A morte e a morte de Quincas Berro D'água

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A MORTE E A MORTE...

Os primeiros tragos despertaram nos quatro amigos um acentuado espírito crítico. Aquela família de Quincas, tão metida a sebo, revelara-se mesquinha e avarenta. Fizera tudo pela metade. Onde as cadeiras para as visitas sentarem? Onde as bebidas e comidas habituais, mesmo em velórios pobres? Cabo Martim comparecera a muita sentinela de defunto, nunca vira uma tão vazia de animação. Mesmo nas mais pobres serviam pelo menos um cafezinho e um gole de cachaça. Quincas não merecia tal tratamento. De que adiantava arrotar importância e deixar o morto naquela humilhação, sem nada para oferecer aos amigos? Curió e Péde-Vento saíram em busca de assentos e mantimentos. Cabo Martim achava necessário organizar o velório com um mínimo de decência, pelo menos. Sentado na cadeira, dava ordens: caixões e garrafas. Negro Pastinha ocupara o caixão de querosene, aprovava com a cabeça. Devia-se confessar que, em relação ao cadáver propriamente dito, a família comportara-se bem. Roupa nova, sapatos novos, uma elegância. E velas bonitas, das de igreja. Ainda assim haviam esquecido as flores, onde já se viu cadáver sem flores? – Está um senhor – gabou Negro Pastinha. – Um defunto porreta! Quincas sorriu com o elogio, o negro retribuiu-lhe o sorriso: – Paizinho... – disse comovido e cutucou-lhe as costelas com o dedo, como costumava fazer ao ouvir uma boa piada de Quincas. Curió e Pé-de-Vento voltaram com caixões, um pedaço de salame e algumas garrafas cheias. Fizeram um semicírculo em torno ao morto e então Curió propôs rezarem em conjunto o Padre-Nosso. Conseguira, num surpreendente esforço 62


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