7 minute read

Carta aos Professores

Prezada Professora, Prezado Professor,

Certamente vocês já terão lido a edição especial da obra A grande ilusão, adquirida pelo MEC para os estudantes de Ensino Médio e que chega também ao professor de Língua Portuguesa e aos de outras disciplinas desse mesmo nível de sua Escola, convidados também eles a envolver-se com a exploração da literatura, ainda que com enfoques diferentes.

Esperamos que tenham lido também o texto que criamos para os alunos, como apoio a uma segunda leitura da obra, que farão com vocês, e no qual tratamos da caracterização do gênero crônica, da escolha do gênero e da temática, no conjunto da obra do jornalista e escritor Luiz Fernando Emediato, indicando ainda os aspectos mais importantes das composições do livro — crônicas inicialmente publicadas em O Estado de S. Paulo, na década de 1980, nas quais memória e esperança aparecem como temas predominantes.

Com relação à seleção dos textos para esta edição, gostaríamos de ressaltar que dois traços constantes das crônicas nos parecem elementos importantes para conquistar os leitores do Ensino Médio, sobretudo os mais avançados nesse nível de ensino: o primeiro é o diálogo intimista e quase de confidência, em muitos casos, com o leitor; o segundo é a predominância de assuntos que têm muito a ver com o universo juvenil — dúvidas, receios e aspirações — que podem vir de lembranças da infância, de pessoas, ou de acontecimentos do mundo social e político.

Já antecipamos lá, ainda que rapidamente, a conotação como um elemento fundamental das linguagens artísticas, fazendo delas campos abertos às interpretações: assim como a obra de arte não tem uma única leitura, tampouco tem uma única forma de ser analisada. Os enfoques podem ser muitos. Com a literatura (e com as artes, em geral) essa possibilidade é ainda maior.

Seguiremos, na elaboração deste Manual, a própria organização indicada no Edital do MEC/FNDE que definiu a aquisição das obras de literatura, com atividades mais ligadas à Língua Portuguesa, e outras endereçadas aos

professores de outras áreas de estudo. E somente a sua escola, com seu planejamento específico, poderá definir com seus professores se A grande ilusão será explorada em uma só, ou por diferentes áreas de estudo.

Como verão adiante, nossas sugestões de atividades e de abordagem para uns e outros serão diferentes, mas, na nossa visão, tais enfoques podem ser bem distintos, mas são complementares, de modo a realmente oferecer ao aluno a visão mais ampla possível da obra e de seu autor.

Por isso, consideramos fundamental que todos vocês, independentemente de sua área de atuação, leiam todo o Manual e planejem uma ação sempre acertada com o grupo, definindo o que cada professor se sente mais à vontade e interessado em fazer, com relação à obra. Na pior das hipóteses, a discussão do Manual ajudará também a abrir horizontes: todos se enriquecem com esse modelo dialogado, sobretudo os alunos. A bem da verdade, devemos afirmar que, em nossa opinião, a grande maioria dos professores tem total condição de desenvolver sem maiores problemas as atividades propostas para qualquer área.

Em suma, na nossa visão, os objetivos deste Manual, em torno de uma obra bem específica, especialmente esta, que encara de frente questões sociopolíticas e existenciais, se cumprem melhor com as abordagens também de outras vertentes de Linguagens e das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.

Também no texto do aluno, procuramos valorizar tanto a primeira quanto a segunda leitura. É importante salientar com eles o direito que todo fruidor tem de uma primeira leitura sem protocolo, um encontro absolutamente aberto a novidades e a surpresas, como fazem até mesmo os especialistas e críticos: um diálogo desarmado entre autor e leitor. Acreditamos que, nessa primeira leitura, nenhuma “tradução”, nenhuma fala deve interpor-se à do próprio autor com o leitor. Sabemos que essa leitura ajuda enormemente a desenvolver o gosto pela leitura, ainda que, eventualmente, o fruidor não se apaixone especificamente pela obra do momento. O importante é que ele continue procurando as suas obras e seus autores preferidos, estejam ou não na lista da escola.

Mas não se trata de um simples laissez-faire: ao contrário, a liberdade da primeira leitura deve ser seguida de uma segunda, não de todas, mas de algumas obras, com a nossa participação e orientação mais entusiasmada: como tentaremos apontar neste Manual, ela é das melhores oportunidades de aguçar a percepção dos estudantes, quanto à forma de ver o mundo e a vida — neste momento, oferecida pelas crônicas do livro lido e a ser relido.

É uma excelente oportunidade de cada um desenvolver o senso estético e exercer o espírito crítico.

Nesse convite para alargar horizontes, a vislumbrar caminhos para o entendimento de si e dos outros, inseridos numa sociedade, que tem uma história, a própria vivência de vocês é que pode definir, nas muitas opções oferecidas neste Manual, as que serão mais adequadas à sua turma, capazes de ajudar seus alunos a manter o prazer da leitura literária, ou a encontrar a senha para a descoberta desse prazer.

Chegamos a um ponto importante para nós, tratado também naquele texto de apoio: o direito que todos têm de não gostar de determinada obra, e podem, eventualmente, não gostar de ler.

Este é um tema crucial não mencionado aos alunos, mas que, em algum momento, vocês próprios poderão discutir com eles: o pouco envolvimento da sociedade com o ato de ler e as reais oportunidades de leitura, muito desiguais, seja nas famílias, seja nas escolas. Provavelmente, vocês terão enfrentado esse problema, uma vez que, sendo comum a vários países, tem contornos muito graves no Brasil.

Não podemos supor que tais problemas estão superados nos alunos do Ensino Médio. Segundo as pesquisas bem fundamentadas, nem sequer estudantes universitários estão longe dessas dificuldades de leitura: mesmo eles leem pouco, e, muitas vezes, leem mal. E sabemos que a proximidade da entrada no ensino superior ou em um trabalho pode, equivocadamente, criar nos estudantes do Ensino Médio (e às vezes até nos seus professores) a ideia de que a leitura literária é dispensável e que o estudante deve debruçar-se basicamente na leitura informativa e ligada a áreas mais específicas de interesse profissional.

Tal situação, contudo, não pode, de modo algum, diminuir nosso ânimo nem nossa esperança. O que escritores e as pesquisas mundiais nos contam é que, mesmo tardiamente, nas mais diferentes situações de vida, por algum motivo aparentemente improvável, muitas pessoas descobrem uma arte, e a literatura. Esta, de modo muito especial, põe-nos diante de nossa humanidade, e nos convida, insistentemente, a pensar no que somos, o que queremos, para onde caminhamos. Essa humana busca de transcendência, aliás, é uma das marcas mais claras desta obra, A grande ilusão.

Por isso, nossa proposta para vocês, neste momento, é refletirem numa questão primordial, se acreditamos no trabalho com a arte e a literatura, como

formas privilegiadas de ler o mundo: se todas as pessoas e, portanto, cada um de nossos alunos, têm o direito de não gostar de ler, nós, professores, não podemos deixar de cumprir nosso dever de facilitar aos alunos o encontro com a literatura. Essa função nos cabe, e por nenhum motivo ou pretexto podemos descurar dela. Insistimos sempre que essa é uma missão: apresentar-lhes a arte, especialmente a literatura, da melhor maneira possível. Oferecido o banquete, nosso aluno pode não querer alimentar-se dele, mas não podemos deixar de lhe oferecer o alimento. E lembramos: quanto mais adiantados nos estudos, menos tempo teremos para cumprir essa missão com os alunos do momento — e não há tempo a perder.

Por isso mesmo, gostaríamos de propor algo que poderá parecer inusitado, ou impertinente, mas que condiz com nossa forma de entender o trabalho com arte e com literatura: para tornar mais amplo e diversificado o campo das opções da leitura literária, propomos que, ao lado de A grande ilusão, pensem na possibilidade de oferecer aos alunos outros livros de crônicas, por exemplo, que tenham, também, inegável valor literário e permitam um trabalho similar ao que propomos para a obra referida. Sabemos que, em geral, os pouco afeitos à leitura literária, pelos mais diferentes motivos, costumam se dar melhor na leitura de gêneros mais curtos, como a crônica e o conto, que permitem momentos mais breves e esparsos de leitura. Mas pode, eventualmente, dar-se o inverso. Em momentos deste Manual, são propostas leituras mais extensas, porque não podemos nos esquecer de que milagres acontecem, nesses encontros com a arte...

Esperamos que a leitura do nosso A grande ilusão traga para seus alunos, tanto quanto para vocês, bons momentos de lembranças, de reflexões e de discussões, e que todos saiam mais ricos e mais dispostos a novas interpretações e a novos entendimentos do mundo e da vida.

Equipe Técnica da Geração Editorial