Coração e Vasos 16

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Diretor: José Alberto Soares

Ano VIII • Número 16 • 3€

Quadrimestral • Jan.-Abr. 2024 WWW.justneWs.pt

PublicaçãoPeriódica

Departamento De coração e vasos Da uniDaDe local De saúDe De santa maria

uNIdAdE dE ARRITmOLOgIA dA uLS dE SANTA mARIA

Inovador algoritmo para anotação automática dos sinais no mapeamento da taquicardia ventricular

Págs. 16/17

ICARdO FONTES E CARVALhO

Quando uma menor cultura organizacional impede que o talento individual valorize o grupo

Págs. 10/15

CuRSO “ACESSO CORONáRIO APóS TAVI COm ACuRATE

Págs. 18/19

ESPECIAL ANTEVISÃO
NEO 2”
2 Coração e Vasos | jan-Abr 2024 INSPIRIS RESILIA Aortic Valve An ideal foundation for your patient’s future Introducing the INSPIRIS RESILIA aortic valve –the first product offering in a new class of resilient heart valves. Shouldn’t your patients have a valve as resilient as they are? Discover more at Edwards.com For professional use. See instructions for use for full prescribing information, including indications, contraindications, warnings, precautions, and adverse events. Edwards Lifesciences devices placed on the European market meeting the essential requirements referred to in Article 3 of the Medical Device Directive 93/42/ECC bear the CE marking of conformity. Material for distribution only in countries with applicable health authority product registrations. Material not intended for distribution in USA or Japan. Indications, contraindications, warnings, and instructions for use can be found in the product labeling supplied with each device. Edwards, Edwards Lifesciences, the stylized E logo, INSPIRIS, INSPIRIS RESILIA and RESILIA are trademarks of Edwards Lifesciences Corporation or its affiliates. All other trademarks are property of their respective owners. © 2017 Edwards Lifesciences Corporation. All rights reserved. E6373/08-16/HVT Edwards Lifesciences • Route de l'Etraz 70, 1260 Nyon, Switzerland • edwards.com

Sumário

06 – Fausto Pinto

O extraordinário trabalho inovador da nossa equipa de Arritmologia

09 – Informação CETERA

10 anos a celebrar a nossa marca na Investigação Científica

10 – Ricardo Fontes de Carvalho, diretor do Serviço de Cardiologia da ULS de Gaia-Espinho:

“Em Portugal, os cardiologistas são excecionais e fazem a diferença, mas uma menor cultura organizacional impede que o talento individual valorize o grupo”

16 – Nuno Cortez Dias / João de Sousa / Gustavo Lima da Silva Unidade de Arritmologia do Serviço de Cardiologia da ULSSM – A nossa participação no desenvolvimento de um inovador algoritmo para anotação automática dos sinais no mapeamento de taquicardia ventricular

18 – João Silva Marques

Curso “Acesso coronário após TAVI com Acurate Neo 2” – Uma abordagem inovadora na formação médica contínua

Especial Antevisão

XIV Congresso Novas Fronteiras em Medicina Cardiovascular

20 – Alice Cabral Lopes

Diversidade, Equidade e Inclusão

21 – Augusto Ministro

O papel do cirurgião na ciência básica

22 – Luís Silvestre

Revascularização aberta das artérias intestinais: indicações e técnicas

23 – Ryan Gouveia e Melo

PhysicianModifiedEndografts (PMEG): uma possível solução para doentes com aneurismas complexos da aorta – quando, como e porquê?

24 – Mickael Henriques

O paciente com trauma

25 – Dulce Brito

O futuro da abordagem da insuficiência cardíaca

26 – Ana Abreu

Reabilitação cardiovascular: que novidades para 2024?

27 – Anabela Raimundo

Obesidade e Coração: um desafio permanente, um futuro promissor

28 – Francisca Patuleia Figueiras

Sessão CETERA debate novos

horizontes – O futuro da Investigação Clínica

29 – Rafael Graça

Caracterização de variantes raras no gene LDLR através de microscopia de alto rendimento

30 – João Sérgio Neves

Combinação de arGLP1 com iSGLT2 para redução do risco cardiovascular na diabetes tipo 2

31 – João Abecasis

Prevalência e significado do padrão de preservação apical relativa na estenose valvular aórtica: estudo por ecocardiografia e ressonância magnética cardíaca de doentes referenciados para cirurgia de substituição valvular

3 jan-Abr 2024 | Coração e Vasos

Novas Fronteiras em Medicina Cardiovascular

7 a 9 de Fevereiro 2020

Centro de Conferências de Tróia

4 Coração e Vasos | jan-Abr 2024

Trusted Platform

Rapid Deployment* Smaller Incisions

* Simplified implantation through reduced suture steps. For professional use. See instructions for use for full prescribing information, including indications, contraindications, warnings, precautions, and adverse events.

Edwards Lifesciences devices placed on the European market meeting the essential requirements referred to in Article 3 of theMedical Device Directive 93/42/ECC bear the CE marking of conformity.

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5 jan-Abr 2024 | Coração e Vasos
O extraordinário trabalho inovador da nossa equipa de Arritmologia

FAuStO J. PINtO

DIretOr DO DePArtAmeNtO De COrAçãO e VASOS DA uLS De SANtA mArIA

PreSIDeNte DO CCuL. PASt-PreSIDeNt DA WHF, eSC

Bem-vindos a mais um número da revista Coração e Vasos, lançado no início de 2024, no arranque de mais um Congresso Novas Fronteiras em Medicina Cardiovascular, já na sua 14.ª edição. Damos conta de algumas das intervenções que vão pautar o nosso Congresso, incluindo o já bem afirmado e prestigiado Prémio AIDFM-CETERA.

Como vem sendo hábito, temos uma entrevista central com uma das personalidades da Cardiologia nacional. Desta feita, podemos apreciar o pensamento de um dos mais jovens diretores de Serviço de Cardiologia em Portugal, com uma carreira brilhante, dentro e fora de portas, o Prof. Ricardo Fontes de Carvalho, da agora chamada Unidade Local de Saúde Gaia-Espinho.

Fala-nos de vários aspetos relacionados com os problemas que afetam a Cardiologia nacional e também nos revela alguns pormenores mais pessoais. Retenho a sua frase que faz manchete: “Em Portugal, os cardiologistas são excecionais e fazem a diferença, mas uma menor cultura organizacional impede que o talento individual valorize o grupo”

Neste número, ainda destacamos outros artigos, nomeadamente a propósito da celebração dos 10 anos da nossa CRO académica, que criámos em conjunto com a Prof.ª Inês Cabrita, para dar resposta a um conjunto de necessidades e desafios levantados pela investigação clínica, não só numa perspetiva local, mas mais global, a nível nacional e até internacional.

A capa desta Coração e Vasos centra-se no extraordinário trabalho inovador que a nossa equipa de Arritmologia tem feito ao longo dos anos, sob a batuta do Dr. João de Sousa. Em 14 de dezembro de 2023, um novo sistema de mapeamento Carto-V8 foi utilizado pela primeira vez na nossa unidade, enquadrado no lançamento mundial desta nova versão do sistema de mapeamento.

Foi empregue no tratamento de um doente com taquicardia ventricular complexa com origem epicárdica. O uso generalizado deste sistema de mapeamento vai tornar a ablação de taquicardia ventricular um tratamento mais standardizado e certamente mais eficaz para os nossos doentes.

Numa outra vertente, apresentamos um resumo de uma outra iniciativa, esta na área da cardiopatia estrutural, sobre acessos coronários pós-TAVI, coordenada pelo Dr João Silva Marques. O curso foi estruturado num programa intensivo de dois dias, destinado a fomentar uma compreensão profunda dos fatores de risco para a oclusão coronária após TAVI e das estratégias para minimizá-la, com particular atenção ao alinhamento das comissuras durante a implantação da válvula Acurate Neo 2.

O uso generalizado deste sistema de mapeamento vai tornar a ablação de taquicardia ventricular um tratamento mais standardizado e certamente mais eficaz para os nossos doentes.

Espero que desfrutem desta edição da nossa Coração e Vasos, fazendo, desde já, Votos de um Excelente 2024, com mais e melhor Saúde Cardiovascu!ar!

Bom trabalho e até breve!!

6 Coração e Vasos | jan-Abr 2024
By silvaj at 12:06 pm, Apr 12, 2023 By silvaj at 12:06 pm, Apr 12, 2023

Informação C eter A

10 anos a celebrar a nossa marca na Investigação Clínica

Ao completar uma década, a CRO CETERA celebra não apenas a sua história, mas também reforça o seu compromisso com a excelência e a inovação na gestão da Investigação Clínica. Fundada em 2013, a CETERA, cujo nome tem raízes no latim et cetera, concretizou um projeto pioneiro e ambicioso, impulsionado pelos líderes clínicos e investigadores de excelência.

Oconvite do Prof. Doutor Fausto Pinto, diretor do Departamento de Coração e Vasos do CHULN, para criar uma CRO académica especializada em Cardiologia marcou o início desse percurso inovador em Portugal. Sob a liderança da Prof.ª Doutora Inês Zimbarra Cabrita, licenciada em Cardiopneumologia e doutorada em Ciências Cardiovasculares pelo Imperial College London, a CETERA tornou-se rapidamente um parceiro global em Investigação Clínica.

Inês Zimbarra Cabrita

Diretora-geral da CRO CETERA. Prof.ª Auxiliar Convidada da FMUL. Investigadora integrada – CCUL@RISE. Coord. da licenciatura em Cardiopneumologia da ESSCVP-Lisboa

Com uma equipa dedicada, especializada e liderada por profissionais de renome, a CETERA oferece serviços que abrangem desde a Consultoria Clínica e Científica até à Gestão e Monitorização, Apoio Regulamentar e estratégias inovadoras de Recrutamento em estudos clínicos.

A rede de Investigação Clínica da CETERA expandiu-se notavelmente, contando atualmente com

mais de 400 investigadores, distribuídos por 40 centros de investigação, 20 unidades de cuidados primários e 30 parcerias. Mais de 4500 participantes contribuíram para avanços científicos significativos, em mais de 25 estudos geridos pela CETERA.

Além do compromisso científico, a CETERA demonstra a sua responsabilidade social com iniciativas como a CETERA KIDS, que simplifica o conceito de Investigação Clínica em escolas do ensino básico. A criação do Podcast FMUL/CETERA e do Prémio CETERA destacam-se como esforços para partilhar conhecimento e inspirar jovens investigadores.

O envolvimento com a comunidade científica reflete-se na formação personalizada em Investigação Clínica, nos cursos de curta duração e nas colaborações com a Sociedade Europeia de Cardiologia. A participação ativa nas comissões científica e de coordenação do Mestrado em Investigação Clínica desenvolvido pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa reforça o compromisso educacional.

A diretora-geral, Inês Zimbarra Cabrita, destaca que “uma equipa profissionalizada, dedicada e motivada é o pilar fundamental para abraçar com sucesso novos projetos e desafios além-fron-

teiras na Investigação Clínica”. A CETERA, alinhada com essa visão, investe na integração de inovação e tecnologia, acelerando processos e proporcionando resultados precisos.

À medida que enfrentamos o ano de 2024, repleto de desafios, a CETERA reafirma a sua capacidade de adaptação e execução estratégica. A sinergia entre uma equipa capacitada e as ferramentas tecnológicas mais avançadas permanecerá como a chave para enfrentar desafios e contribuir para o progresso no competitivo campo da Saúde e Ciência.

Veja o vídeo dos 10 anos

9 jan-Abr 2024 | Coração e Vasos
aidfm-cetera.com
RICARdO

FONTES dE CARVALhO,

dIRETOR dO

SERVIÇO dE CARdIOLOgIA dA uNIdAdE

“Em Portugal, os cardiologistas são excecionais menor cultura organizacional impede que
10 Coração e Vasos | jan-Abr 2024
L

LOCAL dE SAúdE dE gAIA-ESPINhO:

excecionais e fazem a diferença, mas uma que o talento individual valorize o grupo”

Quando contacta com colegas estrangeiros, a impressão com que Ricardo Fontes de Carvalho fica é que há uma unanimidade no reconhecimento da qualidade individual dos cardiologistas portugueses. Contudo, tal não se reflete na projeção da Cardiologia nacional além-fronteiras. do seu ponto de vista, a fragilidade das organizações e a falta de recursos e de estruturas de apoio são os principais fatores que condicionam o crescimento dos serviços e a valorização da especialidade a nível internacional.

Just News (JN) – Anualmente, é convidado a proferir palestras em múltiplas reuniões científicas. Gosta de comunicar?

Ricardo Fontes de Carvalho (RFC) –Sim, o médico é um ser comunicador. Acho que, além de fazer um bom diagnóstico e tratamento, uma das artes de ser médico é comunicar bem com o doente e ter a capacidade de lhe explicar, de forma simples e empática, exatamente o que ele tem, as suas implicações e qual o plano terapêutico delineado.

Idealmente, o médico deve ouvir o que o doente tem para lhe dizer, em primeiro lugar, mas também explicar-lhe bem a doença. Penso que essa é uma tarefa essencial e que nos cursos de Medicina deviam ensinar-se em maior detalhe técnicas de comunicação. Algumas faculdades têm aulas em que se aborda muito bem a relação médico-doente, mas, na minha opinião, é necessário aprofundar e melhorar o ensino nesta matéria.

Além disso, vendo este tema numa perspetiva mais abrangente, entendo que, se queremos ser médicos na sua “totalidade”, temos uma obrigação adicional. Devemos também comunicar ativamente com a sociedade, com os media em particular e com o público em geral, para tentarmos, dentro do possível, mudar os comportamentos das pessoas, ajudando-as a seguirem estilos de vida mais saudáveis, melhorando a literacia para a saúde e focando a importância das estratégias de promoção da mesma.

Por outro lado, entendo ainda que uma das nossas obrigações é também a transmissão do conhecimento a outros profissionais de saúde, sobretudo aos outros médicos. Não apenas considerando os mais novos, mas também os de outras especialidades que não a nossa. Se eu quero ter um impacto maior na saúde cardiovascular certamente que terei um alcance muito superior se conseguir igualmente ajudar os meus colegas a melhorar as suas capacidades de diagnóstico e tratamento da doença cardiovascular.

mas muito prevalente em Portugal, mas penso que estes princípios são transversais a todas as áreas da Medicina.

“Uma das artes de ser médico é comunicar bem com o doente, ouvi-lo e ter a capacidade de explicar-lhe o diagnóstico, as suas implicações e esclarecê-lo sobre qual é o plano terapêutico.”

JN – Ao longo do tempo, tem sido orador tanto em congressos dirigidos a internos e especialistas de Cardiologia como de Medicina Geral e Familiar, por exemplo. A sua mensagem tem de ser necessariamente adaptada consoante a assistência que tiver à sua frente?

RFC – Exatamente. Penso que temos que ajustar a nossa mensagem ao recetor e não o contrário, da mesma forma que eu, enquanto médico, tenho que adaptar a minha comunicação ao doente que está à minha frente. Não posso comunicar exatamente da mesma forma com alguém que é analfabeto como comunico com um engenheiro, um professor ou um doutorado.

A forma de comunicar tem necessariamente de ser ajustada. Numa palestra acontece o mesmo, pois, o modo como nos dirigimos à audiência depende, obviamente, de quem nos está a ouvir, se são médicos ou o público em geral, por exem-

Refiro-me essencialmente à patologia cardiovascular, que é uma doença prevenível (Continuanapág.12)

11 jan-Abr 2024 | Coração e Vasos

plo. Também devemos ajustar a mensagem conforme o nível de formação, a especialidade com que estamos a comunicar ou a própria cultura do país em que estamos a palestrar. A própria dimensão e formato da sessão deve ser tida em consideração, porque é totalmente diferente uma comunicação num workshop prático com apenas 4 colegas de uma palestra feita para mais de 5 mil pessoas, como já tive oportunidade de fazer. Temos obrigatoriamente de ajustar a nossa mensagem e a estratégia de comunicação.

Em súmula, acredito que o principal truque da comunicação reside precisamente na capacidade de o emissor se ajustar ao recetor, e não o seu contrário.

JN – Enquanto professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, tem oportunidade de comunicar com outro tipo de audiência – os futuros médicos…

RFC – Exatamente! Das coisas que mais gosto é de dar aulas, sobretudo a alunos nos anos clínicos, por se encontrarem numa fase muito interessante para lhes fomentar o raciocínio clínico. Considero ser extremamente aliciante e motivador dar aulas e só tenho pena de ultimamente ter menos tempo para o fazer.

Também acho muito interessante fazer conferências, palestras e educação médica junto de colegas, sejam eles cardiologistas ou de áreas diferentes. Esta dinâmica é muito enriquecedora e certas atividades ajudam a melhorar as outras. Conviver com alunos, com outros médicos e com

especialidades distintas da nossa (e perspetivas diversas!) ajuda-nos igualmente a sermos melhores médicos quando estamos individualmente com o nosso doente.

JN – Procura convencer os seus alunos a optarem pela especialidade de Cardiologia?

RFC – Julgo honestamente que não, pelo menos deliberadamente. Contudo, talvez pela paixão que tento transmitir pela compreensão do sistema cardiovascular, já tenho tido vários exemplos de colegas que me disseram que escolheram Cardiologia (e outras especialidades relacionadas com o

sistema cardiovascular) por alguma desta paixão que lhes consegui transmitir.

Ainda para mais, nos tempos atuais, esta não é uma especialidade fácil, pelo que quem quer ter uma vida um pouco mais despreocupada não deve propriamente fazer essa escolha. Acho que devemos tentar atrair os melhores para a Cardiologia, aliás, é uma preocupação que procuro ter, até porque nos últimos três anos temos verificado que diminuiu a motivação dos internos para optarem por esta especialidade.

Enquanto antigamente, dos 20 melhores, cerca de um terço dos internos escolhiam Cardiolo-

12 Coração e Vasos | jan-Abr 2024

gia, hoje em dia, tal já não acontece, porque estão a preferir outras áreas, nomeadamente, Dermatologia, Oftalmologia e Cirurgia Plástica. Isto é, a meu ver, muito preocupante. E a tendência que se observa em especialidades como a Medicina Interna também se reflete na Cardiologia. Deve-nos obrigar a uma reflexão séria porque as implicações serão enormes a médio prazo.

JN – Qual a sua explicação para isso estar a acontecer?

RFC – Julgo que, hoje em dia, as pessoas procuram um maior balanço entre o trabalho e a qualidade de vida. Tem havido uma grande mudança nas novas gerações – não é uma crítica, mas uma constatação – e, enquanto há alguns anos a realização profissional era uma das coisas que as pessoas mais valorizavam, atualmente, essa vertente é menos importante.

Trata-se de uma realidade transversal à sociedade e, embora a profissão médica seja menos influenciada, obviamente que também aqui se verifica essa mudança. Penso que as pessoas – e bem! – dão uma importância cada vez maior ao tempo de que dispõem para si e a Cardiologia nem sempre permite que se preserve uma relação de equilíbrio entre a vida pessoal e a vida profissional.

Perceber o sistema cardiovascular é bastante fascinante, portanto, ainda há muitos médicos a enveredar pela Cardiologia, com algum compromisso pessoal da sua parte. Nesse sentido, esta especialidade não é imune, embora seja menos influenciável a essa tendência. Ainda assim, pe-

(Continuanapág.14)

Ricardo Fontes de Carvalho

O mais novo diretor de serviço de um grande centro de Cardiologia do país

Ricardo Fontes de Carvalho nasceu a 10 de dezembro de 1980, no Porto. Durante a sua escolaridade, sempre pensou que a sua vida profissional passaria mais pelas áreas de Economia/Gestão, por ter algumas influências familiares, contudo, sempre lhe foi dada total liberdade para seguir o caminho que quisesse. Foi apenas no final do 12.º ano que decidiu que haveria de seguir Medicina. Não se arrepende da opção que fez: “Se fosse hoje, escolheria novamente Medicina, e de forma mais clara. Olhando em retrospetiva, não me arrependo de nada.” Concluiu o curso em 2004, pela FMUP, e realizou o internato geral no Hospital de São João.

À semelhança da Medicina, a entrada na Cardiologia também não foi linear. “Gostava da vertente cirúrgica, então tinha equacionado seguir Cirurgia Plástica ou Oftalmologia, mas quando vi a vaga de Cardiologia em Vila Nova de Gaia não tive dúvidas e foi o melhor que podia ter feito. É um lugar que me deu todas as oportunidades de trabalhar no que gostava e que, de outra forma, poderia não ter conseguido”, refere.

Em 2006, iniciou o internato de Cardiologia num “Serviço que se confundia, e assim continua a ser, com a instituição”. Como explica, “o Hospital de Gaia é muito conhecido pela sua área cardiovascular e o facto de, na altura, o Serviço estar em grande crescimento trouxe muitas oportunidades”.

Em virtude do trajeto que desenvolveu, em 2020, quando ainda não tinha feito 40 anos, assumiu a direção do Serviço, algo que reconhece ser “pouco habitual num grande hospital, sobretudo numa especialidade que é bastante conservadora”. Nessa altura, tornou-se, assim, no mais novo diretor de serviço de um grande centro de Cardiologia do país.

Ao longo do tempo, já teve várias oportunidades de ir trabalhar para o estrangeiro, contudo, garante não trocar Portugal por nenhum outro local. “Visito muitos países e, apesar de tudo, cada vez que volto mais valorizo o lugar onde vivo”, diz Ricardo Fontes de Carvalho.

A sua ligação à Sociedade Portuguesa de Cardiologia tem sido uma constante. Ainda nos primeiros anos do internato, foi um dos fundadores do Conselho de Jovens Cardiologistas da SPC e pouco depois fundou também os “Cardiologists of Tomorrow” da Sociedade Europeia de Cardiologia. Na SPC integrou a Direção no biénio 2017-18 e, atualmente, é o diretor da Academia Cardiovascular.

Somam-se várias outras participações de relevo. Pertenceu a múltiplos comités da Sociedade Europeia de Cardiologia e no biénio 202022 fez parte do Board da European Association of Cardiovascular Imaging (EACVI). Desde 2019 que é ainda editor associado do Journal of the American College of Cardiology (JACC) Case Reports

Doutorado em Ciências Cardiovasculares, Ricardo Fontes de Carvalho desempenha atividade na docência desde 2007. Atualmente, é professor catedrático convidado da FMUP. Autor de mais de uma centena e meia de publicações em revistas nacionais e internacionais, já recebeu 18 prémios e distinções pela atividade desenvolvida em investigação básica e clínica.

Em 2018, decidiu aprofundar os conhecimentos de Economia da Saúde e concluiu o MsC in Health Economics and Management na London School of Economics (LSE). Em 2015 e em 2018, foi reconhecido como Fellow da European Society of Cardiology e do American College of Cardiology, respetivamente.

Pai de um menino de 9 anos e de uma menina de 13, revela ter alguma dificuldade em aconselhá-los a seguir Medicina nos tempos atuais, pois, “além de comprometer o equilíbrio pessoal e profissional, é uma profissão que tem sido cada vez menos valorizada”.

Considerando-se uma pessoa organizada, diz sempre ter reservado tempo pessoal para fazer atividades, pelo que, durante os tempos livres, gosta de estar com a família e os amigos, jogar futebol, ir ao estádio ver o FC Porto e fazer provas de vinhos.

13 jan-Abr 2024 | Coração e Vasos

rante a possibilidade de poderem optar por outras áreas da Medicina que garantem um maior equilíbrio entre os planos pessoal e profissional e que são melhor remuneradas, fazem as suas escolhas em função daquilo que mais valorizam.

JN – Nos últimos anos, o Serviço que dirige tem sido, quase sempre, o primeiro no país a esgotar as vagas de acesso. Qual é, na sua opinião, o motivo para que tal aconteça?

RFC – Realmente, temos tido a sorte de ser o primeiro Serviço de Cardiologia escolhido pelos internos para fazerem a sua formação, ou seja, temos tido a capacidade de manter a atratividade dos melhores. Fico contente porque acredito que só conseguimos serviços de excelência se trabalharmos todos os dias com os melhores. Aliás, os serviços são as pessoas! Mas, mais do que cada elemento individualmente, é o trabalho de equipa que faz a diferença. Da minha parte, enquanto diretor deste Serviço, entendo que devo ter a preocupação de melhorar as condições de atratividade das pessoas.

Contudo, este problema da menor “atratividade” da especialidade de Cardiologia a nível nacional tem-me preocupado seriamente e, nos últimos tempos, tenho procurado ativamente perceber junto dos internos e dos orientadores de formação os seus motivos e que estratégias poderemos implementar para tentar inverter esta tendência. Promovemos, inclusive, um fórum a nível nacional para debater esta questão, avaliando formas para haver um maior balanço pessoal e

“A minha estratégia no Serviço é atrair aqueles que são muito bons, porque acredito que só conseguimos serviços de excelência se estivermos rodeados dos melhores.”

profissional e conseguirmos garantir aquilo que é mais importante a longo prazo – continuar a atrair os melhores para a Cardiologia.

A NECESSIDADE DE GARANTIR oS RECURSoS NECESSáRIoS Ao CRESCIMENTo DoS SERVIçoS

JN – Em 2021, assumiu a direção do Serviço de Cardiologia do então designado Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia-Espinho. Essa responsabilidade veio alterar bastante a sua vida?

RFC – Sim, não vou negar que representa um sacrifício pessoal muito grande. Aliás, esse sacrifício é duplo, porque, para além do impacto em termos pessoais, também a nível profissional tenho de dedicar mais tempo a atividades de gestão

que, se calhar, não me dão tanto prazer quanto consultar doentes ou fazer ecocardiografia, áreas de que gosto particularmente.

Para quem gere um Serviço tão grande quanto este, composto por mais de 150 profissionais, e que procura sempre atingir a excelência clínica, a gestão de recursos humanos é o grande desafio. A gestão de equipas nem sempre é uma tarefa fácil, quer no SNS como na sociedade em geral. Não tenho dúvidas de que o maior desafio para qualquer gestor são as pessoas. Apesar de eu ter uma equipa fenomenal, noto que cada vez é mais difícil manter a motivação da equipa, para que cada um dos seus elementos dê aquele seu “extra” que assegura a excelência dos cuidados. Esta é uma tendência geral que obviamente caracteriza igualmente a Medicina e, nomeadamente, a Cardiologia.

Este aspeto é particularmente desafiante nas instituições públicas, sobretudo nos hospitais, que estão sempre no limite e que funcionam muito à custa do tal extra. O desafio é conseguir que as pessoas, no seu tempo dedicado à atividade profissional, tenham as condições estruturais e organizacionais e de gestão dos processos necessárias para que consigam atingir a excelência.

JN – Essas condições estruturais e organizacionais podiam ser melhoradas no seu Serviço? Seria positivo, por exemplo, haver um reforço ao nível dos recursos humanos?

RFC – Claramente! Quando olhamos para as estatísticas a nível nacional e observamos, nomeadamente, os rácios número de médicos vs. número de consultas e de exames, verificamos que temos

14 Coração e Vasos | jan-Abr 2024
(Continuaçãodapág.13)

um serviço hiperprodutivo quer em quantidade, quer em qualidade de resultados. Contudo, atendendo às necessidades, que, ainda por cima, são crescentes, existe um enorme défice de profissionais de saúde e temos instalações muito exíguas.

É algo que tentamos corrigir. A nível de recursos humanos, interessa-nos ir fazendo um caminho de aumento progressivo e sustentado do número de profissionais, de forma a que também se sintam motivados e realizados. Isto é muito importante para mantermos a excelência clínica. Contudo, numa perspetiva de Serviço e de funcionamento em equipa, é fundamental assegurar um equilíbrio entre as atividades de que as pessoas gostam mais e menos de fazer, se forma a garantir este binómio de garantir a excelência da capacidade assistencial ao doente com a realização profissional.

A médio/longo prazo, o Serviço precisa de crescer também a nível estrutural e de instalações. É fundamental que nas opções políticas haja um compromisso do Serviço Nacional de Saúde para recebermos os recursos necessários para concretizar esse crescimento. Felizmente, acho que temos a capacidade de atratividade dos profissionais e, hoje em dia, penso que quase toda a gente gostaria de trabalhar neste Serviço, mas é claramente necessário que haja uma maior aposta nos cuidados da área cardiovascular.

A doença cardiovascular é e continuará a ser a principal causa de mortalidade, havendo muitos quadros tratáveis e bastantes mortes que seriam evitáveis se o SNS decidisse estrategicamente ser esta uma área em que é preciso apostar. Para conseguirmos tratar mais pessoas e melhorar a

qualidade do que fazemos é necessário que se faça aqui um investimento estratégico.

A INTEGRAção Do TRABALHo ENTRE INSTITUIçõES EM PRoL DE CUIDADoS DE PRoXIMIDADE

JN – Na sua opinião, qual devia ser o investimento a fazer nos serviços de Cardiologia do interior?

RFC – Penso que na Saúde é muito importante garantir a proximidade e a acessibilidade aos cuidados e, por isso, neste aspeto, devia haver um maior investimento no interior do país. Claro que tal só se consegue criando condições para que os profissionais se fixem nesses locais, o que é um desafio enorme, não exclusivo da Cardiologia ou até da Medicina, mas da sociedade como um todo. São necessárias políticas de incentivo muito abrangentes que extravasam o âmbito da própria Medicina.

Por outro lado, não concordo que atos médicos e procedimentos altamente diferenciados e complexos da área cardiovascular sejam feitos em qualquer local. Está mais do que demonstrado que a realização deste tipo de procedimentos complexos em centros diferenciados permite obter uma melhor qualidade de resultados mas também gera eficiência na utilização de recursos. Acho que é possível, com uma rede bem pensada, ter uma combinação entre centros afiliados para a prestação de cuidados de proximidade com centros de maior volume e diferenciação, com intercâmbio de doentes e de profissionais. Mas, para tal, é necessária uma grande mudança de mentalidade.

JN – Consegue imaginar, na prática, uma forma de diminuir as assimetrias existentes entre o interior e o litoral do país?

RFC – Defendo que as atividades deviam funcionar de forma mais integrada, com a preocupação de os grandes centros trabalharem em maior proximidade, até com alguma troca de profissionais com as instituições do interior. Podia haver períodos em que aqueles se deslocassem a um local mais longínquo –um ou dois dias da semana –, continuando a manter a sua ligação ao hospital central. Seria uma forma de, em simultâneo, poderem fazer aquilo de que mais gostam mas também garantir a prestação de cuidados de proximidade, que são tão necessários.

A FRAGILIDADE DAS oRGANIzAçõES ENQUANTo CoNDICIoNANTE DA VALoRIzAção DA CARDIoLoGIA PoRTUGUESA

JN – Como considera que é vista, a nível internacional, a Cardiologia portuguesa?

RFC – A prática da Cardiologia em Portugal é excecional. Digo-o sem dúvidas e com convicção. Contudo, é verdade que acaba por ter pouca visibilidade a nível internacional, o que é pena. Mas ouço lá fora, com muita frequência, o seguinte comentário: “Conheço cardiologistas portugueses de imensa qualidade. Como é possível que a Cardiologia portuguesa não seja tão conhecida?”

JN – E qual é a sua resposta?

RFC – Considero que as pessoas têm uma qualidade individual excecional. Conheço bem a nossa realidade e a de outros países e acho que, em média, a aptidão dos nossos cardiologistas é muito superior à dos colegas da restante Europa, em termos individuais. Aqui, goste-se ou não, existe um sistema que contribuiu, pelo menos até agora, para que os melhores médicos entrassem em Cardiologia.

“A fragilidade das instituições leva a que não se consiga tirar o máximo proveito das pessoas.”

Individualmente, são profissionais muito bons e fazem a diferença, mas as estruturas e as organizações funcionam menos bem, o que impede que o talento de cada um permita valorizar o grupo. A fragilidade das instituições leva a que não se consiga tirar o máximo proveito das pessoas, o que é um mal português no geral.

Dessa forma, a nossa Cardiologia é pouco visível a nível internacional. E este ciclo é difícil de quebrar, porque as organizações não são fortes. Infelizmente, todos os dias, estamos habituados a remediar, a “tapar buracos” e a desenrascar.

O tempo protegido para investigação e avaliação da qualidade do trabalho prestado, que há noutros países, praticamente não existe em Portugal, o que leva a que não consigamos extrair o potencial total das pessoas a título individual. Colocam-se ainda outros problemas, como o facto de os médicos serem bastante mal remunerados, o que os obriga a ter de compensar os seus vencimentos fazendo atividade privada, o que lhes vai tirar tempo, mas sobretudo energia e capacidade de foco, para pensar em projetos de qualidade clínica ou de investigação.

15 jan-Abr 2024 | Coração e Vasos

OHospital de Santa Maria é um centro nacional de referência no tratamento das arritmias ventriculares graves, recebendo regularmente doentes transferidos de todo o território nacional. Os avanços nesta área são fundamentais para aumentar as possibilidades de tratamento apropriado em doentes em crítico risco de vida.

As taquicardias ventriculares no contexto de cardiopatia estrutural originam-se por mecanismo de reentrada, dependente de istmos de condução lenta, habitualmente causados por áreas de fibrose miocárdica. Estes circuitos complexos podem ser mapeados, quer em ritmo sinusal ou pacing ventricular, através da identificação de potenciais tardios (que representam as zonas de condução mais lenta), ou durante taquicardia ventricular, identificando potenciais diastólicos (que representam condução no istmo).

O mapeamento eletroanatómico ventricular, modernamente, assenta na utilização de cateteres de alta densidade, que permitem a colheita de milhares de sinais elétricos, com uma elevada eficiência, que têm de ser anotados com precisão. Classicamente, a anotação dos eletrogramas era efetuada manualmente pelo operador. Havendo milhares de sinais para analisar, é criticamente necessário o recurso a algoritmos de anotação automática.

uNIdAdE dE ARRITmOLOgIA dO SERVIÇO dE CARdIOLO

A nossa participação no desenvolvimento anotação automática dos sinais

NuNO COrtez DIAS

SUbCOORDENADOR DO LAbORATóRIO DE ELETROFISIOLOGIA DO SERVIçO DE CARDIOLOGIA DA ULS DE SANTA MARIA

JOãO De SOuSA

COORDENADOR DA UNIDADE DE ARRITMOLOGIA DO SERVIçO DE CARDIOLOGIA DA ULS DE SANTA MARIA

GuStAVO LImA DA SILVA

ASSISTENTE DE CARDIOLOGIA, SERVIçO DE CARDIOLOGIA DA ULS DE SANTA MARIA

2017, uma parceria com a equipa de engenheiros da Unidade Research & Development da Biosense Webster (Telavive, Israel) com o objetivo de melhorar os instrumentos de mapeamento eletroanatómico utilizados na ablação de taquicardia ventricular.

Na sequência do trabalho de investigação por nós realizado, foi possível desenvolver um conceito original de análise dos sinais, que acabou por conduzir à génese deste projeto colaborati-

Ao longo dos últimos 5 anos, foi comprovada a viabilidade da ideia, foram testados vários modelos de implementação e estes sucessivamente melhorados, num trabalho experimental de validação offline.

rial a nível regional, com o objetivo de ajudar à interpretação do mapa de substrato e ativação, tornando-se mais fácil e menos dependente da experiência do médico. Salienta-se que a coautoria da Unidade de Arritmologia do Hospital de Santa Maria ficou reconhecida no registo da patente.

Em 2022, foi concebido um protótipo, o qual foi, de forma pioneira, introduzido em teste no Hospital de Santa Maria no tratamento de doentes com taquicardia ventricular. Os ganhos em eficiência e acuidade na anotação automática superaram largamente as melhores expectativas. A precisão atingida pelo sistema automático de anotação foi tão elevada que os mapas gerados a partir da anotação automática e instantânea pelo computador foram, na generalidade dos casos, indistinguíveis daqueles obtidos manualmente pelo ser humano, com a revisão manual dos milhares de pontos, o que requereu muitas horas.

Até ao momento, não existiam algoritmos especificamente direcionados à anotação dos sinais ventriculares e a aplicação dos algoritmos auriculares no ventrículo tinha-se revelado inapropriada, atendendo à sua maior complexidade.

A Unidade de Arritmologia do Serviço de Cardiologia da ULS de Santa Maria estabeleceu, em

vo. Ao longo dos últimos 5 anos, foi comprovada a viabilidade da ideia, foram testados vários modelos de implementação e estes sucessivamente melhorados, num trabalho experimental de validação offline. O algoritmo final baseia-se na análise dos eletrogramas ventriculares unipolares, dando prioridade de anotação ao componente mais tardio, desde que o mesmo supere limiares mínimos de intensidade de dV/dT e seja temporalmente consistente em batimentos sucessivos.

Desenvolvemos ainda um inovador sistema de análise da velocidade de condução (Local Velocity Vectors – LVV), baseado na análise veto-

A implementação deste novo sistema na prática quotidiana da Unidade de Arritmologia tornou os procedimentos de ablação de taquicardia ventricular muito mais rápidos e precisos. Hoje, a colheita, a revisão e a interpretação do mapa de substrato ventricular são completadas habitualmente em 15-20 minutos, quando há apenas 2 anos demoravam rotineiramente 1 a 2 horas. Os ganhos de eficiência e rapidez no mapeamento nos procedimentos de ablação de taquicardia ventricular têm grande relevância clínica, na medida em que a duração da intervenção é um dos mais fortes preditores de complicações e intercorrências.

Em 2023, a Biosense Webster, empresa líder mundial no mapeamento electroanatómico em Eletrofisiologia, conferiu prioridade à disponibilização alargada aos laboratórios de Eletrofisiologia do algoritmo desenvolvido, o qual passou a ser designado Late Activation Mapping

16 Coração e Vasos | jan-Abr 2024

IOLOgIA dA uNIdAdE LOCAL dE SAúdE dE SANTA mARIA

desenvolvimento de um inovador algoritmo para sinais no mapeamento de taquicardia ventricular

Algorithm (LAMA), passando a estar integrado na nova versão do sistema de mapeamento Carto-V8.

Em 14 de dezembro de 2023, o sistema de mapeamento Carto-V8 foi utilizado pela primeira vez na Unidade de Eletrofisiologia do Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar e Universitário Lisboa Norte - Hospital de Santa Maria, enquadrado no lançamento mundial desta nova versão do

sistema de mapeamento. Foi empregue no tratamento de um doente com taquicardia ventricular complexa com origem epicárdica, uma situação de elevada gravidade e risco de vida.

O novo sistema de mapeamento confirmou as expectativas, revelando-se um instrumento valioso no tratamento das arritmias ventriculares graves, permitindo maior qualidade, eficiência e precisão na definição da estratégia terapêutica. A

partir de agora, passará a ser progressivamente disponibilizado aos laboratórios de Eletrofisiologia de todo o mundo.

É com orgulho neste projeto, levado a bom termo, que acreditamos que o uso generalizado deste sistema de mapeamento vai tornar a ablação de taquicardia ventricular um tratamento mais standardizado e certamente mais eficaz para os nossos doentes.

17 jan-Abr 2024 | Coração e Vasos
Mapeamento eletroanatómico epicárdico durante ritmo sinusal (A) revelando eletrogramas anómalos e tardios (regiões coloridas a azul e púrpura), na parede anterior do ventrículo esquerdo. Estas zonas formam canais arritmogénicos, realçados pelo algoritmo Local Velocity VeCtor, e localizam-se na parede do aneurisma apical observada em b, correspondente à reconstrução da angioTC cardíaca integrada no sistema Carto-V8.

NUma abordagem inovadora na

um mundo onde a medicina e a tecnologia avançam a passos largos, a formação contínua dos profissionais de saúde é fundamental. Neste contexto, o curso “Acesso Coronário após TAVI com Acurate Neo 2” foi um marco importante na educação médica pós-graduada em Portugal ao aliar a simulação médica com a realização de procedimentos em sala de hemodinâmica. Este curso foi cuidadosamente desenhado para abordar os desafios e soluções associadas ao acesso coronário pós-TAVI, com uma ênfase particular no uso do dispositivo Acurate Neo 2.

nais (Arif Khokhar, Ole de Backer) com vasta experiência em intervenção estrutural cardíaca, que compartilharam o seu conhecimento e competências através de um formato pedagógico que integrou conhecimento teórico, simulação

O curso contou com formadores locais e internacionais com vasta experiência em intervenção estrutural cardíaca.

Decorreu no Centro de Tecnologia Médica Avançada da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e no Serviço de Cardiologia do Hospital de Santa Maria no final de novembro de 2023. Contou com formadores locais (Cláudia Jorge, João Silva Marques, Miguel Nobre Menezes, Pedro Carrilho Ferreira) e internacio-

e prática clínica. Os participantes, provenientes de vários hospitais do país, puderam compartilhar as suas experiências num ambiente de aprendizagem descontraído, prático e multidisciplinar.

O curso foi estruturado num programa intensivo de dois dias, destinado a fomentar uma compreensão profunda dos fatores de risco para a oclusão coronária após TAVI e das estratégias para minimizá-la, com particular atenção ao alinhamento das comissuras durante a implantação de Acurate Neo 2.

Durante o primeiro dia, os participantes tiveram a oportunidade de mergulhar em palestras especializadas, seguidas por sessões práticas em

18 Coração e Vasos | jan-Abr 2024
JOãO SILVA mArqueS CARDIOLOGISTA DE INTERVENçãO, UNID. CARD DE INTERV. JOAqUIM OLIVEIRA, ULS DE SANTA MARIA COORD PROGRAMA DO CURSO “ACESSO CORONáRIO APóS TAVI COM ACURATE NEO 2”
CuRSO “ACESSO CORONáRIO APóS TAVI COm ACuRATE NEO 2”

na formação médica contínua

simuladores, incluindo dois modelos SimulHeart. Esta abordagem interativa e imersiva permitiu aos participantes não apenas adquirir conhecimento teórico, mas também aplicá-lo em situações realistas. Puderam praticar o alinhamento das comissuras, acesso coronário após a implantação de Acurate Neo 2, bem como adquirir competências em procedimentos valve-in-valve (ViV). É de sublinhar que a discussão entre pares durante as sessões de simulação foram fundamentais no reforço da aquisição de conhecimentos.

O segundo dia proporcionou aos participantes a oportunidade de observar e discutir casos ao vivo, aplicando os conhecimentos previamente adquiridos em cenários clínicos reais. Este formato ofereceu uma visão abrangente e prática das intervenções, destacando a relevância clínica das técnicas e estratégias ensinadas no primeiro dia de curso.

O feedback dos participantes e dos convidados internacionais sublinhou o sucesso e a inovação do formato educativo, com especial apreço pela integração da teoria com a prática através de simulação e discussão de casos ao vivo. Esse feedback dá-nos ânimo para continuar a desenvolver programas educativos dirigidos a cardiologistas de intervenção.

O curso foi estruturado num programa intensivo de dois dias, destinado a fomentar uma compreensão profunda dos fatores de risco para a oclusão coronária após TAVI e das estratégias para minimizá-la, com particular atenção ao alinhamento das comissuras durante a implantação de Acurate Neo 2.

Em suma, o curso “Acesso Coronário após TAVI com Acurate Neo 2” não só abordou os desafios e técnicas fundamentais nesta área contemporânea da cardiologia de intervenção como também demonstrou o potencial transformador da simulação

na formação médica avançada. Este evento representou um marco significativo na educação médica em Portugal, promovendo a excelência e a inovação, com tradução na prática clínica.

19 jan-Abr 2024 | Coração e Vasos

ESPECIAL | ANTEVISÃO

Diversidade, Equidade e Inclusão

Nos últimos anos, a Diversidade, Equidade e Inclusão é tema de conversa em qualquer contexto onde estejamos: nas notícias, à mesa com os amigos, no local de trabalho. Desde os movimentos ativistas mundiais mais conhecidos, como Black Lives Matter e Me Too , que foi realçada a importância de respeitarmos e incluirmos todas as pessoas, independentemente da sua raça, género ou diferença face ao que é considerado normal pela maioria. A conversa pode ter-se iniciado nestes movimentos ativistas internacionais, mas ganhou vida própria a partir daí e influenciou todos os setores de atividade, não sendo a área da saúde, e especificamente a Cirurgia Vascular, exceção.

Quando nos focamos na nossa realidade diária, podem surgir várias questões: “na minha realidade isto não é um problema, lido com pessoas de diferentes géneros, raças, religiões e

orientação sexual todos os dias”. Mas será esta perceção verdadeira? Muitas vezes, naquilo que é a nossa área de atuação, temos a incapacidade de percecionar a inequidade, seja porque ela não existe, seja porque lemos as situações à luz da nossa própria “lente”, ou apenas porque nunca vimos números concretos sobre o assunto.

O que propomos é exatamente trazer esses dados à luz do dia. Números que nos dizem a diversidade que realmente existe na Cirurgia Vascular europeia e nacional, mas, mais importante do que isso, quão incluídas se sentem as pessoas nos serviços, nas equipas e nos locais de trabalho.

Quando olhamos para os dados que foram recolhidos pelo estudo europeu Bullying, Undermining and Harassment Survey in the Vascular Workplace as respostas a perguntas como “Os comportamentos que vejo serem adota-

dos são justos para todos? As oportunidades de crescimento e posições de maior visibilidade são equitativas?” começam a formar-se. Ainda existe muito a ser discutido e a fazer no que toca à forma como nos comportamos em relação à diferença com que lidamos todos os dias. Já abrimos portas à diversidade, sem dúvida, mas isso talvez ainda não se tenha traduzido em ganhos relativamente à inclusão.

Na mesa-redonda sobre Diversidade, Equidade e Inclusão que se vai realizar neste XIV Congresso Novas Fronteiras iremos dar-vos a conhecer estes dados e procurar refletir e discutir em cima do que os números nos dizem. Liderada pela jornalista Raquel Mourão Lopes, esta mesa contará com 7 convidados que irão procurar refletir e discutir as suas diferentes perspetivas face aos dados que o estudo lançou, bem como sobre a forma como a diversidade e inclusão é vivida nos seus quotidianos.

20 Coração e Vasos | jan-Abr 2024
ALICe CAbrAL LOPeS ASSISTENTE HOSPITALAR DE ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR, ULS DE SANTA MARIA ASSISTENTE CONVIDADA DA FMUL

O papel do cirurgião na ciência básica

As doenças cardiovasculares, apesar de todos os progressos ocorridos nos últimos anos, continuam a ser a principal causa de morte no mundo ocidental, incluindo Portugal. Em 2021, 20,5 milhões de pessoas morreram de doença cardiovascular, um número que representou cerca de um terço de todos as mortes globais e que correspondeu a um aumento significativo dos 12,1 milhões de mortes por doença cardiovascular registadas em 1990. A cardiopatia isquémica é hoje a principal causa de morte prematura em 146 países para homens e em 98 países para mulheres.

O progresso da investigação em biologia vascular é assim fundamental e deverá ser estimulado e incentivado, especialmente pelos médicos que tratam as doenças cardiovasculares. Se, por um lado, a ciência básica intimida muitos, especialmente os cirurgiões vasculares, que têm um treino e uma pressão assistencial muito exigente, por outro, a investigação em ciência básica pode ser gratificante e pode, inclusivamente, ser encarada pelo jovem cirurgião como uma via para o sucesso e diferenciação de seus pares.

promisso com o estudo da biologia fundamental das doenças é essencial para os avanços no campo da cirurgia. Os cirurgiões estão numa posição única (ex: acesso direto a amostras de tecidos) para fazer contribuições importantes para a compreensão da biologia das doenças cirúrgicas devido à sua proximidade com o diagnóstico e tratamento.

A complexidade da ciência básica, a especificidade da sua tecnologia implica que o cirurgião-cientista esteja atualmente integrado em equipas multidisciplinares. Só assim poderá ter sucesso.

As carreiras focadas em ciência básica podem ser gratificantes e significativas, mas também podem ser menos compensadoras financeiramente do que uma posição puramente clínica, pelo menos no curto prazo.

O cirurgião-cientista diferencia-se dos restantes médicos pela sua capacidade de transformar o conhecimento adquirido no laboratório e na atmosfera clínica em oportunidades de investigação que podem melhorar o cuidado dos seus doentes e comunidades. O cirurgião-cientista diferencia-se do investigador básico por enveredar habitualmente por uma investigação translacional que ultrapassa o estudo da mecanística e que tem como objetivo a sua aplicabilidade clínica.

A excelência técnica e a capacidade de decisão clínica são inegavelmente atributos imperativos para todos os cirurgiões, no entanto, o seu com-

Apesar deste valor reconhecido, o panorama atual da medicina académica apresenta barreiras significativas à afirmação e manutenção de uma carreira de sucesso como cirurgião que realiza investigação básica/translacional. O sentimento crescente entre a maioria dos cirurgiões académicos de que não é possível ter uma carreira de sucesso como cientista básico leva a que um número cada vez menor de cirurgiões se dedique à ciência básica. Torna-se assim imperativo definir um tempo protegido para a investigação. A proporção de esforço necessário para a investigação varia dependendo do indivíduo, do apoio dos colegas e da instituição

e da natureza da pesquisa, mas deve ser suficiente para alcançar o sucesso. Outro dos ingredientes essenciais é a seleção de um mentor ou de uma network de orientadores motivados e comprometidos.

Outro grande obstáculo identificado ao sucesso do cirurgião-cientista é a dificuldade de alcançar a integração da vida pessoal com a vida profissional. A vida pessoal e a vida familiar devem ser consideradas parte integrante da carreira e não podem ser vistas como pratos numa balança em frágil equilíbrio, o que, só por si, prevê perdas dos dois lados.

As carreiras focadas em ciência básica podem ser gratificantes e significativas, mas também podem ser menos compensadoras financeiramente do que uma posição puramente clínica, pelo menos no curto prazo. O tempo despendido pelo cirurgião na sua investigação básica deverá ter uma remuneração competitiva, especialmente, na fase inicial da sua carreira. O acesso a financiamento externo deverá ser protegido e específico para a carreira de cirurgião-cientista.

Embora as responsabilidades clínicas e administrativas constituam barreiras ao sucesso do cirurgião-cientista, alargar horizontes não é impossível, nem improvável. Há muitos estagiários ansiosos por seguir carreiras académicas. Os líderes no terreno devem reconhecer esta realidade e trabalhar em conjunto para proporcionar a estes jovens investigadores oportunidades de aprender e desenvolver as suas competências, contribuindo para a base do Knowledge

Os investimentos institucionais nestas áreas ajudarão a fazer crescer o campus e a criar uma nova era de pioneiros cirúrgicos que continuarão a fazer avançar a medicina. O jovem cirurgião deve reconhecer que a força de um cirurgião-cientista reside na sua resiliência, paixão e perspetiva. O sucesso será determinado pela sua capacidade de integrar o seu trabalho clínico com a sua linha de investigação e com a sua vida pessoal.

21 jan-Abr 2024 | Coração e Vasos

Revascularização aberta

das artérias intestinais: indicações e técnicas

cirurgia de revascularização das artérias viscerais teve uma mudança de paradigma nas últimas três décadas, com a implementação das técnicas endovasculares. A angioplastia e stenting das artérias digestivas é, na atualidade, aceite como a modalidade cirúrgica de primeira linha na grande maioria dos doentes, uma vez que, em virtude da sua natureza menos invasiva, associa-se a uma menor taxa de morbilidade e mortalidade, internamentos mais curtos e recuperação pós-operatória mais célere do que a cirurgia convencional. Não obstante, tem uma durabilidade inferior, que se traduz por taxas mais elevadas de recorrência dos sintomas e de necessidade de reintervenção.

Por conseguinte, a cirurgia aberta das artérias viscerais deve ser reservada para os casos anatomicamente desfavoráveis para cirurgia endovascular, falências de tratamentos endovasculares prévios ou casos selecionados de doentes jovens com bom risco cirúrgico, assumindo que o aumento da permeabilidade a longo prazo das reconstruções vasculares efetuadas compensa o risco mais elevado de complicações perioperatórias.

rizada, o que o torna num procedimento adequado mesmo para doentes de risco cirúrgico mais elevado.

No entanto, a aorta infrarrenal e artérias ilíacas primitivas estão frequentemente envolvidas por doença aterosclerótica, com a presença de placas calcificadas, por vezes, circunferenciais, que impossibilitam a realização de uma anastomose e a sua utilização como inflow para bypass

O domínio das técnicas de cirurgia convencional das artérias digestivas mantém-se como uma ferramenta imprescindível no armamentário do cirurgião vascular.

ta a complexidade da intervenção e, consequentemente, os índices de morbimortalidade. Nos casos em que se opte pela cirurgia concomitante, a realização de um bypass retrógrado entre o enxerto aórtico e a artéria mesentérica superior constitui a solução mais simples e adequada.

A síndrome de má-perfusão visceral no contexto de dissecção aórtica é outra situação na qual a revascularização convencional das artérias digestivas pode desempenhar um papel decisivo. Embora, por princípio, o tratamento da dissecção aórtica deva começar pela reparação central da aorta, nos casos em que exista um quadro de isquemia mesentérica instalado, a resolução desta condição pode ser prioritária. Na atualidade, a revascularização das artérias viscerais, neste contexto, pode ser efetuada de forma endovascular, com recurso a técnicas de stenting das artérias alvo e de fenestração aórtica.

A escolha do tipo de revascularização mais adequada depende, fundamentalmente, das características anatómicas das lesões das artérias viscerais e do respetivo setor aortoilíaco, das comorbilidades do doente e da preferência do cirurgião.

O bypass retrógrado com inflow no segmento distal da aorta ou numa das artérias ilíacas primitivas constitui a opção mais simples, rápida, com menor impacto hemodinâmico e com a vantagem de ser efetuada num território com o qual a maioria dos cirurgiões vasculares está familia-

Nestes casos, a alternativa natural é a realização de um bypass anterógrado a partir da aorta supracelíaca, cujo envolvimento pelo processo aterosclerótico é bastante mais raro. Trata-se, contudo, de um procedimento mais complexo e com maior impacto hemodinâmico, associado à clampagem supracelíaca, que, portanto, deverá ser reservado para doentes de baixo risco cirúrgico.

A revascularização mesentérica concomitante com outros procedimentos de cirurgia aórtica convencional constitui outra indicação para a cirurgia aberta das artérias digestivas, embora permaneça, ainda, um assunto controverso. Se, por um lado, as alterações fisiológicas e hemodinâmicas, assim como a potencial disrupção da rede de circulação colateral, inerentes à cirurgia aórtica podem precipitar um quadro de isquemia mesentérica aguda, por outro lado, a realização dos dois procedimentos em simultâneo aumen-

No entanto, nos casos em que o tratamento endovascular não for possível ou não pareça adequado, a alternativa mais simples pode passar pela realização de um bypass retrógrado para a mesentérica superior a partir de uma das artérias ilíacas primitivas que se encontre poupada pela dissecção, ou a partir de um enxerto aórtico, após substituição do setor aorto-ilíaco e fenestração da aorta, para garantir um inflow adequado para o bypass

Apesar da mudança de paradigma a que se assistiu nas últimas décadas, com a implementação das técnicas endovasculares na revascularização das artérias viscerais, existe um grupo de doentes para os quais a cirurgia convencional constitui, ainda, a melhor ou mesmo a única opção. Deste modo, o domínio das técnicas de cirurgia convencional das artérias digestivas mantém-se como uma ferramenta imprescindível no armamentário do cirurgião vascular, pelo que o Know-How necessário à sua realização deve ser preservado, aperfeiçoado e estimulado.

22 Coração e Vasos | jan-Abr 2024

OumA POSSíVEL SOLuÇÃO PARA dOENTES COm ANEuRISmAS COmPLExOS dA AORTA – QuANdO, COmO E PORQuê?

Physician Modified

Endografts (PMEG)

tratamento endovascular de aneurismas aórticos que afetam o setor reno-visceral apresenta desafios significativos. Ao contrário dos aneurismas simples da aorta torácica ou abdominal infrarrenal, onde podemos excluir o aneurisma com endopróteses retas ou bifurcadas, nos casos complexos (que envolvem o setor renovisceral ou toracoabdominais), essa abordagem não é viável devido ao risco de isquemia orgânica.

Portanto, é necessário incorporar as artérias viscerais/renais, o que tem levado ao desenvolvimento de técnicas como próteses fenestradas/ramificadas (fbEVAR), utilização de endopróteses paralelas com as suas várias possíveis configurações (chaminés, periscópios ou sandwiches) ou cirurgia híbrida. Entre estas, a fbEVAR tem-se destacado como a abordagem preferencial, substituindo até mesmo a cirurgia aberta, atualmente, na maioria dos casos.

A fbEVAR consiste na utilização de endopróteses com fenestrações ou ramos que permitem incorporar as artérias renais e viscerais, usando stents cobertos para conectar a prótese principal à artéria-alvo. Estas endopróteses implicam, como seria de esperar, um elevado nível de precisão, dado que, se a fenestração ou o ramo estiverem desalinhados com a artéria-alvo, a sua incorporação não é possível, levando a graves consequências para o doente. Deste modo, habitualmente, estas endopróteses são fabricadas por encomenda, à medida do doente (custom-made endografts), através de um processo rigoroso e exaustivo de planeamento e produção.

estão disponíveis em todos os centros devido a restrições regulatórias. Além disso, o tempo de produção pode limitar o seu uso em casos de aneurismas de rápido crescimento ou em casos de urgência.

Uma alternativa viável é a criação de próteses fenestradas e ramificadas pelo próprio cirurgião, conhecidas como Physician Modified EndoGrafts (PMEG). Nestes casos, a modificação é feita sobre uma endoprótese standard reta ou bifurcada.

Embora a técnica PMEG tenha demonstrado resultados promissores, existem preocupações com a sua segurança e eficácia devido à falta de regulamentação e ao risco de erros durante o processo de modificação.

Embora a técnica PMEG tenha demonstrado resultados promissores, especialmente em centros de referência com experiência em fbEVAR, existem preocupações com a sua segurança e eficácia devido à falta de regulamentação e ao risco de erros durante o processo de modificação, uma vez que se trata de uma utilização off-label de uma endoprótese. Para avaliar a sua viabilidade, realizámos inicialmente uma revisão sistemática e meta-análise dos estudos existentes. Dado a maioria da evidência advir de pequenos estudos unicêntricos, procurámos preencher esta falha com a realização de um estudo observacional multicêntrico, em colaboração com centros experientes.

O estudo surgiu de uma colaboração entre os centros Ludwig Maximilian University (LMU) e University of Texas Health Science Center at Houston (UTH), sendo os investigadores principais o Prof. Nikolaos Tsilimparis (LMU), eu próprio (LMU/ULSSM) e o Dr. Gustavo S Oderich (UTH). Os resultados preliminares desse estudo, que incluiu dados de 1274 doentes de 19 centros, demonstraram que em centros especializados a técnica PMEG é segura e eficaz.

Embora altamente eficazes, as endopróteses customizadas requerem um processo de produção demorado (habitualmente, superior a 2 meses) e não

Este processo exige um planeamento meticuloso, incluindo medição precisa dos diâmetros aórticos, posição das artérias-alvo e escolha dos dispositivos necessários. A modificação em si implica um conhecimento profundo do procedimento, assim como da própria engenharia e processo de produção da endoprótese. A técnica envolve desde a abertura e reembainhamento da endoprótese utilizada como base de construção à marcação correta dos locais a realizar as fenestrações/ramos, à realização das fenestrações e do seu reforço (ou de scallops ou ramos), à construção de suturas de redução de calibre (reducing ties) para orientação da prótese e à colocação de marcas rádio-opacas consideradas necessárias para orientação.

No entanto, é importante ressaltar que a técnica PMEG envolve uma escalada de complexidade e de risco face à utilização habitual de próteses customizadas e que não substitui a sua utilização, mas complementa as opções terapêuticas que podemos oferecer aos nossos doentes. O seu papel deve ser criteriosamente avaliado, reservando-se essencialmente para doentes urgentes, em que a utilização de próteses customizadas não é possível e em que outras opções, como a utilização de próteses off-the-shelf, levaria a um elevado compromisso anatómico. É da responsabilidade do cirurgião usufruir das vantagens da tecnologia endovascular com consciência e critério, de forma a proporcionar os melhores resultados para os seus doentes.

23 jan-Abr 2024 | Coração e Vasos

O paciente com trauma

trauma é definido como qualquer dano físico ou psicológico causado a uma pessoa pela própria, por outra pessoa ou objeto, de forma acidental ou propositada. Esta é a maior causa de morte entre o 1.º e o 46.º ano de vida, sendo a 3.ª maior causa de morte, independentemente da idade, a nível mundial.

Mesmo após estes eventos marcantes, os sobreviventes têm de conviver com sequelas que podem envolver a perda de um membro ou de um órgão. Podem ocorrer também casos de dor crónica de difícil tratamento. Para além do impacto físico, ficam também as sequelas psicológicas, como stress pós-traumático, ansiedade e depressão.

Ocorrendo maioritariamente em jovens, estas vidas são “interrompidas” de forma abrupta e precoce, com consequências que podem ficar para o resto das suas vidas. É preciso muito esforço para conseguirem retornar a uma vida “normal”, e não raras vezes com algum grau de incapacidade.

Na história recente, foram realizados grandes avanços na abordagem do paciente de trauma, principalmente em contexto militar, desde o tempo das guerras napoleónicas, das guerras mundiais e até às guerras modernas do século XXI, que, apesar de serem conflitos, promovem

A nossa especialidade de Cirurgia Vascular participa também no tratamento do trauma vascular, isto é, quando há lesão das artérias ou veias das regiões cervical, torácica, abdominal e pélvica ou das extremidades.

Ao longo da história, com a revolução industrial, a proliferação das fábricas e a utilização de máquinas pesadas, até à modernidade, com o aumento da distância, da velocidade e da altura a que nos deslocamos com os meios de transporte modernos, surgem também novas situações em que o trauma pode acontecer, de forma cada vez mais grave e mais frequente.

Por isto, têm sido feitos grandes esforços na prevenção destes acontecimentos com a mitigação do risco e a melhoria das condições de segurança no trabalho, rodoviária, na aviação, pública, assim como em muitas outras áreas.

No entanto, mesmo com estas medidas de prevenção, o trauma acontece.

uma evolução das técnicas e materiais usados no paciente com trauma no que toca ao controlo de hemorragias, tratamento de fraturas e reabilitação. Estas técnicas são depois utilizadas em contexto civil para melhorar a qualidade dos cuidados prestados, salvar mais vidas e mitigar as consequências a longo prazo para os pacientes.

Com isto, surgiu também a necessidade de sistematizar a forma como o paciente de trauma é abordado, nomeadamente com o Advanced Trauma Life Support (ATLS) ou abordagem ABCDE, conhecida por praticamente todos os profissionais de saúde, que aborda o paciente no local ou na sala de reanimação de forma sistemática e sequencial: via aérea, ventilação, circulação, estado neurológico e exposição. Com esta abordagem, são identificados e tratados os problemas por etapas, só se passando para a seguinte com a resolução da an-

terior, o que permite formar uma hierarquia dos problemas, sendo tratados os mais prioritários em primeiro lugar. Desde a introdução deste sistema, a mortalidade por trauma tem sido cada vez menor, nos sítios onde este foi implementado.

Estes pacientes apresentam vários problemas simultâneos, pelo que a sua abordagem é também multidisciplinar, com o envolvimento de várias especialidades – Cirurgia Geral, Ortopedia, Cirurgia Plástica e Reconstrutiva, Cirurgia Cardíaca e Torácica, Cirurgia Vascular, Urologia, Cirurgia Pediátrica, Neurocirurgia, Oftalmologia, Otorrinolaringologia, Radiologia, Imunohemoterapia, Medicina Intensiva e Medicina Física e de Reabilitação –, em que todas trabalham em conjunto, fazendo a sua parte para melhor tratar e reabilitar o paciente de trauma.

A nossa especialidade de Cirurgia Vascular participa também no tratamento do trauma vascular, isto é, quando há lesão das artérias ou veias das regiões cervical, torácica, abdominal e pélvica ou das extremidades. A nossa participação é importante, principalmente no controlo de hemorragias provenientes de grandes vasos, que podem matar rapidamente. Outros casos em que podemos participar são aqueles em que é necessário revascularizar um órgão que tenha perdido a sua perfusão, mais frequentemente nos membros em casos de traumatismos fechados. Para isto, dispomos de múltiplas abordagens e ferramentas da cirurgia convencional ou endovascular para tratar destes pacientes.

Na edição de 2024 do Congresso Novas Fronteiras, falo sobre a participação da Cirurgia Vascular na abordagem do paciente com trauma, com a apresentação de vários casos de trauma vascular abordados no Hospital de Santa Maria pela nossa equipa de Cirurgia Vascular, em conjunto com as várias especialidades que fazem parte da abordagem ao trauma no nosso hospital, partilhando a nossa experiência na abordagem destes casos muitas vezes complexos.

24 Coração e Vasos | jan-Abr 2024

O futuro da abordagem da insuficiência cardíaca

ODuLCe brItO CARDIOLOGISTA. PROFESSORA NA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE LISbOA

futuro do doente com insuficiência cardíaca (IC), de facto, já começou na última década. Avanços recentes notáveis revolucionaram esta área, particularmente em termos de tratamento. Além da melhoria prognóstica aportada por vários fármacos nos doentes com IC e fração de ejeção (FE) diminuída, novos conceitos surgiram, incluindo o de síndrome cardiovascular-renal-metabólica, ligando vias fisiopatológicas e permitindo o desenvolvimento e aplicação de novas terapêuticas, com benefício prognóstico em vários desfechos também em doentes com FE preservada. Adicionalmente, novos tratamentos dirigidos para miocardiopatias específicas revolucionaram áreas para as quais o tratamento era, até há pouco tempo, apenas sintomático.

A tecnologia aplicada à saúde tem permitido, e irá permitir cada vez mais, enormes avanços nas áreas da prevenção, diagnóstico e tratamento. Novos biomarcadores refletindo diferentes vias fisiopatológicas ativadas na IC surgirão e novos fármacos estão continuamente a desenvolver-se. A genómica contribuirá para a identificação de novos fatores de risco cardiovascular e, em paralelo, a Inteligência Artificial tornará mais fácil uma maior aplicação do conceito de Medicina de Precisão, pela identificação de indivíduos com maior risco de desenvolver IC, caracterização rápida de diferentes fenótipos, levando a intervenções cada vez mais precoces, dirigidas e personalizadas, e a previsão de resultados adversos.

deteção precoce de potencial agravamento e facilitando o seu tratamento atempado. A hospitalização do doente com IC, quando necessária, será cada vez mais uma oportunidade para, em ambiente controlado, implementar novas terapêuticas e/ou repensar ou ajustar as já em prática.

O desenvolvimento na área dos dispositivos eletrónicos cardíacos e de novos antiarrítmicos facilitará também o tratamento de muitos doentes com IC.

As intervenções estruturais cardíacas tenderão a ser aplicadas cada vez mais de forma menos invasiva e, por outro lado, a transplantação cardíaca tornar-se-á mais comum nos próximos anos. O futuro do transplante cardíaco é promissor, com o advento de novos medicamentos imunossupressores e estratégias que podem resultar em tolerância (sem necessidade de imunossupressão).

A hospitalização do doente com IC, quando necessária, será cada vez mais uma oportunidade para, em ambiente controlado, implementar novas terapêuticas e/ou repensar ou ajustar as já em prática.

A monitorização remota tornar-se-á acessível a um número crescente de doentes, permitindo

Também, à medida que a preservação ex-vivo se consolida, poderemos testemunhar uma expansão do conjunto de dadores através do uso de dadores DCD (doação após morte cardiocirculatória), a qual pode aumentar substancialmente o

número de corações disponíveis para transplante, diminuindo a mortalidade na lista de espera. No transplante cardíaco, a fronteira é um desafio multifacetado – recetores, dadores, imunossupressão, suporte mecânico, tolerância e genómica.

O futuro exigirá a necessidade de estratégias bem conduzidas para a implementação das terapêuticas existentes e já comprovadamente benéficas. Em paralelo, será necessário quer a adaptação dos profissionais a uma realidade diversificada e sempre crescente de conteúdos e tecnologias, quer uma gestão organizada, focada e equitativa em termos de oferta de cuidados de saúde.

Suporte bibliográfico:

- Koomalsingh K, Kobashigawa JA. The future of cardiac transplantation. Ann Cardiothorac Surg. 2018 Jan;7(1):135-142. doi: 10.21037/acs.2017.12.02. PMID: 29492391; PMCID: PMC5827123.

- Mebazaa A, Davison B, Chioncel O, et al. Safety, tolerability and efficacy of up-titration of guideline-directed medical therapies for acute heart failure (STRONG-HF): a multinational, open-label, randomised, trial. Lancet. 2022 Dec 3;400(10367):1938-1952. doi: 10.1016/S01406736(22)02076-1. Epub 2022 Nov 7. PMID: 36356631.

- https://www.hcplive.com/view/experts-perspectives-top-news-in-cardiology-for-2023.

- Lam, C.S.P., Docherty, K.F., Ho, J.E. et al. Recent successes in heart failure treatment. Nat Med 29, 2424–2437 (2023). https://doi.org/10.1038/s41591-023-02567-2.

- Jacob N. Schroder, Chetan B. Patel, Adam D. DeVore, et al. Transplantation Outcomes with Donor Hearts after Circulatory Death. N Engl J Med 2023; 388:2121-2131 DOI: 10.1056/NEJMoa2212438.

- Khan MS, Arshad MS, Greene SJ, et al. Artificial intelligence and heart failure: A state-of-the-art review. Eur J Heart Fail. 2023;25(9):1507-1525. doi: 10.1002/ejhf.2994. Epub 2023 Sep 8. PMID: 37560778.

- Crea F. Beyond traditional cardiovascular risk factors: exploring the hidden side of the moon. Eur Heart J. 2024 Feb 7;45(6):407-410. doi: 10.1093/eurheartj/ehae055. PMID: 38324716.

25 jan-Abr 2024 | Coração e Vasos

QReabilitação cardiovascular: que novidades em 2024?

uais são as novidades em reabilitação cardiovascular?

A reabilitação cardíaca começou há muitos anos, com um treino de exercício que pretendia melhorar a capacidade funcional dos doentes cardíacos. Posteriormente, evoluiu e passou a uma intervenção mais abrangente, incluindo os vários componentes necessários à prevenção cardiovascular secundária, isto é, após evento cardiovascular, com uma equipa multidisciplinar trabalhando de forma articulada.

A gestão dos fatores de risco cardiovasculares, a avaliação e a intervenção nutricional, a avaliação e a intervenção psicológica, a prescrição de um programa de exercício adequado, o controlo da adesão à terapêutica e à modificação do estilo de vida, a educação para a doença e para a saúde cardiovascular são parte integral de um programa de reabilitação cardiovascular.

oncológicos sob quimioterapia, após terapêutica cirúrgica, radioterapia ou quimioterapia, doentes com demências ou depressões e até doentes da chamada prevenção primária, ainda sem evento cardiovascular, mas de alto risco cardiovascular, como os diabéticos, obesos e hipertensos, a reabilitação deve ser uma realidade na qual é necessário investir.

O futuro da reabilitação cardiovascular resume-se a algumas palavras:
Personalização, Precisão, Automonitorização, Integração, Digitalização.

Atualmente, um dos grandes desafios da reabilitação envolve programas mais específicos destinados a populações que subutilizam ou ainda não utilizam esta intervenção na prática clínica. Para mulheres, idosos e grupos socioeconómicos mais desfavorecidos, é necessário construir programas que aumentem a adesão aos mesmos e promovam uma vida mais saudável, de acordo com os gostos pessoais e apostando na precisão e personalização.

Em relação a grupos de doentes cardíacos submetidos a intervenções, como após colocação de próteses percutâneas aórticas ou mitrais, após revascularização miocárdica completa ou incompleta, ou com situações de maior gravidade, como a hipertensão pulmonar primária, doentes

Outro desafio com respostas em franco desenvolvimento são as plataformas e os dispositivos que permitem realizar avaliação, monitorização e supervisão à distância de um programa integral de reabilitação cardiovascular, incluindo o programa de exercício e a educação para a saúde. Existem formas já testadas, que foram desenvolvidas mais rapidamente devido ao problema do isolamento social gerado pela pandemia covid-19, para realizar exercício em segurança com visualização bidirecional e acompanhamento à distância, monitorizando, sempre que necessário, parâmetros de frequência cardíaca, pressão arterial, oximetria e até de glicemia, e o próprio eletrocardiograma.

Para uso em exercício de manutenção, os acelerómetros e os relógios permitem-nos monitorizar programas, sua progressão e adesão aos

mesmos, com o ensino dos doentes à automonitorização. Para aumento de literacia em saúde existem hoje inúmeros materiais simples em plataformas digitais, acessíveis através de um smartwatch, cada vez mais utilizado, não só pelos jovens, mas por vários idosos. Estes meios são fundamentais para a independência e segurança dos doentes cardiovasculares, que não devem ficar completamente dependentes do hospital e de centros de reabilitação para o resto da vida. Contudo, a reabilitação cardiovascular deve ser para toda a vida, sendo para tal necessário um suporte e uma motivação constante.

Ainda no campo específico da insuficiência cardíaca, sabe-se de há muito a relevância da reabilitação cardiovascular com a melhoria da capacidade funcional, status psicológico e nutricional, redução de agudizações e internamentos hospitalares. A maioria dos estudos realizados refere-se a doentes com insuficiência cardíaca e fração de ejeção reduzida. Sabe-se hoje que doentes com insuficiência cardíaca e fração de ejeção preservada têm benefícios marcados com programas de reabilitação cardiovascular ajustados à sua situação. Sendo a insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada um grupo tão vasto e heterogéneo de doentes, o grande desafio será a sua referenciação e adesão a programas desenhados para grupos específicos diferentes identificados dentro desta síndrome.

O futuro da reabilitação cardiovascular resume-se a algumas palavras: Personalização, Precisão, Automonitorização, Integração, Digitalização.

26 Coração e Vasos | jan-Abr 2024
ANA Abreu COORDENADORA DO PROGRAMA DE REAbILITAçãO CARDIOVASCULAR SERVIçO DE CARDIOLOGIA DA ULS DE SANTA MARIA

Obesidade e Coração: um desafio permanente, um futuro promissor

ANAbeLA rAImuNDO

INTERNISTA. MEMbRO DA DIREçãO DA SOC. PORT. ATEROSCLEROSE

RESP. CONSULTA PREV. RISCO CARDIOV E CONSULTA DISLIPID HEREDITáRIAS, H. DA LUZ LISbOA

RESP. CONSULTA DISLIPID. HEREDITáRIAS, CENTRO PREV. CARDIOV E TROMbOSE,TORRES DE LISbOA, H. DA LUZ

Aobesidade e o excesso de peso afetam cerca de 56% dos portugueses, sendo a etiologia de múltiplas patologias, nomeadamente as doenças cardiovasculares. Infelizmente, as políticas de saúde implementadas nas últimas décadas têm sido impotentes para travar o seu crescimento exponencial.

O conceito de que a obesidade é uma sindemia, que decorre da interação entre o ambiente micro e o macro, família vs sociedade, que se potenciam mutuamente, desencadeando um processo difícil de controlar, tem vindo a ser desenvolvido como matriz para a elaboração de políticas que permitam ajudar a contrariar este fenómeno.

cardiomiócitos, células musculares lisas e células endoteliais para reduzir a inflamação e o stresse oxidativo, que são os mecanismos conhecidos subjacentes à maioria das condições cardiovasculares e cerebrovasculares e nas quais a obesidade parece ter um papel.

A obesidade, pelas implicações que tem, será uma doença definidora do século XXI.

No entanto, apesar das dificuldades que se perfilam no horizonte, os últimos 5 anos trouxeram-nos uma revolução no seguimento e tratamento farmacológico da obesidade e do seu impacto na doença cardiovascular, com o aparecimento dos agonistas da GLP1, que melhoram o prognóstico cardiocerebrovascular. Perspetiva-se a aprovação de muito mais fármacos nesta área, que assentam em associações de mecanismos e/ou de moléculas, representando co-agonismos, duplos, triplos e associações de moléculas, que se baseiam no agonismo das incretinas. São exemplo a tirzepatida (co-agonismo GIP/GLP1), CagriSema (agonista GLP1/análogo de longa ação da amilina) e, por fim, o retatrutide (triplo co-agonismo GIP/GLP1/glucagon).

Os aGLP1 representam uma revolução na abordagem do doente obeso com doença cardiovascular, pois, parecem exercer efeitos pleiotrópicos sobre o sistema cardiovascular que vão além da redução de peso. Especificamente, esta classe atua diretamente nas células, incluindo

Estes dados traduziram-se nos resultados dos estudos STEP HFpEF e SELECT. No ensaio clínico STEP HFpEF (Semaglutide in Patients with Heart Failure with Preserved Ejection Fraction and Obesity), publicado em setembro de 2023, semaglutido 2,4 mg/semana SC contra placebo mostrou uma redução dos sintomas de IC e melhoria na prova de marcha de 6 minutos. Já em novembro de 2023, foi publicado o ensaio SELECT (Semaglutide Effects on Heart Disease and Stroke in Patients with Overweight or Obesity). Foi o primeiro estudo especificamente desenhado para avaliar o papel dos aGLP1 na prevenção de eventos cardiocerebrovasculares em pacientes com DCV preexistentes e excesso de pedo ou obesidade. O objetivo primário, o composto de morte CV, enfarte do miocárdio não fatal ou acidente vascular cerebral, atingiu o objetivo primário, mostrando redução de 20% eventos cardiocerebrovasculares, em comparação com placebo.

Com estes resultados, estes fármacos passaram a pertencer ao armamentário terapêutico dos doentes com doença cardíaca, pelo que o seu manejo representa uma necessidade de uma estreita colaboração entre a Cardiologia e as di-

ferentes especialidades que tratam a obesidade, nomeadamente a Medicina Interna e a Endocrinologia.

Esta multidisciplinaridade, felizmente, já existe em muitos centros, mas terá de ser aprofundada. A sua implementação permitirá, de forma muito mais eficaz e eficiente, “close the gap” entre o conhecimento e a implementação de estratégias ganhadoras de prevenção, seguimento e terapêutica do doente cardiovascular.

Mas com grande poder vem a grande responsabilidade e, mais uma vez, a maneira como gerimos a utilização das novas classes farmacológicas é um dos pontos que tem de ser seriamente discutido, quer por questões de sustentabilidade, quer por questões de equidade. O futuro está à nossa frente, depois de anos sem terapêuticas que nos permitissem tratar e melhorar o prognóstico dos doentes com obesidade.

Uma enorme quantidade de fármacos tem o potencial não só de tratar a obesidade como de melhorar a saúde cardiovascular destes doentes, e isto é uma enorme oportunidade mas também um enorme desafio socioeconómico, inclusive à escala planetária, e este desafio moldará a saúde da população e a esperança de vida nas próximas décadas. Não podemos subestimar a verdadeira escala e ameaça que esta representa.

A obesidade, pelas implicações que tem, será uma doença definidora do século XXI.

27 jan-Abr 2024 | Coração e Vasos

SESSÃO CETERA dEbATE NOVOS hORIzONTES

O futuro da Investigação Clínica

AInvestigação Clínica (IC) na área cardiovascular em Portugal tem testemunhado avanços consideráveis nos últimos anos, o que significa que se tem tornado cada vez mais fundamental trabalhar na capacitação dos centros de investigação onde ela é levada a cabo; dos investigadores e das equipas que estes lideram. Esta tem sido uma das principais missões da CETERA desde a sua fundação, em 2013: garantir que todas as equipas de investigação conhecem os procedimentos e etapas de implementação e condução dos diferentes tipos de estudos clínicos, compreendem as várias exigências éticas e regulamentares e reconhecem as suas responsabilidades de acordo com as Boas Práticas Clínicas.

Pela segunda vez, o Congresso Novas Fronteiras em Medicina Cardiovascular terá uma sessão dedicada à Investigação Clínica, organizada pela CETERA, moderada por mim e por Catarina Sousa, assistente hospitalar graduada no Serviço de Cardiologia da ULS de Santa Maria, e que tem como objetivo trazer para a discussão a reflexão sobre algumas das questões essenciais no atual cenário da condução de estudos clínicos.

1) Serão Ensaios Descentralizados o Futuro? Qual o Panorama Português?

Inês Amaral, Portfolio Facilitator na rede europeia Connect4Children, procurará apresentar,

de forma sucinta e objetiva, o conceito de ensaios clínicos descentralizados, bem como o seu potencial para revolucionar a forma como conduzimos os estudos clínicos, tornando-os mais acessíveis e inclusivos. Na mesma ocasião, Inês discriminará as atuais orientações europeias para a implementação de ensaios clínicos descentralizados e fará uma análise perspicaz do panorama português, destacando desafios e oportunidades.

2) Estratégias de otimização da Relação / Cooperação Promotor-Equipas Beatriz Santos, aluna de Comunicação, irá apresentar o seu projeto de tese de Mestrado, onde aborda a crucial importância da cooperação efetiva entre os diferentes promotores dos estudos clínicos e as equipas de investigação. Beatriz apresentará ferramentas práticas que se destinam a otimizar a relação entre todos os intervenientes, promovendo

uma comunicação aberta e eficaz e uma clara definição das responsabilidades de cada um. Esta interação é absolutamente fundamental para o sucesso de qualquer projeto de investigação clínica, desde o seu início até à última etapa do processo.

3) Estudos de Iniciativa do Investigador: Desafios e Inovação

Pelo segundo ano consecutivo, a CETERA considera fundamental dar voz a investigadores que, apesar de todos os constrangimentos e dificuldades do atual panorama científico nacional, continuam, de forma proativa, a investir na prossecução de projetos relevantes. Tiago Velho, cirurgião cardiotorácico da ULS de Santa Maria e investigador do CCUL-Rise, explorará os desafios e oportunidades apresentadas pelos estudos de iniciativa do investigador. Estes projetos independentes impulsionam a inovação na investigação clínica enquanto enfrentam desafios significativos, que vão desde a obtenção de financiamento até à implementação e coordenação do mesmo.

Com estes três temas, que consideramos bastante relevantes, atuais e transversais, pretendemos despertar os profissionais da área cardiovascular para estas problemáticas. E, desta forma, incentivá-los a prosseguir o futuro da investigação clínica com confiança e excelência.

28 Coração e Vasos | jan-Abr 2024
FrANCISCA PAtuLeIA FIGueIrAS DIRETORA DE OPERAçõES CLíNICAS, CRO CETERA. PROF.ª AUxILIAR CONVIDADA, FMUL. INVESTIGADORA INTEGRADA – CCUL@RISE Catarina Sousa Inês Amaral beatriz Santos Tiago Velho

Os 3 artigos finalistas da 7.ª edição

Nestas páginas, publicam-se os resumos dos artigos selecionados pelo Júri do Prémio AIdFm-CETERA. Os primeiros autores serão premiados com 3000 euros, assim distribuído: 1.º - 1750 €, 2.º - 750 €, 3.º - 500 €. Aquele que tiver sido considerado o melhor artigo publicado em 2023 na área cardiovascular será conhecido durante o xIV Congresso Novas Fronteiras.

Caracterização de variantes raras no gene LDLR através de microscopia de alto rendimento

GENETICISTA MOLECULAR NA GENOMED –DIAGNóSTICOS DE MEDICINA MOLECULAR, SA

Quando, em 2017, iniciei o meu projeto de doutoramento no grupo de investigação da Doutora Mafalda Bourbon, no Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, o Estudo Português de Hipercolesterolemia Familiar (EPHF) já decorria há 18 anos. Contudo, e apesar de se tratar de um estudo já maior de idade, esta doença era-me, tal como para a generalidade da população, completamente desconhecida.

A hipercolesterolemia familiar (HF) é a doença genética e hereditária mais comum do metabolismo lipídico, com uma prevalência estimada de 1:250 na maioria das populações europeias. Aplicando esta prevalência a Portugal, teremos cerca de 40 mil casos. No entanto, apenas 2,5% destes casos estão identificados no EPHF. Estamos, por-

tanto, na presença de uma doença altamente subdiagnosticada e subtratada. Clinicamente, a HF é caracterizada por elevados níveis de colesterol desde o nascimento, levando ao aparecimento de aterosclerose e de doenças cardiovasculares precoces. Em crianças, a HF deve ser considerada quando o colesterol LDL é ≥ 160 mg/dl e nos adultos quando o colesterol LDL é ≥ 190 mg/dl. Frequentemente subvalorizado, o aumento do colesterol LDL é admitido como normal, menosprezando o seu efeito a longo prazo na doença cardiovascular.

O diagnóstico definitivo de HF é alcançado com a identificação de uma variante patogénica ou provavelmente patogénica num dos três genes causadores da doença -- LDLR, APOB e PCSK9 --, estando mais de 90% dos casos de doença associados ao gene LDLR, o principal responsável pela remoção do LDL circulante. O número de variantes genéticas identificadas neste gene está em constante crescimento, estando, até ao momento, descritas mais de 3500. O elevado número de variantes de significado clínico incerto, que não devem ser usadas para tomada de decisão clínica, é um dos maiores obstáculos para se alcançar um diagnóstico definitivo de HF, sendo este diagnóstico, juntamente com um tratamento adequado, o mecanismo chave para a redução do risco cardíaco acumulado característico dos doentes de HF.

Foi neste contexto de necessidade que surgiu o presente artigo, cujo objetivo foi estabelecer e otimizar uma metodologia de alto rendimento que permita a caracterização funcional de variantes no gene LDLR de forma expedita e eficaz. Neste artigo(1), publicado na revista Journal of the American College of Cardiology: Basic to Translational Science, a metodologia proposta apresenta um método económico e rápido de caracterização funcional de variantes raras de interesse, ajudando a diferenciar variantes raras que são clinicamente relevantes daquelas que são benignas, um dos grandes desafios da genética contemporânea.

Para isso, juntámos o melhor de dois mundos, unindo numa nova e elegante metodologia os melhores atributos de duas metodologias distintas: a velocidade da microscopia de alto rendimento e o

sistema biológico “limpo” utilizado nos ensaios tradicionais de caracterização de LDLR. Foram caracterizados dois grupos de variantes: (1) grupo de controlo, com 27 variantes, onde nenhuma variante foi erroneamente classificada; (2) grupo de teste, com 19 novas variantes funcionalmente caracterizadas pela primeira vez -- 11 exibindo função anormal, cinco exibindo função normal e três para as quais não foi possível chegar a uma classificação final.

Os testes genéticos desempenham um papel preponderante na avaliação clínica e no tratamento de pessoas com HF e respetivas famílias. Contudo, em muitos casos, a análise genética e um diagnóstico definitivo de HF esbarram na identificação de variantes de significado clínico incerto. Aqui, propomos uma metodologia que permite caracterizar rapidamente o perfil funcional de um elevado número de variantes, ajudando a ultrapassar um dos maiores obstáculos no diagnóstico desta doença. Se aplicado corretamente, o trabalho levado a cabo neste artigo será uma ferramenta valiosa para a caracterização funcional sistemática de variantes no gene LDLR, com potencial para ajudar inúmeras pessoas em todo o mundo a alcançar um diagnóstico definitivo de HF, levando à otimização dos seus tratamentos e a um melhor prognóstico.

Referência:

1. High-Throughput Microscopy Characterization of Rare LDLR Variants. JACC Basic Transl Sci. 2023 Jun 28;8(8):1010-1021. doi: 10.1016/j. jacbts.2023.03.013.

COAutOreS:

ANA C. ALVeS [1,2] , mAGDALeNA zImON [3,4] , rAINer PePPerkOk [4,5] , mAFALDA bOurbON [1,2]

[1] UNIDADE DE INVESTIGAçãO E DESENVOLVIMENTO, GRUPO DE INVESTIGAçãO CARDIOVASCULAR, DEPARTAMENTO DE PROMOçãO DA SAúDE E PREVENçãO DE DOENçAS NãO TRANSMISSíVEIS, INSTITUTO NACIONAL DE SAúDE DOUTOR RICARDO JORGE, LISbOA. [2] bIOISI - bIOSySTEMS AND INTEGRATIVE SCIENCES INSTITUTE, FACULDADE DE CIêNCIAS, UNIVERSIDADE DE LISbOA. [3] ROCHE DIAbETES CARE GMbH, MANNHEIM. [4] CELL bIOLOGy AND CELL bIOPHySICS UNIT, EMbL HEIDELbERG, HEIDELbERG. [5] ADVANCED LIGHT MICROSCOPy FACILITy, EMbL HEIDELbERG, HEIDELbERG

29 jan-Abr 2024 | Coração e Vasos

Combinação de arGLP1 com iSGLT2 para redução do risco cardiovascular na diabetes tipo 2

JOãO SérGIO NeVeS

SERVIçO DE ENDOCRINOLOGIA, DIAbETES E METAbOLISMO DA ULS DE SãO JOãO. UNIDADE DE INVESTIGAçãO CARDIOVASCULAR (UNIC@RISE), FMUP

A diabetes tipo 2 (DM2) associa-se a um elevado risco de eventos cardiovasculares adversos. em doentes com DM2 e história de doença cardiovascular aterosclerótica prévia este risco está marcadamente elevado. Até ao momento, duas classes de antidiabéticos demonstraram reduzir o risco de eventos ateroscleróticos na diabetes tipo 2: os agonistas dos recetores do GLP-1 (arGLP1) e os inibidores SGLT2 (iSGLT2).

O estudo “GLP1 Receptor Agonist Therapy with and without SGLT2 inhibitors in Patients with Type 2 Diabetes”, publicado no Journal of American College of Cardiology, em agosto de 2023, teve por objetivo avaliar o impacto da combinação terapêutica de arGLP1 com iSGLT2. Previamente a este estudo, os dados relativos aos efeitos da combinação de arGLP1 com iSGLT2 eram escassos.

A maioria dos fármacos das duas classes terapêuticas foi avaliada em ensaios clínicos que decorreram no mesmo período temporal, o que levou a que o número de participantes incluídos nestes estudos que estivessem simultaneamente tratados com iSGLT2 e arGLP1 fosse reduzido.

Apenas dois estudos, pelo período temporal em que os ensaios clínicos foram realizados, incluíram um número considerável de doentes tratados simultaneamente com os 2 fármacos: “Effect of Efpeglenatide on Cardiovascular Outcomes” (AMPLITUDE-O) e “Effect of Albiglutide, When Added to Standard Blood Glucose Lowering Therapies, on Major Cardiovascular Events in Subjects With Type 2 Diabetes Mellitus” (HARMONY Outcomes), que avaliaram os efeitos cardiovasculares na DM2 dos arGLP1 efpeglenatide e albiglutide, respetivamente. Em conjunto, os dois estudos incluíram 13.538 participantes, dos quais mais de mil (1193, 8,8%) participantes estavam tratados com iSGTL2.

Comparativamente ao placebo, o tratamento com arGLP1 reduziu o risco de enfarte do miocárdio, acidente vascular cerebral ou morte cardiovascular de forma independente da terapêutica com iSGLT2. Resultados similares foram observados para a redução da hospitalização por insuficiência cardíaca. O facto de a redução do risco de eventos cardiovasculares ocorrer quer na ausência, quer na presença de terapêutica prévia com iSGLT2 sugere que a combinação de arGLP1 com iSGLT2 permite reduzir de forma adicional o risco de eventos cardiovasculares.

Estes resultados são clinicamente relevantes atendendo ao elevado risco remanescente de eventos cardiovasculares adversos em doentes com DM2 e alto risco cardiovascular, mesmo

Estes resultados são clinicamente relevantes atendendo ao elevado risco remanescente de eventos cardiovasculares adversos em doentes com DM2 e alto risco cardiovascular, mesmo após terapêutica com iSGLT2.

A ausência de dados robustos sobre esta combinação está relacionada com o processo de desenvolvimento e execução dos ensaios clínicos nestas duas classes terapêuticas.

após terapêutica com iSGLT2. A adição de terapêutica com arGLP1 permite, neste grupo de doentes, um benefício clínico adicional. Estes resul-

tados ajudam a suportar as recentes guidelines da Sociedade Europeia de Cardiologia, publicadas no final de 2023, que recomendam em todos os doentes com DM2 e eventos cardiovascular ateroscleróticos prévios a utilização em combinação da terapêutica com iSGLT2 e arGLP1. Em resumo, o estudo “GLP1 Receptor Agonist Therapy with and without SGLT2 inhibitors in Patients with Type 2 Diabetes” sugere que a adição de arGLP1 a doentes com DM2 medicados com iSGLT2 permite uma redução adicional do risco cardiovascular, o que suporta que a maioria dos doentes com DM2 e alto risco cardiovascular devam ser tratados com esta combinação terapêutica.

COAutOreS:

mArtA bOrGeS-CANHA (1) , FrANCISCO

VASqueS-NóVOA (2) , JeNNIFer

b GreeN (3) , LAWreNCe A

LeIter (4) , CHrIStOPHer b

GrANGer (3) , DAVIDe CArVALHO (5) , ADeLINO

LeIte-mOreIrA (6) , ADrIAN F

HerNANDez (3) , SteFANO DeL

PrAtO (7) , JOHN J V mCmurrAy (8) , JOãO

PeDrO FerreIrA (9)

(1) CARDIOVASCULAR R&D CENTRE-UNIC@RISE, DEPARTAMENTO DE CIRURGIA E FISIOLOGIA DA FMUP; SERVIçO DE ENDOCRINOLOGIA, DIAbETES E METAbOLISMO DA ULS DE SãO JOãO. (2) CARDIOVASCULAR R&D CENTREUNIC@RISE, DEPARTAMENTO DE CIRURGIA E FISIOLOGIA DA FMUP; SERVIçO DE MEDICINA INTERNA DA ULS DE SãO JOãO

(3) DUkE CLINICAL RESEARCH INSTITUTE, DUkE UNIVERSITy SCHOOL OF MEDICINE, DURHAM, NORTH CAROLINA, USA.

(4) LI kA SHING kNOwLEDGE INSTITUTE, ST MICHAEL’S HOSPITAL, UNIVERSITy OF TORONTO, TORONTO, ONTARIO, CANADA. (5) SERVIçO DE ENDOCRINOLOGIA, DIAbETES E METAbOLISMO DA ULS DE SãO JOãO; FMUP; INSTITUTO DE INVESTIGAçãO E INOVAçãO EM SAúDE, UNIVERSIDADE DO PORTO. (6) CARDIOVASCULAR R&D CENTRE-UNIC@ RISE, DEPARTAMENTO DE CIRURGIA E FISIOLOGIA DA FMUP; SERVIçO DE CIRURGIA CARDIOTORáCICA DA ULS DE SãO JOãO. (7) DEPARTMENT OF CLINICAL AND ExPERIMENTAL MEDICINE, UNIVERSITy OF PISA, PISA, ITALy. (8) bRITISH HEART FOUNDATION GLASGOw CARDIOVASCULAR RESEARCH CENTRE, UNIVERSITy OF GLASGOw, GLASGOw, UNITED kINGDOM. (9) CARDIOVASCULAR R&D CENTREUNIC@RISE, DEPARTAMENTO DE CIRURGIA E FISIOLOGIA DA FMUP; UNIVERSITé DE LORRAINE, INSERM, CENTRE D’INVESTIGATIONS CLINIqUES PLURITHéMATIqUE 14-33, AND INSERM U1116, CHRU NANCy, NANCy, F-CRIN INI-CRCT (CARDIOVASCULAR AND RENAL CLINICAL TRIALISTS), NANCy, FRANCE

30 Coração e Vasos | jan-Abr 2024

Prevalência e significado do padrão de preservação apical relativa na estenose valvular aórtica: estudo por ecocardiografia e ressonância magnética cardíaca de doentes referenciados para cirurgia de substituição valvular

CARDIOLOGISTA. ASSISTENTE HOSPITALAR, H. DE SANTA CRUZ, ULS DE LISbOA OCIDENTAL. HOSPITAL LUSíADAS LISbOA. PHD STUDENT, NOVA MEDICAL SCHOOL

As indicações atuais para o tratamento, cirúrgico ou percutâneo, da estenose valvular aórtica (EAo) grave são o aparecimento de sintomas ou, em caso de doentes assintomáticos, o compromisso da fração de ejeção ventricular esquerda. Estas recomendações decorrem do balanço existente entre o risco da intervenção terapêutica e a expectativa da completa reversão do processo patológico no contexto da sobrecarga crónica de pressão. Contudo, a adaptação miocárdica do ventrículo esquerdo (VE), no que respeita a hipertrofia, aos volumes e à função ventricular (remodelagem), é heterogénea em doentes com EAo grave e as mesmas indicações para intervenção.

Para além disso, a regressão desta adaptação após o tratamento não ocorre em todos os doentes, sendo provável que doentes com a mesma indicação clínica para a intervenção estejam em fases distintas de remodelagem do VE. Tal como noutras doenças valvulares, a adaptação ventricular é definidora do prognóstico, sendo estes os elementos determinan-

tes para uma abordagem contemporânea dos doentes, centrada na caracterização valvular detalhada e simultaneamente focada no miocárdio.

No âmbito do programa de Doutoramento em Medicina da Nova Medical School, foi desenvolvido um projeto de investigação dedicado ao estudo da Adaptação morfofuncional do VE em doentes com estenose valvular aórtica grave: correlação entre metodologias de imagem e achados de histomorfologia (n.º 61/2018/CEFCM). Num protocolo prospetivo foram incluídos 158 doentes com EAo grave sintomática, maioritariamente com o fenótipo clássico: gradiente transvalvular elevado, fluxo sistólico e fração de ejeção VE normais, referenciados para cirurgia de substituição valvular (SV) no Hospital de Santa Cruz – Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental.

Todos os doentes efetuaram uma avaliação pré-operatória combinada de ecocardiografia transtorácica (ETT) e ressonância magnética cardíaca (RMC), especificamente dedicada à caracterização funcional e tecidular do VE. Durante a SV foi efetuada biópsia endomiocárdica septal para o estudo de correlação com a caracterização tecidular não invasiva, centrado na adaptação, interstício e fibrose do miocárdio. Os doentes realizaram novamente ETT e RMC entre o 3.º e o 6.º mês após a SV, com o intuito de avaliar a remodelagem reversa após a intervenção e, deste modo, identificar preditores imagiológicos da mesma no estudo pré-operatório.

Na edição de julho de 2023 do European Heart Journal – Cardiovascular Imaging (DOI: 10.1093/ehjci/jead032), publicámos uma análise de parte dos dados do protocolo, especificamente centrada no estudo da função ventricular esquerda para além da fração de ejeção. Avaliámos o padrão e o significado da deformação miocárdica por strain longitudinal bidimensional (2DS) obtido por ETT antes e após a SV.

Embora a coorte estudada seja composta por doentes de baixo risco cirúrgico (mediana de idades de 73 anos, estenose aórtica “clássica” com predomínio de fração de ejeção VE normal, reduzida prevalência de comorbilidades), demonstrámos que existe um compromisso pré-operatório da contratilidade miocárdica, avaliada por 2DS, com melhoria após tratamento cirúrgico. Em 15% dos doentes identificámos o padrão de deformação com preservação apical relativa (“relative apical sparing”, RASP), por maior compromisso da deformação longitudinal dos segmentos basais e médio-ventriculares.

Este grupo em particular compunha-se de doentes com remodelagem ventricular mais avançada (diferenças significativas no que respeita a maior massa ventricular esquerda, pior fração de ejeção VE, doseamentos mais elevados de

NT-proBNP) e maior lesão miocárdica (valores mais elevados de troponina sérica em avaliação ambulatória e maior massa de realce tardio quantificada no estudo de RMC pré-operatória).

Embora o padrão de RASP pudesse fazer suspeitar o diagnóstico concomitante de amiloidose cardíaca, tal como sugerido previamente em doentes idosos com hipertrofia ventricular esquerda, demonstrámos que neste contexto tal não se verifica: i) o estudo por RMC não tinha sinais de infiltração miocárdica; II) o estudo histoquímico da biópsia endomiocárdica destes doentes recorrendo a coloração com Vermelho do Congo e Sodium Alcian Blue foi negativo; III) houve desaparecimento/reversibilidade deste padrão de deformação em todos os doentes exceto dois no ETT após SV.

Os nossos resultados estão na mesma linha de evidência científica, reconhecendo poder de identificação de doentes com maior gravidade clínica, independentemente da fração de ejeção VE, e o valor adicional deste parâmetro na estratificação da lesão cardíaca global neste contexto. O estudo de deformação miocárdica por 2DS, uma ferramenta acessível e de uso rotineiro nos laboratórios de ecocardiografia, pode ser útil na identificação de doentes com EAo grave sintomática e doença ventricular esquerda mais avançada. Isto mesmo para doentes com fenótipo semelhante no que respeita o gradiente transvalvular, a condição de fluxo e a fração de ejeção. Para além disso, e de acordo com o sugerido numa abordagem diagnóstica multiparamétrica, não deveremos centrar a suspeita da presença concomitante de amiloidose cardíaca perante o padrão de deformação RASP nestes doentes.

Em conclusão, este estudo demonstrou que o padrão de deformação longitudinal com preservação apical relativa (RASP) em doentes com EAo grave sintomáticos submetidos a SV não se associa à presença de amiloidose cardíaca, tal como sugerido pelo estudo de RMC pré-operatória e confirmado por biópsia miocárdica. Contudo, este padrão de deformação ocorre em doentes com piores índices de remodelagem VE e fibrose miocárdica, o que provavelmente reflete um estádio mais avançado da doença valvular.

COAutOreS:

PeDrO LOPeS (1) , rItA reIS SANtOS (2) , SérGIO mALtêS (3), SArA GuerreIrO (4) , ANtóNIO FerreIrA (5), PeDrO FreItAS (6) , reGINA rIbeIrAS (7) , mArIA JOãO ANDrADe (8) , rItA tHeIAS mANSO (9), SâNCIA rAmOS (10), VICtOr GIL (2), PIer GIOrGIO mASCI (3) , NuNO CArDIm (4)

[1] HOSPITAL DE SANTA CRUZ, ULS DE LISbOA OCIDENTAL (2) UNIVERSIDADE CATóLICA PORTUGUESA. (3) kING’S COLLEGE LONDON (4) NOVA MEDICAL SCHOOL

31 jan-Abr 2024 | Coração e Vasos

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