O Retrato Ovalado - Edgar Allan Poe

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o retrato ovalado


O Castelo no qual meu criado estava decidido a entrar a viva força, não consentindo que eu, ferido como estava, tivesse que passar a noite debaixo da chuvarada, era um grande edifício senhorial, melancólico e abandonado.

Num torreão um tanto afastado do castelo...

...acomodamo-nos numa das salas menores, cheia de adornos luxuosos maltratados pela ação do tempo.


Mandei o criado fechar as pesadas portas e altas janelas

...e acender o candelabro de sete braços que se encontrava sobre a mesa

Descerrei em seguida os cortinados de cetim e veludo do dossel de minha cama...

... para distrair-me na leitura de um livro de pergaminho que havia encontrado sobre a almofada o qual continha a descrição e a história de todas as obras de arte do castelo


As horas transcorreram rapidamente, pois passei quase a noite toda lendo.

A luz do candelabro que se projetava sobre a superfície do livro revelou um quadro que anteriormente estava envolto em uma sombra profunda.

Permaneci estendido uma hora, com os olhos cravados no retrato. O “encantamento” da pintura era uma expressão vital, que primeiro me tinha feito estremecer...

Um busto. A cabeça. Os ombros. O seio. Os braços. Os cachos do cabelo. Era o retrato de uma mulher.

...para depois me subjulgar e aterrorizar.


Com um terror profundo e insopitável, coloquei o candelabro em sua primitiva posição, a fim de ocultar à minha vista a causa dessa profunda agitação.

Então procurei ansiosamente o livro que continha a análise do quadro e sua história. Fui em busca do número que designava o retrato oval e li o seguinte relato:

Era uma jovem de rara beleza e não menos amável do que alegre.Maldita foi a hora em que viu e amou o artista, casando-se com ele..

Ele, apaixonado, amava mais do que suaesposa, sua Arte.


Tendo a Arte como sua rival, foi uma coisa terrível para ela ouvir o pintor falar do desejo de pintála.Mas, obediente, sentou-se com doçura durante longas semanas no sombrio e alto ateliê da torre, onde a luz penetrava por uma clarabóia de cristal.

Ele, porém, punha seu destino e sua glória no retrato mas não queria ver que a luz que filtrava tão lugubremente naquela torre extenuava a saúde e a alma de sua mulher, que enfraquecia aos olhos de todos, exceto aos dele.

Quando a tarefa se aproximava do fim, o pintor, enlouquecido com o ardor de seu trabalho, não tirava os olhos da tela, senão para ver a fisionomia da mulher. E não queria ver que as cores que gravava na tela, eles as ia tirando das faces daquela mulher que estava sentada a sua frente.


E quando, decorridas muitas semanas, faltando muito pouco trabalho, o espírito da mulher palpitou como a chama próxima de estinguir-se palpita numa lâmpada. O pintor deu uma pincelada sobre os lábios e depois em êxtase ante ao trabalho realizado, um estremecimento de terror percorreu seu corpo e ele começou a gritar com voz rouca e destemperada:

“É a vida, é a própria vida que aprisionei na tela!”. E quando se voltou para contemplar a esposa, viu que ela estava morta.

FIM.


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