Karatê-Dô O Meu Modo de Vida

Page 15

proibição do karatê ainda vigorava, percorria meu furtivo caminho na escuridão da noite, portando uma lanterna fosca quando não havia lua, para a casa de Mestre Azato. Quando, noite após noite, entrava sorrateiramente em casa um pouco antes do amanhecer, os vizinhos punham-se a conjeturar sobre aonde eu ia e o que estava fazendo. Alguns decidiram que a única resposta possível a este curioso enigma era um bordel. A verdade, porém, era totalmente outra. Noite após noite, freqüentemente no pátio da casa dos Azato, sob a observação do mestre, eu praticava um kata (“exercício formal”) repetidas vezes, semana após semana, ás vezes mês após mês, até tê-lo dominado completamente para satisfação do meu professor. Essa repetição constante de um único kata era estafante, muitas vezes exasperante e ocasionalmente humilhante. Mais de uma vez tive de lamber o pó no assoalho do dojô ou no pátio de Azato. Mas a prática era rígida, e nunca era autorizado a passar a outro kata sem que Azato estivesse convencido de que eu tinha compreendido bem o que estivera exercitando. Embora consideravelmente avançado em anos, ele sempre se sentava ereto como uma vareta, na sacada, quando trabalhávamos ao ar livre, vestindo um hakama, com um lampião de luz fraca a seu lado. Seguidas vezes, por puro cansaço, eu simplesmente não conseguia sequer apagar a chama. Depois de executar um kata, esperava seu julgamento verbal. Este era sempre sóbrio. Se continuasse insatisfeito com minha técnica, murmurava, “Faça de novo”, ou, “Um pouco mais!” Um pouco mais, um pouco mais, tantas vezes um pouco mais, até que o suor escorria e eu estava pronto para desabar: era seu jeito de me dizer que ainda havia algo a ser aprendido, a ser dominado. Por vezes, quando considerava meu progresso satisfatório, seu veredicto era expresso com uma única palavra, “Bom!” Essa única palavra era seu maior elogio. Até que não a ouvisse pronunciada várias vezes, porém, jamais me atrevia a pedir-lhe que me ensinasse um novo kata. Mas após o término de nossas sessões práticas, em geral nas primeiras horas da madrugada, ele se tornava um tipo diferente de professor. Então teorizava sobre a essência do karatê ou, como um pai bondoso, me interrogava sobre minha vida de professor. Pouco antes do amanhecer, pegava minha lanterna e voltava para casa, consciente, à medida que minha caminhada terminava, dos olhares desconfiados dos vizinhos. Não posso de maneira alguma deixar de mencionar um bom amigo de Azato, um homem que também teve sua origem numa família shizoku de Okinawa e também considerado tão hábil na arte do karatê quanto o próprio Azato. Às vezes, eu praticava sob a tutela dos dois mestres, Azato e Ytosu, ao mesmo tempo. Nessas ocasiões ouvia com a


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.