempregados há mais de 12 meses. (ROCHA, 2003, p. 26-27)

25


mais aspectos, dependendo da sua interpretação (acesso a renda, serviços públicos, abrigo), mas, em qualquer sociedade, quem não possui meios de garantir a própria alimentação diária mínima é considerado pobre. Portanto, a medição da indigência (como é chamada a situação de não-atendimento das necessidades básicas alimentares) é o primeiro passo de grande parte das metodologias de medição da pobreza. “Linhas de indigência” são aquelas que determinam o valor mínimo de moeda necessário para suprir as necessidades alimentares de um indivíduo no período de um mês. Elas não são o mesmo que linhas de pobrezas, que englobam também os gastos mínimos não-alimentares, mas são o primeiro passo para a definição delas. A linha de pobreza é a soma da linha de indigência com os demais custos mínimos para um indivíduo sobreviver numa dada sociedade. Quando falamos em linhas de pobreza e de indigência, estamos falando em medição por meio da variável “renda”. A renda é consagrada como a variável mais popular para esse uso, principalmente por conta de sua comparabilidade internacional e por ser o meio hegemônico, em sociedades monetizadas, para a obtenção de bens e produtos que proporcionam bem-estar. Ainda assim, ela não é a única variável possível, e nem a mais recomendada no caso de sociedades onde o

[...] nível de desenvolvimento social e produtivo é muito baixo [...], pois implica associar níveis de bem-estar ao grau de sucesso na integração das famílias à economia de mercado, desconsiderando autoprodução e outros consumos nãomonetários que têm impacto relevante justamente sobre as condições de vida das camadas mais pobres. (ROCHA, 2003, p. 17)

Em substituição a uma variável como a renda, que mede o atendimento das necessidades básicas de forma indireta, podemos usar variáveis antropométricas

(peso,

altura)

para medir o

atendimento direto das

necessidades nutricionais. Informações que identifiquem baixo peso entre os adultos e baixa estatura entre crianças (com relação à idade) evidenciam uma alimentação deficiente e indicam situação de indigência. Essa abordagem é interessante, pois verifica diretamente se as necessidades nutricionais estão sendo atendidas ou não; assim, evita-se um viés comum à utilização da variável

26


renda em áreas rurais e de baixo desenvolvimento, que é o erro de estimação de consumo causado pela autoprodução de alimentos nas famílias e pela economia não-monetizada. É comum que em áreas rurais as famílias produzam parte do seu alimento em plantações e criações de animais e troquem suas produções com as de vizinhos, ou até mesmo fabriquem artesanalmente itens como vestimentas e móveis. Nenhuma dessas ações envolve dinheiro, mas todas promovem bem-estar de uma forma que não pode ser medida pela renda. Desse modo, famílias que vivem abaixo da linha da indigência podem não ser, de fato, indigentes. Com o uso de variáveis antropométricas, a probabilidade de identificação correta da indigência nesses casos é maior. Além de medições a partir de renda (linhas de pobreza) ou de variáveis antropométricas, uma terceira via para examinar a pobreza é através de indicadores do atendimento de necessidades básicas (basic needs). Segundo Rocha (2003, p. 19), “Adotar a abordagem das necessidades básicas significa ir além daquelas de alimentação para incorporar uma gama mais ampla de necessidades humanas, tais como educação, saneamento, habitação etc.”. Os defensores dessa abordagem argumentam que a pobreza é multidimensional, por isso não pode ser definida somente como a falta de dinheiro ou de alimentação: a privação de outros aspectos, alguns tão objetivos quanto o acesso a postos de saúde e outros tão subjetivos quanto a religiosidade, também determinam se um indivíduo é pobre ou não. A medição é feita com o uso de índices, formados por um conjunto de indicadores que medem os diferentes aspectos das necessidades sociais (educação, saneamento básico, saúde). Esses índices popularizaram-se entre os organismos internacionais a partir da década de 70, quando foram estabelecidas metas mundiais de atendimento de necessidades básicas. O mais conhecido é o IDH, Índice de Desenvolvimento Humano, que combina indicadores de produto interno bruto, educação e longevidade para medir a qualidade de vida de uma população. Embora interessante, os índices de basic needs são feitos para o monitoramento e a comparação internacional de desempenho, não para a focalização do público-alvo de políticas públicas em âmbito nacional. Índices e indicadores monitoram a população como um todo, sem identificar onde estão os públicos prioritários. Na realidade, o uso de médias (como ocorre na maioria dos índices) mascara a ocorrência de situações extremas associadas à 27


desigualdade entre indivíduos, tornando as situações de pobreza extrema invisíveis. Por isso, se o objetivo é focalizar programas sociais, a solução é manter o uso das linhas de pobreza como ferramenta principal e utilizar as medições de basic needs de forma complementar, para caracterizar uma subpopulação dentre os pobres (ROCHA, 2003, p. 28).

2.2.

CALCULANDO A LINHA DE INDIGÊNCIA

Em regiões cuja população tem amplo acesso ao mercado, a autoprodução representa uma parcela pequena (em alguns casos, quase nula) da produção de bem-estar. Essa já é a realidade da maior parte da população brasileira, pois 84% dos brasileiros vivem em aglomerados urbanos onde a maior parte dos domicílios adquire os produtos e serviços de que necessita por meio das trocas monetárias. Nestes casos, o uso da linha de indigência (ou seja, da variável renda) na verificação do atendimento das necessidades nutricionais é justificado. O valor da linha de indigência é igual ao valor mínimo necessário para se obter, no mercado, uma cesta de alimentos que garanta o mínimo de calorias e nutrientes necessário para a sobrevivência. Logo, os dois passos para se definir a linha de indigência são: 1) determinar a necessidade calórica e proteica mínimas e 2) determinar o preço mínimo da cesta alimentar que cobre essa necessidade. Ambos os passos possuem desafios, como veremos a seguir.

1) Determinando a necessidade calórica e proteica mínimas: As necessidades calóricas variam de pessoa para pessoa, de acordo com o sexo13, idade e tipo de trabalho. A FAO, organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, estima que a necessidade calórica por indivíduo é de cerca de 2 mil calorias por dia (DEATON, 2004, p. 4), mas trabalhos pesados, como os de um trabalhador rural, exigem até o dobro de calorias diárias. Rocha (2013) nota que, mesmo utilizando-se das mesmas recomendações da FAO, pesquisadores podem chegar a estimativas diferentes para as necessidades nutricionais de uma população. Isso decorre 13

Segundo Deaton, “mulheres aparentemente precisam de menos energia, embora esse tipo de distinção raramente seja feita hoje em dia”. (2004, p. 4, tradução livre)

28


[...] de formas distintas de classificar as atividades ocupacionais dos indivíduos como leves, moderadas ou pesadas, assim como de estabelecer o seu uso do tempo e a correspondente necessidade calórica em 24 horas. (ROCHA, 2003, p. 53)

Normalmente apenas as necessidades calóricas são contabilizadas, pois supõe-se que as necessidades proteicas são cobertas automaticamente com a ingestão de uma dieta calórica mínima. A soma das necessidades calóricas de todos os indivíduos e sua divisão pelo mesmo número de pessoas nos dá a média de ingestão calórica recomendada para a população, indicador comumente utilizado na composição da linha de indigência.

2) Determinando o preço mínimo da cesta alimentar: O estabelecimento da cesta alimentar pode ser feito de dois modos: pela seleção dos produtos de menor custo que garantam o mínimo de calorias exigido; ou pelo consumo observado na população. Especialistas em medição de pobreza são unânimes na utilização do consumo observado, pois experiências de constituição da cesta alimentar com base somente no preço e no valor calórico dos produtos resultaram numa dieta “monótona e desinteressante, da qual ninguém se alimentaria” (DEATON, 2004, p. 4). O consumo observado verifica, na população, a dieta mais barata que é de fato consumida por um indivíduo ou família e que atinge o mínimo de calorias estipulado. Para isso, é preciso dispor de uma pesquisa de consumo abrangente, como a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) realizada pelo IBGE, que coleta dados sobre o perfil de consumo das famílias brasileiras. Para determinar a cesta que será usada como parâmetro, o primeiro passo é observar a cesta alimentar de cada família e derivar o seu aporte calórico per capita. Assim, é possível ordenar as famílias em ordem crescente em relação ao seu consumo per capita de calorias. No gráfico a seguir, baseado no trabalho da economista Sonia Rocha com a formulação de linhas de indigência, as famílias foram ordenadas em décimos de acordo com a sua despesa alimentar corrente em calorias. A última barra do gráfico corresponde à média de calorias recomendada para a população, de acordo com o cálculo das necessidades calóricas. 29


Gráfico 3: Ingestão energética média observada por décimo de distribuição de

(kcal)

despesa corrente

Média recomendada (2.123kcal)

Fonte: adaptado de ROCHA (2003)

Décimos Fonte: adaptado de ROCHA (2003)

Localizado o décimo da população a partir do qual há uma ingestão adequada de calorias, a quantidade de produtos da cesta é ajustada para que ela contenha uma medida calórica exatamente igual à média recomendada. Por exemplo: em sua metodologia, Rocha especifica uma cesta com pelo menos 100 produtos de consumo alimentar, ajustada ao consumo médio diário de alimentos observado na classe a partir da qual há a ingestão calórica em quantidades adequadas (ROCHA, 2013, p. 57). A soma do custo desses produtos na quantidade especificada será o valor da linha de indigência. No Gráfico 3, percebemos que as necessidades calóricas só são atendidas satisfatoriamente a partir do quarto décimo populacional. Portanto, podemos adotar o valor da cesta alimentar desse décimo como referência para a linha de indigência. Como essa cesta excede um pouco a média recomendada, deve-se ajustar proporcionalmente a quantidade de alimentos para corresponder exatamente a 2.123 calorias, que é o valor da média recomendada de calorias. Esse é apenas um meio de definir a cesta alimentar mínima a partir do consumo observado. Existem outros: Thomas (1983, apud ROCHA, 2000, p. 56) seleciona para a sua cesta apenas os principais produtos, em termos de 30


aporte calórico, da cesta observada mais barata capaz de suprir a média recomendada de calorias, e ajusta a quantidade desses alimentos de modo a atingir 100% das calorias recomendadas. Desse modo, descartam-se os produtos de menor aporte calórico e o custo da cesta fica menor. Ellwanger (1992b, apud ROCHA, 2000, p. 6) utiliza uma cesta observada que supra apenas as recomendações mínimas para a manutenção do funcionamento do metabolismo basal (em torno de 1.750 kcal/dia) e ajusta as quantidades de produtos para chegar ao total de calorias recomendado. Esses dois métodos diferentes restringem a variedade de produtos da cesta, tornando-a mais barata, o que por consequência reduz o valor da linha de indigência. Isso é útil quando a linha de indigência obtida por outros métodos fica alta demais em relação à renda da população. Uma linha muito alta, que inclua uma grande parte da população na indigência, perde a sua utilidade na focalização de programas, pois não consegue especificar um público prioritário dentro da população total. Segundo Rocha: O que se busca é a determinação de parâmetros de valor operacionais para fins de monitoramento da indigência e da pobreza. Todos são arbitrários na medida em que, introduzindo algum grau de normatização, se afastam do consumo observado. (ROCHA, 2000, p. 6)

É claro que a medição da indigência através dessas linhas pode incorrer num sem-número de vieses, alguns deles incontornáveis. Primeiramente, o estabelecimento de uma média das necessidades calóricas para uma população é um cálculo perigoso, pois o resultado é sensível à interpretação do pesquisador sobre a distribuição da força de trabalho e utilização da energia. Comparando as estimativas de necessidades calóricas feitas por dois pesquisadores diferentes para Brasília, a partir das mesmas recomendações calóricas da FAO, Rocha (2003, p. 53) encontrou uma diferença de 9% entre elas, decorrida da diferença de interpretação sobre a classificação de certas atividades ocupacionais como leves, moderadas ou pesadas e sobre o uso do tempo e a correspondente necessidade calórica para o período de 24 horas. Outro problema é que a linha de indigência desconsidera os indivíduos que têm uma necessidade calórica maior do que a média populacional e que, portanto, passam fome mesmo consumindo a cesta de alimentos média. O ideal 31


é que a linha de indigência fosse ajustável para cada família, levando-se em conta a necessidade calórica de cada um de seus integrantes, mas, para fins de focalização de programas, isso é impossível. Outro problema é que pesquisas de orçamento familiar são caras e normalmente feitas por amostragem em regiões específicas, como metrópoles, de modo que os dados das regiões interioranas não são computados. No caso do Brasil, a única pesquisa de consumo familiar conduzida em todo o território brasileiro foi o Estudo Nacional de Despesa Familiar (Endef) de 1974/75, e ela nunca foi atualizada. Rocha, no cálculo de suas linhas de pobreza para regiões não-metropolitanas, utiliza até hoje o consumo observado na população brasileira dos anos 70. Certamente ocorreram alterações no consumo das famílias interioranas desde então, o que gera um efeito sobre o valor da cesta de alimentos não captado pelas linhas baseadas na Endef. Um último problema se refere à dificuldade na estimação da produção própria de alimentos no orçamento das famílias. Enquanto isso não se manifesta como problema para a medição nas áreas urbanas, onde a capacidade de autoprodução é limitada pela falta de espaço agriculturável, nas zonas rurais tal viés representa um empecilho para a estimativa correta da indigência. Tal dificuldade poderia ser sanada, em parte, com um novo Endef, mas não há previsão para uma nova edição do estudo. Qualquer um dos fatores recém expostos (viés do uso de médias calóricas, pesquisas de consumo defasadas e invisibilidade da autoprodução) tem potencial para enviesar significativamente a linha de indigência; uma combinação dos três poderia tornar irrelevantes os valores computados hoje. Infelizmente, são limitações que temos que enfrentar ao trabalharmos a estimativa de indigência puramente pelo lado da renda.

2.3.

CALCULANDO A DESPESA NÃO-ALIMENTAR E A LINHA DE POBREZA

Como já dissemos, a pobreza não se resume à indigência: há outras necessidades vitais a serem saciadas além da fome. Por isso, a linha de pobreza (entendida como o custo de vida mínimo de uma sociedade) é calculada adicionando-se os gastos não-alimentares mínimos ao valor da cesta alimentar mínima. Segundo Rocha (2003, p. 60), apesar da despesa extra-alimentar 32


representar mais da metade do orçamento das famílias, ela é calculada de maneira bastante simplificada. Diferente do que acontece com a alimentação, não há até hoje um cálculo adequado para definir o que seria um gasto mínimo não-alimentar para um ser humano. É difícil até mesmo definir o que compõe a despesa não-alimentar mínima, quanto mais quantificá-la. A solução é observar como as famílias gerenciam os seus orçamentos no mundo real, e extrair estimativas a partir dessa observação. Nos EUA, por exemplo, pesquisas realizadas para determinar a composição do orçamento familiar apontam que o gasto com alimentos corresponde a 1/3 do orçamento mensal das famílias. Portanto, a linha de pobreza americana é estimada multiplicando-se o custo da cesta alimentar mínima (ou seja, o valor da linha de indigência) por três. A razão despesa alimentar/despesa não-alimentar é chamada de coeficiente de Engel. Trata-se do método mais popular para estimar as despesas não-alimentares de maneira indireta: basta calcular qual a porcentagem do gasto alimentar no orçamento das famílias e, a partir daí, multiplicar o valor da cesta calórica mínima até atingir a proporção dos gastos não-alimentares. Desse modo, a atualização da parte não-alimentar da linha de pobreza depende apenas da atualização do valor da cesta calórica básica e da sua multiplicação pelo coeficiente, considerado uma constante. Contra esse método simplista, Rocha alerta que inexiste uma base teórica que “permita considerar o coeficiente de Engel uma constante de médio prazo”, e que, no caso brasileiro, é improvável que essa estabilidade tenha ocorrido, seja pelas alterações nos hábitos de consumo ou pelas mudanças nos preços relativos, decorrentes da inflação (ROCHA, 2003, p. 61). No Brasil, a POF fornece informações suficientes para que a despesa nãoalimentar seja calculada a partir da observação direta do consumo das famílias. Nas medições de Rocha, o consumo não-alimentar da classe de rendimentos correspondente ao atendimento das necessidades calóricas básicas é desagregado em seis categorias de produto: habitação, artigos de residência, vestuário, transporte/comunicação, saúde e cuidados pessoais, despesas pessoais e outros. A partir daí, a média do valor mensal gasto pelos indivíduos nessas categorias é calculada com o auxílio de pesquisas sobre o índice de preços ao consumidor. O quadro a seguir ilustra a metodologia: 33


Tabela 2: média do valor mensal (em R$) dos itens não-alimentares por categorias, correspondentes ao intervalo de renda familiar selecionado segundo regiões metropolitanas – outubro de 1987

Regiões metropolitanas

Habitação

Artigos de residência

Vestuário

Transporte/ Comunicação

Saúde e cuidados pessoais

Despesas pessoais

Outrasa

Total

Belém 157 124 205 119 148 125 81 959 Fortaleza 145 144 213 134 104 162 182 1.084 Recife 169 180 316 237 162 172 220 1.456 Salvador 195 157 317 208 160 193 275 1.505 Belo Horizonte 228 159 199 190 162 190 283 1.411 Rio de Janeiro 223 164 270 223 170 207 219 1.476 São Paulo 368 239 259 308 217 194 229 1.814 Curitiba 219 234 218 153 169 125 253 1.371 Porto Alegre 206 60 113 138 96 95 93 801 Goiânia 302 225 397 218 215 214 300 1.871 Brasília 406 257 311 268 200 249 258 1.949 a Inclui itens investigados pela POF, mas não pela SNIPC, tais como: despesas com festas, mudanças, tratamento veterinário; despesas trabalhistas; transferências; aumento do ativo e diminuição do passivo.

Fonte: ROCHA, 1997

O gasto não-alimentar calculado desse modo é o gasto observado entre os indivíduos que estão ligeiramente acima da linha da indigência e, portanto, é entendido como o gasto mínimo tolerável numa dada sociedade. O valor da despesa não-alimentar é então somado ao valor da linha de indigência para dar origem à linha de pobreza. Em seus estudos, Rocha (2003) identificou uma larga disparidade de valores entre as linhas de diferentes localidades dentro do Brasil, mesmo entre metrópoles. Por exemplo: em 1990, a linha de pobreza da metrópole de São Paulo era 78% superior à de Porto Alegre, diferença explicada, segundo a autora, pelo custo não-alimentar baixo da capital gaúcha (ROCHA, 2003, p. 65). A variável determinante, segundo a autora, é a urbanização, que afeta “tanto as despesas alimentares quanto as não-alimentares, a partir de um certo patamar de tamanho demográfico” (ROCHA, 2003, p. 65). Para exemplificar, ela explica que as maiores metrópoles brasileiras, Rio de Janeiro e São Paulo, apresentavam características diversas da terceira metrópole em população, Belo Horizonte, com menos da metade da população destas14. Essa observação

14

Em 1991 (ROCHA, 2003, p.65).

34


reforça a necessidade da utilização de linhas de pobreza regionais para a focalização da população pobre no Brasil, pois linhas associadas a algum cálculo de média do custo de vida nacional implicam no risco de, por um lado, vazar benefícios para públicos não-prioritários em zonas de baixa urbanização e, por outro, tornar invisíveis milhares de pobres nas grandes metrópoles do país.

35


LINHAS DE MEDIÇÃO DE POBREZA NO PLANO BRASIL SEM MISÉRIA

3.1.

O PLANO BRASIL SEM MISÉRIA

Este capítulo investiga o funcionamento da linha de pobreza adotada pelo Governo Federal Brasileiro para a operacionalização do Programa Bolsa Família e o monitoramento de resultados no âmbito do Plano Brasil Sem Miséria. O plano, que coordena mais de 70 programas, serviços e benefícios públicos e envolve 11 ministérios, iniciou-se em 2011 com a previsão de duração de quatro anos, mas na prática suas ações continuaram ao longo do ano de 2015. Segundo Campello e Mello (2014, p. 36), calcula-se que 28 milhões de brasileiros saíram da condição de pobreza entre 2003 e 2011, especialmente através do binômio elevação do emprego e distribuição de renda. De um lado, a estabilidade econômica e a valorização do salário mínimo aumentaram a renda e as oportunidades de emprego daqueles alocados no mercado formal de trabalho; de outro, as transferências de renda do Programa Bolsa Família complementaram os rendimentos mesmo daquelas famílias sem vínculo de trabalho formal. Ainda assim, em 2011 restava um núcleo duro da pobreza intocado pelos programas federais de erradicação da miséria. O PBSM foi desenhado para chegar até esse núcleo duro, os mais pobres dentre os pobres, tendo como objetivo central a erradicação da miséria no Brasil. Dentre as iniciativas presentes dentro do guarda-chuva do PBSM estão velhos e novos programas, dentre eles o Bolsa Família. Desde o início ficou claro que as ações do PBSM deveriam ser focalizadas naquelas famílias em condições tão vulneráveis que elas próprias não tinham condições de requisitar ajuda ao Estado. Por isso, o governo inverteu a lógica então vigente: em vez de esperar que as famílias procurassem centros de atendimento, o próprio Estado passou a buscá-las e incluí-las no Cadastro Único de Programas Sociais (CADÚnico), um grande cadastro da população brasileira de baixa renda, a partir do qual elas são inscritas em programas sociais como o Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida e a Tarifa Social de Energia Elétrica. Esse movimento foi chamado de Busca Ativa. Que o público-alvo deveria ser o núcleo duro da pobreza, não restava dúvidas. Restava, isso sim, estabelecer um critério para definir quem fazia parte 36


desse “núcleo duro”. Por isso, foi criada uma linha oficial para definir quais pessoas se encontram em situação de miséria: a linha de extrema pobreza do PBSM. Seu valor foi estabelecido inicialmente em R$ 70,00 mensais per capita. O objetivo do Governo Federal era o de, dentro dos quatro anos de duração do plano, fazer com que todas as famílias brasileiras atingissem rendimentos mensais per capita superiores a R$ 70,00, erradicando, assim, a extrema pobreza no país. A partir dessa linha foi definida também a linha de pobreza, com o dobro do valor (R$ 140,00). Dado o período limitado de execução do Plano, o decreto de criação do PBSM15 fixou as linhas sem trazer previsão de reajuste para os seus valores; mesmo assim, eles foram corrigidos espontaneamente para R$ 77,00 (extrema pobreza) e R$ 154,00 (pobreza) em maio de 2014. As linhas de pobreza e extrema pobreza do PBSM foram estabelecidas pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), o mesmo responsável por operacionalizar o Programa Bolsa Família, programa de transferência de renda a famílias de baixa renda que cumprem com condicionalidades de Saúde e Educação. Segundo Falcão e Costa (2014), o MDS tinha à sua frente uma escolha difícil, pois não havia um consenso entre os especialistas sobre a melhor forma de abordar a medição da pobreza para fins de operacionalização do Plano:

[...] as opções de abordagem para definição de pobreza são muitas. [...] Se a linha eleita for absoluta, o ideal é recorrer à abordagem tradicional das necessidades calóricas mínimas? Ou esse seria um método ultrapassado e inadequado a um país em que a fome deixou de ser um problema crônico, como apontado recentemente pela economista Sonia Rocha – uma das maiores autoridades nesse tipo de abordagem?16 [...] Se o enfoque adotado for multidimensional, a quantidade de decisões se multiplica. Quais são as dimensões relevantes para configurar a situação de pobreza? Dentro de cada uma dessas dimensões, quais indicadores de necessidades básicas devem ser incluídos? Qual o critério para definir se cada uma das necessidades foi ou não foi atendida? E qual a importância relativa de cada indicador na definição de quem é pobre? (FALCÃO e COSTA, 2014, p. 69-70)

15

Decreto nº 7.492, de 2 de junho de 2011. A despeito do comentário do autor, a pesquisadora Sonia Rocha continua produzindo seus estudos sobre medição de pobreza no Brasil com base no cálculo de necessidades calóricas. 16

37


Segundo os autores, o MDS decidiu ser o mais pragmático possível: descartou a ideia da criação de uma nova comissão técnica e adotou as linhas já utilizadas na operacionalização do Programa Bolsa Família (R$ 70,00 e R$ 140,00). Supostamente, as linhas seriam confiáveis para medir a pobreza pois seus valores eram similares aos valores das linhas de pobreza de Rocha e do Banco Mundial à época (FALCÃO e COSTA, 2014, p. 73). Baseados nos dados do Censo Demográfico 2010 sobre os rendimentos da população brasileira, o IBGE e o MDS identificaram uma população de 16,27 milhões de brasileiros vivendo na extrema pobreza. Esse número seria monitorado ano a ano e corrigido com as informações da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD, pesquisa amostral anual que atualiza algumas das informações do Censo com base em informações coletadas nas regiões metropolitanas brasileiras). Para Falcão e Costa, “o objetivo era que a meta colocada [pela linha] para o Plano Brasil sem Miséria fosse ousada, porém factível, de modo a conferir credibilidade à estratégia” (2014, p. 73). Apesar da afirmação de Falcão e Costa de que as linhas do PBSM estão em consonância com metodologias consagradas de medição da pobreza como as de Rocha e do Banco Mundial, temos como hipótese que os valores escolhidos como ponto de corte do público prioritário não são capazes de medir adequadamente o fenômeno da pobreza no Brasil, posto que não dão conta das heterogeneidades regionais (como a diferença nos valores das cestas de consumo entre as regiões). Na realidade, sob uma análise mais atenta, constatase que os valores são bastante arbitrários. Segundo Falcão e Costa, a linha de R$ 70,00 foi considerada adequada pelo MDS porque:

1) É compatível com as linhas regionalizadas de Rocha para 2011, que orbitavam os R$ 70,00 em 2011; 2) É compatível com a linha do Banco Mundial de US$ 1,00 per capita diário, que em 2011 equivalia a R$ 67,00 mensais (usando a conversão PPC); 3) É idêntica à linha de operacionalização do Programa Bolsa Família.

38


Mostraremos a seguir, ponto por ponto, por que esses argumentos parecem ser inadequados para defender a força metodológica da linha do PBSM. Explicaremos que a linha de extrema pobreza do PBSM atualmente não apresenta compatibilidade com a metodologia de Rocha; que a linha do Banco Mundial não é uma boa referência para os programas sociais no Brasil; e que o seu elo com a linha de operacionalização do Programa Bolsa Família faz com que o monitoramento da pobreza fique atrelado ao orçamento do programa e não ao fenômeno empírico da pobreza.

3.2.

A LINHA DO PBMS E AS LINHAS REGIONALIZADAS DE ROCHA

Uma das referências do MDS para o estabelecimento linha de extrema pobreza, segundo Falcão e Costa (2014), foi o trabalho de medição da pobreza desenvolvido por Sonia Rocha ao longo dos últimos 30 anos. Seu estudo é referência na medição regionalizada da pobreza no Brasil. A pesquisadora calcula anualmente linhas de indigência e pobreza urbanas e rurais para as diferentes regiões e metrópoles brasileiras, totalizando 25 linhas de indigência e mais 25 de pobreza. A metodologia de construção das linhas é idêntica à apresentada no capítulo 2 deste trabalho, mas vamos resumi-la aqui: primeiro calcula-se a linha de indigência, a partir da média de necessidades calóricas da população e do custo da cesta alimentar mínima observada em cada região. Para isso, são usadas informações das pesquisas de orçamento familiar POF 1987/88 (regiões metropolitanas) e Endef 1974/75 (regiões rurais e não-metropolitanas). Os itens alimentares que representam uma ingestão inferior a 1 caloria por dia são excluídos da cesta; a quantidade dos produtos restantes é então ajustada proporcionalmente

para

corresponder

à

necessidade

calórica

mínima

recomendada. O valor das cestas é atualizado anualmente conforme o INPCalimentação. A linha de pobreza é calculada somando-se o valor da cesta alimentar com o valor das despesas não-alimentares, calculadas também a partir da observação do consumo das famílias. As despesas não-alimentares são classificadas de acordo com os seis grupos de despesas do SNIPC (habitação, artigos de residência, vestuário, transporte/comunicação, saúde e cuidados pessoais, despesas pessoais) e mais uma categoria residual, “outras”. Os 39


valores são atualizados conforme o índice de preços específico de cada grupo de despesa para cada região (ROCHA, 1997). Apesar de consagrada, a metodologia de Rocha não é perfeita. Seu maior viés é a desatualização das pesquisas de consumo usadas como referência. Outro problema é que as linhas para regiões não-metropolitanas urbanas e rurais abrangem regiões territorialmente vastas – por exemplo, uma mesma linha é usada para medir a pobreza rural em todos os estados da região norte. Como os preços “são afetados por um conjunto de determinantes locais (atividade produtiva, acessibilidade, redes de comercialização, etc) [...], os resultados [...] são médias que embutem uma ampla variabilidade de valores” (ROCHA, 1997, p. 317). Já expomos as fragilidades dessa metodologia no capítulo 2. Dito isso, as 50 linhas de Rocha são talvez o mais longe que se pode chegar na medição da pobreza brasileira, tendo em vista os instrumentos disponíveis atualmente. Por ser uma medição regionalizada, ela gera um mapa da pobreza17 mais específico do que o utilizado no PBSM, que não tem linhas regionalizadas. Apesar de Falcão e Costa alegarem sintonia entre as linhas do PBSM e as de Rocha, a verdade é que elas não compartilham da mesma base metodológica. Segundo Falcão e Costa (2014, p. 73), a linha do PBSM está em sintonia com as linhas de Rocha porque essas últimas “orbitavam os R$ 70,00 por pessoa ao mês”. Mais correto seria dizer que algumas das linhas orbitavam os R$ 70,00, ou que a média dos valores das linhas de indigência orbitavam os R$ 70,00, conforme vemos a seguir.

17

O Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS) cruza anualmente os dados de rendimento das famílias coletados na PNAD com os valores das linhas de Rocha para atualizar os indicadores de pobreza brasileiros.

40


Gráfico 4: variação dos valores das linhas de indigência de ROCHA e da linha de extrema pobreza do PBSM – 2011 a 2015

São Paulo Metrópole

R$ 117,00

Rio de Janeiro Metrópole Recife

R$ 107,00 Salvador

Valor das linhas

R$ 97,00

São Paulo Urbano Brasília Belém Fortaleza

R$ 87,00

Curitiba Centro-Oeste Urbano M.G./E.S. Urbano

R$ 77,00

Nordeste Urbano Linha PBSM

R$ 67,00

Nordeste Rural M.G./E.S. Rural Norte Rural

R$ 57,00

R$ 47,00 2011

2012

2013

2014

2015

Ano Fonte: elaboração própria

As linhas coloridas do Gráfico 418 representam as 25 linhas de indigência de Rocha e as suas variações de valor entre os anos 2011 e 2013, enquanto a linha preta representa a linha de extrema pobreza do PBSM entre os anos 2011-2015. Analisando as linhas de Rocha para o ano de 2011, vemos que, apesar da maioria das linhas urbanas e rurais realmente terem valores próximos de R$

18

No gráfico estão representadas todas as 25 linhas de indigência de Rocha, mas apenas algumas estão nomeadas, para facilitar a visualização.

41


70,00, as linhas de todas as regiões metropolitanas eram superiores a esse valor. O mais interessante é notar que as linhas de Rocha são atualizadas anualmente de acordo com a variação nos preços dos produtos, mantendo um crescendo de valor constante ao longo do tempo; a linha do PBSM, por outro lado, não possui mecanismos de atualização anual, o que faz com que o gap entre o seu valor e os valores das linhas de Rocha fique maior a cada ano. Como resultado, em 2013 apenas seis das 25 linhas de indigência continuavam com valores menores ou iguais à linha do PBSM. Mesmo a correção tardia do valor desta para R$ 77,00 em 2014, baseada sem muita precisão na inflação (conforme veremos adiante), não foi o suficiente para cobrir a variação do período 2011-2013 na maioria das linhas de Rocha. Sem uma atualização anual, o elo entre o valor da linha do PBSM e o fenômeno social que ele deveria representar – a pobreza – foi se erodindo com o passar dos anos, tornando os atuais R$ 77,00 um valor arbitrário. A subcobertura de público, observada nas regiões metropolitanas já em 2011, passou a afetar quase todas as regiões do país em 2013 e (até onde pode ser observado, pela tendência dos anos passados) 2014 e 2015. 3.3.

O BANCO MUNDIAL E O DOLLAR A DAY Segundo Falcão e Costa (2014, p, 73), a linha de extrema pobreza

mundial do BM, conhecida como dollar a day, foi levada em consideração na definição do valor da linha de extrema pobreza do PBSM. Em 2011, seu valor era US$ 1,25/dia e equivalia a R$ 67 per capita mensais. O dollar a day foi adotado pelo Banco Mundial em 1990 para possibilitar a comparação dos indicadores de pobreza entre as nações. Ele é uma média das linhas de pobreza nacionais de diversos países. Em 1990, o valor da linha era realmente de US$ 1/dia, resultado do cálculo da média das linhas de pobreza nacionais de 22 países em desenvolvimento, excluindo propositalmente nações desenvolvidas com linhas de pobreza consideradas muito altas, de modo que a linha resultante fosse mais sensível à captação da pobreza. O dollar a day foi usado pela ONU para constituir o primeiro dos “Objetivos do Milênio”: reduzir a proporção de pessoas que vivem com menos de US$ 1,00 por dia pela metade entre os anos 42


de 1990 e 2015. Em 2005, a metodologia foi revisada e o número de países computados na média subiu de 22 para 115, fazendo com que a linha subisse para US$ 1,25. Como a linha internacional de US$1,25/dia está expressa em dólares, a sua operacionalização em países como o Brasil depende da conversão do valor para a moeda local. Para isso, não é adequado usar a taxa de câmbio comercial, pois 1 dólar não compra, nos EUA, o mesmo que R$ 3,8719 no Brasil. Embora no mercado de câmbio esses valores se equivalham, nos mercados domésticos de Brasil e EUA a quantidade de bens que se pode comprar com US$ 1,00 e R$ 3,87 é diferente, porque “alguns produtos, e especialmente serviços, são reconhecidamente mais baratos em países pobres, em comparação com países ricos” (Johnson et al., 2009, p. 2). Esse é o Efeito Balassa-Samuelson: países com alta produtividade e salários têm preços de produtos mais elevados. Por isso, a linha de pobreza do Banco Mundial não tem aplicabilidade sem um fator de conversão que traduza o verdadeiro poder de compra de US$ 1,25/dia para o valor de outras moedas. O BM resolveu esse problema através do fator de conversão de “paridade do poder de compra” (PPC). Desenvolvido pelo International Comparison Program (ICP) através de pesquisas de preços em escala mundial, o fator PPC é “a quantidade de moeda de um país necessária para comprar a mesma quantidade de bens e serviços no mercado doméstico que dólares americanos comprariam nos EUA. Este fator de conversão é para o [uso no cálculo do] consumo privado (gastos com consumo das famílias)”20. O PPC é, portanto, uma taxa de câmbio especial que converte o poder de compra das moedas, calculada com base na comparação dos preços de uma cesta de itens comuns entre diferentes nações. O PPC também é usado na comparação do PIB de países. Em 2011, ano de início do Plano Brasil Sem Miséria, a taxa de conversão PPC entre o real e o dólar era de 1,6621 (US$ PPC 1,00 = R$ 1,66), o que significa que R$ 1,66 tinha à época o mesmo poder de compra no Brasil que 1 dólar

19

Cotação do dólar comercial em 11/set/2015, usada aqui para fins de ilustração. Fonte: Uol economia. Acesso em 11/set/2015. 20 Tradução livre do texto introdutório sobre o fator de conversão PPC na base de dados do BM, encontrado em http://bit.ly/1VSGBNu. Acesso em 11/set/2015. 21 Retirado de https://research.stlouisfed.org/fred2/series/XRNCUSBRA618NRUG. Acesso em 11/set/2015.

43


americano nos EUA em 2000. A linha US$ 1,25/dia correspondia, no Brasil, a R$ 2,09/dia, ou R$ 62,62/mês para um mês de 30 dias. Vimos, portanto, que a linha do BM é 10% menor que a linha de extrema pobreza do PBSM. Mas a irregularidade de valores não é o ponto que queremos frisar aqui. O ponto mais importante a ser destacado é que a linha do BM foi construída para permitir a comparação de números entre países e a medição do atingimento de metas internacionais, e não para o uso em políticas públicas internas. Por isso, não se constitui num bom referencial para uma linha nacional de pobreza. A comparabilidade internacional, apesar de reforçar “a consistência espacial das ações locais com o pensar global” (NERI, 2013, p. 130), é uma faca de dois gumes, pois um padrão internacional sempre será uma medida generalista que demandará o sacrifício das especificidades internas. Diferente das linhas de Rocha, a do BM não é regionalizável, nem ao menos é uma média das medições brasileiras, mas sim de países que não necessariamente têm a ver com o nosso perfil de pobreza. Desse modo, consideramos que uma linha internacional não seja adequada para operacionalizar programas sociais que lidam com um tema tão sensível à conjuntura local quanto a pobreza. Reforçando esta opinião está o próprio Martin Ravallion, “pai” do dollar a day¸ que diz:

[...] o Banco Mundial nunca insistiu no uso de uma só linha; de fato, nos seus trabalhos com países em desenvolvimento específicos, o BM usa a linha de pobreza nacional considerada mais apropriada em cada país. (RAVALLION, 2010)

3.4.

RELAÇÃO ENTRE AS LINHAS DO PBSM E O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA

Dado que nem as linhas de Rocha, nem a linha do BM resultam num valor exato de R$ 70,00, parece provável que a referência mais forte para a linha de extrema pobreza do PBSM tenha sido a linha de operacionalização do Programa Bolsa Família. De fato, os valores da linha do Bolsa Família, da linha de extrema pobreza do PBSM e do benefício básico do Bolsa Família são idênticos, e a atualização de 2014 manteve a paridade de valores, de forma que, na literatura do PBSM, “linha de extrema pobreza” e “linha de operacionalização do Bolsa

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Família” são usadas como sinônimos (mesmo a linha do PBSM tendo sido criada depois). Por isso, é importante saber a origem da linha de operacionalização do Bolsa Família e quais os critérios que guiam a sua atualização. Primeiramente, vamos apresentar o Programa Bolsa Família; após, vamos relacionar a sua linha de operacionalização com o PBSM. O Programa Bolsa Família é um programa federal de transferência de renda não-contributivo direcionado a famílias em situação de pobreza e extrema pobreza, com o objetivo de “contribuir para a inclusão social de milhões de famílias brasileiras premidas pela miséria, com alívio imediato de sua situação de pobreza e da fome” (CAMPELLO, 2013, p. 15). As transferências são voltadas à população produtiva em idade ativa, com ênfase nas crianças (PAIVA et al., 2013, p. 25). Além do benefício básico, existem benefícios adicionais caso haja, na composição da família, gestantes, crianças na primeira infância e crianças e adolescentes em idade escolar, até 15 anos. O repasse dos benefícios está condicionado ao cumprimento de condicionalidades nas áreas de Educação (garantir uma frequência escolar mínima das crianças em idade escolar da família) e Saúde (manter a vacinação em dia, entre outras). O programa é coordenado a nível federal pelo MDS, mas sua gestão é descentralizada, sendo tarefa dos municípios cadastrar o público-alvo no CADÚnico e encaminhar as famílias elegíveis ao programa. A transferência dos repasses aos beneficiários é operacionalizada pela Caixa Econômica Federal. A focalização acontece por meio da autodeclaração da renda do candidato. A família, ao ser cadastrada no CADÚnico, informa sua renda mensal; se ela estiver dentro do ponto de corte do programa, a família se torna elegível. Não há teste de meios (verified means test) nem proxy means test para verificar a renda. Paiva et al. (2013, p. 34) diz que a utilização do teste de meios nunca chegou a ser “uma opção viável” porque “a incipiente rede de proteção social no Brasil não teria capacidade de executar testes de meios de forma massificada, o que condenaria ao fracasso qualquer programa que deles fizesse uso”. A opção de utilizar proxies também foi descartada porque “faltaria transparência às concessões de benefícios e clareza na comunicação com os beneficiários do programa”. Já a renda autodeclarada, “com todos os seus riscos, tornaria fácil a comunicação com beneficiários, daria transparência à concessão e manutenção 45


de benefícios e permitiria ações claras de controle, tanto do ponto de vista social quanto governamental”. As dimensões federal e municipal do Bolsa Família trabalham com estimativas do tamanho da população-alvo, que servem para estabelecer o limite (ainda de flexível) para o número de beneficiários em cada município (PAIVA et al., 2013, p. 34). Ou seja, o município deve se esforçar para fazer o melhor targeting possível, pois o número de “bolsas” é limitado. Em 2013, o número limite de famílias beneficiárias, a nível nacional, orbitava os 13 milhões. Quando o programa atinge esse número, só podem entrar novos beneficiários se alguém for desligado do programa. O Bolsa Família não tem, portanto, capacidade de atender a todo os elegíveis ao benefício. Existem famílias registradas no Cadastro Único que não têm acesso ao benefício e devem esperar a sua vez. Uma vez cadastrada no programa, a família beneficiária mantém o benefício por dois anos, independente de variação na renda mensal, salvo no caso de grandes variações positivas, tais como a conquista de um emprego formal ou de benefício social no valor de pelo menos um salário mínimo (SOARES, 2009, p. 10). Esse período longo no programa protege as famílias dos efeitos da volatilidade de renda. Como se sabe, famílias de baixa renda possuem rendimentos mensais incertos, diferentemente de profissionais com carteira assinada, que sabem o quanto vão ganhar de salário no final do mês. Pontualmente, essas famílias podem ter rendimentos acima da linha de pobreza, mas isso não quer dizer que elas superaram essa condição, pois no próximo mês seus rendimentos podem voltar a cair. O período de dois anos garante que as famílias não saiam do Bolsa Família caso os seus rendimentos forem ocasionalmente maiores do que o ponto de corte do programa. O Bolsa Família não é o primeiro programa do seu tipo. Ele foi precedido pelas ações de transferência de renda do Programa Fome Zero e, antes disso, por diversos programas de transferência de renda criados durante o governo FHC, como o Bolsa Escola e o Bolsa Alimentação. Esses últimos programas não possuíam coordenação entre si, tinham transferências direcionadas para fins específicos (como o auxílio para o custeio do gás nos domicílios) e eram focados nas famílias de baixa renda com crianças em idade escolar. O Fome Zero, conjunto de ações lançado no início de 2003 com o objetivo de combater a pobreza, unificou os programas de transferências de renda e descartou a 46


composição familiar como critério de focalização, adotando a renda como critério único. Tanto no Fome Zero quanto nos programas da Era FHC, a linha de operacionalização usada era a de meio salário mínimo per capita, equivalente, à época, a R$ 100 (ROCHA, 2005). No final de 2003, houve uma reformulação das transferências de renda do Fome Zero, de forma que se originou um novo programa, o Bolsa Família. Diferente do Fome Zero e similar aos programas da Era FHC, o Programa Bolsa Família novamente priorizou o atendimento às famílias com crianças em sua composição. Foram criados dois parâmetros de renda, diferenciando dois conjuntos de beneficiários: as famílias com rendimentos de até R$ 50,00 mensais per capita tinham direito a receber a transferência de R$ 50/mês mais um benefício adicional de R$ 15,00 por criança de até 15 anos, até o máximo de três crianças; já as famílias com rendimento per capita entre R$ 50 e R$ 100,00 mensais receberiam somente os benefícios adicionais, caso houvesse crianças na sua composição. Segundo Graziano et al. (2010, p. 45), a linha de operacionalização do Fome Zero tomou emprestado o corte de um dólar por dia do Banco Mundial, mas, em vez de convertê-lo em reais usando o dólar PPP, foi usada a cotação média do dólar comercial de setembro de 1999, data de referência da PNAD usada no planejamento do Fome Zero. Convenientemente, o valor da linha de pobreza ficou próximo do valor do salário mínimo de 1999. Com o surgimento do Bolsa Família, as linhas de operacionalização e valores de benefícios do Fome Zero foram incorporadas ao novo programa, mas desindexadas da linha do BM. Correções nos valores dos benefícios e do ponto de corte dos participantes seriam atualizados pelo Governo Federal com base nas suas disponibilidades orçamentárias. O mesmo valia para o número de beneficiários, que seria estipulado pelo governo, não importando o real tamanho da população pobre. Nas palavras de Sergei e Sátyro (2009)

O Programa Bolsa Família não é um direito. Ao contrário, encontra-se explicitamente condicionado às possibilidades orçamentárias. A Lei no 10.836, de 09 de janeiro de 2004, que o cria, estabelece em seu artigo sexto, parágrafo único: “O Poder Executivo deverá compatibilizar a quantidade de beneficiários do Programa Bolsa Família com as dotações 47


orçamentárias existentes”. Ao contrário de uma aposentadoria, um seguro-desemprego ou o pagamento de um título da dívida pública, o Bolsa Família é um programa de orçamento definido. Uma vez esgotada a dotação orçamentária, ninguém mais pode passar a receber o benefício, pelo menos até que haja crédito suplementar. (SERGEI e SÁTYRO, 2009, p. 11)

Sendo assim, as atualizações nos valores dos benefícios e das linhas de operacionalização do programa foram inconstantes, realizados por meio de leis e decretos, como mostra a tabela a seguir:

Tabela 3: mudanças nos valores do benefício básico e das linhas de operacionalização do Programa Bolsa Família ao longo dos anos Data

Jan. 2004

Abr. 2006

R$ 50,00

R$ 50,00

Valor da linha 1

R$ 50,00

Valor da linha 2

R$ 50,00 a R$ 100,00

Benefício básico

Jun. 2008

Abr. 2009

Jul. 2009

Abr. 2014

R$58,00

R$ 58,00

R$ 68,00

R$ 77,00

R$ 60,00

R$ 60,00

R$ 69,00

R$ 70,00

R$ 77,00

R$ 60,00 a R$ 120,00

R$ 60,00 a R$ 120,00

R$ 69,00 a R$ 137,00

R$ 70,00 a R$ 140,00

R$ 77,00 a R$154,00

Fonte: adaptado de HELLMANN, 2015

Nos dez anos do PBF, o hiato entre as correções no valor das linhas e benefícios já foi de dois anos, três anos, alguns meses, e chegou a cinco anos durante o período 2009-2014. Durante esse mesmo tempo, a inflação e o salário mínimo foram atualizados anualmente, resultando num aumento do custo de vida. Porém, as correções do Bolsa Família não acompanharam esse mesmo ritmo. Segundo Sergei e Sátyro (2009, p. 13), não há qualquer regra de indexação formal para os benefícios do Programa Bolsa Família, mas, nas vezes em que os valores foram corrigidos, eles o foram com base na inflação, calculada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do IBGE. Ao tentar confirmar essa relação apontada pelos autores, a presente pesquisa constatou que o INPC serviu, no máximo, como inspiração para a atualização, mas não foi usado de forma nominal: segundo os dados do INPC, o benefício básico, que

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era de R$ 50 em 2004, deveria valer R$ 87,05 em 2014, e não R$ 77,00.22 O valor de R$ 77,00 não tem referência exata em nenhum indicador, sendo arbitrário, possivelmente influenciado pela disponibilidade orçamentária do governo. Se os valores dos pontos de corte e dos benefícios foram influenciados pela disponibilidade orçamentária do governo e não por pesquisas sobre custo de vida e necessidades de consumo básicas, como a nossa observação leva a crer, então o uso da linha do Bolsa Família como linha de extrema pobreza do PBSM se mostra problemático. O problema não está em delimitar um ponto de corte para o atendimento do Bolsa Família, mas sim em usar esse limite para monitorar um fenômeno social complexo como a pobreza, que extrapola o âmbito do programa. Mais correto seria fazer o contrário: com base numa medição acurada do fenômeno, conduzida com rigor metodológico, é que deveria ser traçado um plano de erradicação da miséria. Do modo como foi construído, o objetivo do PBSM de erradicar a pobreza extrema com o atendimento de 16,2 milhões de brasileiros reflete a dimensão do público que o governo consegue atender, e não no público que realmente existe. Como resultado, mesmo que esses 16,2 milhões de brasileiros saiam da miséria, o fenômeno não terá sido erradicado, ainda que, para o Governo Federal, isso tenha acontecido. Há toda uma outra parte do núcleo duro da pobreza que permanecerá não contabilizada, sem ser coberta pelo monitoramento feito por meio dos indicadores do governo. Ou seja, a pobreza não estará erradicada após o cumprimento da meta do PBSM.

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Calculado com o uso da calculadora virtual presente em http://bit.ly/1NxnHJZ. Acesso em 06/nov/2015.

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COMPARAÇÕES ENTRE AS MEDIÇÕES DE POBREZA DO MDS E DE ROCHA Neste capítulo compararemos os resultados das medições dos indicadores de indigência, pobreza e extrema pobreza para o Brasil usando as metodologias de Rocha e do Governo Federal. Usaremos como referência os dados da PNAD 2013, posto que as linhas mais atualizadas de Rocha utilizam informações dessa edição da pesquisa. A contagem da população pobre e indigente de acordo com a metodologia de Rocha foi retirada da planilha “PNAD 2013 – Indicadores de Pobreza e de Indigência (Sonia Rocha)”, elaborada por Rocha em parceria com o Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS) e publicada em novembro de 2014. Nesta planilha estão os indicadores de pobreza e indigência para Brasil, estados e regiões, de acordo com as linhas regionais de pobreza para o ano de 2013. Até o momento da presente pesquisa, tratava-se da medição mais atualizada desses indicadores. A contagem do Governo Federal para a população pobre e extremamente pobre foi extraída da ferramenta PIC Social, disponível no site da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI) do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)23. Trata-se de uma aplicação virtual para a visualização de painéis de monitoramento de indicadores da assistência social, entre eles os indicadores “Quantidade de moradores de domicílios particulares permanentes com renda domiciliar per capita de R$ 0,00 a 70,00” e “Quantidade de moradores de domicílios particulares permanentes com renda domiciliar per capita de R$ 70,01 a 140,00”, com resultados disponíveis para todos dos estados do Brasil mais o Distrito Federal24. Estes indicadores foram utilizados no presente trabalho para determinar os números de pobres25 e extremamente pobres no Brasil e regiões segundo o MDS, com valores referentes a 2013.

23

Acesso em http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/portal/?grupo=72 Estão incluídos na contagem da SAGI a população residente em domicílios sem rendimento ou sem declaração de rendimentos que apresentam algum indicador proxy de pobreza (como ausência de banheiros ou de ligação domiciliar com algum sistema de abastecimento de água), conforme a metodologia de análise discriminante descrita no Estudo Técnico SAGI nº 15/2014. 25 No caso do cálculo de pobres, a contagem dos indicadores “Quantidade...de R$ 0,00 a 70,00” e “Quantidade [...] de R$ 70,01 a 140,00” foram somados. 24

50


Como os indicadores de Rocha e da SAGI utilizados nesta pesquisa são ambos baseados na PNAD 2013, eles são perfeitamente comparáveis. Há apenas dois problemas nessa comparação. O primeiro é conceitual: Rocha mede a “indigência”, enquanto o PBSM mede a “extrema pobreza”, ou seja, não falam da mesma coisa. Indigência, conforme apresentado no capítulo 2, tem a ver com a incapacidade de meios para prover as necessidades básicas de alimentação; em outras palavras, tem a ver com a fome. Já indivíduos em extrema pobreza, no entendimento do PBSM, são aqueles que fazem parte do “núcleo duro” da pobreza, o que não significa necessariamente indigência. Provavelmente a decisão do governo de não relacionar diretamente “extrema pobreza” com “indigência” esteja ligada à eliminação da fome como um problema crônico no país, como observam Falcão e Costa (2014, p. 69)26; dessa forma, os “mais pobres dentre os pobres” não são mais os famintos, como em outros momentos da história brasileira. Superada a fome, a pobreza agora se materializaria como insuficiência grave em outras necessidades. No entanto, os indicadores de indigência baseados em Rocha vão na contramão dessas conclusões, pois em 2011 ainda contabilizavam 8,7 milhões de indigentes. Conclui-se, portanto, que os mais pobres dentre os pobres no Brasil continuam sendo os indigentes. Dessa forma, concluímos que “indigência” e “extrema pobreza” ainda podem ser contabilizadas como a mesma coisa ou que, ao menos, indigência é um fenômeno que faz parte (talvez seja o definidor) da extrema pobreza no Brasil. Por isso, acreditamos que as medidas de “indigência” de Rocha e “extrema pobreza” do PBSM são comparáveis. O outro porém é que a ferramenta da SAGI usada para extrair os dados do PBSM não exibe resultados pormenorizados por situação do domicílio (rural, urbano ou região metropolitana), diferentemente da planilha de Rocha. Isso não impede a comparação dos resultados gerais, mas limita o universo de testes e comparações que podem ser feitos – não podemos comparar, por exemplo, a contagem de pobres em zonas rurais do Brasil entre as duas metodologias. Uma última observação antes da comparação: entendemos, como Rocha, que a indigência/extrema pobreza é uma parte do fenômeno maior da pobreza. Portanto, sempre que forem demonstrados quantitativos da população “pobre” 26

De fato, em 2014 a FAO divulgou que o Brasil havia saído do Mapa da Fome, já que a subalimentação é inferior a 5% da população (FALCÃO e COSTA, 2014, p. 69).

51


neste capítulo, eles também englobam os indivíduos classificados como indigentes/extremamente pobres.27 Começaremos a comparação analisando os resultados da contagem das duas metodologias para as diferentes regiões do Brasil. O gráfico abaixo compara os resultados da medição de extrema pobreza do Governo Federal com os da medição de indigência de Rocha. O gráfico 5 faz a comparação do resultado do número de pobres entre as duas metodologias. Gráfico 4 – número de indigentes (Rocha) e de extremamente pobres (Governo Federal) por região do país 10000000 9000000

Nº de indivíduos

8000000 7000000 6000000

5000000

Total da população em situação de indigência (Rocha)

4000000

Total da população em situação de extrema pobreza (gov. fed.)

3000000 2000000 1000000 0

Fonte: elaboração própria

27

Por exemplo: quando dizemos que o número de pobres em 2013, segundo o Governo Federal, era de 15,2 milhões, também estão computados nesse número os 6,2 milhões classificados como extremamente pobres.

52


Gráfico 5 – número de pobres (Rocha e Governo Federal) por região do país 35000000 30000000 25000000 20000000 15000000

Total da população em situação de pobreza (Rocha)

10000000

Total da população em situação de pobreza (Gov. Fed)

5000000 0

Fonte: elaboração própria

Para o país como um todo, o resultado das duas medições é bem diferente: enquanto o Governo Federal localiza 6,2 milhões de brasileiros vivendo na extrema pobreza, o número de brasileiros indigentes, para Rocha, é um terço maior: 9 milhões. A distorção entre os resultados aumenta quando o que se mede é a pobreza: o resultado de Rocha é praticamente o dobro do calculado pelo governo (29,2 milhões contra 15,5 milhões). Quando analisamos os resultados por região, observa-se um interessante fenômeno: nos dois gráficos, Rocha localizou uma população pobre maior do que o Governo Federal em todas as regiões, mas a diferença nos resultados foi maior nas regiões Centro-Oeste, Sul e, especialmente, no Sudeste. Já no cálculo da indigência/extrema pobreza para o Nordeste, a diferença de resultado entre as duas metodologias, se comparada com a das outras regiões, é menor. Temos, portanto, uma diferença pequena nos resultados das duas medições para a região Nordeste, uma diferença considerável para a região Norte e diferenças grandes para as regiões Centro-Oeste, Sul e, especialmente, Sudeste. As diferenças entre as estimativas de pobres na região Sudeste foi o que mais pesou para a disparidade na contagem total de pobres do Brasil entre as duas metodologias. O número encontrado por Rocha na região Sudeste é mais de quatro vezes maior do que o do governo e representa quase metade dos 15 53


milhões de indivíduos que foram identificados como “pobres” por Rocha, mas que são invisíveis para o Governo Federal. Apenas no estado de São Paulo, a diferença na contagem é de cinco milhões. Gráfico 6 – número de indigentes/extremamente pobres e pobres no estado de São Paulo, segundo Rocha e Governo Federal (Pnad 2013) 6000000 5000000

4000000 3000000

Metodol. Rocha

2000000

Metodol. Governo Federal

1000000 0 Nº de indigentes/extremamente pobres

Nº de pobres

Fonte: elaboração própria

Comparativamente, nos estados do Nordeste a diferença entre a contagem de indigentes (Rocha) e extremamente pobres (Governo Federal) é baixa, como pode ser constatado no gráfico abaixo:

54


Gráfico 7 – número de indigentes (ROCHA) e extremamente pobres (Governo Federal) nos estados do Nordeste (Pnad 2013) Bahia Sergipe Alagoas Pernambuco Paraíba Rio Grande do Norte Ceará Piauí Maranhão 0

200000

400000

Nº extremamente pobres

600000

800000

1000000

1200000

Nº de indigentes

Fonte: elaboração própria

Maranhão foi, inclusive, o único estado em que a contagem do Governo Federal foi maior do que a de Rocha, o que pode ser explicado pela combinação de dois fatores: o baixo custo da cesta de alimentos na zona rural do Nordeste, resultando numa linha de indigência regional rural abaixo dos R$ 70,00 (R$ 65,00, para ser mais exato); e o perfil majoritariamente rural da indigência no Maranhão. Ele é o único estado brasileiro com mais indigentes vivendo na zona rural do que na zona urbana (549 mil contra 325 mil, respectivamente). O que faz com que os resultados das duas metodologias sejam díspares na região Sudeste e mais aproximados na região Nordeste? O caso do Maranhão nos provê uma pista: regiões com custos de vida menores possuem linhas regionais de pobreza e indigência mais baixas, portanto mais próximas da linha de R$ 70,00 do PBSM. Já nas regiões onde o custo de vida é maior, a linha de indigência (e, consequentemente, a de pobreza) terá um valor elevado e, portanto, mais distante dos R$ 70,00. Como o custo das cestas alimentar e nãoalimentar é menor nas regiões rurais e maior nas regiões urbanas, então uma hipótese plausível é que a distorção entre a medição de Rocha e do MDS será

55


menor nas regiões rurais e maior nas regiões com pobreza predominantemente urbana – pois nelas a linha de indigência tende a ser mais alta. O gráfico a seguir28 mostra que a indigência rural é um fenômeno marcante da região Nordeste, mas pouco representativo das regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, justamente aquelas onde foram encontradas as maiores disparidades entre as medições de Rocha e do Governo Federal: Gráfico 8 – número de indigentes por região do país, de acordo com a situação de residência (Rocha) 3000000 2500000 2000000 1500000 Urbano e Metropolitano 1000000

Rural

500000 0

Fonte: elaboração própria

O mesmo padrão se repete para a pobreza, conforme o gráfico a seguir:

28

Rocha trabalha a contagem da população indigente em três grupos: rural, urbano e metropolitano. Como as regiões metropolitanas são majoritariamente urbanas, esse grupo foi agregado ao urbano na montagem do gráfico.

56


Gráfico 9 – número de pobres por região do país, de acordo com a situação de residência (Rocha) 3000000 2500000 2000000 1500000 Urbano e metropolitano 1000000

Rural

500000 0

Fonte: elaboração própria

Para verificar a relação entre taxa de urbanização e distorção entre as mensurações, colocamos lado a lado no gráfico a seguir as medições de pobreza das duas metodologias para os cinco estados com a maior taxa de urbanização do Brasil (incluindo o Distrito Federal) e os cinco estados com a menor taxa. Observando os resultados, nota-se que a linha do PBSM não consegue captar tão bem a pobreza nas regiões altamente urbanizadas quanto as linhas de Rocha. Conforme o esperado, a distorção entre as duas medições é menor nos estados com menor taxa de urbanização.

57


Gráfico 10 – comparação de medições de pobreza nos estados mais urbanizados e menos urbanizados (PNAD 2013) Rio de Janeiro (97%) São Paulo (96%) Distrito Federal (95%) Goiás (91,6%) Amapá (90%) Alagoas (71,5%) Acre (71%) Pará (69%)

Piauí (68%) Maranhão (58%) 0

1000000

2000000

3000000

Nº de pobres (Rocha)

4000000

5000000

6000000

Nº de pobres (gov. fed.)

Fonte: elaboração própria

Podemos

concluir

que

a

medição

feita

por meio

das linhas

governamentais de extrema pobreza e de pobreza têm efetividade limitada nos estados e regiões brasileiras onde o custo de vida é maior, donde se inclui as zonas mais urbanizadas. As linhas elaboradas por Rocha, por outro lado, conseguem captar um número maior de pessoas vivendo sem o mínimo suficiente para satisfazer as suas necessidades básicas, justamente porque elas incorporam em suas metodologias as diferenças regionais no custo de vida. Ao deixar de lado esse importante fator, o Governo Federal exclui de suas medições uma parcela significativa da população pobre, especialmente nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste. O resultado de uma deficiência na medição da pobreza nessas regiões, que contêm estados populosos e altamente urbanizados como Rio de Janeiro e São Paulo, resulta na exclusão de milhões de brasileiros das estatísticas de pobreza e também de sua exclusão no acesso

58


a programas de transferência de renda, visto que a linha de extrema pobreza e a linha de operacionalização de benefícios como o Bolsa Família são as mesmas.

59


CONCLUSÃO

A proposta da linha de extrema pobreza do Plano Brasil Sem Miséria é localizar o núcleo duro da pobreza no Brasil e chegar até os mais pobres dentre os pobres. Para isso, estabeleceu-se inicialmente um valor de R$ 70,00, o mesmo da linha de operacionalização do Programa Bolsa Família. Por sua vez, a linha do Bolsa Família foi originalmente inspirada na linha do Fome Zero, que foi inspirada na linha de extrema pobreza do Banco Mundial, que é computada como a média das linhas de pobreza de diversos países e não dá conta das particularidades da pobreza no Brasil. Em cada uma dessas ramificações foi adotada uma metodologia diferente para a atualização do valor da linha, que era hora indexada à linha do BM, hora desvinculada de qualquer fator senão a disponibilidade orçamentária. Fruto de todas essas mudanças e derivações, a linha do PBSM pode ser considerada um instrumento fiel de medição da realidade social brasileira? Neste trabalho, comparamos os resultados das medições da pobreza e extrema pobreza com os resultados da medição de Sonia Rocha, cuja metodologia é indexada às mudanças nos custos de vida regionais, de modo a testar a validade dos instrumentos de medição da pobreza usados pelo Governo Federal. Ainda que não seja perfeita, a metodologia de Rocha tem o cuidado de atualizar anualmente as linhas de pobreza e de indigência, utilizando dados retirados de pesquisas nacionais confiáveis, sendo, portanto, um termômetro mais seguro para medir o fenômeno real da pobreza do que as linhas do PBSM, que carecem de uma metodologia vinculada à realidade social. Como resultado da comparação, descobrimos que a medição criada pelo MDS carece de reconhecer ao menos 2,8 milhões de brasileiros como extremamente pobres, e mais 10,9 milhões como pobres. Não é incomum que os critérios de medição da pobreza sejam simplificados conforme a capacidade estatal de encarar o combate à miséria. A própria Sonia Rocha diz que linhas de pobreza que informam proporções de pobres muito elevadas são impraticáveis para uso no diagnóstico e orientação de políticas (ROCHA, 2003, p. 77-78). A escolha do Governo Federal por uma metodologia que faz um recorte menor da população pobre poderia ser justificada pela incapacidade do Estado de lidar com a pobreza em seus números 60


absolutos. Se o governo adotasse uma metodologia que informasse um públicoalvo muito grande, ela não serviria para focalizar os programas sociais. Esse é um bom argumento, mas insuficiente para justificar a escolha do MDS pela linha do PBSM. A população pobre, segundo Rocha, representa 15,3% da população brasileira (4,7% se levarmos em conta só a população indigente). É um número grande, mas operacionalizável. Ainda que exija o emprego de mais recursos, essa contagem não representa nenhum número absurdo para utilização na execução de políticas públicas, o que seria diferente se o resultado apontasse a população pobre como 30 ou 40% da população brasileira. Ainda assim, 15,3% é o dobro da contagem do Governo Federal. A grande pergunta é: caso uma nova metodologia de focalização fosse adotada pelo governo, uma metodologia que fosse regionalizada e indexada aos valores dos custos de vida locais, de forma a identificar o público atualmente invisível, quem pagaria a diferença? Mais pobres significam mais pessoas elegíveis para benefícios sociais e maiores gastos governamentais. Isso é especialmente verdade para as regiões metropolitanas, pois, como vimos, a maior deficiência de medição do governo se localiza nessas áreas urbanas com custos de vida altos e maior número absoluto de pessoas na pobreza. O Governo Federal teria que alocar mais recursos no sistema de assistência social para dar conta do atendimento de toda essa população. Teria ele condições de fazê-lo sozinho? Outro problema é que, com a adoção de linhas regionalizadas, os benefícios das transferências de renda podem se mostrar insuficientes para eliminar mesmo a pobreza daqueles que recebem os benefícios. Por enquanto, tanto a linha da extrema pobreza quanto o benefício básico do Bolsa Família têm o valor de R$ 77,00, o que significa que, no caso de famílias formadas por um só indivíduo, o recebimento do Bolsa Família já o retira automaticamente da condição de extrema pobreza. Se as linhas passarem a ser regionalizadas, isso não acontecerá tão facilmente. Em municípios como São Paulo, cuja linha de indigência, segundo Rocha, é de R$ 117,77, o benefício do Bolsa Família é insuficiente para retirar uma família da miséria. Quanto mais alto o custo de vida, maior é a dificuldade das famílias de superarem a pobreza somente com as transferências de renda do Governo Federal. Por isso, o poder do Bolsa Família

61


de combater a miséria enfraquece caso as linhas sejam regionalizadas sem que os benefícios também o sejam. A solução pode estar na atualização conjunta dos valores das linhas e dos benefícios, com o benefício do Bolsa Família sendo complementado regionalmente por estados e municípios. Estados e alguns municípios têm condições de alocar recursos próprios nas transferências de renda, complementando o valor transferido pelo Governo Federal e deixando-o mais próximo do valor da linha regional de pobreza. Transferências de renda locais não são nenhuma novidade: nos anos 90, mesmo antes de programas federais como o Bolsa-Escola, alguns municípios já tinham programas próprios com esse objetivo. O Bolsa Familiar para Educação, de Brasília, foi criado em 1995 e transferia um salário mínimo mensal para famílias pobres com crianças abaixo dos 15 anos. Seu modelo foi reproduzido em outras cidades - não só em capitais como Belo Horizonte e Goiânia, mas também em municípios de porte menor, especialmente os paulistas: Franca, Guariba, Jundiaí, Jaboticabal, Ourinhos e outros (SOARES e SÁTYRO, 2009, p. 9), o que mostra algum grau de possibilidade orçamentária, em certos municípios,

de

cofinanciar

o

Bolsa

Família

ou

de

criar

programas

complementares. Nesse caso, as transferências de renda federais, estaduais e municipais devem ser coordenadas e não sobrepostas: transferências locais devem complementar as transferências já realizadas pelo Bolsa Família, e não criar transferências novas, pois isso originaria dois sistemas diferentes para o mesmo fim dentro de uma mesma localidade, repetindo o caos existente antes da unificação dos programas de transferência de renda federal - quando existiam quatro programas similares direcionados ao mesmo público, cada um com um cadastro próprio e operacionalizado por um órgão do governo diferente. No âmbito estadual, existem diversos estados, principalmente no Sul e Sudeste, que já possuem programas de complementações de renda ao Programa Bolsa Família. Cada um operacionaliza o seu programa de acordo com objetivos locais. No Rio de Janeiro, temos o programa Renda Melhor, estadual, e o Família Carioca, municipal, da Prefeitura do Rio de Janeiro. Há, portanto, uma participação dos três níveis da federação no financiamento das transferências de renda. Cada um tem o seu programa, com certas particularidades, mas todos utilizam o mesmo Cadastro Único e beneficiam as 62


mesmas famílias. Esse benefício triplo faz com que as transferências de renda recebidas pelas famílias cariocas sejam maiores do que as de outras partes do país, o que é apropriado, pois a linha de pobreza do Rio de Janeiro calculada por Rocha é uma das mais altas do Brasil. O exemplo do Rio de Janeiro mostra que o Bolsa Família e as linhas de pobreza regionais podem funcionar juntas se o financiamento dos benefícios for dividido entre União, estado e grandes municípios. O benefício básico, federal, pode inclusive manter um mesmo valor para todo o país (os R$ 77,00 de agora, digamos), se forem somados a ele as complementações dos entes federados, de modo que em cada região se atinja um valor de benefício que seja próximo da linha regional de extrema pobreza. Em estados que não possuem condições de participar do financiamento, o Governo Federal pode criar benefícios especiais, como uma complementação especial para os estados do Nordeste, por exemplo. Desse modo, os estados e municípios que podem complementar o benefício do Bolsa Família o fazem, enquanto o Governo Federal amplia o valor dos benefícios familiares naqueles estados que não possuem condições para isso e cujas taxas de miséria são mais elevadas. É imprescindível que, para manter a coerência com a realidade mensurada, a linha de extrema pobreza e a linha de pobreza sejam atualizadas de acordo com critérios empíricos, de preferência anualmente. A atualização não pode se dar de forma espontânea, de acordo com critérios vagos de disponibilidade orçamentária, pois isso deteriora a qualidade da focalização dos programas e da contagem do público-alvo. A indexação à variação dos custos de vida regionais, conforme a observação dos preços de cestas básicas alimentares e não-alimentares, ainda parece ser a melhor solução. As sugestões aqui apresentadas têm implicações diretas no orçamento público, pois aumentam os custos de operacionalização dos programas sociais. O ano de 2016 é, ao mesmo tempo, um momento propício e desfavorável para mudanças: propício porque é o ano em que um novo plano de superação da pobreza deve ser anunciado, posto que o Plano Brasil Sem Miséria chegou ao fim de seu cronograma. Desfavorável, porque o Governo Federal passa por uma situação financeira delicada, e a regra da casa é que os gastos públicos sejam reduzidos e não expandidos. Uma mudança na forma de medição da pobreza que acarrete num aumento do público-alvo e, consequentemente, num aumento 63


dos gastos, dificilmente seria aprovada. A indexação da linha de pobreza e de benefícios sociais a indicadores anuais poderia criar um descontrole orçamentário, visto que não há garantias de que o governo tenha condições de reajustar benefícios caso a inflação ultrapasse a meta anual. Em outras palavras, o cenário é de incerteza e tudo o que ele não pede é por indexar gastos a indicadores permeados por incerteza. Ainda assim, se o Governo Federal encara a eliminação da extrema pobreza como prioridade, ele deve ser tratado de forma acurada, e isso implica na construção de um método adequado de medição da pobreza, que seja aplicável em diversos cenários regionais e que se mantenha gerando resultados confiável mesmo com o passar dos anos.

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66


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ANEXOS

ANEXO A: INDICADORES DE INDIGÊNCIA (ROCHA) / EXTREMA POBREZA (GOVERNO FEDERAL) SEGUNDO REGIÕES, UNIDADES DA FEDERAÇÃO E ESTRATOS DE RESIDÊNCIA – PNAD 2013

As tabelas abaixo trazem os resultados da contagem de Rocha e do IETS para a indigência no Brasil e, ao lado, a contagem do Governo Federal para a população em extrema pobreza, ambas tendo como referência os dados da PNAD 2013 e o ano de 2013.

Brasil

Número de Indigentes (ROCHA)

População em extrema pobreza (gov. fed.)

Norte

1.195.305

807.345

Nordeste

4.331.025

3.863.706

Sudeste

2.514.039

1.013.847

Sul

592.448

297.893

Centro-Oeste

410.420

237.682

9.043.237

6.220.473

BRASIL Metropolitano

2.177.351

Urbano

4.523.629

Rural

2.342.257

Norte

Rondônia

Número de Indigentes (ROCHA)

População em extrema pobreza (gov. fed.)

67.177

42.596

Urbano

54.027

Rural

13.150

Acre

47.381 Urbano

24.737

Rural

22.644

Amazonas

363.779 Urbano

274.825

Rural

88.954

45.642

226.057

68


Roraima

29.815 Urbano

23.959

Rural

5.856

Pará

556.434 Belém

128.008

Urbano

226.810

Rural

201.616

Amapá

45.279 Urbano

37.862

Rural

7.417

Tocantins

85.440 Urbano

52.600

Rural

32.840

NORTE

1.195.305 Belém

128.008

Urbano

694.820

Rural

372.477

14.381

396.332

30.436

51.901

807.345

Nordeste

Número de Indigentes (ROCHA)

População em extrema pobreza (gov. fed.)

Maranhão

875.329

930.357

Urbano

325.777

Rural

549.552

Piauí

169.821 Urbano

118.532

Rural

51.289

Ceará

668.178 Fortaleza

176.489

Urbano

253.086

Rural

238.603

Rio Grande do Norte

181.522

Urbano

128.800

Rural

52.722

Paraíba

228.658 Urbano

124.237

593.098

127.463

188.763

147.580

69


Rural Pernambuco

81.078 675.219

Recife

241.007

Urbano

263.574

Rural

170.638

Alagoas

317.204 Urbano

196.141

Rural

121.063

Sergipe

112.082 Urbano

78.096

Rural

33.986

Bahia

1.103.012 Salvador

201.395

Urbano

538.903

Rural

362.714

NORDESTE

4.331.025

Metropolitano

2.050.489

Rural

1.661.645

Minas Gerais

343.285

372.647

Rural

120.650

Rio de Janeiro

138.836

60.564

130.839 7.997 584.452

Metrópole

461.517

Urbano

105.809

Rural

17.126

São Paulo

3.863.706

615.163

Urbano

Rural

947.486

População em extrema pobreza (gov. fed.)

121.866

Urbano

84.959

Número de Indigentes (ROCHA)

Belo Horizonte

Espírito Santo

299.648

618.891

Urbano

Sudeste

567.695

1.175.588

Metrópole

591.592

Urbano

559.854

233.698

376.300

70


Rural SUDESTE

24.142 2.514.039

Metropolitano

1.174.975

Urbano

1.169.149

Rural Sul

Paraná

169.915 Número de Indigentes (ROCHA)

População em extrema pobreza (gov. fed.)

223.700

121.545

Curitiba

75.955

Urbano

133.037

Rural

14.708

Santa Catarina

104.374

Urbano

86.193

Rural

18.181

Rio Grande do Sul

264.374

Porto Alegre

116.087

Urbano

108.227

Rural

40.060

SUL

592.448 Metropolitano

192.042

Urbano

327.457

Rural

72.949

Centro-Oeste

Mato Grosso do Sul

131.229

297.893

População em extrema pobreza (gov. fed.)

72.192

42.658

66.037

Rural

6.155 120.547

Urbano

78.135

Rural

42.412

Goiás

45.119

Número de Indigentes (ROCHA)

Urbano

Mato Grosso

1.013.847

154.246 Urbano

137.542

Rural

16.704

83.042

88.342

71


Distrito Federal

63.435

23.640

CENTRO-OESTE

410.420

237.682

Metropolitano

63.435

Urbano

281.714

Rural

65.271

Fonte: elaboração própria com base na planilha “PNAD 2013 – Indicadores de Pobreza e de Indigência (Sonia Rocha)” e na ferramenta PIC Social

72


ANEXO B: INDICADORES DE POBREZA (ROCHA/GOVERNO FEDERAL) SEGUNDO REGIÕES, UNIDADES DA FEDERAÇÃO E ESTRATOS DE RESIDÊNCIA – PNAD 2013

As tabelas abaixo trazem os resultados da contagem de Rocha e do IETS para a pobreza no Brasil e, ao lado, a contagem do Governo Federal, ambas tendo como referência os dados da PNAD 2013 e o ano de 2013.

Região

Número de pobres (ROCHA)

Número de pobres (gov. fed.)

Norte

3.268.452

2.362.746

Nordeste

12.812.953

9.338.298

Sudeste

9.807.290

2.629.976

Sul

1.365.683

733.024

Centro-Oeste

1.980.025

520.214

BRASIL

29.234.403

15.584.208

Metropolitano 10.181.059 Urbano 13.960.928 Rural 5.092.416 Norte

Rondônia

Número de pobres (ROCHA)

Número de pobres (gov. fed.)

181.600

126.821

Urbano

149.697

Rural

31.903

Acre

152.941 Urbano

110.618

Rural

42.323

Amazonas

874.028 Urbano

711.974

Rural

162.054

Roraima

71.178 Urbano

61.058

Rural

10.120

131.335

590.425

43.488

73


Pará

1.625.684 Belém

463.651

Urbano

750.094

Rural

411.939

Amapá

145.552 Urbano

134.043

Rural

11.509

Tocantins

217.469 Urbano

169.476

Rural

47.993

NORTE

3.268.452 Belém

1.228.673

89.533

152.471

2.362.746

463.651

Urbano 2.086.960 Rural

717.841

Nordeste

Número de pobres (ROCHA)

Número de pobres (gov. fed.)

Maranhão

1.877.637

1.767.555

Urbano

905.443

Rural

972.194

Piauí

629.718 Urbano

425.701

Rural

204.017

Ceará

2.066.581 Fortaleza

736.358

Urbano

720.618

Rural

609.605

Rio Grande do Norte

582.640

Urbano

439.146

Rural

143.494

Paraíba

Pernambuco

757.569 Urbano

567.541

Rural

190.028 2.288.144

482.688

1.554.092

399.084

553.595

1.291.583

74


Recife 1.110.396 Urbano

813.965

Rural

363.783

Alagoas

846.899 Urbano

602.345

Rural

244.554

Sergipe

367.716 Urbano

297.948

Rural

69.768

Bahia

3.396.049 Salvador

674.966

265.742

2.348.993

834.055

Urbano 1.677.405 Rural NORDESTE

884.589 12.812.953

9.338.298

Metropolitano 2.680.809 Urbano 6.450.112 Rural 3.682.032 Sudeste

Número de pobres (ROCHA)

Número de pobres (gov. fed.)

Minas Gerais

1.789.652

932.945

Belo Horizonte

581.638

Urbano

924.717

Rural

283.297

Espírito Santo

334.243

Urbano

310.820

Rural

23.423

Rio de Janeiro

2.400.407

192.544

540.247

Metrópole 2.004.700 Urbano

340.047

Rural

55.660

São Paulo

5.282.988

964.240

Metrópole 3.450.587 Urbano 1.754.231 Rural MG/ES

78.170 2.123.895

75


Metropolitano

581.638

Urbano 1.235.537 Rural SUDESTE

306.720 9.807.290

2.629.976

Metropolitano 6.036.925 Urbano 3.329.815 Rural Sul

Paraná

440.550 Número de pobres (ROCHA)

Número de pobres (gov. fed.)

562.789

264.090

Curitiba

234.530

Urbano

286.144

Rural

42.115

Santa Catarina

216.826

Urbano

189.893

Rural

26.933

Rio Grande do Sul

586.068

Porto Alegre

264.886

Urbano

249.500

Rural

71.682

SUL

1.365.683 Metropolitano

499.416

Urbano

725.537

Rural

140.730

Centro-Oeste

Mato Grosso do Sul

733.024

Número de pobres (gov. fed.)

284.680

85.727

270.732

Rural

13.948 378.179

Urbano

309.874

Rural

68.305

Goiás

351.090

Número de pobres (ROCHA)

Urbano

Mato Grosso

117.844

816.908 Urbano

787.898

Rural

29.010

147.779

221.493

76


Distrito Federal CENTRO-OESTE Metropolitano

500.258

65.215

1.980.025

520.214

500.258

Urbano 1.368.504 Rural

111.263

Fonte: elaboração própria com base na planilha “PNAD 2013 – Indicadores de Pobreza e de Indigência (Sonia Rocha)” e na ferramenta PIC Social

77


ANEXO C: TAXA DE URBANIZAÇÃO SEGUNDO UNIDADE FEDERATIVA

A taxa de urbanização é calculada pelo IBGE como a porcentagem da população da área urbana em relação à população total.29

Região Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste BRASIL

Taxa de urbanização 7461,00% 7334,00% 9316,00% 8554,00% 9007,00% 8477,00%

Norte Rondônia Acre Amazonas Roraima Pará Amapá Tocantins

7351,00% 7117,00% 8317,00% 8348,00% 6886,00% 9000,00% 7593,00%

Nordeste Maranhão Piauí Ceará Rio Grande do Norte Paraíba Pernambuco Alagoas Sergipe Bahia

29

5825,00% 6840,00% 7288,00% 7863,00% 7962,00% 8157,00% 7149,00% 7320,00% 7390,00%

Conforme http://bit.ly/SoN4DQ. Acesso: 18 de novembro de 2015.

78


Sudeste Minas Gerais Espírito Santo Rio de Janeiro São Paulo

8446,00% 8600,00% 9698,00% 9647,00%

Sul Paraná Santa Catarina Rio Grande do Sul

8477,00% 8747,00% 8489,00%

Centro-Oeste Mato Grosso do Sul Mato Grosso Goiás Distrito Federal

8968,00% 8253,00% 9159,00% 9551,00%

Fonte: IBGE, PNAD 2013

79


ANEXO D: LINHAS DE INDIGÊNCIA E LINHAS DE POBREZA DE ROCHA PARA OS ANOS DE 2011 E 2013

Linha de indigência (em R$) 2011

Linha de pobreza (em R$) 2011

Linha de indigência (em R$) 2013

Linha de pobreza (em R$) 2013

Norte Belém Urbano Rural

75,37 74,18 48,96

210,90 183,84 92,23

92,14 90,69 60,81

241,52 210,53 105,61

Nordeste Fortaleza Recife Salvador Urbano Rural

70,52 90,72 84,02 61,66 53,56

198,03 292,27 262,07 176,96 106,74

87,95 110,45 101,89 75,49 65,58

229,25 336,09 296,09 202,61 122,21

M.G./E.S. Belo Horizonte Urbano Rural

76,97 66,34 53,22

259,82 174,68 103,41

91,37 78,76 63,18

294,41 197,93 117,17

Rio de Janeiro Metrópole Urbano Rural

96,47 70,03 55,31

296,06 184,21 134,47

115,36 83,74 66,14

338,04 210,33 153,54

São Paulo Metrópole Urbano Rural

100,04 81,65 64,21

357,68 228,56 143,79

117,77 96,11 75,58

398,04 254,35 160,01

Sul Curitiba Porto Alegre Urbano Rural

71,78 75,62 66,69 52,60

235,53 185,71 158,18 106,64

84,95 90,32 79,30 62,54

264,22 209,53 177,89 119,93

Centro-Oeste Brasília Goiânia Urbano Rural

81,37 80,24 69,83 52,57

346,59 318,82 242,75 139,42

94,26 93,85 81,67 61,48

384,64 357,13 271,92 156,17

Regiões e Estados

Fonte: adaptado de ROCHA, 2013

80


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