"Filmar o inimigo é fazê-lo entrar em um filme junto comigo" entrevista com Jean-Louis Comolli (por Cláudia Mesquita e Ruben Caixeta de Queiroz)
Em 1997, Jean-Louis Comolli publicava na revista Traffic o texto “Como filmar o inimigo?”. A partir de sua própria experiência, filmando durante quase dez anos o avanço da Frente Nacional, partido de extremadireita francês, em Marselha, Comolli refletia sobre algumas “obstinadas e talvez vãs questões”: para combatê-lo, é preciso filmar o inimigo? Como, a que preço, sob quais riscos? Afinal, para que haja filme, “mesmo sendo o inimigo aquilo que é”, é necessário negociar, pactuar, colocar-se em acordo, compartilhar uma cena, atar com ele alguma relação. Mas como conduzir uma relação com o inimigo? Mesmo com esses desafios e dificuldades incontornáveis, Comolli reafirmava, valendo-se de vivos exemplos, a necessidade de filmar o inimigo, de modo a “acrescentar corpo à ideologia do outro”, “encarnar os motivos do pensamento”, trazendo a política de volta, da esfera da propaganda e do espetáculo, para o lugar do embate e do debate entre homens. Desse modo, “filmar para melhor conhecer”, “filmar
para melhor combater”. Publicado em 2001, no catálogo da quinta edição do forumdoc.bh, o texto “Como filmar o inimigo?” tornou-se, ao lado de “Sob o risco do real” e “Carta de Marselha sobre a auto-mise-en-scène”, uma importante referência no debate sobre o documentário entre nós. Nesta entrevista, realizada por email e motivada pela realização da mostra-seminário “O inimigo e a câmera”, propusemos a Jean-Louis Comolli uma atualização do debate. O inimigo: “uma ameaça que deve ser levada a sério”. Há, no seu entendimento, uma ética que rege os combates fílmicos com o inimigo? Valeria para o “inimigo” a mesma ética que vale para o “amigo”? 1 Entre o inimigo e eu, há uma câmera e um gravador, portanto o espectador. O espectador não está necessariamente de um lado ou de outro. Ele está ali para descobrir um filme, que pode ou não corresponder às
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