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Nelson Magalhães

A valorização dos secretários clínicos é fundamental

Manuel L. Nunes

A saúde oral no SNS vive tempos conturbados

As Jornadas Multidisciplinares de toda a MGF tiveram mais de

Dossier 10.º Congresso Português de Hipertensão e RCG

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Santarém abriu Hospital de Dia de Doenças Infeciosas há 20 anos, mas segue doentes VIH há três décadas. Na foto, o internista Fausto Roxo com a enfermeira Maria Saudade Ivo

P.

Esta Unidade da ULS de Loures-Odivelas, coordenada por Teresa Mendes, está envolvida em vários projetos de integração de cuidados com estruturas da comunidade, um dos quais na área das demências. Deverá arrancar ainda este ano um outro projeto relacionado com a prescrição social.

JOrNalMÉDICO

Diretor: José Alberto Soares redação: Miguel Anes Soares, Raquel Braz Oliveira Fotografia: Tomás Domingues Publicidade: Diogo Varela Diretor de Produção Gráfica: José Manuel Soares Diretor de Multimédia: Luís Soares Morada: Alameda dos Oceanos, Nº 25, E 3, 1990-196 Lisboa Jornal Médico é uma publicação da Just News de periodicidade mensal, dirigida a profissionais de saúde, isenta de registo na ERC, ao abrigo do Decreto Regulamentar 8/99, de 9/06, Artigo 12º nº 1A Tiragem: 12.000 exemplares Preço: 3 euros Depósito legal: 355.701/13

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Publicações

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III Jornadas de Internos do Estuário do Tejo (JoIn-ET)

A 3.ª edição das Jornadas Médicas de Internos do Estuário do Tejo (JoIn-ET) irá decorrer nos dias 22 e 23 maio de 2025, no Auditório Municipal de Arruda dos Vinhos. A participação nas palestras é gratuita, sob o formato presencial e on-line , existindo um custo associado aos workshops

O principal objetivo desta reunião será “a troca positiva de experiências e boas práticas entre profissionais da área da saúde, envolvendo especialistas e internos.”

A Comissão Organizadora convida todos os internos a participar na submissão e apresentação de trabalhos científicos, interpares, potenciando a partilha de conhecimentos.

Para mais informações: https:// join-et.pt/

Contacto: join.estuariodotejo@ gmail.com

a valorização dos secretários clínicos, um dos pilares dos CSP, é fundamental

AN

Aprestação de cuidados de saúde de qualidade é um desafio multiprofissional e multidimensional, onde cada profissional tem um papel essencial para garantir a consecução da missão e os objetivos das Unidades de Saúde Familiares (USF).

Entre estas figuras centrais destaco os secretários clínicos, que desempenham funções cruciais para a organização e eficiência dos serviços de saúde prestados à população, desde a organização dos processos administrativos, o apoio nas operações diárias, a gestão de agendas e a comunicação com os utentes. No contexto da USF-AN, o reconhecimento e a valorização destes profissionais são temas centrais da anterior e da nova Direção da Associação. Apesar da sua importância, os secretários clínicos ainda enfrentam desafios relacionados com a sua valorização profissional, a progressão na carreira e o reconhecimento dentro do SNS. O reforço da sua formação, a melhoria das condições de trabalho e a integração em decisões estratégicas das USF são medidas essenciais para fortalecer a sua atuação e com impacto nos Cuidados de Saúde Primários.

A USF-AN tem sido um forte aliado na defesa destes profissionais, promovendo iniciativas que visam a formação, a melhoria das condições de trabalho e o reconhecimento do seu papel. A nova Direção continuará a trabalhar neste sentido, reforçando o compromisso de dar voz a todos os

profissionais das USF. Partilho algumas das preocupações desta Direção:

A escassez de profissionais e os desafios nas zonas rurais

A escassez de secretários clínicos a nível nacional afeta, significativamente, a capacidade de resposta dos cuidados de saúde, com especial impacto nas USF rurais e com multipolos. O número destes profissionais deverá ser alvo de reflexão, devido à necessidade de alocar recursos adequados, em resposta às carências sentidas nessas zonas. Torna-se crucial implementar concursos públicos de recrutamento regulares e rever o sistema de incentivos para a fixação dos três grupos profissionais (médicos, enfermeiros e secretários clínicos) em áreas geograficamente menos atrativas, garantindo uma distribuição mais equitativa dos recursos humanos no território. Com estas medidas, será possível melhorar a capacidade de resposta e oferecer um serviço mais eficiente e acessível à população. Neste âmbito, a USF-AN está a organizar um evento sobre a glocalidade, de forma a promover uma reflexão conjunta com os vários stakeholders

A escassez de secretários clínicos a nível nacional afeta, significativamente, a capacidade de resposta dos cuidados de saúde, com especial impacto nas USF rurais e com multipolos.

A formação contínua como base para a qualidade do serviço

A qualificação contínua dos secretários clínicos é fundamental para manter a excelência no atendimento. Criar programas de formação adaptados às

especificidades de cada unidade de saúde permitirá a atualização constante das competências técnicas e interpessoais desses profissionais. Isso inclui desde o domínio de ferramentas digitais para a gestão de agendas até à melhoria da comunicação e da humanização no atendimento aos utentes. A integração desses profissionais em programas de desenvolvimento contínuo não só contribui para a melhoria dos serviços mas também fortalece o ambiente de trabalho e a satisfação dos utentes.

Gestão da comunicação e atendimento a migrantes

O aumento do volume de atendimento, seja por telefone ou por email, exige que os secretários clínicos adotem ferramentas digitais para otimizar os processos de comunicação e melhorar a gestão de informações. Ferramentas como sistemas de agendamento e plataformas de comunicação mais eficientes podem aliviar a carga de trabalho, permitindo uma gestão mais ágil e eficaz.

Outro desafio crescente é o atendimento a migrantes, que requer habilidades específicas para superar barreiras linguísticas e culturais. A formação especializada em atendimento a diferentes comunidades e a utilização de serviços de tradução podem garantir um acolhimento mais inclusivo e eficaz, assegurando que todos os utentes tenham acesso a cuidados de saúde de qualidade.

Literacia em saúde: facilitando a tomada de decisão dos utentes

Os secretários clínicos também podem desempenhar um papel crucial na promoção da literacia em saúde, ao ajudar os utentes na integração dos seus deveres e direitos e a entender melhor os serviços disponíveis, a reconhecer a importância da prevenção e a tomar decisões informadas sobre os seus cuidados. A educação em saúde é essencial para capacitar os cidadãos, promovendo a prevenção e o cuidado contínuo, o que poderá, a longo prazo, reduzir a pressão sobre os serviços.

DGS publica Percurso de Cuidados Integrados para a Pessoa com Doença renal Crónica

Por ocasião do Dia Mundial do Rim (13 de março), a Direção-Geral da Saúde (DGS) divulgou o “Percurso de Cuidados Integrados para a Pessoa com Doença Renal Crónica” no Sistema Nacional de Saúde.

Este documento, desenvolvido no contexto da Estratégia Nacional para a Doença Renal Crónica, dá o enquadramento epidemiológico e a relevância da DRC como problema de saúde pública em Portugal e visa reforçar a prevenção, o diagnóstico precoce e o tratamento da doença renal crónica (DRC), assegurando uma abordagem integra -

da, desde os Cuidados de Saúde Primários até às fases mais avançadas da doença e aos cuidados paliativos.

Este percurso reforça o compromisso da DGS de melhorar a qualidade dos cuidados de saúde prestados às pessoas com DRC, aumentando a sua funcionalidade e qualidade de vida.

Considera-se que a DRC exige: – Uma resposta integrada e coordenada, centrada na pessoa; – O seu diagnóstico atempado para induzir medidas terapêuticas que aumentem a sobrevivência livre de diálise;

– A domiciliação de tratamentos; – O acesso a transplantação renal.

Estas são as prioridades para melhorar a qualidade de vida dos doentes. A sua implementação requer investimentos em tecnologia, formação e monitorização contínua.

O foco na sustentabilidade e literacia em saúde é fundamental para assegurar cuidados de alta qualidade e eficiência.

Em 2025 pretendem-se atingir os seguintes objetivos: – Implementar projetos de desenvolvimento organizacional para a promoção da saúde renal;

Conclusão: investir na valorização dos secretários clínicos

A valorização dos secretários clínicos é fundamental para garantir a sustentabilidade e a eficácia dos Cuidados de Saúde Primários em Portugal. Sem esses profissionais, a qualidade do atendimento e a organização dos serviços ficariam comprometidas. Investir na sua formação, no reconhecimento e na integração nas equipas de saúde é, sem dúvida, uma aposta essencial para fortalecer e garantir um atendimento de qualidade para todos os cidadãos.

A longo prazo, a valorização e a dignificação de uma carreira de secretário clínico são vitais, não só para melhorar as condições de trabalho desses profissionais mas também para construir um SNS mais humano, eficiente e acessível a toda a população. Para reforçar a importância destes

Convidamos todos os secretários clínicos a participarem no 10.º Encontro Nacional dos Secretários Clínicos, que se realizará no dia 10 de maio, no Instituto Politécnico Cávado Ave (IPCA), em Barcelos.

profissionais e promover o seu desenvolvimento, convidamos todos os secretários clínicos a participarem no 10.º Encontro Nacional dos Secretários Clínicos, que se realizará no dia 10 de maio, no Instituto Politécnico Cávado Ave (IPCA), em Barcelos. Este evento será uma oportunidade para debater desafios, partilhar experiências e contribuir para o futuro da profissão. Contamos com a vossa presença!

– Reduzir para 80% de cirurgias de acesso vascular dentro dos tempos de resposta garantidos; – Registar 100% dos doentes eletivos para tratamento conservador não dialítico (TCND) e promover a sua monitorização; – Expandir a integração de tecnologias digitais e a telemonitorização.

Pode ler o documento, de 50 páginas, na integra, em: www.dgs.pt

DIAGNÓSTICO

DE ENFERMAGEM

refugiados de ódio

Pedro Melo

Doutor em Enfermagem. Professor adjunto na Escola Superior de Enfermagem do Porto

Nos últimos anos, o mundo tem testemunhado um aumento significativo na discriminação de género, impulsionada por políticas conservadoras que procuram definir rigidamente os conceitos de homem e mulher com base no sexo biológico. Um exemplo notável é a política de Donald Trump, que, recentemente, através da Secretaria de Estado da Saúde, afirma que os Estados Unidos reconhecem apenas dois géneros: masculino e feminino, baseados no sexo biológico. Esta abordagem tem gerado um ambiente hostil para pessoas trans e famílias homoparentais, levando muitas a ponderar encontrar refúgio em países potencialmente menos discriminatórios, como na Europa.

A política de Trump é um reflexo de uma tendência mais ampla de retrocesso nos direitos de pessoas LGBTIA+ em várias partes do mundo. Ao eliminar o reconhecimento de identidades de género não binárias e ao restringir os direitos de pessoas trans, estas políticas não apenas negam a existência e a dignidade destas pessoas mas também as expõem a maiores riscos de violência e discriminação. A retórica de Trump, que promete “acabar com a loucura transgénero”, reforça estereótipos prejudiciais e legitima o preconceito.

Em Portugal, o discurso assente numa questão que foi intitulada por discursos populistas por “ideologia de género”, vem impossibilitar desenvolver uma reflexão, por exemplo, no contexto escolar, da importância dos Direitos Humanos e do respeito mútuo. Mas ainda somos um país onde prevalece a inclusão e a não discriminação, o que não parece estar a acontecer no outro lado do Oceano Atlântico e mesmo em países próximos de nós, com o crescimento exponencial da Extrema Direita.

Diante deste cenário, muitas pessoas trans e famílias homoparentais têm demonstrado medo e vontade de procurar refúgio na Europa, nos países que têm adotado políticas mais inclusivas e protetoras. Países como Espanha, Finlândia e Islândia têm sido elogiados pelas suas leis progressistas, que reconhecem a autodeterminação de género e oferecem proteção contra a discriminação. No entanto, a situação não é uniforme em todo o continente. Enquanto alguns países avançam, outros, como a Eslováquia e o Reino Unido, ainda enfrentam desafios significativos na proteção dos direitos das pessoas trans.

Muitas pessoas trans e famílias homoparentais têm demonstrado medo e vontade de procurar refúgio na Europa, nos países que têm adotado políticas mais inclusivas e protetoras.

Os/as enfermeiros/as desempenham um papel crucial na promoção da saúde e do bem-estar de todas as pessoas, independentemente da sua identidade de género ou orientação sexual. Num contexto de crescente discriminação, é essencial que os enfermeiros/as estejam preparados para oferecer um atendimento inclusivo e sensível às necessidades específicas de pessoas trans e famílias homoparentais.

Para potenciar esta conquista plena, é fundamental que os/as enfermeiros/as recebam formação adequada sobre questões de género e diversidade. Isto inclui compreender as diferentes identidades de género, os desafios enfrentados por pessoas trans e as melhores práticas para oferecer cuidados respeitosos e inclusivos. A formação contínua e a sensibilização são essenciais para combater preconceitos e estereótipos que podem afetar a qualidade do atendimento.

Acresce o facto de os/as enfermeiros/as deverem ser defensores/as dos direitos dos/ /as clientes. Isto significa não apenas oferecer qualidade nos cuidados, onde os enunciados descritivos, como a satisfação do cliente ou o bem-estar e autocuidados, nos orientam para cuidados personalizados, humanizados e sensíveis à diversidade (seja cultural ou, neste caso, de identidade de género), mas também atuar como aliados na luta contra a

discriminação e a violência, com vozes ativas nos diversos contextos sociais onde podem participar. Os/as enfermeiros/as podem desempenhar um papel ativo na promoção de políticas de saúde inclusivas e na defesa de mudanças legislativas que protejam os direitos de pessoas trans e famílias homoparentais, potenciando o desenvolvimento de sociedades inovadoras e humanizadas.

Embora haja muitos desafios, também existem oportunidades para melhorar esta situação, com a criação de ambientes de saúde inclusivos e seguros. Isto inclui garantir que os formulários e documentos de saúde sejam inclusivos e respeitem as identidades de género dos/as clientes. Além disso, é importante que os profissionais de saúde estejam preparados para lidar com as necessidades específicas de pessoas trans, como o acesso a tratamentos hormonais e cirurgias de afirmação de género e acesso a rastreios sem exclusão.

Tive a oportunidade de recentemente moderar um webinar organizado pela Associação de Estudantes da Escola Superior de Enfermagem, agora da Universidade do Porto, sobre a importância desta ciência e profissão para potenciar cuidados inclusivos na diversidade de género e a participação ativa dos/as estudantes fez-me entender que ainda há esperança no futuro dos cuidados de Enfermagem em Portugal.

A colaboração entre diferentes setores da sociedade é essencial para promover a inclusão e combater a discriminação. Organizações de saúde, governos, instituições de ensino de enfermagem e de outras áreas da Saúde e a sociedade civil devem trabalhar juntos para criar um ambiente onde todas as pessoas possam viver com dignidade e respeito. A promoção de campanhas de sensibilização e educação pública pode ajudar a reduzir o estigma e aumentar a aceitação de pessoas trans e famílias homoparentais, sendo os enfermeiros que desenvolvem atividade, por exemplo, nas Unidades de Cuidados na Comunidade e nas Unidades de Saúde Pública, assim como os Enfermeiros de Família, figuras epicêntricas na construção desta sociedade melhor.

É incrível como a Humanitude é hoje inovação, numa sociedade cada vez mais tecnológica e orientada para ideologias extremistas. Portanto, no Diagnóstico de Enfermagem deste mês o apelo é à inovação dos cuidados, com Humanitude, potenciando o acolhimento destes potenciais refugiados de ódio e o desenvolvimento de políticas que contrariem esta situação.

Centro de atendimento Juvenil e Infantil em VFX

O Centro de Atendimento Juvenil e Infantil (CAJI) de Vila Franca de Xira abriu em março e funciona todos os dias, entre as 9 e as 22 horas. Insere-se na reorganização da Urgência da ULS do Estuário do Tejo.

Em 2024, esta unidade hospitalar registou 49.509 episódios de ur-

gência pediátrica, dos quais 29.974 foram casos não urgentes (verdes, azuis e brancos), correspondendo a 60,5% do total.

O Centro é coordenado por uma médica pediatra e integra equipas de médicos, enfermeiros e secretários clínicos, vindo juntar-se a outro, de idênticas características, destinado à população adulta, igualmente instalado no Centro de Saúde de VFX e que está a funcionar há cerca de um ano. Ambos os centros atendem utentes dos cinco concelhos que integram a ULS do Estuário do Tejo: Alenquer, Arruda dos Vinhos, Azambuja, Benavente e Vila Franca de Xira.

Eventos em destaque MEDICINa GEral E FaMIlIar

4.º Ciclo de Jornadas de MGF de São Miguel

Hotel Verde Mar & Spa 10 e 11 de abril

Organização: Internos da Ilha de São Miguel

MGF Summit 2025

Online 23 e 24 de abril

Organização: Internos da UlS de Coimbra

V Jornadas do Internato de MGF de lisboa e Vale do Tejo

Fórum romeira, alenquer 7 a 9 de maio

Organização: Internos de lVT

4.º Curso de atualização em Psiquiatria para MGF

Templo da Poesia, Oeiras 27 a 31 de maio

Organização: Especialistas em Psiquiatria, MGF, Psiquiatria da Infância e adolescência

11.º Encontro de MGF de Matosinhos

auditório Infante D. Henrique, leça da Palmeira

29 e 30 de maio

Organização: Internos da UlS Matosinhos

5.ª Edição das Jornadas MGF além Fronteiras

Online e Hotel Solverde Spa & Wellness Center

5 e 6 de junho

Organização: associação MGFaF

Direitos reprodutivos – um tema sempre atual

Carlos Calhaz-Jorge

Professor catedrático jubilado de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Autor do livro InfertilidadeConceitos Fundamentais (LIDEL)

Os direitos reprodutivos estão em análise e discussão permanentes um pouco por todo o mundo, com evoluções díspares e, por vezes, traduzidas em restrição significativa das opções individuais, como é o caso dos Estados Unidos. Embora a discussão se centre muitas vezes no direito ao acesso à interrupção de gravidez por opção, não deixa de parte outras dimensões deste tipo de direitos. É o caso da infertilidade.

A infertilidade conjugal é reconhecida há muito pela Organização Mundial de Saúde como uma doença. Se a sua importância a nível pessoal foi, desde sempre, sentida por doentes e profissionais de saúde, o reconhecimento das suas implicações sociais tem vindo a aumentar, não só por razões de organização da sociedade (por exemplo, a procura de parentalidade em idades mais avançadas), mas também pela aceitação, em muitos países, do direito à reprodução por pessoas individuais e casais do mesmo sexo.

A infertilidade conjugal é reconhecida há muito pela Organização Mundial de Saúde como uma doença.

Adicionalmente, a dimensão psicológica da infertilidade reveste uma importância que nunca é demais realçar, quer para cada pessoa que sofre com a situação, quer no que diz respeito à relação entre as pessoas que necessitam de cuidados e os prestadores desses cuidados.

A generalização do recurso a técnicas de procriação medicamente assistida (PMA) e a difusão da sua aceitação contribuiu para proporcionar descendência a muitos beneficiários dessas tecnologias, mas também levou à possibilidade da extensão do seu uso para situações não inicialmente consideradas no âmbito terapêutico da infertilidade. É o caso da concretização de tratamentos com o objetivo de efetuar testes genéticos pré-implantação de embriões que permitam identificar aqueles que são portadores de doenças monogénicas ou resultantes de rearranjos cromossómicos.

É também o caso da preservação do potencial reprodutivo em situações de doença que, por si ou pelos seus tratamentos, colocam em sério risco a reprodução futura, técnica que se estendeu à conservação de gâmetas, sobretudo ovócitos, na ausência de doença e apenas com o intuito preventivo de possíveis dificuldades reprodutivas futura (a idade feminina é um dos fatores mais importantes na reprodução humana).

E, para ser exaustivo, outro exemplo de extensão do uso de técnicas de PMA, muito discutido aliás, é a gestação de substituição, único recurso para reprodução para mulheres sem útero ou com doenças uterinas ou de foro sistémico que impeçam (ou, em absoluto, contraindiquem) uma gravidez.

No entanto, independentemente do uso refletido de todas as inovações técnicas que vão sendo disponibilizadas, a existência de técnicas sofisticadas não pode levar ao abandono da utilização de todas as armas clínicas clássicas, baseadas no raciocínio sobre conceitos fisiopatológicos básicos da reprodução. Ou seja, apesar de estarmos numa época em que muito se fala, aspira e espera da Inteligência Artificial, a integração clínica de todas as dimensões técnico/científicas e das repercussões individuais e sociais deve continuar a ser o paradigma da prestação de cuidados a quem deles necessite para a realização dos seus projetos de família. Esses conceitos fundamentais são explicitados num livro recentemente publicado.

Embora, por vezes, referido, é óbvio que os tratamentos de infertilidade nunca resolverão os problemas da baixa natalidade das sociedades ocidentais atuais, já que eles são o resultado de novas perspetivas individuais de vida e de opções condicionadas por alterações na organização social dos nossos dias.

Esses tratamentos são, isso sim, um importante contributo para o direito a constituir família consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento emanado da Organização das Nações Unidas há quase 80 anos. Podemos dizer que o acesso a tratamentos de infertilidade tem como objetivo primordial contribuir para que cada pessoa tenha a descendência que deseja e quando a deseja.

Carlos Calhaz

Por que não se fala da falta de enfermeiros de família?

Asaúde é um direito humano universal que, no entanto, atualmente, vemos questionado. Efetivamente, o Sistema de Saúde, globalmente, e, em particular, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) estão no centro da atividade noticiosa. Emergem nos diversos meios de comunicação social inúmeras notícias alusivas aos problemas do SNS, referentes a reformas estruturantes e impactantes sobre este, com impacto direto também para o cidadão e para a sociedade no global.

A gestão dos Cuidados de Saúde Primários (CSP) no modelo ULS (Unidades Locais de Saúde), a generalização do modelo B, sem equipas de acompanhamento de proximidade, a inclusão de parcerias público-privadas (PPP) nos CSP, a revisão dos critérios e condições para a atribuição dos incentivos financeiros, a alteração no acesso aos cuidados de saúde, em caso de doença aguda, ou a desvalorização dos profissionais são medidas que, no mínimo, nos devem conduzir a uma reflexão e discussão. O raciocínio científico, tão caro à Saúde, tem que ser claro no diagnóstico dos desafios do SNS, para mostrar uma visão objetiva do caminho a seguir.

Torna-se imperioso ter coragem de adotar novos métodos de trabalho e estruturas que apoiem quer os profissionais, quer os utentes.

Efetivamente, torna-se difícil ultrapassar as pressões atuais e conduzir medidas que evoluam para um paradigma de prestação de cuidados mais abrangentes e inclusivos. Nesse sentido, torna-se imperioso ter coragem de adotar novos métodos de trabalho e estruturas que apoiem quer os profissionais, quer os utentes.

Conhecemos o problema, temos consciência das medidas de resolução identificadas, mas, então, o que falta? Falta, de facto, o que habitualmente falta na vida pessoal de cada cidadão: decisões efetivas baseadas nas necessidades identificadas previamente. Todavia, quando as decisões têm impacto sobre todos, como são as decisões políticas, não é aceitável que os decisores políticos apenas façam parte da notícia e façam aplicar as medidas. É preciso que prestem, também, contas dos seus resultados. Não se pode continuar a aceitar que o enfoque do SNS seja no tratamento da doença. Antes pelo contrário, urge que ela seja, o mais possível, evitada. Os hospitais têm de ser porta de saída e não de entrada.

Quando as decisões têm impacto sobre todos, como são as decisões políticas, não é aceitável que os decisores políticos apenas façam parte da notícia e façam aplicar as medidas. É preciso que prestem, também, contas dos seus resultados.

Por conseguinte, os centros de saúde, independentemente da forma como se encontram organizados, têm de ser forçosamente aquilo que é previsto serem: um local de enfoque na Saúde. Têm de ser um local de promoção da saúde, um local de vigilância e acompanhamento dos indivíduos e famílias que, fundamentalmente, previna a doença, um local que responda às reais necessidades da comunidade.

Nesse seguimento, vejo com alguma apreensão e muita inquietação a forma como o Governo é tão ágil a restringir o acesso à saúde (nomeadamente, na doença aguda), mas, simultaneamente, tem tanta dificuldade em criar condições para melhorar o acesso aos cuidados de saúde e à qualidade destes. Agravado por termos conhecimento que estas decisões foram tomadas sem dados concretos que suportassem a implementação de tais medidas.

Por outro lado, se o país investe tanto na formação de enfermeiros de família, como é que se pode ouvir falar tanto

em falta de médicos de família e não se fala da falta de enfermeiros de família?

Surpreende que esta lacuna exista, como se o trabalho de complementaridade dos diferentes profissionais de Saúde não fosse uma mais-valia para dar resposta às necessidades de atendimento e permitir ganhos em saúde. Afinal, como estão a ser geridos os recursos humanos? Que culturas organizacionais existem, ao ponto de não se recorrer à especialização dos profissionais como um fator major para a prevenção da doença e a promoção da saúde?

Será que faltam recursos humanos no SNS? Provavelmente faltarão. Mas não faltará sobretudo uma gestão efetiva que seja capaz de reter talento dentro das unidades e convertê-lo em mais-valia para a saúde dos portugueses? E porque é que nos encontramos com um número cada vez mais elevado de profissionais cansados e muitos até em burnout? O que está a falhar? Temos dos melhores sistemas de Saúde da Europa, temos profissionais altamente especializados, temos das melhores investigações quer ao nível da Saúde, quer de outras áreas. Então o que leva a este cenário na Saúde?

É neste contexto de dúvidas crescente, que causam alguma insatisfação aos profissionais de Saúde e aos utentes (que veem o seu direito de acesso à Saúde fragilizado), que o Núcleo de Coimbra da USF-AN (Associação Nacional das Unidades de Saúde Familiar) promove mais um Encontro da Primavera da USF-AN intitulado – “USF: do desempenho à sustentabilidade”. Será um evento dedicado a todos os profissionais que querem ser uma voz ativa na discussão das respostas aos desafios que as USF encontram atualmente.

Assim, com foco nos profissionais, vamos discutir talento e bem-estar, não esquecendo as questões do diaa-dia relacionadas com a avaliação de desempenho das equipas e a resposta em situações de doença aguda. Convidamos todos os profissionais de Saúde, gestores, académicos e defensores dos CSP a juntarem-se a nós, no dia 4 de abril, no Biocant Park, em Cantanhede.

É tempo de tomar decisões efetivas mas, em simultâneo, cientificamente validadas, que possam traduzir-se em ganhos para todos os cidadãos e para os profissionais que incorporam as organizações de Saúde, particularmente na área dos Cuidados de Saúde Primários.

É tempo de maior organização e de investir naquele que é o pilar que garante a sustentabilidade do SNS – os Cuidados de Saúde Primários!

a saúde oral no SNS vive tempos conturbados

Manuel l. Nunes

Branco. Prof. Epidemiologia Geral e Saúde Comunitária, UBI. Docente e membro da CC do Mestrado de Gestão de Unidades Saúde, UBI. Membro do Centro Académico e Clínico das Beiras

Asaúde oral vive tempos conturbados. Em Portugal, trata-se de um domínio que mais parece uma manta de retalhos disforme (eterna repetição), onde campeia à solta uma caquistocracia inconsciente que não faz – talvez porque não sabe ou porque não é conveniente – mas também não deixa fazer! É o retrato daquela velha máxima portuguesa do “nem dança nem sai da pista”. Sobrevém a anarquia. Cada um faz como lhe apetece, numa lógica que o “achismo” permite! De norte a sul do país, não é possível encontrar um padrão organizativo dos cuidados de saúde oral. A tónica é a de todos quererem mandar. Todos mesmo! Sobretudo quando se trata desta área da saúde.

É verdade também que não vale a pena fazer o exercício de planeamento que já era urgente há anos atrás, simplesmente porque não se conhece a realidade sobre a qual se

pretende planear. Os últimos dados oficiais conhecidos a nível nacional remontam a 2014. Decorre, neste momento, o ano de 2025. Certamente que algo mudou entre 2014 e 2025 e não se pode planear em 2025 tendo por sustentação a realidade de 2014. Seria um erro crasso, um erro vergonhoso, a cobrir de ridículo as nossas instituições.

O Serviço Nacional de Saúde foi, há pouco tempo, organizado em Unidades Locais de Saúde. Algumas já existiam antes (ainda está por explicar porque não se avançou para Sistemas Locais de Saúde). A nível nacional, contamos com o Ministério da Saúde e os seus ramos: a Direção-Geral da Saúde e a Direção Executiva do SNS.

Sucedem-se as orientações e as contraorientações, as afirmações e os seus opostos e até as desautorizações, pasme-se! Tudo isto deixa os peões do terreno – aqueles que dão a cara ao Povo e “emprestam o peito às balas” – numa situação de enjoo muito pouco confortável!

Desde logo, seria conveniente definir, de forma clara, quais são as competências de cada um dos atores que se movimenta neste palco, seja a nível nacional, seja a nível local. Até agora, apenas foram tentados alguns ensaios.

É ainda urgente saber se o Programa de Saúde Oral é ou não prioritário. De há muito tempo a esta parte se ouve dizer que a saúde oral é uma prioridade dos governos. No entanto, visitada a página da Internet da Direção-Geral da Saúde, a saúde oral é apenas mais um programa, não constando dos programas prioritários. É bom que se entendam.

Equipa de Cuidados Paliativos da UlS de Barcelos/Esposende distinguida com bolsa

A Equipa Intra-Hospitalar de Suporte em Cuidados Paliativos (EIHSCP) da ULS de Barcelos/Esposende (ULSBE) é uma das cinco contempladas pela Bolsa EVA e Roudolph Arié – Cuidar Equipas, Melhorar Cuidados, edição 2024, promovida pela Associação Portuguesa de Cuidados

a enfermeira Fernanda Senra e Silva e a médica Diana Gonçalves

Paliativos (APCP). Foi distinguida com uma bolsa para a melhoria das condições de prestação de cuidados paliativos.

É urgente saber se o Programa de Saúde Oral é ou não prioritário.

A nível local, no que respeita aos médicos dentistas, a sua função é meramente assistencial, dentro de um gabinete. O acompanhamento da produção, em termos de consultas e tratamentos, não é claro se pertence à DGS ou à Direção Executiva.

Da mesma forma, não é claro se a produção, na área preventiva, pertence à Saúde Oral como um todo, à Higiene Oral, à Saúde Pública ou às UCC (no que respeita à Saúde Pública, o Dec-Lei 286/99, de 27 de julho, atribui-lhe várias competências – como se os recursos humanos fossem infinitos – dentro dos sistemas locais de saúde; em Portugal, a saúde não evoluiu para sistemas locais, mas para ULS, e pretender que ambas as situações sejam sinónimas é manifesta ignorância ou a expressão de outros interesses. A legislação é trapalhona, necessitando de uma revisão).

Estes dois assuntos dariam, se houvesse disponibilidade, para escrever um tratado de gestão na área da saúde oral.

Entreguem a saúde oral a quem sabe de saúde oral (é surreal pensar que já foi coordenada por informáticos, técnicos superiores de Imagiologia...)! Em Portugal, a saber de saúde oral existem os médicos estomatologistas, os médicos dentistas e os higienistas orais. Goste-se ou não, têm que

se entender em benefício das populações que dizem pretender servir. Não querendo entender-se, apenas poderão contribuir para o estabelecimento do burnout em cada uma das classes, com prejuízo dos que deveriam ser os beneficiários do seu trabalho: os utentes do SNS.

Com o virar da página a nível da Direção Executiva do SNS e com o silêncio que se instalou, após a saída de Fernando Araújo, sobre os Serviços de Saúde Oral, mantém-se o que, tradicionalmente, se costuma encontrar neste país: médicos estomatologistas nos hospitais, médicos dentistas e higienistas orais nos centros de saúde, embora seja possível encontrar cada um destes profissionais nas organizações hospitalares e nos centros de saúde.

A título organizativo, encontramos, em Portugal, médicos dentistas e higienistas orais integrados em unidades de Saúde Pública, em URAP, em unidades de Saúde Oral, em serviços de Estomatologia e em serviços de Medicina Dentária. Há para todos os gostos. Começam também a surgir, não se sabe com que tipologia organizacional, os serviços de Saúde Oral.

Para que se possa acabar com a confusão existente, mantenham-se os serviços de Estomatologia nos hospitais e criem-se as unidades de Saúde Oral nos CSP.

Embora o Dec-Lei 28/2008 não tenha sido revogado, é possível assistir à extinção das URAP e dos ACES nos Cuidados de Saúde Primários. Talvez por conta do Dec-Lei 102/2009, de 11 de maio, que adianta, no seu Art.42.º-A: “Os centros de saúde integrados em unidades locais de saúde seguem, com as necessárias adaptações, o regime de organização e funcionamento previsto no presente decreto-lei, devendo refleti-lo nos respetivos regulamentos internos.” Assim sendo, é possível criar novas unidades funcionais nos centros de saúde, tendo por base a alínea f do n.º 1 do Art.7.º do Dec-Lei que cria os ACES e que, até ao dia de hoje, não foi revogado.

Embora da Direção Executiva do SNS tenham saído orientações para a formação de serviços de Saúde Oral, certo é que não foi produzida legislação sobre o assunto. Assim, para que se possa acabar com a confusão existente, mantenham-se os serviços de Estomatologia nos hospitais e criem-se as unidades de Saúde Oral nos Cuidados de Saúde Primários. Determinese que ambos devem trabalhar em estreita colaboração, em benefício dos utentes do SNS.

A Unidade de Saúde Oral criada em 2018 na Unidade Local de Saúde de Castelo Branco poderia servir de base para, melhorando, criar outras unidades a nível do país (Projeto-Piloto-SO-ULSCB-total.pdf)

Já agora, permita-se uma última recomendação: cumpra-se a Portaria n.º 430/2023, de 12 de dezembro, nomeadamente os Art.s 18.º e 19.º. Passa a ideia de que foram escritos apenas para ficarem bonitos no papel.

Cão léo visita crianças internadas no H. de Braga

Este apoio financeiro permitirá a criação e adaptação de um espaço dedicado à realização de consultas de cuidados paliativos, conferências familiares e hospital de dia, proporcionando um ambiente mais acolhedor para os utentes e suas famílias. Será assim reforçada a qualidade da resposta assistencial, tornando o acompanhamento mais humano e eficaz.

Com este apoio, a EIHSCP poderá dispor de um gabinete funcional, equipado com mobiliário ergonómico, iluminação natural, isolamento acústico e recursos tecnológicos essenciais, garantindo maior conforto aos utentes e melhores condições de trabalho aos profissionais e ao atendimento dos utentes. A concretização do projeto “Espaço ConVida” permitirá duplicar o número de conferências familiares realizadas anualmente e aumentar em 40% o número de consultas de cuidados paliativos.

O reconhecimento da APCP reforça a importância do trabalho desenvolvido por esta equipa da ULSBE e destaca a necessidade contínua de investimento na área.

A ULS de Braga formalizou uma parceria com a Associação Ânimas que permite a visita semanal do cão Léo ao Serviço de Pediatria. Esta iniciativa visa proporcionar momentos de alegria e bem-estar às crianças

e jovens durante o seu período de internamento, oferecendo-lhes um suporte emocional adicional. A presença do Léo não só contribui para melhorar o estado de espírito das crianças, mas também para criar um

ambiente acolhedor e familiar dentro das instalações hospitalares. As visitas são coordenadas com o apoio integral da equipa dos profissionais do Serviço, garantindo que cada interação seja segura e benéfica para as crianças.

PaUlO PESSaNHa, CO-PrESIDENTE DaS JOrNaDaS MUlTIDISCIPlIN arES DE MEDICIN a GEral E FaMIlI ar:

“Estas Jornadas pretendem ser de todos

COUbE A PAULO PESSANhA DAr AS bOAS-viNDAS A TODOS qUANTOS MANifESTAr AM A vONTADE DE PArTiCiPAr NAqUELA qUE fOi A SéTiMA EDiçãO DAS JOrNADAS MULTiDiSCiPLiNArES DE MGf. A MESA DA SESSãO DE AbErTUr A iNCLUíA A PrESENçA DOS OUTrOS CO-PrESiDENTES DO EvENTO, MANUEL viANA E rUi COSTA, E AiNDA DOiS CONviDADOS: rUi MOrEir A, PrESiDENTE DA CM DO POrTO, E CArLOS COrTES, bASTONáriO DA OM.

Afirmando que as Jornadas “pretendem ser de todos nós, médicos de MGF”, Paulo Pessanha não deixou de lembrar que se trata de um evento organizado por médicos de MGF para médicos de MGF. E acrescentou: “Têm por objetivo ser uma ação de educação e de formação médica diversificada e interativa, dirigida às reais necessidades formativas de todos nós. Pretendem ser uma troca de ideias, atos e experiências em várias áreas da medicina muito diversificadas.”

Admitindo que “o impacto e a importância” do projeto ultrapassou as expectativas criadas pelos três responsáveis pela sua criação, Paulo Pessanha mostrou a sua satisfação, frisando que “as Jornadas nasceram, cresceram, frutificaram e afirmaram-se”. O número recorde de inscrições registadas este ano provam-no, ultrapassando as três mil, bem acima das 2400 de 2024.

“Esta realidade demonstra o interesse e a necessidade de atualização dos médicos de família no sentido de servir mais e melhor a saúde dos nossos doentes”, disse, para logo a seguir sublinhar que “a especialidade de MGF é a pedra basilar de qualquer Sistema de Saúde”.

Paulo Pessanha apelou a que os médicos de família sejam “devidamente reconhecidos e acarinhados”.

“Sem uma MGF forte, com profissionais diferenciados e atualizados, não é de todo possível termos um Sistema de Saúde de qualidade. Só uma MGF eficaz poderá assegurar uma política de saúde concertada, orientada para o doente, permitindo uma prestação de cuidados de excelência”, afirmou Paulo Pessanha.

Apelou depois a que os médicos de família sejam “devidamente re-

conhecidos e acarinhados” e disse ser necessário “facultar-lhes boas condições de trabalho”. Dignificar a carreira, tornando-a atrativa, e dando condições privilegiadas a quem exerce fora dos grandes centros urbanos são aspetos, no seu entender, essenciais. Paulo Pessanha não deixou de agradecer à Comissão Organizadora das Jornadas, formada por jovens médicos de família que a integram desde a 1.ª edição, a maior parte dos quais, aliás, eram internos da especialidade de MGF nessa altura, em 2019.

Carlos Cortes: “O legado técnico, científico e formativo da MGF pode estar em risco”

Carlos Cortes, bastonário da Ordem dos Médicos, usou da palavra sobretudo para enaltecer “o legado da MGF, que nos ajuda no presente e nos auxilia a olhar para o futuro”, não sem antes fazer referência ao “momento particular que se vive em Portugal, do qual não podemos estar alheios, e que tem um impacto negativo sobre a crise existente no SNS”.

Com base no percurso já vivido, o médico defendeu que “a MGF deve ter muito orgulho naquilo que construiu ao longo dos anos, sobretudo desde a criação do SNS, e no período

“Queremos que a MGF seja o coração a pulsar do SNS”, sublinhou Carlos Cortes.

subsequente, em que a especialidade começou a organizar-se e a desenvolver-se num sistema que difere do de outros países”, prosseguindo:

“A medicina, o SNS e os cuidados de saúde, em Portugal, assentam muito sobre o papel dos CSP e da MGF. O país quis apostar numa medicina que se baseia bastante na prevenção, na promoção e numa estruturação da MGF e da Saúde Pública, e nem todos

os países funcionam desta forma.”

A este respeito, partilhou, inclusive, a experiência que viveu muito recentemente numa visita profissional a Paris, onde verificou que “os CSP têm um papel muito residual, mais contido e menos estruturado, o que não é um caminho pior ou melhor, mas diferente. Lá, a MGF está mais reservada à iniciativa privada, o que traz consequências. A medicina em França é essencialmente hospitalar”. O bastonário da OM adiantou ainda que a média de idade dos médicos de família da cidade de Paris ultrapassa os 60 anos, algo que se deve ao “problema da habitação naquela capital europeia, que se vê assim completamente desfalcada em termos de CSP”.

“Em Portugal, por sua vez, tivemos uma trajetória muito diferente, que vos deve orgulhar, em direção a uma medicina que se quer fundamentalmente assente não numa porta de entrada, que é a MGF, mas so-

Com uma presidência tripartida, formada por três reputados médicos de família, as vii Jornadas integraram na sua Comissão Organizadora seis jovens especialistas de MGf

fila de trás: João Manuel Matias, rodrigo Pinto Costa, rita Marques Costa e hugo barbosa Cordeiro
fila da frente: Maria inês Pereira da Silva, Paulo Pessanha, rui Costa, Manuel viana e Ana iva Costa Santos
Manuel Viana, rui Costa, Carlos Cortes, rui Moreira e Paulo Pessanha

nós, médicos de MGf ”

Jornadas com recorde de participação

As VII Jornadas Multidisciplinares de MGF registaram um número de participantes recorde: cerca de 3100, entre presenciais (1500) e online (1600).

bretudo querendo que a MGF seja o coração a pulsar do SNS”, sublinhou.

mentou que a aposta política não te nha ido “no sentido da prevenção da doença nem da promoção da saúde, essenciais para o desenvolvimento da medicina”, referindo-se à decisão da generalização da ULS, que lhe tem trazido algumas inquietações:

mas há alguns sinais negativos que me preocupam e que devem merecer a vossa atenção. O legado técnico, científico e formativo da MGF pode estar em risco, porque a integração que se pretendia entre cuidados de saúde primários e hospitalares não está verdadeiramente a funcionar.”

a atenção de todos é a criação das parcerias público-privadas na saúde, alertando que “a aposta não pode ser feita na doença, e a gestão priva da, muitas vezes, favorece a doença, pois, é esta que alimenta o seu funcionamento. A gestão dos serviços públicos não pode ser baseada na doença, mas na prevenção”.

do Porto fez questão de “salientar o trabalho diário dos médicos” e destacou “a importância de a gestão hospitalar e a gestão da saúde não interferirem com o seu trabalho”. Fundamental é ainda, na sua

opinião, “evitar a politização das estruturas, pois, daí resultam impedimentos para a realização do trabalho”, algo que diz verificar regularmente na sua função enquanto presidente de câmara.

Numa altura em que “a cidade do Porto está a ter um alto influxo de estrangeiros, representando mais de 10% da população”, Rui Moreira afirmou que “é desse grupo que se recolhe, muitas vezes, o melhor barómetro

sobre o trabalho dos CSP”. E acrescentou: “Um dos aspetos referidos é que a Saúde Pública em Portugal é muito melhor do que a dos seus países de origem, e quem o diz são americanos, ingleses, franceses...”

Se falta

vitamina B12, o bom mestre

escolhe a melhor ferramenta1

Apelou, por isso, aos participantes “a não se esquecerem de que o legado vem de trás, mas tem de ser transmitido às futuras gerações, e a preservarem o lugar da MGF no SNS e aquilo que conquistaram ao longo dos anos, porque o mais importante é a medicina hipocrática, a defesa dos doentes e o bem-estar de todos os profissionais de saúde”.

Rui Moreira: “É fundamental evitar a politização das estruturas”

Enquanto “utilizador frequente do SNS”, o presidente da CM

efeito conhecido: Sódio – 0,35 mg (sob a forma de cloreto de sódio). 3. FORMA FARMACÊUTICA Pó e solvente para solução injetável. 4. INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS Prevenção e tratamento de estados carenciais de vitamina B12: Situações de mal absorção da vitamina B12: pós-gastrectomia e afeções de tipo atrófico, doença de Crohn, pós ressecção do íleo, sprue e infestações parasitárias intestinais prolongadas. Anemia perniciosa e síndromes perniciosiformes. 5. POSOLOGIA E MODO DE ADMINISTRAÇÃO A estabelecer pelo médico em função da situação patológica do doente. Regra geral uma administração IM por dia ou em dias alternados. O efeito terapêutico não é imediato e pode só aparecer após a segunda ou terceira injeção. Modo de administração: injecção intramuscular ou subcutânea profunda. A via I.V. não está recomendada. Insuficiência renal e/ou insuficiência hepática A resposta clínica poderá ser afetada, pelo que poderá ser necessário um aumento de dose (por exemplo por diminuição do intervalo de administração). 6. CONTRAINDICAÇÕES Hipersensibilidade

O boost de Vitamina B122

Jaba B12® é o único injectável que se apresenta na forma de 6 ampolas de vidro de cor âmbar2. A sua substância ativa é a cobamamida (adenosilcobalamina) uma forma natural da vitamina B12 que não requer várias etapas de processamento no organismo3. A Cobamamida é altamente tolerada, eficaz e rápida a atuar2,3

MaDalENa lEITE rIO, Da CO DO 42.º ENCONTrO NaCIONal Da aPMGF :

“Se nos sentirmos apaixonados pela MGF será mais fácil encarar as adversidades”

Madalena Leite Rio afirma identificar-se com a necessidade de os seus colegas “voltarem a apaixonar-se” pela Medicina Geral e Familiar. Foi em torno desse desejo que surgiu o lema do 42.º Encontro Nacional da APMGF: “Regressar ao deslumbramento”.

“Se nos sentirmos novamente entusiasmados e apaixonados pela nossa especialidade será com certeza mais fácil encarar as dificuldades com as quais nos temos vindo a deparar nos últimos tempos”, considera a médica de família Madalena Leite Rio, que falou com a Just News na qualidade de membro da Comissão Organizadora e Científica do evento anual mais importante da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar.

Madalena Leite

Rio: “O que se pretende é proceder a uma renovação do sentimento de encanto e deslumbramento pela MGF.”

O Encontro Nacional da APMGF, que teve agora a sua 42.ª edição, decorreu em Troia, entre 26 e 29 março, tendo contado com a participação de largas centenas de participantes. A ideia do lema para esta reunião terá surgido logo após o encerramento do Encontro do ano passado, realizado em Albufeira.

“No fundo, o que se pretende é proceder a uma renovação do sentimento de encanto e deslumbramento relativamente à nossa especialidade. Isto porque, realmente, vivemos um momento no nosso país em que a Medicina em geral, mas sobretudo

a MGF, passa por um período de grandes mudanças, que têm vindo a originar muitas fragilidades e dificuldades”, explica Madalena Leite Rio, acrescentando:

“Queremos tentar ‘trazer à superfície’ aquela que é a essência do médico de família e da própria MGF, que é a proximidade constante com o utente, oferecendo cuidados médicos de forma integrada e contínua, respeitando as necessidades individuais e as condições de vida de cada um, sem nos esquecermos de cuidar de nós mesmos. Se nos sentirmos de novo apaixonados pela especialidade

será com certeza mais fácil encarar as adversidades com que nos temos vindo a deparar.”

E sublinha: “Foi também por isso que trouxemos para este Encontro não apenas temas clínicos mas também socioprofissionais, o associativismo e a cultura. Defendemos que ‘o médico que só de medicina sabe nem de medicina sabe’.”

Divulgar e debater modelos organizativos alternativos em CSP

O que levou a nossa entrevistada a optar por esta especialidade será, no seu entender, aquilo que poderá motivar muitos jovens médicos acabados de concluir o seu curso a entusiasmarem-se com a MGF:

“Nós não observamos apenas a pessoa, também contactamos com todo o seu sistema familiar, o que nos permite chegar mais longe naquele que é o nosso papel como médicos. Por outro lado, a possibilidade de podermos acompanhar o ser humano em qualquer momento da sua vida, mesmo antes do nascimento, é algo verdadeiramente único, que os colegas de outras especialidades não têm possibilidade de experienciar.”

A Comissão Organizadora e Científica do 42.º Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, que integrava todos os 16 elementos da Direção da APMGF, incluindo Ma-

rIPa, rESPOSTa INTEGraDa Para aS PErTUrBaçõES DO COMPOrTaMENTO alIMENTar

Projeto com 90% de sucesso no combate à anorexia

Oprojeto RIPA, Resposta Integrada para as Perturbações do Comportamento Alimentar, a primeira resposta nacional de hospital de dia na área de problemas como a anorexia, conseguiu prevenir o agravamento e/ou evitar a necessidade de internamento hospitalar ou até mesmo a remissão da doença em 90% das 40 mulheres jovens, seguidas ao longo de um ano e meio de atividade. A anorexia é a doença mental que pode levar diretamente à morte e tem uma elevada taxa de mortalidade por desnutrição e suicídio.

O projeto, desenvolvido por uma equipa multidisciplinar de profissionais especializados da Clínica Psiquiátrica de S. José, em Lisboa, um dos 12 centros do Instituto das Irmãs Hospitaleiras, é uma resposta inovadora ao número crescente de casos relacionados com as perturbações do comportamento alimentar.

Criado como um projeto-piloto, o RIPA surge num contexto em que, em Portugal, as respostas para as pessoas com diagnóstico de perturbação do comportamento alimentar estavam quase restritas ao internamento hospitalar para os casos mais graves e a consultas de ambulatório. Ao longo de mais de um ano de atividade, este projeto procurou dar resposta ao desafio clínico que configuram estas

doenças, através de uma abordagem mais integrativa, de acordo com um plano individual de intervenção, com base em ferramentas de várias áreas da Saúde.

A solução surgiu através da metodologia de hospital de dia, que permite que as pessoas frequentem as atividades terapêuticas que contribuem para a sua recuperação, num acompanhamento que não corta a ligação à sua vida familiar e social. Tal permite não só um resultado terapêutico eficaz, mas também a possibilidade de tratar mais pessoas e uma diminuição global dos custos financeiros com o tratamento.

A experiência revelou-se um sucesso e alavancou a necessidade de continuidade, através do desenvolvimento da segunda fase do projeto, desta vez com o apoio do programa Portugal Inovação Social e de dois parceiros sociais: a Servier e a NOS.

“Pretende-se criar um serviço capaz de dar uma resposta de qualidade e clinicamente transformadora”

“A quase ausência de respostas em ambulatório torna este projeto de hospital de dia um marco no País, que poderá ser replicado, uma vez que foram atendidas pessoas oriundas de outras regiões de Portugal

(Algarve, Alentejo, Madeira, Douro Litoral, Beira Alta) e até uma estudante de Timor”, refere Pedro Varandas, diretor clínico das Irmãs Hospitaleiras Lisboa.

O objetivo passa pelo crescimento do RIPA e do reconhecimento da sua metodologia e resultados como uma prática terapêutica diferenciadora. “Com este projeto, pretende-se criar um serviço, único a nível nacional, capaz de dar uma resposta de qualidade e clinicamente transformadora, promotora de saúde mental e que acrescente qualidade de vida às pessoas com perturbações do

dalena Leite Rio, reunia internos de MGF, recém-especialistas e médicos de família já com uma experiência de prática clínica mais prolongada no tempo.

“O facto de as várias etapas da nossa especialidade estarem, assim, representadas permitiu ter uma visão muito mais abrangente do que poderiam ser os temas mais interessantes para todos os médicos de família a abordar no Encontro, independentemente da fase da sua carreira”, salienta Madalena Leite Rio.

A médica destaca, nomeadamente, a sessão em que se pretendeu divulgar e debater modelos organizativos alternativos em CSP. Alexandra Fernandes, coordenadora da USF Inovar, referiu-se, por exemplo, à decisão tomada na sua unidade de substituir as tradicionais microequipas por uma equipa multiprofissional que serve a totalidade dos utentes.

O neurologista Joaquim Ferreira, por seu turno, apresentou o projeto Medicina ULisboa – Campus de Torres Vedras para os CSP, que consiste em estabelecer um centro inovador que integre a assistência clínica à comunidade, a formação de profissionais de saúde e a investigação clínica.

Finalmente, Paulo Santos, da Trofa Saúde, expôs um modelo de gestão que obedece a regras e critérios da economia privada, com respeito pela efetividade, a criação de valor e a centralidade no doente.

comportamento alimentar e as suas famílias”, explica Pedro Varandas, acrescentando:

“E foi isso mesmo que se conseguiu, reduzindo ainda os custos com internamentos de longa duração e não interrompendo totalmente a atividade académica e/ou laboral das pessoas com perturbações de comportamento alimentar.”

A intervenção terapêutica do RIPA incidiu num acompanhamento intensivo por uma equipa especializada, constituída por diferentes especialidades – Psiquiatria, Psicologia, Enfermagem, Terapia Ocupacional, Psicomotricidade, Expressão Plástica, Expressão Dramática, Yoga, Grupos Terapêuticos, Nutrição e outras –, com o objetivo, como refere Claúdia Santos, enfermeira especialista do RIPA, “de obter uma mudança no sentir dos limites do corpo e das sensações vividas”.

Durante um ano e meio, foram atendidas 40 mulheres jovens, envolvidas em dinâmicas de reabilitação e de continuidade de cuidados, com permanência obrigatória de, pelo menos, duas semanas, registando-se uma utilização desta resposta, que variou entre duas e doze semanas.

Das pessoas atendidas no projeto RIPA, cerca de 70% tinham diagnóstico de anorexia, sendo a forma de doença com maior impacto na

vida das pessoas. Para a esmagadora maioria (90%), foi possível atingir o objetivo definido: prevenir o agravamento e/ou evitar a necessidade de internamento hospitalar. Destas, 13% tinham entre um e cinco anos de doença instalada, sendo que 87% tinham mais de cinco anos.

Foi ainda possível reduzir, em 80% dos casos, os comportamentos compensatórios (recurso a laxantes, diuréticos e vómito autoinduzido). A análise dos dados de acompanhamento após a alta clínica regista que 27 mulheres regressaram a uma atividade laboral e/ou académica. As famílias também foram envolvidas no processo terapêutico, uma vez que as perturbações alimentares e, em especial, a anorexia, são patologias com um impacto devastador na vida familiar. Por isso, o RIPA implementou, uma vez por semana, uma reunião online da equipa médica com as famílias.

Pedro Varandas
Madalena leite rio, médica de família, membro da Direção da aPMGF

ElSa VErDaSCa, PrESIDENTE Da aSSOCI açãO Para O DESENVOlVIMENTO Da TEraPI a Da DOr (aSTOr):

“A dor tem sempre uma componente de saúde mental”

POr OCASiãO DE MAiS UM CONGrESSO PrOMOviDO PELA ASTOr , ELSA vErDASCA, A SUA PrESiDENTE, SUbLiNhA, EM ENTrEviSTA à JUST NEwS, qUE “A SOMATizAçãO DO STrESS PSiCOLóGiCO ExiSTE NUM qUADrO DE DOr CróNiCA” E qUE A EMPATiA E A iNTErvENçãO MULTiDiSCiPLiNAr SãO AçõES ESSENCiAiS NUMA árEA EM qUE AiNDA ExiSTE MUiTA ESTiGMATizAçãO. ASTOr 2025 − 32.º CONGrESSO DE MEDiCiNA DA DOr rEALizOU-SE NO fiNAL DE JANEirO, EM LiSbOA

“Muitos colegas desvalorizam uma dor física e não se preocupam em ajudar o doente porque acham que é algo psicológico, no sentido negativo. Mas a realidade é que a dor, e a dor crónica em especial, tem sempre uma parte psicológica”, começa por evidenciar Elsa Verdasca, presidente da ASTORAssociação para o Desenvolvimento da Terapia da Dor, para logo de seguida apresentar alguns exemplos:

“Grande parte dos doentes com depressão acaba por desenvolver quadros de dor relacionados, por exemplo, com a diminuição da imunidade, como as infeções herpéticas e a consequente nevralgia pós-herpética, ou síndromes miofasciais relacionadas com contraturas e tensão muscular. Por outro lado, a situação mais frequente é a do doente cuja dor constante, que o limita na sua atividade, o destabiliza e o desanima, gera doença psicológica, como depressão, ansiedade ou insónia. Portanto, a somatização do stress psicológico existe num quadro de dor crónica.”

A anestesiologista do Centro Multidisciplinar de Dor Beatriz Craveiro Lopes, do Hospital Garcia de Orta, ULS de Almada-Seixal, avança, por isso, que “a dor não é psicológica no sentido de inventada, mas tem sempre uma componente de saúde mental”. Por esse motivo, “a abordagem adequada da SM é muito importante numa Unidade de Dor”.

A presidente da ASTOR destaca como o doente com dor crónica continua a ser alvo de estigmatização social: “Em termos familiares, o processo é desgastante, porque o doente está constantemente a verbalizar a sua dor. A nível profissional, este trabalhador está ligado ao absentismo laboral e à incapacidade de fazer as tarefas que normalmente fazia ou que deveria fazer, porque tem dor.”

No âmbito clínico, pelo menos, a médica alerta que “é importante haver empatia e, desde uma fase muito

precoce, intervir ou encaminhar adequadamente o doente, para ajudá-lo a lidar do ponto de vista psicológico com a sua dor e a capacitar-se para aplicar técnicas de coping e de relaxamento”.

Elsa Verdasca:

“As abordagens psicológicas são essenciais para auxiliar o doente a lidar com as suas limitações de forma mais construtiva.”

Nesse sentido, foi previsto espaço, no decorrer do último Congresso ASTOR, para a discussão de tópicos como psicomotricidade, musicoterapia, mindfulness e terapia cognitivo-comportamental, “abordagens psicológicas que são essenciais para auxiliar o doente a lidar com as suas limitações de forma mais construtiva”. Na realidade, “não se pode tratar só vertente física, é preciso olhar para a parte psíquica também”. Sendo “a Psicologia fundamental, não é muitas vezes suficiente para o doente fazer psicoterapia”. Efetivamente, “precisamos muito da Psiquiatria para controlo da medicação da depressão, ansiedade e distúrbios de personalidade, e também para nos ajudar a distinguir o doente que tem dor não controlada daquele que hiperboliza a sua dor ligeira ou moderada por ter uma personalidade histriónica”.

“A abordagem dos doentes com dor deve ser individualizada”

Para Elsa Verdasca, não é difícil justificar a escolha da temática cen-

“É importante haver empatia e, desde uma fase muito precoce, intervir ou encaminhar adequadamente o doente, para ajudá-lo a lidar com a sua dor do ponto de vista psicológico”, considera Elsa Verdasca

tral desta edição − Medicina à Medida. “A individualidade de cada um leva a que pessoas com a mesma situação clínica tenham traduções de dor diferentes. Adicionalmente, a abordagem dos doentes com dor deve ser individualizada. Como costumo dizer, ‘nós tratamos o doente e não a doença’”, refere.

Por isso, é “fundamental conhecer todos os meios disponíveis em termos de intervenção, para ajustá-los a cada doente e, assim, garantir que o plano terapêutico seja individualizado”.

Neste âmbito, salienta como desejável “haver centros multidisciplinares de dor, onde se concentrem várias valências no mesmo espaço físico, para que, entre todos, se possa adequar o tratamento ao doente. Evita-se assim que este percorra vários consultórios na tentativa de ser acompanhado em diversas áreas, como a psicoterapia, a musicoterapia ou a acupuntura, e corra o risco de se ‘perder’”.

A especialista em Anestesiologia nota que, ainda que não haja centros multidisciplinares de dor constituídos, é possível trabalhar de forma multidisciplinar: “Muitos médicos de especialidades como MGF, Anestesiologia, Fisiatria e Neurocirurgia acabam por referenciar o doente para colegas da sua rede de contactos, favorecendo a realização de intervenções diversas. Eu fico muito contente quando as consultas de dor funcionam em interligação com outras especialidades e áreas.”

Elsa Verdasca lamenta que o ensino pré-graduado de Medicina não contemple ainda formação em dor.

“A cadeira opcional de Anestesia é a única a abordar a dor. Ao longo do curso, os alunos recebem uma formação fragmentada, sem uma linha condutora, porque a Ortopedia vai centrar-se nos anti-inflamatórios, a Oncologia nos opioides, a Fisiologia nos mecanismos da dor, a Farmacologia nos fármacos...”, observa.

“Os alunos de Medicina recebem uma formação fragmentada, sem uma linha condutora, porque a Ortopedia vai centrar-se nos anti-inflamatórios, a Oncologia nos opioides…”, observa a anestesiologista.

Mesmo a nível do internato de especialidade, trata-se de uma área que não é transversal a todos. “Um estágio numa unidade de dor não é parte obrigatória dos internatos de MGF nem de Medicina Interna, por exemplo. O que tem acontecido é os colegas que sentem necessidade de dominar melhor os conceitos de dor

procurarem estágios numa dessas unidades, para aprenderem a tratar melhor os seus doentes e até para criarem uma ligação com essa estrutura”, revela.

Só já no ensino pós-graduado é que existem diversos cursos de dor, que “contemplam sempre as componentes teórica e prática”.

“Este é o maior evento científico sobre dor crónica a nível nacional”

Elsa Verdasca entende que “o sucesso dos congressos da ASTOR resulta do facto de ser, a nível nacional, o maior evento sobre dor crónica em termos de tempo de duração, palestras e workshops”.

Ao longo de dois dias de trabalho, “acabamos por debater temas que interessam também a profissionais não médicos, como enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas, musicoterapeutas e psicomotricistas”.

A presidente da ASTOR avança que, por exemplo, na edição de 2024, cerca de dois terços dos participantes eram médicos ou internos de especialidade, particularmente de Anestesiologia, Fisiatria, Psiquiatria, Neurologia, Neurocirurgia, Medicina Interna, Oncologia e MGF, e um terço correspondia a enfermeiros.

Ao longo do tempo, há um objetivo que procuram sempre cumprir: “Que a cada ano tenhamos mais participantes, pessoas que levam da ASTOR a mensagem de que os doentes da dor crónica devem ser cuidados de forma individual e humana.”

a DESIGNaçãO DESTa ESTrUTUra DO HOSPITal DISTrITal DE SaNTarÉM (UlS Da lEzírI a) EVOlUIU rECENTEMENTE Para UNIDaDE FUNCION

Santarém abriu o seu Hospital de Dia de Doenças mas começou a prestar assistência a doentes

fOi há CErCA DE UM ANO qUE O hOSPiTAL DE DiA DE DOENçAS iNfECiOSAS PASSOU A DESiGNAr-SE UNiDADE fUNCiONAL DE iNfECiOLOGiA, ASSiNALANDO-SE EM 2025 O 20.º ANivErSáriO DA CriAçãO DE UMA ESTrUTUrA qUE, APESAr DE TAMbéM DAr rESPOSTA A OUTrAS PATOLOGiAS, ESTá hiSTOriCAMENTE MUiTO LiGADA à iNfEçãO PELO vih. O SEU COOrDENADOr, fAUSTO rOxO, E A ENfErMEirA rESPONSávEL, MAriA SAUDADE ivO, iNTEGrAM A EqUiPA DESDE A PriMEirA hOrA

Fausto Roxo, que chegara ao Hospital Distrital de Santarém em 1991, lembra-se bem do primeiro caso mortal de SIDA registado na instituição (em 1992), o de uma mulher de 50 anos que fora internada com uma pneumonia causada por Pneumocystis jirovecci e a quem foi diagnosticada uma infeção pelo vírus da imunodeficiência humana (VIH).

“Tratava-se de uma senhora que contraíra o vírus na sequência de uma relação heterossexual que tinha tido uns anos antes em África e que recebemos aqui no hospital, eu e o meu chefe na altura, o Dr. Victor Bezerra, já em estado de SIDA. Viria a falecer poucos meses depois”, recorda, acrescentando que, posteriormente, começaram a aparecer casos ligados, nomeadamente, à prostituição e ao consumo de drogas.

Confirmando que os diagnósticos eram muitas vezes tardios, realizados na sequência do surgimento de infeções oportunistas, logo acrescenta: “O grande problema, hoje em dia, é que continuamos a identificar situações de infeção pelo VIH em doentes já em fase de SIDA, em internamentos por toxoplasmose, tuberculose, pneumocistose...”

O médico explica que ficou “curioso e particularmente interessado” pela síndrome da imunodeficiência adquirida quando, em 1984 –frequentava então o 4.º ano do curso de Medicina --, o professor assistente de Doenças Infeciosas apareceu na faculdade com “um livrinho de umas 20 páginas” e anunciou: “Está aqui tudo o que se sabe sobre SIDA!”. Fausto Roxo leu-o de uma ponta à outra.

Admite que o principal motivo que o levou a interessar-se tanto pelo VIH “terá tido a ver, provavelmente, com a marginalização destes doentes a que, entretanto, comecei a assistir, pois, isso mexeu muito comigo”. E acrescenta: “Eu digo sempre que progredimos enormemente a nível terapêutico, no conhecimento da doença, mas evoluímos pouquíssimo no respeitante ao combate ao estigma!”

“A SIDA já não é vista como uma doença de homossexuais e toxicodependentes, mas ainda está ligada a

comportamentos, pois, a transmissão acontece essencialmente por via sexual. E, portanto, a tendência é para haver uma atribuição de culpa! Mas uma coisa mais perversa ainda é dividirem-se os doentes entre aqueles que têm culpa e os que não têm. Veja-se o caso de um casal, em que o homem tem culpa porque adquiriu o VIH, mas a mulher não porque foi infetada pelo marido. Também o oposto acontece, obviamente! É por esta e por outras razões que se mantém a discriminação. Eu digo sempre aos meus doentes que, na infeção pelo VIH, culpa é uma palavra proibida!”, refere Fausto Roxo.

Camas de internamento próprias e projetos desenvolvidos fora do hospital...

O coordenador da Unidade Funcional de Infeciologia garante que, atualmente, mais de metade dos novos doentes VIH são imigrantes, sobretudo da América do Sul, principalmente do Brasil. E confirma que muitos deles já vêm com tratamento prescrito, embora aconteça com alguma frequência verificar-se que fazem uma combinação de fármacos não utilizada na Europa. Com um horário de atendimento que se inicia às 8h30 e se prolonga até ao final da tarde dos dias úteis, a Unidade dispõe de uma sala de

espera, dois gabinetes de consulta e uma sala de enfermagem com funcionalidade para ensinos, monitorização da adesão, execução de exames complementares e administração de terapêutica. Isto no piso zero do hospital, na zona das consultas externas. Para além de Fausto Roxo e da enfermeira responsável, Maria Saudade Ivo – que conta com a colaboração de um colega de enfermagem sempre que é necessário –, também o infeciologista João Dias da Cunha está a tempo inteiro na Unidade. As especialistas de Medicina Interna Sandra António, Diana Vital e Graça Amaro asseguram, cada uma delas, um período de consultas semanal. O apoio psicológico é garantido pela psicóloga Inês Santos.

Tal como sucede com os doentes

VIH, também é feito o seguimento de todos os utentes da instituição que apresentam co-infeção VIH/VHC ou sofrem de hepatite viral crónica, incluindo monoinfeção VHC e VHB. As colheitas de sangue e de outros produtos biológicos destes doentes são aqui efetuadas, assim como é realizada boa parte dos exames complementares e das terapêuticas.

Na prática, a atividade que existe agora não é muito diferente da que era desenvolvida quando a estrutura se chamava Hospital de Dia de Doenças Infeciosas, mas a sua evolução para Unidade Funcional de Infeciologia “justifica-se plenamente”, segundo Fausto Roxo, até porque são agora disponibilizadas novas valências.

“Dispomos, desde há cerca de dois anos, de oito camas de internamento, no sétimo piso do edifício,

Fausto Roxo: “Dispomos de oito camas de internamento, com uma taxa de ocupação crescente, com casos de VIH, tuberculose ou meningite, entre outras infeções.”

em enfermaria das Especialidades Médicas, onde também têm camas a Pneumologia (a maioria) e a Neurologia”, esclarece o nosso interlocutor. E adianta que “apresentam uma taxa de ocupação crescente”, com casos de VIH, tuberculose ou meningite, entre outras infeções.

Fausto Roxo faz questão de destacar a implementação de projetos que se desenrolam fora do próprio hospital e que valoriza muito. E dá um exemplo: “Começámos a colaborar com o Estabelecimento Prisional de Torres Novas, onde seguimos, no local, os doentes VIH. Fizemos igualmente a todos os presos o rastreio da hepatite C, tratando e curando os que estavam infetados, erradicando o VHC naquela instituição.”

Operações do género têm sido desencadeadas junto de comunidades terapêuticas e também envolvendo os frequentadores do anteriormente designado Centro de Tratamento de Toxicodependência (CAT) de Santarém, tratando todos os casos de infeção pelo VHC detetados.

João Dias da Cunha, infeciologista: “Em última análise, o importante é o doente!”

João Dias da Cunha, 37 anos, chegou ao Hospital Distrital de Santarém em 2019, com a especialização em Doenças Infeciosas concluída. Integrou a equipa de Fausto Roxo, que já incluía uma infeciologista, Nildelema Malaba que, entretanto, acabaria por deixar a instituição em setembro de 2023.

Doenças Infeciosas há 20 anos, doentes VIH há mais de três décadas

Fora os períodos dedicados ao Serviço de Urgência, o médico está a 100% na Unidade Funcional de Infeciologia e não o incomoda minimamente estar sob a coordenação de um internista, “até porque o Dr. Fausto não tem ‘aquela coisa’ da separação entre especialidades e, em última análise, para ele, o importante é o doente!”, exclama. Confirma o crescente número de estrangeiros residentes na região. Já foi confrontado com um ou outro caso de malária e também teve que dar continuidade ao tratamento de um cidadão brasileiro com lepra. Grande parte dos novos casos de imigrantes infetados por VIH chegam do Brasil e “a maioria já estava a ter um tratamento adequado”. O mesmo não sucede, contudo, com imigrantes

africanos sem possibilidade de, nos seus países, serem acompanhados na medicina privada e que apresentam “esquemas de tratamento menos atualizados”.

São as hepatites B e C e as infeções por VIH que mais preenchem a semana de trabalho de João Cunha. Aliás, só doentes VIH eram cerca de 500 os que o médico seguia em janeiro.

sítio mais calmo e que me desse também alguma competência a nível académico”. Escolheu depois o Hospital Fernando Fonseca para fazer o internato de formação específica e justifica porquê: “Por causa da grande quantidade de população migrante que a sua área de influência abrange, com um manancial de patologias infeciosas que não é fácil de encontrar noutro local e também com problemas sociais muito acentuados.”

Graça Amaro, internista: “O doente VIH considera-nos o seu médico de família”

Vale a pena começar por perceber qual o percurso profissional de Graça Amaro, 60 anos, natural de Valhascos, Sardoal, que queria ir para Pediatria quando entrou na Faculdade de Ciências Médicas, em Lisboa. Mantinha essa ideia quando terminou o curso, em 1989, mas, como estava mesmo decidida a tentar ficar no distrito onde

São as hepatites B e C e as infeções por VIH que mais preenchem a semana de trabalho de João Dias daCunha. Aliás, só doentes VIH eram cerca de 500 os que o médico seguia em janeiro, sendo que o número vai subindo todos os meses, até pela cronicidade da patologia. Vale a circunstância de um doente controlado e que atingiu a indetetabilidade viral deixar as consultas de rotina mensais e passar a ser observado trimestralmente ou até apenas de seis em seis meses.

João Dias da Cunha não deixa de salientar que “um diagnóstico de VIH ainda é algo psicologicamente pesado, até pelo estigma que continua a existir e que faz com que alguns indivíduos considerem que ‘vai acabar com a sua vida’...”

Natural do Entroncamento, João Dias da Cunha fez o curso de Medicina em Badajoz, tendo despertado para a especialidade que haveria de escolher durante o estágio de Doenças Infeciosas que fez no âmbito da cadeira de Microbiologia, colocando de parte a hipótese que chegou a equacionar de optar por Medicina Interna. Depois de ter feito Erasmus na Covilhã, no 5.º ano da faculdade, regressou àquela cidade para cumprir o internato geral, à procura de “um

nascera e a vaga para fazer o internato de Pediatria no Hospital de Santarém já estava preenchida, acabou por escolher Medicina Interna, que, afinal de contas, também a atraía “por ser igualmente uma especialidade holística”.

“Eu sempre gostei muito de Infeciologia e fiz formação nessa área no Hospital Curry Cabral, em Lisboa. Portanto, quando me tornei especia-

“O internista é quem segue o doente VIH de uma forma mais integrada”

Natural de Portalegre, onde nasceu a 4 de maio de 1961, Fausto Roxo residiu até aos 7 anos ali perto, em Arronches. Entretanto, como o pai assumiu as funções de delegado de Saúde de Loures, a família mudou-se para aquela localidade, que ainda estava longe de se tornar cidade. A mãe, professora de Francês, foi dar aulas para o liceu da Amadora.

tal de Lisboa, agora em 1992, para mais um estágio.

“Eu acho que os hospitais têm de se abrir ao exterior!”, exclama, percebendo-se claramente que o entusiasmo era grande quando, em conjunto com Victor Bezerra e Jaime Nina, ministravam ações de formação que os levavam, por exemplo, a percorrer as escolas do

Acompanhando bastante o pai “no terreno”, aos 10 anos já o nosso entrevistado sabia o que queria ser quando fosse grande. Haveria de fazer o 1.º ano de Medicina em Coimbra e o resto do curso em Santa Maria. Ainda pensou em Psiquiatria, mas haveria de optar por Medicina Interna, “por causa da abrangência desta especialidade, das consultas, do seguimento do doente em enfermaria...”

Mas importa deixar registado que, antes de iniciar a sua formação em MI, fez os dois anos de internato geral (1987 e 1988) no Hospital Pulido Valente e esteve outros dois anos (1989 e 1990) a fazer a pós-graduação e o mestrado em Medicina Desportiva, enquanto trabalhava como clínico geral contratado no Centro de Saúde de Loures.

A sua ligação ao Hospital Distrital de Santarém (lembra-se bem!) inicia-se a 2 de janeiro de 1991, no Serviço de Medicina 1, tendo como orientador o internista Victor Bezerra, cujo interesse pelas doenças infeciosas ainda veio dar mais força ao gosto que Fausto Roxo já tinha por essa área. Tanto que já em 1987 tinha passado, de forma voluntária, pelo Curry Cabral, onde a Infeciologia já era uma referência. O internista Rui Proença haveria de o receber novamente, neste hospi-

distrito de Santarém, nos anos mais críticos da pandemia de SIDA. Fausto Roxo recorda que o seguimento dos doentes VIH foi iniciado em 1993, com a respetiva consulta a cargo dos dois. Em 2005 seria criado o Hospital de Dia de Doenças Infeciosas, na mesma altura em que Victor Bezerra se aposentou por motivos de saúde.

“Ainda hoje acompanho doentes diagnosticados antes de 1996, ano em que se verificou a grande evolução na terapêutica nesta área do VIH”, comenta o médico, que é casado com uma anestesiologista da ULS de Santa Maria. 24 anos depois de ter chegado ao Hospital de Santarém, continua a percorrer diariamente os 140 Km de ida e volta que separam o seu local de trabalho da agora cidade de Loures, onde nunca deixou de residir.

A sua dedicação à Medicina Interna e ao VIH haveria, entretanto, de o conduzir à coordenação do Núcleo de Estudos da Doença VIH da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (NEDVIH-SPMI), cargo que assumiu em 2023. Aliás, este Núcleo realizará as suas XXII Jornadas nos próximos dias 4 e 5 de abril, em Cascais. Fausto Roxo afirma, com convicção, que “o internista é quem serve o doente VIH de uma forma mais integrada”.

João Dias da Cunha
Graça amaro (Continua na pág. 12)

(Continuação da pág. 11)

lista, em 1997, passei logo a integrar a Consulta de Doenças Infeciosas, que tinha acabado de ser criada”, recorda Graça Amaro. Juntava-se assim a Victor Bezerra e a Fausto Roxo no acompanhamento dos doentes VIH, mas apenas durante dois anos.

Médio Tejo. Dedicou-se à Consulta de VIH, onde começou a receber, nomeadamente, os doentes das áreas de Torres Novas e de Tomar, que até então eram assistidos no Curry Cabral, numa altura, sublinha, “em que havia muitos casos complicados e os internamentos eram frequentes”. Em 2009, Graça Amaro regressou

em Torres Novas, tinha alguma dificuldade em que fossem ao médico de família e acabava por orientá-los a nível hospitalar relativamente ao que precisassem. Isso deixou de ser possível aqui porque eles, efetivamente, não pertencem à área de influência deste hospital e alguns ressentiram-se disso. De qualquer forma, tendo

Graça Amaro:

“Somos internistas e, por isso, acabamos por dar apoio ao doente VIH em muitas outras áreas.”

A abertura de concurso para preenchimento de uma vaga de Medicina Interna no então Hospital Distrital de Torres Novas levou-a a concorrer, acabando por ficar dez anos no entretanto criado Centro Hospitalar do

ao Hospital Distrital de Santarém, integrando o entretanto criado Hospital de Dia de Doenças Infeciosas, coordenado por Fausto Roxo. Com o encerramento da Consulta de VIH no CH do Médio Tejo, em 2012, a médica voltou a acompanhar os seus antigos doentes, que a partir dessa altura começaram a ser seguidos em Santarém, embora não exatamente da mesma forma. E explica porquê: “Estes doentes veem-nos como se fossemos os seus médicos de família e queixam-se dos mais variados problemas de saúde, mesmo que não sejam diretamente relacionados com o VIH. À exceção do colega João Cunha, somos todos internistas e, por isso, acabamos por dar apoio em muitas outras áreas.”

E prossegue: “Quando eu estava

MarI a SaUDaDE IVO, ENFErMEIra:

em conta a distância a que estamos da sua área de residência, seria muito complicado, ou até mesmo impraticável, deslocarem-se a Santarém.”

Há quase 30 anos a lidar com a infeção VIH, a médica salienta a “imensa evolução” que houve no que respeita ao tratamento destes doentes: “O mais significativo é estarem imunológica e virologicamente controlados, o que nos transmite uma enorme tranquilidade a nós mas também aos próprios doentes, como é evidente.”

Graça Amaro acompanhará cerca de uma centena de doentes VIH, sendo que nos últimos tempos deixou de fazer primeiras consultas, devido às suas outras responsabilidades enquanto internista. Para além da Consulta de Medicina, do Internamento e da Urgência, que ainda faz, tem agora

também a direção do Serviço de Medicina Interna III.

Inês Santos, psicóloga: “Muitos são apanhados desprevenidos pelo diagnóstico de infeção...”

Foi na adolescência que Inês Santos, 32 anos, percebeu que haveria de ser feliz como psicóloga, aliando o interesse pela saúde mental ao gosto de ajudar as pessoas. Concluído o curso na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, esteve muito ligada à intervenção em crise, em Pedrogão Grande, depois dos incêndios, ou colaborando com o INEM. Embora resida em Rio Maior, é natural de Santarém e, por isso, agarrou a oportunidade de poder trabalhar no hospital da cidade, onde entrou em setembro de 2020, para integrar a Unidade de Psicologia. Em 2022, ficou afeta à equipa de Fausto Roxo, por um período de 4 horas, às sextas à tarde, basicamente para prestar apoio a utentes com a infeção VIH.

A sua ajuda é mais solicitada, como se compreenderá, quando se regista um maior fluxo de primeiras consultas.

“Muitos dos doentes são apanhados desprevenidos pelo diagnóstico de infeção, necessitando de apoio psicológico com vista à aceitação do mesmo e depois, no fundo, em todo o processo que envolve a doença.

Inês Santos: “Muitos dos doentes são apanhados desprevenidos pelo diagnóstico de infeção, necessitando de apoio psicológico com vista à aceitação do mesmo.”

É preciso, por vezes, por exemplo, ajudar a promover a adesão à terapêutica farmacológica”, explica Inês Santos, acrescentando:

“São intervenções breves, embora algumas possam ser mais demoradas, dependendo sempre das características de cada doente e muitas vezes de eventual doença do foro da saúde mental prévia ao diagnóstico de infeção VIH. Nesse caso, os que não são ainda acompanhados a nível

“Continua a haver muito estigma e eu não consigo perceber porquê!”

A enfermeira Maria Saudade Ivo começou a trabalhar no Hospital Distrital de Santarém com apenas 23 anos de idade e a ligação estreita à área do VIH já conta duas décadas. Ela iniciou-se, aliás, quando foi criado o Hospital de Dia de Doenças Infeciosas, estrutura que, entretanto, passou a ser designada por Unidade Funcional de Infeciologia. Mas vale a pena recuar no tempo e deixar registado que Saudade Ivo nasceu a 15 de março de 1964, sendo natural de Gavião, onde a sua mãe foi professora primária durante 30 anos. No entanto, viveu numa aldeia próxima até aos 10 anos, altura em que a família se mudou para essa vila alentejana. Diz que sempre quis ser enfermeira, desde miúda, sem nunca ter sido influenciada por alguém. Acabaria por fazer a sua formação na Escola de Enfermagem de Portalegre, terminando o curso em 1987. Nessa altura, acompanhada de seis colegas, dois dos quais rapazes, foi visitar o Hospital Distrital de Santarém, inaugurado dois anos antes.

“O enfermeiro diretor recebeu-nos, falou connosco e nunca mais nos largou”, recorda, acrescentando que os sete começaram ali a trabalhar logo em janeiro de 1988. Primeiro esteve no internamento de Medicina, onde ficou até 1995, tendo Saudade Ivo aceitado depois a mudança para as Consultas Externas.

Quando, em 2005, foi decidido que o projeto do Hospital de Dia iria mesmo avançar, sob a coordenação do internista Victor Bezerra e com a participação do seu colega Fausto Roxo, o nome da enfermeira surgiu de forma mais ou menos óbvia, até porque já se conheciam. Não demorou muito até ficar a 100% dedicada às Doenças Infeciosas, com um relevo especial para os doentes VIH.

A nossa entrevistada afirma que sempre lidou bem com o vírus da imunodeficiência humana: “Já na enfermaria de Medicina, quando havia alguém internado com VIH, era sempre eu que colocava os soros e tratava de alguma coisa mais invasiva porque, nessa altura, toda a gente tinha medo desses doentes. Mas a mim a SIDA nunca me fez confusão alguma!”

“Falam mais facilmente comigo na colheita de sangue”

Passados 20 anos, a doença VIH é encarada como uma patologia crónica, “com medicamentos fabulo-

sos que todas as áreas gostariam de ter”. A enfermeira admite ser “tudo bastante mais tranquilo”, embora... “continue a haver muito estigma, mesmo entre os profissionais das instituições de saúde, e eu não consigo perceber porquê”.

“Os doentes sentem-se estigmatizados e têm uma certa razão para isso, pois, de uma forma geral, as pessoas continuam a achar que eles tiveram, ou têm... uma vida considerada fora de padrão. Ainda a semana passada apareceu-me aqui um rapaz muito aflito porque o teste VIH tinha dado positivo. No entanto, para ele,

Saudade Ivo: “Há mesmo quem tenha medo de se expor à própria família.”

o problema não era a doença em si, mas o que iriam pensar dele, até por trabalhar na área da Saúde. E então só dizia: ‘Se calhar, é melhor eu despedir-me!’”, conta Saudade Ivo, prosseguindo:

“Há mesmo quem tenha medo de se expor à própria família. Por exemplo, acompanhamos aqui um casal que nunca falou aos filhos no seu problema por terem receio de que os proíbam de conviver com os netos. Por isso é que, quando aparece um doente novo, há a preocupação de perceber qual o seu contexto familiar e até social para verificar que tipo de apoio necessita, se é preciso encaminhá-lo para a psicóloga… Mas depois também há quem venha por ter feito um teste de VIH que deu positivo e chegue aqui tranquilíssimo!”

A enfermeira diz que continua a considerar “muito importante” o momento em que os doentes VIH se colocam à sua frente para que seja feita a colheita de sangue. E porquê? “Porque falam mais facilmente comigo, nessa altura, sobre alguma complicação que

Inês Santos

psicológico ficam comigo, sendo então necessária uma intervenção mais prolongada no tempo.”

Inês Santos confirma que existe realmente “muito estigma” relativamente aos doentes VIH, que “acabam por ter bastante receio em partilhar, mesmo com as pessoas que lhes são mais próximas, o que se passa consigo”. Os que trabalham “têm medo de ser prejudicados no seu emprego, de serem colocados de parte por estarem infetados”.

tenham, um sintoma extra que surgiu, do que quando vêm à consulta de rotina, cheios de pressa porque, na verdade, nem disseram no emprego que vinham aqui ao hospital.”

Entretanto, o número de doentes VIH de nacionalidade não portuguesa aumentou substancialmente nos últimos tempos, com Saudade Ivo a destacar os naturais do Brasil, do Paquistão e da Índia, que em muitos casos já chegarão a Portugal infetados.

E porque na Unidade Funcional de Infeciologia da ULS da Lezíria também se presta assistência a utentes com outras patologias, como as hepatites, ou que procuram consultas como a de doenças sexualmente transmissíveis ou da PrEP (profilaxia pré-exposição), o movimento que se regista diariamente obrigou a que, pelo menos na sua ausência, a enfermeira conte com o apoio do colega Pedro Malaca, um dos dois profissionais de enfermagem afetos à vizinha Consulta de Diabetes.

UNIDADE FUNCIONAL DE INFECIOLOGIA DA ULS DA LEZÍRIA

LINHAS DE ATIVIDADE - 2024

INTERNAMENTO

Lotação

Doentes Saídos (s/tranf. internas)

Dias internamento

Taxa de Ocupação

Demora Média (em dias) - (s/transf. internas)

falecidos

Taxa Mortalidade (s/transf. internas)

Doenças Infeciosas

N.º de Sessões

N.º de Doentes

Medicina do Viajante

N.º de Sessões

N.º de Doentes

HOSPITAL DE DIA

Filipa almeida azevedo

Nutricionista Auchan. Membro da Ordem dos Nutricionistas n.º 1914N filipalaborinho.azevedo@auchan.pt

Hipertensão arterial e dieta

ACONSULTA ExTERNA

Doenças Infeciosas (Doentes VIH/SIDA)

Primeiras Consultas

Consultas Subsequentes

PREP (Doentes VIH/SIDA)

Primeiras Consultas

Consultas Subsequentes

Consulta do Viajante

Primeiras Consultas

Consultas Subsequentes

Total

Total

Total

Doenças Sexualmente Transmissíveis

Primeiras Consultas

Consultas Subsequentes

Infec. Aval. Hepática

Primeiras Consultas

Consultas Subsequentes

Infeciologia

Primeiras Consultas

Consultas Subsequentes

Doenças Infecciosas - Exterior

Primeiras Consultas

Consultas Subsequentes

Total Primeiras Consultas

Total Consultas Subsequentes

Total

Total

Total

Total

Total

Percentagem de primeiras consultas no total de consultas

CONSULTAS NãO MÉDICAS

Enf Doenças Infeciosas

Primeiras Consultas

Consultas Subsequentes

Enf. Viajante

Primeiras Consultas

Consultas Subsequentes

Total

Total

hipertensão arterial (HTA) é uma condição que afeta uma parte significativa dos portugueses. Estima-se que a prevalência seja de 42,6% na população adulta e que menos de metade dos doentes estejam medicados, com apenas 11,2% controlados. As doenças cardiovasculares (DCV) são uma importante causa de morte e incapacidade, sendo que a HTA contribui para 45% do total de mortes por doença cardíaca. De facto, é crucial controlar a tensão e em termos de dieta o que continua a ser preconizado é a DASH - Dietary Approaches to Stop Hypertension, tendo sido considerada, em 2025, a melhor dieta para a pressão arterial pelo NIH (National Heart, Lung, and Blood Institute). Em Portugal, para além da DASH, também a Dieta Mediterrânica é aconselhada para o controlo da HTA. As duas dietas caracterizam-se por recomendarem níveis baixos de gordura saturada, baixo consumo de alimentos processados

Apesar da Dieta Mediterrânica fazer parte do património cultural, parece observar-se um afastamento progressivo e a adoção de padrões alimentares ocidentais com teores de sal mais elevados, o que é preocupante.

e, por oposição, um elevado consumo de frutas, vegetais e cereais integrais. Estudos demonstram que o padrão alimentar da Dieta Mediterrânica está associado a uma redução da pressão arterial graças ao seu alto teor em antioxidantes, como ácidos gordos monoinsaturados e polifenóis, e ao seu baixo teor de sódio. Apesar da Dieta Mediterrânica fazer parte do património cultural, parece observar-se um afastamento progressivo e a adoção de padrões alimentares ocidentais com teores de sal mais elevados, o que é preocupante.

O consumo diário médio de sal em Portugal é de 10,7 gramas de sal por dia, o dobro do recomendado pela OMS, que são 5 g por dia. Sabe-se que a menor ingestão de sal resulta em reduções da tensão arterial, originando uma significativa diminuição do risco de DCV, uma menor probabilidade de morte por enfarte em 10% e de DCV em 9%, e outras causas de mortalidade em 7%.

Para além de um papel individual, é importante que os governos adotem estratégias que possam promover ambientes mais saudáveis. O Governo português tem implementado diversas medidas nesse sentido, tentando mitigar esses resultados, através da Estratégia Integrada para a Promoção da Alimentação Saudável (EIPAS), lançada em 2017. Desta forma, promovem-se padrões alimentares mais saudáveis, incluindo alguns que facilitam a obtenção de uma tensão arterial saudável. No que concerne à redução progressiva dos teores de sal nos alimentos, as estratégias junto da indústria registaram uma redução global de 11,5% no teor médio de sal nos produtos abrangidos pelo compromisso de reformulação industrial. O esforço conjunto entre o Ministério da Saúde, a DGS, a Federação das Indústrias Portuguesas Agro-Alimentares (FIPA) e a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) resultou numa diminuição estimada de 25,6 toneladas de sal nos alimentos abrangidos. Categorias como “cereais de pequeno-almoço” e “pizzas” já atingiram as metas de redução de sal definidas para 2022.

Embora existam já várias medidas para promover uma alimentação mais saudável e uma ingestão mais baixa de sal, apesar das recomendações alimentares desde sempre veiculadas, este permanece um tema que deve continuar a ser reforçado junto das comunidades e dos indivíduos hipertensos, pois, permanecemos aquém dos valores preconizados, e pequenas alterações trazem grandes resultados.

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Constituída no último dia do ano de 2020, em plena pandemia, a USF 7 Castelos ergueu-se graças a um grupo de cinco médicos, cinco enfermeiras e quatro assistentes técnicas que trabalhavam na agora vizinha USF Génesis e entenderam que “faria sentido criar uma nova unidade”, explica Teresa Mendes, a atual coordenadora da USF, que integra a equipa desde 2021, assim que se tornou especialista.

A USF 7 Castelos começou a funcionar no piso inferior àquele onde se encontra a USF Génesis, num edifício onde também está instalada a UCC Saúde a Seu Lado, mal o espaço deixou de estar ocupado pela Área Dedicada a Doentes Respiratórios, que entretanto foi deslocada para outro local.

O grupo inicial foi reforçado com mais três médicos (embora tenha, entretanto, saído um dos elementos fundadores), duas enfermeiras e uma assistente técnica. Logo que arrancou, a USF recebeu três internos, que se encontram atualmente a concluir a sua formação, e já em 2025 foram acolhidos outros dois. Por ali têm passado, desde que abriu portas, há pouco mais de quatro anos, internos do Ano Comum, bem como alunos de Medicina e de Enfermagem. Apesar de ter começado por prestar cuidados de saúde apenas aos habitantes das freguesias da Póvoa

de Santo Adrião e de Olival Basto, a coordenadora esclarece que, graças ao alargamento da equipa e ao consequente aumento das listas, a USF passou a atender também utentes de Odivelas, Ramada e Caneças.

A população acaba por ser “heterogénea”, na medida em que “as listas dos colegas que vieram da USF Génesis, que estavam já estabelecidas, integram bastantes idosos que sempre viveram aqui, o que se reflete naturalmente numa grande carga de doença crónica. Em contrapartida, as listas mais recentes absorvem muitos jovens adultos, crianças e imigrantes, o que traz alguns desafios a nível da comunicação e da adaptação cultural”.

No caso de Teresa Mendes, a sua lista é tendencialmente mais jovem, com grande carga de população migrante, “o que é um desafio acrescido pela barreira linguística que existe, dado que muitos não sabem sequer falar inglês, embora manifestem uma grande vontade de aprender”.

A aposta em rastreios oncológicos e em sessões de literacia e de exercício físico

A Consulta de Rastreios Oncológicos é um ato que realizam além da carteira básica e que é assegurado pela enfermeira especialista em Saúde Materna e Obstétrica Cristi-

“Juntos, a enfermeira Cristina Lopes e os quatro internos do 4.º ano dão uma grande ajuda na melhoria da cobertura populacional nos rastreios”, distingue a coordenadora.

na Lopes, com a colaboração dos internos do 4.º ano. “Enquanto a enfermeira Cristina se dedica essencialmente ao rastreio do cancro do colo do útero, os internos prescrevem e avaliam os resultados dos rastreios, não só do cancro do colo do útero, mas também dos cancros da mama e colorretal. Juntos, dão uma grande ajuda na melhoria da cobertura populacional nos rastreios”, distingue. Teresa Mendes reconhece que “a equipa de enfermagem é extremamente proactiva, desenvolvendo constantemente projetos dirigidos à comunidade. O programa promovido pela DGS “Diabetes em Movimento”, realizado em 2023/2024, em parceria com a Câmara Municipal de

Odivelas e as freguesias de Pontinha/ /Famões e Póvoa de Santo Adrião/Olival Basto, é um deles.

“Durante um período de nove meses, eram dinamizadas sessões de educação para a saúde e de exercício físico dirigidas a utentes com diabetes tipo 2 e o feedback era extremamente positivo. As pessoas gostavam mesmo daqueles momentos e perguntavam quando seriam os próximos encontros, porque reconheciam as melhorias”, conta.

A coordenadora salienta que “é visível o benefício que há quando várias entidades de juntam em prol de um objetivo comum” e, nesse aspeto, considera que “a Câmara Municipal de Odivelas é bastante proactiva”. Na temporada 2024/2025, dada

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dirigidos à comunidade visa melhorar a qualidade de vida dos utentes

a dificuldade em alocar um professor de exercício físico, um pequeno grupo de utentes da USF 7 Castelos associou-se ao da USF Novo Mirante, na Pontinha, que também integrava o programa.

Desde meados de 2024 que está a ser desenvolvido um projeto semelhante, direcionado a utentes com doença pulmonar obstrutiva crónica, a fim de “melhorar o controlo da DPOC e aumentar a esperança média de vida destes utentes”.

Antes ainda, desde meados de 2023, a equipa desta USF integra um projeto piloto que procura capacitar pessoas com demência e seus cuidadores, juntamente com a USF Ramada e o Serviço de Neurologia do Hospital Beatriz Ângelo. Neste caso, é o

A médica adianta que o objetivo das sessões de educação para a saúde e de exercício físico dirigidas a utentes com DPOC é “melhorar o controlo da doença e aumentar a esperança média de vida destes utentes”.

médico Válter Ribeiro Ferreira que está mais dedicado ao mesmo e tem participado nas reuniões periódicas. Em novembro, foram inclusivamente organizadas umas Jornadas sobre Demências, em que participaram médicos, enfermeiros, terapeutas ocupacionais, uma jurista e uma assistente social, com a finalidade de “apresentar casos clínicos, abordar a oferta de recursos da comunidade e aproximar os cuidados hospitalares dos CSP, o que é sempre útil”.

A USF 7 Castelos costuma ainda assinalar certas datas comemorativas, como o Dia Mundial da Criança, que em 2024 ficou marcado pelas sessões de leitura realizadas na sala de espera infantil, graças a uma parceria conseguida com uma editora de livros para

Nome: O nome 7 Castelos pretende homenagear a Quinta dos Sete Castelos, um conjunto de casas que remontam a 1930, com características de vilas rústicas antigas, localizadas na Póvoa de Santo Adrião. Tal quinta confere àquele espaço a beleza de um pequeno núcleo antigo, aprazível e a preservar enquanto memória e singularidade. O intuito foi, assim, valorizar e preservar as raízes desta população.

logótipo: Com uma coroa na forma do número 7, em cujo topo estão três figuras de mãos dadas, pretendeu-se representar a família e a saúde familiar, o objetivo da equipa através da prestação de cuidados de saúde.

crianças que explicam as doenças de forma muito simples. “Por vezes, as ideias surgem quase de um dia para o outro, apresentamo-las e discutimo-las em reunião, e geralmente são bem recebidas por todos!”, comenta Teresa Mendes.

A coordenadora adianta que todos estes projetos foram recebidos “de braços abertos” pelo Conselho

(Continua na pág. 16)

TErESa MENDES, COOrDENaDOra:
“Sentimos necessidade de ter alguma atividade que não se relacione com a medicina, mas que indiretamente dê saúde”

Teresa Mendes nasceu a 5 de junho de 1991, em Coimbra. Desde pequena que sonhava ser médica e acabou por ingressar, em 2009, na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa. Em 2016, realizou o Ano Comum no antigo CH Lisboa Ocidental, tendo avançado posteriormente para o Internato de MGF, na USF Ars Médica, em Santo António dos Cavaleiros.

o Conselho Técnico da Unidade, altura em que procederam à candidatura a modelo B. Obtiveram a aprovação em dezembro de 2022. Desde junho de 2024 que a médica assume a coordenação da Unidade, função que considera adequar-se ao seu perfil. “É extremamente desafiante, pela responsabilidade inerente, que se traduz numa alta carga mental, no sentido em que acabamos por

Não teve muitas dúvidas na hora de escolher o caminho a seguir. “A MGF acaba por ser uma especialidade muito completa, em que acompanhamos as pessoas desde a preconceção, quando ainda estão a ser planeadas, até à morte, e durante todas as fases da sua vida, o que é bastante interessante. Por outro lado, não tem limites de conhecimento, no sentido em que nos obriga a saber um pouco de tudo. Numa mesma consulta, podemos falar de depressão, tensão alta e diabetes”, observa.

A médica tornou-se especialista em 2021, em plena pandemia, e logo teve oportunidade de integrar a USF 7 Castelos. No seu caso, nutre um gosto especial pela Saúde Materna e Infantil e considera-se afortunada por ter uma lista de utentes com um peso considerável de crianças e mulheres em idade fértil.

Logo no final de 2021, integrou

ter sempre assuntos pendentes dos quais o funcionamento da equipa depende, e uma preocupação constante para que nada falhe. Ainda assim, gosto dessas componentes de gestão e de logística”, diz. Após ter feito parte da Tuna Médica de Lisboa, no final de 2016 começou a aprender a tocar piano, com professores particulares. Em 2022, decidiu integrar também o coro da Lisbon Film Orchestra. Por isso, semanalmente, Teresa Mendes dedica algum tempo às aulas de piano e ao coro, sendo que, periodicamente, participa em audições e espetáculos de ambos. O último decorreu em janeiro, no MEO Arena, com a Lisbon Film Orchestra. “Muitos de nós sentimos esta necessidade de ter alguma atividade que não se relacione com a medicina, mas que indiretamente dê saúde, ao permitir-nos aliviar a mente!, comenta.

Viva uma Vida Nova

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de Administração da ULS de Loures-Odivelas. “Têm-nos incentivado a implementá-los e até a promover a sua extensão a outras unidades. E nós acreditamos que, se houver colegas a querer replicá-los, tal só irá trazer benefícios para toda a gente”, afirma.

A formação diversificada da equipa

Teresa Mendes adianta que um dos objetivos a médio prazo passa pela expansão da USF, em termos de recursos humanos e físicos: “Gostaríamos de chegar, eventualmente, aos oito médicos, e de ter gabinetes para os internos e para as diferentes valências de enfermagem.”

A coordenadora recorda que muitos dos profissionais continuam a trabalhar com recurso aos seus próprios equipamentos, que foram obrigados a adquirir para poderem executar o seu trabalho. “Na altura, a ARSLVT não enviou tudo o que era necessário e como nós não podíamos ficar à espera, acabámos por comprar materiais como balanças e otoscópios”, refere.

As formações regulares representam momentos importantes para todos os elementos da USF, que podem “enriquecer o seu conhecimento de acordo com as necessidades formativas identificadas”. Muitas vezes, são convidados preletores externos, como aconteceu com o tema da violência, abordado por agentes da PSP, dos maus tratos infantis, apresentado pela equipa do Núcleo de Apoio a Crianças e Jovens em Risco da Câmara Municipal de Odivelas, ou do burnout, desenvolvido por uma psicóloga da ULS de Loures-Odivelas.

Há uma preocupação constante em “tentar diversificar e não tratar apenas temas médicos puros, porque toda a equipa está presente e deve tirar proveito da formação”. Nesse sen-

tido, também já houve oportunidade de trazer ao debate temáticas como a dos registos clínicos.

A elaboração e promoção de trabalhos científicos é outra das tónicas da Unidade. “Geralmente, os internos são mais ativos nesse aspeto, contando sempre com o nosso apoio e até estímulo. Ao contactarmos com casos interessantes, acabamos por partilhá-los com os mais novos e incentivá-los a procurar mais sobre o assunto e a desenvolver um trabalho”, aponta.

Joana Pinto de Sousa: a força motriz comum da equipa

Joana Pinto de Sousa é uma das médicas fundadoras da USF 7 Castelos e reconhece que o processo evolutivo que a equipa tem vindo a fazer resulta do seu próprio espírito. “Temos uma força motriz e um objetivo comuns, e uma forma de trabalhar similar, o que nos ajuda bastante, porque geralmente estamos em sintonia e acabamos por nos motivar e estimular. Cada um tem uma voz ativa e se gostar e quiser avançar com determinado projeto vamos apoiar e potenciar essa ideia, sem descurar as condicionantes que temos. Mais recursos houvesse para fazermos ainda mais!”, distingue.

“Mais recursos houvesse para fazermos ainda mais!”, exclama Joana Pinto de Sousa.

Logo integrou o Conselho Técnico da Unidade, função que retomou no verão de 2024, após um

período de afastamento por licença de maternidade. “Acabo por apoiar a coordenadora em áreas como a organização documental, a formação, a comunicação com o exterior e a monitorização dos indicadores”, refere.

A médica destaca como na USF se valoriza a formação médica e de enfermagem, de tal forma que ali são recebidos internos de Formação Geral e de MGF e alunos de Medicina de universidades portuguesas e estrangeiras, bem como estudantes de Enfermagem.

estado cerca de meio ano na UCSP Olaio, enquanto aguardava concurso, integrou então a USF Génesis. Aí se manteve durante três anos, até participar na fundação da USF 7 Castelos.

Realizou o internato da especialidade na USF Ars Médica, em Santo António dos Cavaleiros, e após ter

Joana Pinto de Sousa, madeirense, de 37 anos, veio para o continente quando tinha 17 anos, para estudar na FMUL, e foi ao longo dos estágios que realizou nos últimos anos de curso que percebeu que gostaria de seguir uma especialidade abrangente. “Em MGF, poderia acompanhar grávidas, crianças de todas as idades, utentes saudáveis ou com doenças crónicas, idosos, dedicar-me ao planeamento familiar, ao utente num todo... A partir do momento em que tive essa perceção, trabalhei para o conseguir”, afirma.

alDa GISEla MONTEIrO, DIrETOra ClíNICa Para a árEa DOS CSP:

“Podemos ter um impacto muito maior quando saímos do gabinete”

Alda Gisela Monteiro, que assume desde fevereiro de 2024 as funções de diretora clínica para a área dos CSP da ULS de Loures-Odivelas, realça que “uma das vantagens da MGF e dos CSP, de uma forma geral, é não estarem cingidos ao gabinete, traduzindo-se em ganhos em saúde, dada a capacidade de termos uma visão na e para a comunidade”.

A médica, que anteriormente presidia ao Conselho Clínico e de Saúde do ACES Arco Ribeirinho, valoriza os projetos desenvolvidos pelas “equipas que melhor conhecem os seus utentes e as necessidades em saúde das populações que servem”. E reconhece: “Podemos ter um impacto muito maior quando saímos do gabinete, pela capacidade de fazer chegar a nossa mensagem a mais pessoas, bem como pela mais-valia de aprendermos com a experiência dos outros.”

Nesse sentido, defende que “é preciso oferecer respostas disruptivas que vão além do atendimento e modelo assistencial mais ‘clássico’, havendo benefícios em dinamizar atividades capazes de reduzir a procura de cuidados por motivo de doença, antecipando e promovendo ações que visem a promoção em saúde”. Por outro lado, “havendo

projetos que investem no ensino aos utentes, o acesso à consulta típica tornar-se-á mais efetivo e eficiente”.

Relativamente aos projetos de integração entre cuidados de saúde primários e hospitalares, como o das demências, cuja origem é até anterior à criação da ULS de Loures-Odivelas, por ter surgido como projeto piloto, comenta que “a partilha de conhecimento é, sem qualquer dúvida, o maior legado que deixamos cá!”. E adianta que a meta para este projeto é “transformá-lo num

processo assistencial integrado, que consiga abranger todos os doentes com quadros demenciais inscritos na ULS, bem como antecipar medidas preventivas conhecidas para esta patologia nas suas diferentes etiologias”.

“A partilha de conhecimento é, sem qualquer dúvida, o maior legado que deixamos cá!”

Alda Gisela Monteiro admite ter “um papel mais interventivo em unidades que têm dificuldades inerentes ao facto de terem utentes sem médico, apresentarem limitações de recursos ou estarem inseridas em modelo de UCSP”. No caso das USF, refere ter conseguido “construir uma rede forte”, que se reflete numa “articulação muito fácil com os colegas”, até porque sempre lhes pediu que a vissem “não só como diretora clínica mas também como médica e

facilitadora da articulação entre estruturas e cuidados”.

Avaliando a USF 7 Castelos, a nossa interlocutora considera que esta “tem a natureza típica de uma unidade jovem, que se traduz num forte dinamismo e na vontade de iniciar projetos, com visão de futuro”. O facto de esses projetos serem dinamizados com uma visão multidisciplinar é encarado por si como sendo muito positivo.

“Eu sou apologista de que se devia abolir a terminologia ‘utentes sem médico de família’, porque se trata sim de ‘utentes sem equipa de família’, porque a sinergia de conhecimentos e cuidados prestados pelos profissionais pode fazer francamente a diferença”, salienta.

A médica acredita que “há muitos utentes que não precisam necessariamente de acesso a um médico de família, mas sim de acesso à saúde, e o modelo das USF destacou-se precisamente pelo sinergismo da equipa de família”. E prossegue: “Os recursos são escassos, em Portugal e em todo o mundo. Por vezes, não precisamos de ter muito. Basta termos o suficiente, capaz de funcionar de forma sinérgica e complementar, e as USF, organizando-se bem, são sinérgicas e complementares.”

Válter Ribeiro Ferreira: a atenção dada às demências e à prescrição social Foi em 2012, quando já trabalhava como fisioterapeuta há quatro anos, em centros sociais e paroquiais e em apoio domiciliário, que Válter Ribeiro Ferreira decidiu ir atrás do seu sonho. “Medicina era algo que sempre tinha querido, mas que, na altura, o percurso de vida não permitiu concretizar, mas a verdade é que estamos sempre a tempo!”, refere.

Já enquanto fisioterapeuta gostava muito de trabalhar as áreas de Saúde do Idoso e de Saúde Mental, que continua a privilegiar enquanto médico de família, através da dinamização de projetos nesses âmbitos.

No início de 2024, cerca de um ano após ter chegado a esta

Joana Pinto de Sousa
Válter ribeiro Ferreira

a organização da primeira edição das Jornadas sobre Demências da ULS Loures-Odivelas, realizadas em dezembro de 2024, que juntaram cerca de meia centena de profissionais da ULS, entre médicos, enfermeiros, assistentes socais, terapeutas ocupacionais e da fala. “Há muitas dúvidas relativamente aos apoios sociais, ao estatuto de maior acompanhado e à orientação legal, ao nível da gestão do património do doente demente, por exemplo, pelo que estes temas também acabaram por ser abordados”, expõe.

No que respeita à articulação com o meio hospitalar, têm sido concretizadas diversas ações: “Estamos a desenvolver uma base de dados conjunta referente aos utentes das duas USF que são seguidos em consulta no Hospital Beatriz Ângelo. Este ano, vamos tentar elaborar um projeto de investigação e melhorar a informação que cedemos aos colegas, nomeadamente no âmbito da referenciação às consultas de Neurologia e de Psiquiatria – O que é preciso fazer antes de referenciar? Que doentes faz sentido priorizar? Quais podemos acompanhar com medidas de prevenção da demência?”

Acima de tudo, o médico considera que o estreitar da ligação entre os profissionais é muito benéfico: “Podemos disponibilizar alguns contactos de e-mail aos familiares, e se um doente começar a descompensar

Válter Ribeiro Ferreira reconhece que “a mais-valia do projeto das demências para os doentes é a acessibilidade, no sentido em que se existir alguma descompensação sabem que há atalhos”.

USF, associou-se ao projeto de integração de cuidados relacionado com as demências, que engloba também a USF Ramada, o Serviço Social e os serviços de Neurologia e de Psiquiatria do Hospital Beatriz Ângelo.

“Havia necessidade de melhorar a comunicação entre os diferentes níveis de cuidados de saúde que são prestados a estes doentes e às suas famílias, que são uma população muito especial, e também com as próprias estruturas da comunidade”, explica. Nesse sentido, mensalmente, são realizadas reuniões envolvendo estes agentes, a fim de “discutir casos, planear a formação, fazer investigação e debater como pode ser melhorada esta integração de cuidados”.

Foi dessa articulação que resultou

CarOlINa PraTaS, INTErNa DO 4.º aNO:
“Tive muita sorte em ter tido a experiência do burnout num ambiente seguro”

Carolina Pratas pertence ao grupo de cinco internos desta USF. Natural de Coimbra, a médica, de 31 anos, fez a formação em Medicina na sua cidade natal, tendo em 2020 rumado a Lisboa, para realizar o internato de Formação Geral, no antigo CHU de Lisboa Norte. Esse ano acabou por se revelar “muito desafiante”, por ocasião do surgimento da pandemia de covid-19.

O processo de decisão pela MGF foi fácil e, após visitar algumas USF, a sua escolha recaiu sobre a USF Génesis. “Na altura, já estava prevista a abertura da USF 7 Castelos e a passagem de três novos internos para essa unidade, acompanhando os respetivos orientadores”.

A interna valoriza o facto de “a equipa de médicos especialistas ser bastante jovem, ter grande qualidade e estar sempre atualizada”, fatores que “colmataram a lacuna de não haver internos mais velhos, que são importantes para partilhar algumas orientações e recomendações relativamente ao internato”. Ora, “havendo especialistas que tinham passado por essa experiência há relativamente pouco tempo, acabámos por receber dicas da parte dos colegas e não sentir tanto essa falta. De outra forma, o processo teria sido mais difícil”.

Desde o 1.º ano de internato que o grupo desenvolveu várias iniciativas, até para “estabelecer um maior contacto com os utentes na época pandémica, em que a atividade assistencial estava muito reduzida e a prática clínica da MGF sofreu uma grande alteração”.

Logo avançaram com um protocolo de exercício físico e programaram várias caminhadas ao ar livre, durante alguns meses, para manter o contacto presencial com os utentes de forma segura e incitar a atividade física”.

Juntamente com a enfermeira Cristina Lopes, têm vindo a participar também no projeto dos rastreios do cancro do colo do útero, o que “engloba um trabalho de es-

e precisar de uma intervenção mais precoce conseguimos fazer essa sinalização, que pode resultar na antecipação de uma consulta que estava

agendada só para daí a um ano, por exemplo.”

Em relação aos doentes, reconhece que, “para já, essencialmen-

tudo de lista para identificar quem tem o rastreio em atraso, convocar para consulta presencial e atualizar o rastreio”.

Outro dos projetos em que a interna está envolvida é o da “Contraceção sem Exceção”, que consiste numa Consulta de Métodos de Longa Duração dirigida maioritariamente a utentes sem médico de família, que funciona no Espaço Saúde da Mulher e da Criança, em Loures. Essa é uma atividade que realiza normalmente uma vez por mês.

Carolina Pratas deverá terminar este percurso formativo em outubro, uma vez que esteve três meses ausente por ter passado por um burnout. “Acaba por ser um risco a que estamos sujeitos e ao qual a nossa profissão tem estado bastante propensa nos últimos anos. Tive muita sorte em ter vivido a experiência do burnout num ambiente seguro, de forma apoiada e tranquila”, comenta.

Para si, correspondeu a “um dos grandes desafios do internato” e reconhece que “o espírito de equipa foi determinante para gerir a situação de forma mais saudável”. As atividades vividas nos tempos livres também terão ajudado nesse processo, particularmente os ensaios e as apresentações do grupo de dança Latin Attitude, do qual faz parte.

te, a mais-valia é a acessibilidade, no sentido em que se existir alguma descompensação sabem que há atalhos e que não ficam sujeitos à referenciação normal pelo ALERT, até porque, muitas das vezes, já são seguidos a nível hospitalar”.

O nosso interlocutor adianta que o objetivo será “continuar a elaborar informação, nomeadamente os critérios de referenciação tipificados pelos serviços de Neurologia e de Psiquiatria, e partilhá-la num site da intranet, para que todos os colegas da ULS possam ter acesso a informação fidedigna de forma segura. É muito importante que nos CSP estejam informados do tipo de resposta que podem obter do nível de cuidados acima”.

(Continua

(Continuação da pág. 17)

Outro dos projetos nos quais este médico está envolvido relaciona-se com a prescrição social, temática com a qual contactou ainda durante o internato, quando realizou um estágio na USF da Baixa, uma das unidades pioneiras na prescrição social em Portugal. No dia em que esta reportagem se realizou, Válter Ribeiro Ferreira iria participar na primeira reunião deste projeto na ULS Loures-Odivelas.

“É uma área interessante que já se fará, nalguns casos, de forma informal, mas é importante estabelecer estas linhas de parceria com

instituições da comunidade, para podermos difundir a informação e aumentar o número de pessoas que podemos ajudar por esta via”, aponta. E deixa um exemplo de como tudo poderá acontecer: “Pensemos no caso de uma senhora reformada há pouco tempo, que era extremamente ativa e de repente se vê sozinha, sem projetos, sentada em frente à televisão o dia todo.

A senhora entra num quadro de tristeza, isolamento e solidão. Se tivermos o contacto do grupo de teatro de determinada instituição da zona, podemos sugerir-lhe integrar esse grupo, ou fazer uma

raqUEl SOlIPa, ENFErMEIra DO CONSElHO TÉCNICO:

“apesar de o tempo ser curto, temos conseguido implementar os nossos projetos”

Tal como a médica Joana Pinto de Sousa e a sua colega Cristina Lopes, também a enfermeira Raquel Solipa foi uma das fundadoras da USF 7 Castelos, e acredita que a proatividade do grupo de enfermagem se deve muito à união da equipa. “A possibilidade de nos termos escolhido uns aos outros foi uma mais-valia e revela-se muito motivador. Apesar de o tempo ser curto, esticando, temos conseguido implementar os nossos projetos!”, afirma.

Uma das áreas trabalhadas pela equipa de enfermagem é a prevenção de quedas no idoso, “uma problemática muito presente e que gera bastantes internamentos e incapacidade física, mas que nem sempre é trabalhada como devia”. Como forma de despertar os utentes e também os alunos de enfermagem para esta realidade, este grupo de enfermeiros tem tentado, de forma trimestral e oportunística, durante uma manhã com maior afluência, convidar os utentes com mais de 65 anos presentes na USF a presenciar uma apresentação sobre o tema.

“Tratamos os riscos associados à queda, as alterações que devem fazer em casa para evitar que esta aconteça, como remover cabos e tapetes e ter luzes de presença durante a noite, e as estratégias a adotar no caso de esta acontecer, como a forma mais eficaz de se levantarem”, refere.

Foram ainda concebidos folhe-

atividade desportiva ou de voluntariado. Sem recorrer a medicação ou então como coadjuvante, estou a prescrever-lhe uma atividade que pode, eventualmente, prevenir uma depressão, e diminuir o risco de demência e de doenças osteoarticulares, pelo isolamento e/ou sedentarismo!”

Neste projeto, que poderá arrancar ainda este ano, deverão estar também envolvidos outros agentes, concretamente, o Serviço Social, a Equipa de Gestão de Altas e a Unidade de Saúde Pública, bem como as câmaras municipais, como ponte para as instituições da comunidade.

Válter Ribeiro Ferreira fez a sua formação em Medicina na Universidade do Algarve e o projeto de ser médico de família começou a tornar-se mais real na sua mente: “Sempre gostei da medicina no seu todo e do processo associado ao diagnóstico, pelo que não me via a espartilhar e a aprofundar muito uma determinada área.”

tos, que são entregues nos domicílios, onde procuram “fazer uma avaliação do espaço e, se for caso disso, propor algumas alterações para prevenir a queda”.

Juntamente com Sónia Coelho, Raquel Solipa, que tem a especialização em Enfermagem de Reabilitação há dois anos, implementou a dinamização de sessões de exercício físico bissemanais e de educação para a saúde pontuais dirigidas a utentes com doença pulmonar obstrutiva crónica com indicação para reabilitação respiratória. Durante o dia em que a Just News realizou esta reportagem, teve lugar precisamente uma sessão de exercício físico, onde estiveram presentes nove utentes.

Quanto às sessões de educação para a saúde, são realizadas com o intuito de “ajudá-los a perceber melhor a doença e a forma de usar corretamente os inaladores e a prevenir as complicações a que estão sujeitos”. Futuramente, o objetivo será convidar outros profissionais que possam dar o seu contributo, nomeadamente na área da nutrição.

A enfermeira destaca que há uma preocupação em assinalar os dias comemorativos com atividades dirigidas aos utentes. “Em 2024, no Dia Mundial da Diabetes, convidámos uma nutricionista para falar sobre os alimentos e a descodificação de rótulos, para ajudar os utentes a identificar onde estão os açúcares escondidos e saber como escolher os alimentos no supermercado. No ano anterior, tínhamos realizado um pedipaper no Parque das Rolas alusivo à temática da diabetes”, recorda.

Natural de Odivelas, Raquel Solipa, de 45 anos, concluiu a sua formação pela Escola Superior de Enfermagem de Calouste Gulbenkian em 2001. Iniciou a sua atividade profissional no Serviço de Cirurgia I e Transplantação do Hospital de Santa Maria, tendo concorrido para os CSP cerca de 11 anos depois. Começou na UCSP Póvoa de Santo Adrião, tendo depois participado na abertura da USF Génesis e, posteriormente, da USF 7 Castelos. Desde 2021 que integra o Conselho Técnico.

Após realizar o internato de MGF em Loures, na USF Ars Médica, em 2023, decidiu regressar à zona de Odivelas, onde sempre viveu, no sentido de, com o seu trabalho enquanto médico de família, “poder retribuir de alguma forma à comunidade”.

Cristina Lopes: a dedicação à Saúde Materna e Obstétrica

A enfermeira Cristina Lopes está associada a vários projetos dinamizados por esta USF. Em 2022, numa fase em que a médica com quem faz equipa esteve ausente em licença sem vencimento, e de forma também a poder desenvolver as suas competências enquanto especialista em Saúde Materna e Obstétrica, resolveu lançar um projeto piloto direcionado à mulher no seu ciclo reprodutivo, em particular no rastreio do cancro do colo do útero.

Inicialmente, era dirigido às mulheres cujos médicos de família se encontravam em licença de parentalidade, ou em caso de surgimento de nova lista de utentes/mulheres. Progressivamente, a sua intervenção acabou por ser alargada às mulheres elegíveis de todas as listas: “Havia muitas utentes sem o rastreio atualizado, pelo que, atualmente, dedico uma hora por semana a este projeto, o que se traduz em três mulheres de qualquer lista de utentes.”

Uma vez que este rastreio é dirigido a quem se encontra em idade laboral, tenta que “os agendamentos sejam para o horário de preferência, privilegiando muito o pós-laboral”, refere.

“Enquanto geralmente as mães se preparam muito para o parto, o pós-parto pode ser bastante complicado e fazê-las sentirem-se sozinhas”, considera Cristina Lopes.

Entretanto, em conjunto com o grupo de internos de MGF, este projeto ganhou uma maior expressão, ao ter sido possível adicionar a oportunidade para a promover e efetuar outros rastreios. “Começámos a questionar se era oportuna a realização de mamografia, a abordar também a prevenção do cancro do cólon e reto e a disponibilizar o kit de rastreio”, adianta. Juntamente com as enfermeiras Raquel Solipa e Ana Duarte, dinamizaram ainda o projeto “Conversa com as Mamãs”, no sentido de “promover um espaço de partilha entre as puérperas com bebés até aos dois meses, no mundo da maternidade. Aquelas profissionais apenas guiam as conversas para algumas temáticas, como aleitamento materno, recuperação pós-parto, contraceção e sexualidade, saúde mental, dinâ-

Cristina lopes

mica familiar e suporte social, mas o objetivo é que todas as mães possam partilhar a sua experiência e desmistificar algumas ideias. Enquanto geralmente as mães se preparam muito para o parto, o pós-parto pode ser bastante complicado e fazê-las sentirem-se sozinhas, e aqui pretendemos criar uma rede de apoio entre todas”.

Após dois anos de implementação do projeto, que se traduzia em encontros mensais de duas horas entre as mães, este deverá agora ser restruturado. “Estes espaços de partilha não são devidamente valorizados. Tal como acontece após uma terapia, ou depois de conversarmos com uma amiga, sentimo-nos melhor, mas não reconhecemos a sua falta. Por isso, o grau de adesão nem sempre correspondeu às expectativas, o que nos está a levar a repensar os moldes do projeto”, afirma.

ISaBEl DI aS alMEIDa, SECrETárI a ClíNICa:

“Só não conseguimos encontrar soluções se for de todo impossível”

Isabel Dias Almeida é, desde a fundação da USF, a secretária clínica que integra o Conselho Técnico. Entre as cinco administrativas, duas ficam alocadas ao balcão, enquanto três asseguram a retaguarda. Por não existir linha de rede no espaço de backoffice, o atendimento telefónico é feito no balcão, “o que nem sempre é uma gestão fácil, pois, dá-se preferência ao atendimento presencial”.

Este é, por isso, um assunto frequentemente abordado pelos utentes nos questionários de satisfação que lhes são dirigidos, no final de cada ano. “Referem que o nosso ‘calcanhar de Aquiles’ é precisamente o atendimento telefónico, e temos consciência de que principalmente durante as manhãs, em que a afluência de utentes é maior, é mais difícil fazer essa gestão. Ainda assim, através do registo de chamadas, verificámos que o ano de 2024 registou melhorias face a 2023”, avança.

Outra das tarefas pela qual são responsáveis é a gestão de e-mails, um trabalho “ingrato, pois, tão depressa estamos satisfeitas por termos conseguimos dar resposta a todos como minutos depois já há dezenas de e-mails por responder”. Os pedidos de receituário crónico

Cristina Lopes nasceu há 48 anos, em Lisboa. Concluiu a sua formação na Escola Superior de Enfermagem São Francisco das Misericórdias em 1998 e começou a trabalhar no Serviço de Cirurgia II do Hospital de Santa Maria. Transitou para o Bloco Operatório de Ginecologia, altura em que frequentou o Curso de Pós-Licenciatura de Especialização em Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica, tendo sido transferida para o Bloco de Partos e o Serviço de Urgência de Ginecologia e Obstetrícia da mesma

em papel também têm grande representação nesta Unidade, dado o “elevado volume de população idosa que não tem destreza para as vias digitais”.

Relativamente ao atendimento, a secretária clínica adianta que, como sucede em qualquer parte, “há sempre quem seja por natureza mais conflituoso e só identifique direitos e não deveres, criando situações desconfortáveis, e, nesse aspeto, é preciso aprender a gerir o trato com os utentes”.

instituição, onde permaneceu entre 2009 e 2018. Começou então a exercer atividade na USF Génesis, embora já conhecesse bem os CSP, pois, já havia trabalhado em regime de acumulação de funções nalgumas unidades de saúde, na zona de Odivelas. Posteriormente, participou na abertura da USF 7 Castelos. Hoje em dia, colabora com o Bloco de Partos e o Serviço de Urgência de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Beatriz Ângelo (desde 2017) e com a Consulta Ex-

Claro que “muitos outros respeitam e valorizam o nosso trabalho, e nós estamos na linha da frente a dar o nosso melhor para priorizar os utentes. Só não conseguimos encontrar soluções se for de todo impossível, porque a verdade é que dirigimos muitos pedidos aos médicos e aos enfermeiros”.

A título de exemplo, refere como, “por uma questão preventiva associada a alguns constrangimentos que ainda existem relativos à Linha SNS24, e por alguma resistência ou desconhecimento por parte dos utentes, ainda estão a ser temporariamente agendadas consultas de Doença Aguda ao balcão”. Ao mesmo tempo, têm vindo a “consciencializá-los para esta mudança e a incentivá-los a que cumpram a indicação de contactar a Linha SNS 24”. Isabel Dias Almeida nasceu há 48 anos, em Lisboa, e, após ter frequentado um Curso Técnico de Contabilidade e Gestão, começou por trabalhar há16 anos na área administrativa do Hospital Dona Estefânia, onde passou pelos setores da Faturação, Gestão de Doentes e Arquivo. Em 2016, rumou aos CSP e antes de chegar à USF 7 Castelos passou pelas USF Colina de Odivelas e Génesis.

terna de Ginecologia/Obstetrícia em vários turnos por mês (desde 2024). Conselheira em Aleitamento Materno, Cristina Lopes gostaria agora de frequentar uma pós-graduação nessa área: “O aleitamento materno é vida e requer uma atenção competente, uma motivação e uma grande disponibilidade por parte dos profissionais. Se a minha intervenção puder traduzir-se numa mais-valia para as utentes da USF e, consequentemente, para as famílias, eu serei mais feliz!”

CaraCTErIzaçãO Da POPUlaçãO INSCrITa (MarçO DE 2025)

Utentes: 12.101 (16.193,5 UP)

Idosos: 2834 (Índice de dependência: 38,99%)

Crianças e jovens com idade ≤ 14 anos: 1999 (Índice de dependência: 27,5%)

Mulheres em idade fértil (dos 15 aos 54 anos): 2808

aTIVIDaDE (2024)

Consultas médicas

Contactos diretos: 21.359

Contactos indiretos: 12.373

Domicílios médicos: 235

Enfermagem

Contactos diretos: 12.090

Contactos indiretos: 584

Domicílios de enfermagem: 338

PrOFISSIONaIS (MarçO DE 2025)

Médicos: 7

Enfermeiros: 6

assistentes técnicos: 5

Internos de Formação Específica de MGF: 5

informação informação

aO INTErVIr NO 21.º CONGrESSO POrTUGUêS DE DIaBETES, FraN aDáN GIl rEFErIU SEr a CaN aGlIFlOzINa Na DOSaGEM DE 300 MG O

Especial Especial

iSlGT-2 assumem-se como fármacos de eleição dos doentes com diabetes, com destaque para

Dossier

Dossier NO âMbiTO DO 21.º CONGrESSO POrTUGUêS DE DiAbETES, qUE DECOrrEU EM viLAMOUrA, EM MArçO, OrGANizADO PELA SOCiEDADE POrTUGUESA DE DiAbETOLOGiA, A MENAriNi APOiOU UMA CONfErêNCiA EM qUE fOi OrADOr frAN ADáN GiL. ESTE ESPECiALiSTA EM MEDiCiNA fAMiLiAr E COMUNiTáriA DA EqUiPA DE CUiDADOS DE SAúDE PriMáriOS DE éPiLA, NA PrOvíNCiA DE SArAGOçA, CLASSifiCOU COMO MUiTO rArAS AS SiTUAçõES EM qUE OS PrOfiSSiONAiS NãO DEvEM rECOrrEr A UM iSLGT-2 PArA UM CONTrOLO EfETivO DA DiAbETES MELLiTUS TiPO 2, DEixANDO bEM CLArO qUE ESTES fárMACOS SãO A MELhOr ALTErNATivA PArA A GrANDE GENErALiDADE DOS DOENTES. DESTACOU ESPECiALMENTE A CANAGLifLOziNA NA DOSAGEM DE 300 MG, qUE APrESENTOU COMO SENDO O fárMACO MAiS POTENTE ENTrE OS iSLGT-2 NA rEDUçãO DA hbA1C E NA PErDA DE PESO

Omoderador desta conferência foi João Jácome de Castro, presidente cessante da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo, que recordou existirem, atualmente, “muitos doentes diabéticos que não estão convenientemente diagnosticados, ou que, embora tratados, não estão de acordo com os alvos terapêuticos desejados, o que significa que há muito a fazer”. Se acrescentarmos a este facto a escassez no mercado de agonistas de GLP-1, então, na sua ótica, “os inibidores de SGLT2 representam hoje uma indispensável arma terapêutica para tratar melhor os nossos doentes com diabetes”.

Embora aquele endocrinologista reconheça que os inibidores de SGLT2 são todos eficazes, frisou a utilidade de um tratamento em específico: “A canagliflozina 300 mg, em particular, tem-me ajudado a obter um melhor controlo com muitos doentes, porque é mais potente no controlo glicémico, mais eficaz na perda de peso e possui um perfil de proteção cardiorrenal invejável.”

Doentes necessitam de terapêuticas transformadoras de prognóstico, como iSLGT-2 e arGLP-1

Para Fran Adán Gil, torna-se óbvio, pela evidência científica de que hoje dispomos, que “é difícil encontrar um cenário em que o uso dos iSLGT-2 não seja recomendado ou credível”. O coordenador autonómi-

co em Aragão da Fundação Rede de Grupos de Estudos da Diabetes nos Cuidados de Saúde Primários (RedGDPS) lembrou que a diabetes surge associada a um conjunto de fatores de risco e comorbilidades muito relevantes. No âmbito da rede de investigação em que opera em Espanha, referiu ter-se determinado que “uma em cada três pessoas com diabetes tipo 2 tinha doença renal crónica”,

apurando-se ainda que “a insuficiência cardíaca (IC) se manifesta cinco vezes mais nas mulheres diabéticas face à população feminina em geral e duas vezes mais nos homens diabéticos, por comparação com o universo masculino global”. Por outro lado, o estudo mais relevante dedicado à obesidade naquele país, o di@bet.es,

“mostrou que praticamente 90% das pessoas com diabetes têm excesso de peso ou obesidade”.

Esta realidade comprova o quadro complexo que caracteriza a maioria dos doentes diabéticos e recomenda o uso de terapêuticas com capacidade de intervir em múltiplas dimensões, como esclareceu o também docente da Universidade Francisco de Vitoria (Madrid): “Devemos, certamente, privilegiar tratamentos com benefício cardiorrenal-metabólico demonstrado. Isto porque aquilo que pretendemos de uma terapêutica não é apenas o controlo glicémico, mas igualmente melhorar o prognóstico do doente a longo prazo.”

A este propósito, Fran Adán Gil invocou um documento com recomendações criado por membros do Grupo de Interesse em Diabetes da Sociedade Espanhola de Endocrinologia e Nutrição, publicado em 2023, segundo o qual “os iSLGT-2 e os agonistas dos recetores do GLP-1 (arGLP-1) são os fármacos que mostram maiores benefícios na prevenção de eventos adversos cardiovasculares e renais major (MACE), tal como em termos de mortalidade cardiovascular e global, insuficiência cardíaca e AVC. Temos, pois, que concentrar os nossos esforços nestes fármacos”.

O especialista acrescentou que os iSLGT-2 têm demonstrado igualmen-

Fran Adán Gil: “Devemos privilegiar tratamentos com benefício cardiorrenal-metabólico demonstrado. Isto porque aquilo que pretendemos de uma terapêutica não é apenas o controlo glicémico, mas igualmente melhorar o prognóstico do doente a longo prazo.”

te que, “além de serem capazes de melhorar o controlo glicémico através de um mecanismo independente da insulina, apresentam, adicional-

mente, um risco muito baixo de hipoglicemia e mostram-se eficazes na redução dos MACE e das hospitalizações por IC, concedem proteção renal, contribuem para a perda de peso à custa de massa gorda, diminuem a pressão arterial, reduzem o ácido úrico e aumentam o hematócrito”.

Algoritmos de tratamento em Espanha aconselham uso amplo de iSLGT-2

Fran Adán Gil explicou que a RedGDPS tem-se dedicado nos últimos anos a produzir um conjunto de algoritmos de tratamento da diabetes mellitus tipo 2 (DM2) para a população diabética global e para diversos subgrupos de doentes com comorbilidades específicas, vertidos em gráficos circulares de fácil interpretação e ajustados ao uso diário por parte de colegas da Medicina Familiar e Comunitária em Espanha.

“No algoritmo geral de tratamento da DM2, os iSLGT-2 estão presentes nas recomendações de gestão de praticamente todos os casos, seja nos indivíduos com doença cardiovascular estabelecida, doença renal crónica ou IC (em todos estas situações enquanto opção de primeira linha), como nos doentes com fragilidade, obesidade ou insuficiente controlo glicémico”, sublinhou. Adiantou ainda que, paralelamente, as variáveis da tolerabilidade e da segurança não podem ser utilizadas como justificativo para a não utilização dos iSLGT-2, já que são extremamente raros eventos adversos como as infeções genitais ou urinárias, a redução do volume intravascular, a cetoacidose diabética ou as hipoglicemias.

Entre os iSLGT-2 há um que se destaca: a canagliflozina 300 mg é o fármaco mais potente na redução da HbA1c e na perda de peso

O conferencista espanhol apresentou, entretanto, dados de múlti-

Fran adán Gil

para a esmagadora maioria a canagliflozina 300 mg

plos ensaios que provam que nem todos os iSLGT-2 estão no mesmo patamar no que respeita à modulação do prognóstico do doente diabético. Suportado numa extensa meta-análise (Zaccardi, F., et al. “Efficacy and safety of sodium-glucose co-transporter-2 inhibitors in type 2 diabetes mellitus: systematic review and network meta-analysis.” Diabetes, Obesity and Metabolism 18.8 [2016]: 783-794), afirmou que, “na redução da HbA1c, PA sistólica, glicose plasmática em jejum e peso corporal, a canagliflozina 300 mg revelou-se claramente mais eficaz do que a canagliflozina 100 mg, a empagliflozina 25 mg e 10 mg e ainda a dapagliflozina 10 mg, após comparação de todas estas terapêuticas com placebo”.

“Penso que tal se explica pelo mecanismo de inibição dual da canagliflozina sobre os recetores SGLT2 e SGLT1, ao contrário do que acontece com outras moléculas. A sua ação sobre os recetores SGLT1 ao nível intestinal acaba por produzir efeitos similares aos que conseguimos alcançar graças aos arGLP-1. Ora, num momento em que se verificam alguns problemas de acesso no mercado aos arGLP-1, é positivo termos uma ferramenta terapêutica de primeira linha como a canagliflozina 300 mg, que é capaz de influenciar de modo similar a composição de massa gorda nos nossos pacientes”, concluiu Fran Adán Gil.

Os resultados favoráveis alcançáveis com canagliflozina 300 mg são também notórios em dados da “clínica real”, como frisou o especialista em Medicina Familiar e Comunitária: “O estudo Real-WeCan mostrou-nos que quando fazemos o switch de um outro iSLGT-2 para canagliflozina 300 mg conseguimos reduzir quase mais um ponto percentual na HbA1c e obter uma diminuição de peso de aproximadamente 5 quilogramas.”

Estes benefícios apurados surgem claramente associados à dosagem, algo que foi comprovado pelo estudo INTENSIFY, que acompanhou um grupo de doentes adultos com DM2 que iniciaram o tratamento com canagliflozina 100 mg e posteriormente necessitaram de intensificação para a dose de 300 mg: “Aqui também se observou uma diminuição de mais de um ponto percentual na HbA1c e uma redução de peso de quase 5,5 quilogramas com a passagem para a dose de 300 mg. Isto é um claro sinal para os profissionais dos Cuidados Primários. A nossa opção de tratamento não termina na dose de 100 mg, já que temos a possibilidade de a aumentar e obter benefícios adicionais em termos de HbA1c e de peso. Isto não acontece com outros fármacos da mesma classe, como a empagliflozina”.

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Invokana oferece tripla proteção para doentes com DMT2§,#,1,2-4

Benefícios metabólicos: redução de glicose no sangue, HbA1c1

Invokana é indicado para o tratamento de adultos com DMT2 controlada insuficientemente, como um adjuvante da dieta e do exercício: em monoterapia, quando a metformina é considerada inapropriada devido a intolerância ou contraindicações; em associação com outros medicamentos para o tratamento da diabetes1

Redução do risco de outcomes renais**,†,1,2,3

Redução do risco de outcomes CV**,†,1,3,4

* Recomendações de ajuste da dosea

TFGe (ml/min/1,73 m2) ou CrCI (ml/min)

30 a < 60b

Dose total diária de canagliflozina

Iniciar com 100 mg. Em doentes que tolerem 100 mg e que necessitem de controlo glicémico adicional, a dose pode ser aumentada para 300 mg.

Utilizar 100 mg <30b,c

Continuar com 100 mg em doentes que já estejam a tomar Invokana.d Invokana não deve ser iniciado.

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Este Especial inclui uma série de artigos de opinião originalmente publicados no Jornal do 19.º Congresso Português de Hipertensão e Risco Cardiovascular Global , distribuído aos participantes no evento, que decorreu em Albufeira, entre 13 e 16 de fevereiro de 2025. Transcritos na íntegra, podem incluir ligeiras adaptações.

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CONGRESSO PORTUGUÊS DE HIPERTENSÃO E RISCO CARDIOVASCULAR GLOBAL

INTERNATIONAL MEETING ON HYPERTENSION AND GLOBAL CARDIOVASCULAR RISK

Especial Especial Dossier Dossier

Oluís Nogueira Silva Serviço de MI, ULS de São João, Porto. RISE-Health, Depart. Medicina da Comunidade, Informação e Decisão em Saúde, FMUP Estudos observacionais sugerem que, tal como a adesão, a literacia em saúde é baixa nos doentes com HTA.

da saúde, de forma a manter ou melhorar a qualidade de vida ao longo dos anos (OMS, 2013). A literacia é um aspeto fulcral na promoção da saúde, particularmente na transição de uma cultura paternalista para a prestação de cuidados centrados na pessoa, capacitada para compreender as situações clínicas e participar na tomada de decisão partilhada. Portugal apresenta índices de literacia ligeiramente abaixo da média europeia.

A hipertensão (HTA) é um exem-

plo paradigmático de doença crónica assintomática, cujo tratamento com êxito assenta em grande parte em tratamento farmacológico e não farmacológico de muito longo prazo. A proporção de pessoas que têm a sua doença controlada tem vindo a aumentar, mas é ainda insatisfatória. O facto de isto se verificar, apesar da existência de numerosos fármacos que são, na generalidade, eficazes e bem tolerados, deve-se em grande parte à falta de adesão (e persistência) ao tratamento.

conceito de literacia em saúde pode ser definido como um conjunto de conhecimentos, motivação e competências para aceder, compreender, avaliar e aplicar informações relacionadas com a Saúde, de forma a fazer apreciações e tomar decisões no dia-a-dia relacionadas com a prestação de cuidados, a prevenção de doença e a promoção

EPIDEMIOlOGIa E FISIOPaTOlOGIa

Estudos observacionais sugerem que, tal como a adesão, a literacia em saúde é baixa nos doentes com HTA. Para além disso, estudos transversais identificaram que mais altos índices de literacia se associam a maior adesão ao tratamento.

Alguns estudos tentaram avaliar a possibilidade de aumentar a adesão recorrendo a estratégias de melhoria da literacia. A maior parte destes estudos está agregada numa revisão sistemática com meta-análise de 2020, que mostra um efeito pequeno, mas estatisticamente significativo das intervenções.

Existe uma grande necessidade de ferramentas que permitam melhorar a adesão ao tratamento e a promoção da literacia em saúde.

Contudo, é importante salientar que os estudos incluídos tinham sérias limitações metodológicas, levando os autores a classificar a evidência obtida como sendo de baixa a moderada qualidade. É também notória a heterogeneidade encontrada, devido a diferenças metodológicas e aos instrumentos utilizados.

É necessário realçar que as estra-

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Promover a literacia em HTa para melhorar a adesão terapêutica

Fevereiro

February

Grande Real Santa Eulália ALGARVE 2025

tégias de promoção de literacia são muito variadas – material educativo em papel, sessões de educação realizadas por diferentes profissionais de saúde, entrevistas telefónicas, ferramentas de mobile health. Por outro lado, a adesão à terapêutica é habitualmente medida por um de vários questionários ou por contagem de comprimidos. Por fim, a literacia foi avaliada de forma não uniforme, com recurso a questionários diferentes e habitualmente não dedicados à HTA em particular. Em conclusão, existe uma grande necessidade de ferramentas que permitam melhorar a adesão ao tratamento e a promoção da literacia em saúde. Existem várias estratégias para promover a literacia, mas que estão insuficientemente estudadas; formatos mais inovadores, como a utilização de mobile health e das redes sociais, ainda não estão devidamente explorados nem avaliados cientificamente. Era desejável que houvesse mais uniformidade na avaliação da eficácia destas estratégias, de forma a possibilitar uma apreciação mais objetiva e compará-las entre si.

SOCIEDADE PORTUGUESA DE HIPERTENSÃO Portuguese Society of Hypertension

Demência vascular – uma realidade no doente hipertenso?

Nos últimos 30 anos tem vindo a verificar-se um marcado aumento do número de casos de demência, à escala mundial, passando de 9.ª para 5.ª

causa de morte. Este aumento da prevalência tem sobretudo a ver com o envelhecimento da população. Prevê-se que dentro de cerca de 25 anos existam no Mundo 153 milhões de indivíduos com demência!

Em Portugal, a prevalência de doença de Alzheimer e de outras formas de demência é da ordem dos 10%, cerca de 1 ponto percentual superior à média da população europeia, de acordo com os dados mais recentes da OCDE.

Estão seguramente identificados 14 fatores de risco para demência, entre os quais os nossos “velhos conhecidos” fatores de risco vascular modificáveis, com a hipertensão arterial à cabeça.

Grande parte desde fatores são passíveis de controlo, mas outros há que dependem muito mais do Estado, das empresas e de políticas à escala global, como sejam os fatores

de risco sociais e ambientais e os fatores externos de doença. É possível, pois, prevenir em parte a demência ou pelo menos atrasar o seu aparecimento, estimando-se que se eliminássemos os fatores de risco acima referidos poderíamos teoricamente prevenir perto de 50% dos casos de demência.

A demência é, sem sombra de dúvida, uma realidade no doente

A demência é, sem sombra de dúvida, uma realidade no doente hipertenso.

hipertenso. Mais difícil é provar uma relação de causalidade direta.

A clássica dicotomia entre doença de Alzheimer (DA) e demência vascular (DVasc) faz cada vez menos sentido sob o ponto de vista fisopatológico, uma vez que a maioria das demências tem uma etiologia mista!

Existe uma íntima relação entre a DA, os fatores de risco vascular e o processo aterosclerótico. O sistema renina-angiotensina e a micro-inflamação vascular parecem ter um papel fundamental na demência, pelo menos a julgar pela evidência gerada a partir de modelos experimentais.

Existe uma íntima relação entre a doença de Alzheimer, os fatores de risco vascular e o processo aterosclerótico.

Parece existir um espectro contínuo entre os doentes com DVasc “pura” num extremo e os doentes com DA “pura” no outro, mas na maioria dos casos existe uma contribuição, do ponto de vista patológico, entre os achados típicos de uma e de outra forma de demência.

Existem ainda algumas questões não completamente esclarecidas, acerca da forma como a hipertensão leva à deterioração cognitiva e de quais serão as melhores estratégias de abordagem, prevenção e tratamento.

Dossier

Dossier

redflags na vigilância cardiovascular da grávida

Vitória Cunha Medicina Interna, ULS de Almada-Seixal, HGO.

Especialista em Hipertensão

Arterial pela ESH. Direção da SPH

Agravidez é por alguns autores designado de um stress test para o sistema cardiovascular e, na verdade, os últimos números continuam a dizer que em Portugal a maioria das mortes maternas ocorre em mulheres com uma elevada prevalência de diagnósticos prévios de obesidade, hipertensão e diabetes. Isto leva-nos a pensar que, efetivamente, não podemos esquecer a patologia cardiovascular nesta população tão particular, até porque uma percentagem significativa dos eventos ocorre mesmo em mulheres sem doença cardiovascular prévia.

Aliás, uma das barreiras ao diagnóstico precoce destes eventos está relacionado com o facto dos sintomas de patologia cardiovascular serem tão sobreponíveis aos sintomas que acompanham as alterações fisiológicas de uma gravidez normal – palpitações, cansaço, edemas dos membros inferiores, entre outros.

Existem algumas recomendações da Direção-Geral da Saúde face aos resultados do relatório da mortalidade materna em Portugal nos últimos anos que, sem dúvida, devem ser repensadas.

Cabe-nos, portanto, a nós, profissionais de saúde, estar atentos às várias red flags já estabelecidas neste período tão importante da vida da mulher e da futura crian-

ça no seu futuro cardiovascular, dado que está provado que p.ex. a patologia hipertensiva na gravidez condiciona de forma significativa a doença cardiovascular futura para ambos, que surge habitualmente nos que foram afetados por estes eventos.

Existem algumas recomendações da Direção-Geral da Saúde face aos resultados do relatório da mortalidade materna em Portugal nos últimos anos que, sem dúvida, devem ser repensadas – não só a nível dos cuidados de saúde primários e hospitalares, mas também a nível governamental e da sociedade, incidindo em aspetos que vão desde a literacia em saúde à formação e atualização de profissionais de saúde, às condições dos sistemas de saúde e às próprias normas/ /orientações.

A patologia cardiovascular continua a ser uma das principais causas de mortalidade materna.

Existem vários painéis internacionais de peritos que já propuseram algoritmos de vigilância, rastreio e seguimento de mulheres grávidas no contexto do risco cardiovascular, a maioria por validar nos diversos contextos populacionais, mas claramente excelentes pontos de partida para quem acompanha estas mulheres nos diversos níveis de cuidados. São considerados um conjunto de sinais, sintomas, fatores de risco e alterações ao exame objetivo que, conforme a gravidade ou tipologia, nos orienta ou para exames complementares específicos ou para um seguimento em consulta diferenciada.

Existem várias red flags já conhecidas para a patologia hipertensiva da gravidez, desde os valores de pressão arterial em si, para o tipo de urgência na sua abordagem terapêutica, aos marcadores já utilizados no nosso país (p.ex. alterações no doppler uterino; ratio sFlt-1: PlGF), e vários outros marcadores já propostos, mas ainda por melhor definir no que respeita aos cut-offs e utilidade na prática clínica atual.

A patologia cardiovascular continua a ser uma das principais causas de mortalidade materna – esta população não pode ficar esquecida no rastreio cardiovascular e este deve ser feito de uma forma particular e por profissionais de saúde treinados.

registo Nacional do Hipertenso: uma mel na gestão da consulta?

Assist.

Hospital Garcia de Orta, ULS Almada-Seixal. Secret.-adjunta da SPH

Apromoção da investigação científica no campo das doenças crónicas é muitas vezes dificultada pela dimensão dos centros de investigação, resultando em estudos pequenos, muitas vezes unicêntricos e, por isso, com baixo fator de impacto. Os registos médicos são sistemas organizados que utilizam métodos

observacionais para a recolha de dados de forma uniforme de uma população definida por uma doença em comum (no caso dos registos clínicos), sendo a informação atualizada periodicamente e a longo-prazo. Pensa-se que poderão colmatar falhas na investigação científica, permitindo obter dados da vida real que refletem a nossa prática clínica.

Com provas dadas na investigação clínica, os primeiros registos, datados de 1856, permitiram calcular dados epidemiológicos básicos como a incidência, a prevalência e a mortalidade de uma doença. O desenvolvimento deste tipo de investigação permite, atualmente, alcançar uma miríade de objetivos, como promover a prevenção de doenças, criar programas de diagnóstico precoce, avaliar a resposta a um determinado tratamento, avaliar a segurança e custo-benefício das ações médicas e identificar áreas na saúde pública que necessitam de intervenção para a promoção da melhoria dos cuidados.

São também objetivos deste projeto avaliar o atingimento dos alvos-terapêuticos recomendados pelas guidelines europeias.

Reconhecendo o papel fulcral das sociedades científicas no conhecimento epidemiológico das doenças e na promoção da investigação clínica, a So-

Em Portugal, existem exemplos de registos de sucesso que não só permitem conhecer as características da população portuguesa como contribuem para a publicação de artigos científicos. Esta possibilidade de obter dados de vida real para publicação, por sua vez, estimula a participação dos investigadores nos próprios registos, garantindo a continuidade do seu funcionamento ao longo do tempo.

Duas guidelines para o hipertenso português?

luís Bronze

Assist. graduado de Cardiologia, Marinha Portuguesa. Prof. auxiliar, responsável pelo Bloco Cardiocirculatório, Mestrado Integrado de Medicina, UBI. Ex-presid. da SPH

Será que existem diferenças substanciais entre as recomendações da Sociedade Europeia de Cardiologia de 2024 relativamente aos textos da Sociedade Europeia de Hipertensão de 2023 e 2024... para o clínico comum? Uma opinião...

Estamos a viver uma época “estranha”, para usar um eufemismo suave, no que diz respeito às recomendações internacionais para a avaliação e tratamento da hipertensão arterial. Em verdade, passámos das recomendações conjuntas – já que incluíam a Sociedade Europeia de Hipertensão (ESH) e a Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC), de 2018 – para uma situação em que tivemos recomendações endossadas pela ESH em 2023, seguidas por um “resumo” do extenso do-

cumento original, publicado em junho de 2024 (as Guidelines Páticas da ESH), mais curtas e concisas, seguidas, em agosto de 2024, pelas recomendações da ESC para a “pressão arterial elevada e hipertensão”.

O desafio, para o clínico prático, será o de procurar as diferenças e, especialmente, acreditamos nós, de valorizar o que é comum.

Na verdade, a maior diferença teórica entre os documentos das duas entidades está na classificação dos valores da pressão arterial, sendo que o da ESC apresenta uma classificação mais restritiva e, na aparência, mais simples, destacando-se o limiar de 120/70 mmHg para a “pressão arterial não elevada”; “pressão arterial elevada entre 120-139/70-89 mmHg”, mantendo-se o limiar para a hipertensão no clássico valor de 140-90 mmHg.

Em perspetiva, verificamos que estes valores e designações, ora apresentados pela ESC, são semelhantes à classificação presente nas guidelines americanas para a hipertensão de 2017, e ainda em vigor naquele país, as primeiras a considerar a pressão arterial dita “normal” para valores < 120/80 mmHg, a “pressão arterial elevada” entre 120-129/80 mmHg e valorizando o limiar para o diagnóstico de hipertensão em valores > 130/80 mmHg.

No documento americano, a referência principal foi um estudo rodeado de alguma controvérsia na metodologia para a avaliação da pressão arterial, denominado SPRINT, que mostrou benefício num braço de tratamento que procurava reduzir a pressão arterial sistólica

para valores < 120 mmHg. A influência deste estudo também se fez sentir nas recomendações da ESC. Este facto e as semelhanças entre a classificação da pressão arterial são prova da formação/influência americana dos “chairmen” europeus do texto ESC em análise.

No que diz respeito ao diagnóstico, não existem diferenças de monta, isto é, ESH e ESC privilegiam, para o diagnóstico eficiente e seguro da hipertensão, a avaliação fora do consultório, quer pela medição automatizada (MAPA), quer pela automedição no domicílio (AMPA).

Também no tratamento não identificamos diferenças que perturbem, de forma inconciliável, a prática do clínico atarefado que diagnostica e inicia a terapêutica na HTA. Desta maneira, uma vez identificada a hipertensão, ou valores inferiores ao limiar de HTA, em doentes com risco cardiovascular elevado, o objetivo será sempre começar com medidas de alteração no estilo de vida. Atualmente, estas medidas incluem fatores clássicos, como a redução do sal e a perda de peso, mas o conhecimento evoluiu para outros fatores muito importantes nas nossas vidas, como a qualidade/ /quantidade do sono, ou a presença de stress profissional, só para citar alguns, e, felizmente, valorizados nos dois documentos. Como exemplo de concordância, as duas entidades recomendam o incremento de potássio na dieta. No caso do tratamento farmacológico, quer para a ESH, quer para a ESC, preveem-se para a grande maioria dos hipertensos dois princípios

ciedade Portuguesa de Hipertensão criou há mais de um ano o Registo Nacional das Clínicas de Hipertensão (RENACH), que pretende contribuir para o melhor conhecimento das características sociodemográficas, clínicas e de risco vascular dos hipertensos seguidos nas consultas hospitalares de hipertensão.

São também objetivos deste projeto avaliar o atingimento dos alvos-terapêuticos recomendados pelas guidelines europeias e estimar a adesão à terapêutica farmacológica e não farmacológica. Não sendo de menor importância, o projeto RENACH propõe-se promover a investigação científica e divulgar os resultados obtidos, permitindo a melhoria dos cuidados aos doentes que vivem com hipertensão.

Acreditamos, assim, que a participação no RENACH não só melhorará a gestão da consulta, contribuindo para uma gestão holística do doente hipertenso, como poderá promover a partilha de dados entre centros e, assim, oferecer robustez à investigação científica nesta área em Portugal.

português?

ativos em combinação de comprimido único (um modelador do eixo renina-angiotensina acompanhado de antagonista do cálcio ou diurético), desde o início, reservando-se a monoterapia inicial para doentes de baixo risco, ou para doentes idosos e frágeis. Existem, contudo, diferenças quanto ao incremento das dosagens, já que na ESC se privilegiam sempre doses baixas na subida para os comprimidos de combinação única com três princípios ativos.

Em análise comparada dos documentos endossados pelas duas entidades, verificamos que as diferenças não são substantivas.

Ainda sobre o tratamento farmacológico, em ambas as recomendações e em doentes com perfil de risco elevado (por exemplo, com comorbilidades associadas), admite-se um início precoce da terapêutica farmacológica, mesmo para doentes com valores inferiores a 140/90 mmHg, o limiar para o diagnóstico de hipertensão, quer para ESH, quer para ESC.

Fibrilhação auricular: estado da arte após as guidelines

Manuel Carvalho rodrigues

Cardiologista, H. Pêro da Covilhã, ULS da Cova da Beira. Ex-presid. da SPH. Membro honorário da Soc. Húngara de Hipertensão

Aleitura mais atenta, e também mais crítica, das Guidelines da Fibrilhação Auricular (FA) de 2024 levantam logo uma primeira questão: entre estas e as últimas houve assim tantos estudos, tantos novos conceitos, que tenham justificado que se preencham 3 páginas com 59

Na verdade, a única diferença substancial e prática – que deverá ser reconhecida – entre ESH e ESC, no que diz respeito à terapêutica, consiste no valor para o tratamento medicamentoso imediato na hipertensão arterial não complicada. Assim, a ESH propõe uma pressão arterial > 150/95 mmHg, como indicação para tratamento farmacológico imediato, enquanto o documento ESC afirma que valores > 140/90 mmHg são, em todos os casos, indicação para tratamento farmacológico imediato.

Em relação aos alvos terapêuticos, verificamos que, para a maioria dos doentes se pretende uma pressão arterial sistólica de cerca de 120 mmHg, se tolerado, existindo, contudo, uma outra diferença importante: no documento ESH não se propõe a descida da pressão arterial diastólica < 70 mmHg, enquanto no documento ESC se aceita um limiar mais baixo (até 50 mmHg), admitindo a ESC, tal como se reconhece, que existe pouca evidência sobre este assunto e a forte possibilidade de intolerância ao tratamento.

Em conclusão, em análise comparada dos documentos endossados pelas duas entidades, verificamos que as diferenças não são substantivas, para o clínico prático comum, aceitando-se clara influência americana nas recomendações da ESC. Acreditamos, finalmente, que, na presente situação, cada clínico deverá também fazer a sua própria análise comparada, tendo em conta o contexto cultural da população que serve e as condições técnicas que lhe são fornecidas.

itens considerados como novos em relação a 2020?

Para além da perceção de cada um de nós em relação a esta questão, uma pesquisa nesta área permite concluir que, na realidade, não houve grande mudança nos conceitos científicos e na abordagem clínica da FA

Então, e após uma leitura mais atenta, percebe-se que, na sua generalidade, se trata de acertos, ajustes e maior ênfase a conceitos que, na sua essência, se mantêm inalterados. Debrucemo-nos, assim, sobre as grandes diferenças e suas razões.

Podemos dizer que estas grandes diferenças se resumem, grosso modo, a duas, a saber:

1. Reclassificação do CHA2DS2-Vasc. Embora mantendo a pontuação máxima de 9 pontos, a diferença entre sexos deixa de existir, pelo que agora a denominação passa a ser CHA2DS2-VA.

Esta alteração, mais ou menos evidenciada na prática de todos nós, resulta de uma escassa robustez de

evidência que suportasse a anterior designação.

Quanto à pontuação considerada como cut-off para anticoagular, essa mantém-se inalterada nos valores e nas considerações para a sua aplicação.

A2. F-CARE

Este conceito baseia-se na centralização doente, familiares e cuidadores no centro da decisão.

É aquilo a que se chama o “empowerment of the patient” – doente centrado e decisão partilhada com este.

Em resumo, temos:

C – Identificação e avaliação de comorbilidades e enquadramento dos fatores de risco cardiovasculares.

A – Evitar (avoid) o tromboembolismo e o AVC.

R – Reduzir sintomas controlando a frequência cardíaca e/ou o ritmo.

E – Abordagem (evaluation) multidisciplinar.

Uma vez mais, explicita-se e enfatiza-se o conceito previamente estabelecido.

A nossa preocupação terá de ser centrada no doente, partilhando com ele a decisão.

A mensagem que deve sair desta revisão/atualização da FA terá de ser simples, bem dirigida e realizada com credibilidade, empenho e disponibilidade.

É minha convicção que, mais do que novos itens, a nossa preocupação terá de ser centrada no doente, partilhando com ele a decisão, sempre com o intuito de anticoagular nas doses efetivas. Subdosagens é equivalente a não anticoagular.

Ilha da dislipidemia: terra à vista ou navegamos à deriva?

Interna, Centro Clínico Champalimaud

Apesar do declínio significativo na incidência da doença cardíaca isquémica e do acidente vascular cerebral em Portugal e na Europa, as doenças cardiovasculares continuam a ser a principal causa de morte, representando, em 2020, um total de 28% de óbitos. No entanto, e paradoxalmente, constata-se nos últimos anos um aumento da mortalidade cardiovascular prematura (< 65 anos), tanto em homens como em mulheres.

A dislipidemia é um fator de risco cardiovascular muito prevalente em Portugal (2/3 dos doentes seguidos em cuidados de saúde primários apresentam colesterol > 200 mg/dl ou estão sob terapêutica hipolipemiante; metade dos indivíduos acima dos 40 anos cumprem critérios para tratamento hipolipemiante e 23% estão medicados com pelo menos uma estatina - Estudo VALSIM).

A agravante a estes dados é que 64% dos doentes de alto risco não atingem níveis de LDL abaixo de 100 mg/dl (DISGEN-LIPID), e mesmo após eventos cardiovasculares apenas 37,7% dos doentes medicados conseguem manter o colesterol total abaixo dos 190 mg/dl (EUROASPIRE V). Ou seja, os doentes com doença cardiovascular não atingem os valores alvo de LDL e muitos estão subtratados, ou nem sequer estão medicados.

A dislipidemia é um problema de saúde pública subestimado, mas abordável através de intervenções coordenadas.

O controlo lipídico é assim insuficiente, especialmente em doentes com risco cardiovascular elevado ou muito elevado. Por este motivo, o modelo atual de seguimento e tratamento precisa de ser revisto, para aumentar a adesão à terapêutica, melhorar os resultados clínicos e, assim, chegar a bom porto.

Para além disso, é um facto que

a aterosclerose subclínica surge em idades muito jovens e as diretrizes de prevenção cardiovascular não têm em linha de conta nem contemplam os doentes jovens, sendo também importante referir que os fatores de risco cardiovascular são subestimados na população feminina.

É neste pressuposto de conhecimento dos dados, da identificação das etapas onde se podem corrigir erros e estratégias não funcionantes, que devemos elaborar um acompanhamento estruturado, através de equipas clínicas bem articuladas, com utilização de terapêuticas combinadas ou mais eficazes, combatendo a inércia médica e o abandono terapêutico, de maneira a que consigamos reduzir o fardo da doença em Portugal.

Em resumo, a dislipidemia é um problema de saúde pública subestimado, mas abordável através de intervenções coordenadas. Reconhecer a importância da situação e agir proativamente com base na prevenção precoce, na intervenção agressiva e na terapêutica personalizada, cumprindo os objetivos alvo, será determinante para reduzir a carga das doenças cardiovasculares e melhorar a qualidade de vida da população.

É por este motivo que nesta viagem da dislipidemia o ponto de partida tem fatos concretos e caracterizados o suficiente para que em cada porto se consiga definir o rumo que nos leve a todos numa viagem com bons ventos e mar chão.

alGarVE 13 a 16 fevereiro

Estratégia do cuidado cardiovascular no

Os idosos são um grupo muito heterogéneo, em que mais importante do que a idade cronológica é a idade biológica, a existência ou não de fragilidade. Além disso, os doentes frágeis estão sub-representados ou foram excluídos dos ensaios clínicos.

As recentes guidelines da ESH de 2023 abordam a HTA no idoso em dois grupos: entre os 65 e os 79 anos de idade e os ≥ 80 anos. A maioria dos indivíduos no “grupo 65-79” têm funcionalidade preservada e baixo nível de fragilidade, enquanto o “grupo ≥ 80” apresenta uma grande heterogeneidade funcional, com uma percentagem substancial de indivíduos frágeis/ /dependentes.

Deve ser feita uma avaliação inicial do estado funcional/nível de fragilidade, usando métodos simples e rápidos, e que deve ser repetida frequentemente, uma vez que o estado de saúde dos idosos se pode deteriorar rapidamente. Os mais frágeis e dependentes devem ser tratados de uma forma individualizada, de acordo com comorbidades e questões de polifarmácia, corrigindo outros fatores e medicamentos que diminuem a PA, privilegiando o alívio de sintomas e a qualidade de vida.

A redução do tratamento anti-hipertensor (desprescrição) pode/deve ser considerada em pacientes idosos com uma TAS < 120 mmHg, ou na presença de hipotensão ortostática severa, ou de um nível de fragilidade elevado.

A prevalência de diabetes mellitus (DM) – outro importante fator de risco cardiovascular (CV) – tem vindo a subir nos idosos com o aumento da esperança média de vida, tal como a fragilidade e a sarcopenia.

Sarcopenia define-se como a perda de força e massa muscular. DM, fragilidade e sarcopenia partilham mecanismos etiopatogénicos, existindo um verdadeiro círculo vicioso: a DM agrava a sarcopenia e esta agrava a DM. Deve-se rastrear fragilidade e sarcopenia antes da abordagem terapêutica do doente idoso com DM.

O paradigma atual do tratamento da DM mudou de uma estratégia de controlo da glicemia para uma estratégia de prevenção CV e renal usando os fármacos modificadores de prognóstico,

tais como os i SGLT-2 e os aGLP1. Estes fármacos podem não ser aconselháveis ou até estar contra-indicados nos idosos frágeis ou com sarcopenia por causarem redução da TA e do peso, desidratação e infeções urinárias ou

genitais, no caso dos i SGLT-2, ou diminuição do apetite, náuseas, vómitos, diarreia, perda de peso e de massa magra no caso dos aGLP1, agravando a sarcopenia. Em relação à dislipidemia, ainda não há evidência baseada em en-

saios randomizados que apoie o uso de estatinas em prevenção primária em adultos maiores de 75 anos. Aguardam-se os resultados dos estudos STAREE e PREVENTABLE, que incluem como objetivos principais o tempo de sobrevida livre de demên-

cia e de incapacidade – que é o que realmente importa ao idoso na manutenção da autonomia, funcionalidade e qualidade de vida, e não só apenas tratar as doenças ou a diminuição dos eventos cardiovasculares (MACE).

Manuel Viana Médico de família, USF de São João do Porto, ULS de Santo António

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