Solos Culturais

Page 27

Entretanto, basta uma rápida mirada sobre a distribuição geográfica desses equipamentos culturais para verificar a sua desmedida concentração. Há uma grande presença de teatros, cinemas e centros culturais no centro da cidade e nos bairros da Zona Sul. Em contrapartida, nas grandes favelas cariocas – Rocinha, Cidade de Deus, Maré, Alemão, Complexo da Penha e Manguinhos –, os investimentos públicos de porte no âmbito da arte e da cultura ainda são insuficientes para superar a geografia desigual das condições de acessibilidade. Adentramos o tema da inflexão territorial das políticas públicas, pois é impossível conceber e aceitar a concentração desmedida na distribuição de equipamentos de arte e cultura, especialmente os criados pelo poder público. Tais investimentos seriam de extrema relevância em termos educacionais, sociais e, inclusive, no tocante à segurança pública, pois podem significar transformações nas condições de existência não só das favelas, como também dos demais bairros vizinhos. Experiências recentes são referências importantes do papel das políticas públicas culturais no início de um processo de mudança no quadro de desigualdade na cidade, como a Rede Estadual de Pontos de Cultura, parceria entre o Ministério da Cultura e a Secretaria de Estado de Cultura presente em 70 municípios do Estado e em quinze favelas cariocas, as Bibliotecas Parque em Manguinhos e na Rocinha, programa da Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, e as Arenas Cariocas da Penha e da Pavuna, programa da Prefeitura do Rio de Janeiro. Consideramos, portanto, que a política de investimentos em equipamentos culturais precisa ganhar novas dimensões territoriais, superando, inclusive, a perversa associação de projetos culturais e intervenções urbanísticas em curso em nossa cidade sob o apodo de “revitalização urbana”, que tem sido bastante útil para revalorização mercantil de lugares outrora considerados degradados e que certamente terão como implicação a gentrificação do uso do território e dos equipamentos implantados. Por outro lado, é preciso reconhecer as favelas como territórios de invenção e reinvenção da cultura. A produção e a recepção de cultura das favelas precisam ser estimuladas e promovidas como expressão legítima da cidade do Rio de Janeiro. O poder público deverá se empenhar para garantir as condições de produção artística e de sua difusão cultural, preservando, porém, a autonomia criativa e a circulação de produtos. Trata-se, portanto, da formulação e execução de políticas públicas capazes de (re)conhecer territórios de múltiplas identidades e representações socioculturais na metrópole. Isto é, valorizar a diversidade como princípio de nossa formação identitária, promover encontros entre distantes / diferentes como possibilidade do respeito à alteridade e promover a tessitura de acontecimentos e intervenções artístico-culturais como mediações necessárias à construção das narrativas inovadoras para sociabilidades transformadoras.

PARTE I_CONCEITO

25


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.