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1000 Miglia

Uma dupla brasileira viveu o sonho de participar de uma das mais icônicas e tradicionais provas de automobilismo do mundo, a 1000 Miglia. Vicente Levy e Mauricio Marx nos mostram como é a prova por dentro e Vicente narra a história, que é cheia de emoção
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Brasileiros na 1000 Miglia
La corsa più bella del mondo

Mau, venha tomar um café comigo aqui na Suíça quando estiver a caminho da Itália, hein! E se precisar de um navegador, me avisa!” Pra mim, foi assim que essa aventura começou... ç
A aventura começou, na realidade, muitos anos antes: ao completar 18 anos de idade, Mauricio Marx ganhou de seu pai o “Véio Zuza”, o carismático Porsche 356 que já virou personagem muito conhecido dos amigomobilistas.
Em um movimento de volta às origens, o Véio Zuza foi comemorar seu aniversário de 70 anos lá em Stuttgart nesse começo de ano, acompanhado do Mau. E claro, essa dupla brasileira motorizada na Europa fez tamanho sucesso que foi convidada especial do main sponsor do 1000 Miglia a prestigiar o rallye! Um antigo sonho de Flávio Marx, o pai do Mau, de estar com a sua família na corsa più bella del mondo, tomava forma!
Pois bem, no sábado que antecedeu à 1000 Miglia, Mau e Véio Zuza me encontraram em Zürich, na Suíça, por volta das 22h00, vindos de Stuttgart, na Alemanha, já no finalzinho de luz de um típico dia de primavera.
Deixamos a cidade rumo a Brescia, na Itália, com ideia de rodarmos um pouco e acharmos um lugar para dormir fora do centro urbano. Porém, com a linda lua cheia, o Véio Zuza de capota aberta e uma atmosfera envolvente, embarcamos em uma viagem inesquecível: cruzamos o lago de Lucerna e, então, os Alpes Suíços, madrugada afora! Horas com farol apagado nas pequenas estradinhas vicinais, sob a luz da lua cheia, vendo os contornos das imensas montanhas. Horas parando para curtir o vento e a

Vicente e o Véio Zuza nas estradas dos Alpes Suíços
noite. No raiar do dia, paramos às margens do lago de Lugano e por lá achamos um hotel. Experiência incrível, digna mesmo do inicio de uma jornada à 1000 Miglia.
Por obra do destino, encontramos lá em Lugano meu irmão Ricardo. Demos uma banda pela cidade no Véio Zuza, uma espiada em um evento de carros clássicos americanos às margens do lago e então pegamos a estrada. Serpenteando o lago de Como, sempre com a capota aberta e com um visual cinematográfico, cruzamos a fronteira para a Itália. Parada para abastecer no posto: benzina senza piombo pro Véio Zuza, sanduíche de prosciuto crudo pra gente, e viva a Itália! E claro, Véio Zuza fazendo amizades, gerando sorrisos por todo lado, com sua placa do Brasil que também causava espanto: mas esse carrinho aí veio do Brasiiiiil???

Chegando em Brescia, direto para a Piazza delle Vittoria, onde é feita a largada da prova. Mauricio ao volante
Chegamos por volta das 19h00 em Brescia: direto à Piazza delle Vitoria, cuore della 1000 Miglia e de onde se dá todo ano a largada dos carros em meio ao centro antigo. A cidade toda com bandeirinhas e faixas, inúmeras lojas locais exibindo coleções de fotos e carrinhos miniatura que participaram das antigas edições da prova, um clima único de adoração, devoção e celebração como só os italianos tem pelas máquinas e pelas corridas. Todos muito receptivos e incrivelmente simpáticos conosco!
As edições originais da 1000 Miglia ocorreram entre os anos de 1927 e 1957. Nas edições modernas, é prérequisito aos carros elegíveis que o modelo/configuração tenha participado de uma das corridas originais, passando por uma criteriosa análise de documentação de originalidade, e, enfim, por uma vistoria técnica na qual o carro todo é examinado pelos peritos já na Fiera, com todos os itens de funcionamento e originalidade minuciosamente checados. ç


Os carros são vistoriados na Fiera, uma enorme exposição. Acima, um Aston Martin 2L Spa Special de 1936
Na segunda-feira começam a chegar os carros, todos se concentrando na Fiera, que é um enorme espaço de exposição na préprova. É um outro mundo: uma concentração de mais de 400 carros históricos, belíssimos, muito especiais mesmo, vários dos quais tendo participado de edições das provas na primeira metade do século XX! Gentleman drivers e suas equipes de apoio, em uma atmosfera que une paixão ardente, integrando famílias e mantendo tradição com gasolina correndo nas veias. Pilotos italianos, europeus, americanos, asiáticos, todos em uma verdadeira devoção às máquinas, em um ambiente misto de glamour e suor, tesão e tensão. E o mais incrível: você pode estar lá com Maserati, Osca, Bugatti, Alfa Romeo, Cisitalia, Lancia, Ferrari, Fiat, Moretti, Bentley, Jaguar, Rolls Royce, Aston Martin, MG, Austin Healey, Triumph, Mercedes Benz, BMW, Porsche, Nash, Chrysler, Lincoln, Delahaye, Allard, Lagonda, Citroen, SiataI, Peugeot, Renault, Simca, Rover, apenas citando os que me recordo aqui, com carros cujo valor varia de algumas dezenas de milhares a vários milhões de euros, integrados e partilhando a mesma atmosfera e emoção da 1000 Miglia! Ahhh, a Europa definitivamente é um ambiente incrível para os apaixonados pelos clássicos!
Realmente, “a lifetime experience”: passei as minhas primeiras horas na Fiera boquiaberto, quase num transe, em meio a tudo aquilo. Na minha vida, um divisor de águas, carros que eu só conhecia por livros, muitos outros eu sequer sabia que existiam (os mais especiais, concluí...) e muita gente bacana. Muita observação e aprendizado. E dedicamos dois deliciosos dias nesse ambiente.

Na Fiero, carros com vasto histórico na 1000 Miglia
O Véio Zuza seguia fazendo sucesso por onde passava e os brasileiros começavam até a ser reconhecidos na rua, uma sensação muito curiosa e boa.
As notícias começam a correr, até que toca o telefone do Mau: era o Emerson Fittipaldi, convidando para um café da manhã no lago de Garda, uma benção especial ao time brasileiro da 1000 Miglia! Uau!
Coração a mil por hora, um privilégio único poder estar com essa lenda do automobilismo brasileiro, grande estrategista das corridas, em uma ocasião tão especial!
Momento incrível, com uma energia realmente forte. Bandeira do Brasil no capô do Véio Zuza, benção muito inspirada do mestre Emerson, todo mundo emocionado e cheio de contentamento por estar lá. Me senti como se eu realmente fosse um piloto de alto gabarito, a representar meu país e meu povo. Inesquecível. ç



Parte do percurso da 1000 Miglia, largando de Brescia em direção a Roma
A 1000 Miglia sempre larga de Brescia, com todos os carros se apresentando na Viale Venezia e partindo em direção a Roma, chegando novamente no ponto de largada. Em 2022, a prova ocorreu entre os dias 15 e 18 de junho, com a primeira perna cruzando a região do lago de Garda até o pernoite em Cervia-Milano Marittima. A segunda perna, no dia 16, cruzou as lindas montanhas da Perugia, chegando à Roma já de noite. A terceira perna, no dia 17, partiu de Roma e chegou a Parma. E na última perna, no dia 18, de Parma a Brescia, passamos pelo autódromo de Monza.
Sempre por estradinhas vicinais, paisagens lindíssimas, cidadezinhas medievais, e o mais incrível, ao longo de todo trajeto, muita gente, mas muita gente mesmo, saudando os carros do rallye e celebrando esse estilo de vida, nas beiras de estrada, nas cidadezinhas, nos portões das casas, seguindo o trajeto, todo mundo respirando 1000 Miglia!!!!
Sempre que estávamos em baixa velocidade, colocávamos a bandeira do Brasil para saudar as pessoas, recebendo de volta sorrisos e entusiasmo! Integração total.
A prova ocorreu em uma semana de sol, com dias quentes. Alguns carros iam tendo problemas pelo caminho e sempre havia o suporte da população local e a camaradagem entre os participantes do rallye e de suas equipes de apoio. ç

Acima, um B. N. C. 1100 Sport Biposto de 1927. Abaixo, um Cooper Bristol T25 de 1953

Interessante que notei vários grupos de amigos com seus carros e motos seguindo alguns trechos da prova (Ferraris, Ducatis, Fiats, Mercedes, e por aí vai) e viajantes que cruzaram a Europa só para irem prestigiar a 1000 Miglia, como um amigo meu que veio da Escócia rodando em um Mercedes-Benz W114 em viagem de férias, tendo o rallye como motivador. Esse é o espírito! ç

Hora da largada, no Viale Venezia, em Brescia. O carro é um O. M. 665 Superba de 1925


Os pequenos também têm sua vez: um Fiat 500B Topolino de 1948 e um Renault 4CV de 1950


Em Siena, parada para almoço na terceira perna. O Alfa Romeo é um 6C1750 GS Brianza de 1932


Chegada em Brescia. O carro é um Fiat 1100/103 TV Spider de 1955
Nós estivemos na 1000 Miglia como special guests, ou seja, não disputamos a prova. E isso nos deu uma leveza para podermos acompanhar tudo de perto, viver toda a atmosfera mágica, mas sem uma formalidade de seguir tempos e trajetos planilhados: pudemos ir interagindo muito com tudo, e isso foi bacana! Claro que fica agora o desejo de voltar como competidor. Veremos o que o futuro nos reserva.
Agradeço ao Mauricio Marx, pelo convite, amizade e incrível companhia nessa aventura! Também à Marreyt Classic e todo pessoal belga, grupo muito simpático que foi nosso núcleo na 1000 Miglia. E ao MG Club do Brasil, por ter me inserido nesse fascinante universo dos carros clássicos esportivos e dos rallyes. E agradeço especialmente ao Luis Cezar Pereira, que guiou meus passos nos rallyes e me encorajou nesse percurso que me levou à 1000 Miglia. Uau! l
