ação cultural para a liberdade

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Se a relação que havia antes entre a estrutura dominadora e as formas de perceber a realidade e de atuar nela está desaparecendo, isto não significa que as negatividades da “cultura do silêncio” hajam perdido sua força condicionante com a instalação do “asentamiento”. Seu poder inibidor permanece, não como reminiscência inconseqüente, mas como algo concreto, interferindo no quefazer novo que a nova estrutura demanda dos camponeses. Para que se esgote este poder inibidor é necessário que as novas relações humanas, características da estrutura recéminstaurada e baseadas numa realidade material diferente, sejam capazes de criar um estilo de vida radicalmente oposto ao anterior. E, ainda assim, a “cultura do silêncio” pode, de vez em quando, em função de certas condições favoráveis, “reativar- se”, reaparecendo em suas manifestações típicas. Só através da “dialética da sobredeterminação” ∗ é possível compreender esta permanência que, na verdade, cria problemas e dificuldades até mesmo às transformações revolucionárias. Somente armados deste instrumento metodológico poderemos entender e explicar as reações de caráter fatalista dos camponeses em face dos desafios que a nova realidade lhes faz. Como também compreender que eles tenham, não raras vezes, no modelo dominador do patrão latifundista, o exemplo que devem seguir. Ou que, já enquanto “assentados”, lhes pareça normal dizer, referindo- se ao antigo patrão, “o verdadeiro patrão mora mais acima”∗ , não percebendo que, ao considerar o antigo patrão como o verdadeiro, estão questionando a validade mesma de seu estado de “assentados”, na realidade nova do “asentamiento”, em que devem superar a posição anterior de objetos, assumindo a de sujeitos. Ou ainda, que muitos vejam na Corporación de la Reforma Agrária seu novo patrão. Estas reações não podem ser entendidas pelos mecanicistas que, ingenuamente convencidos da transformação automática da supra-estrutura com a mudança da infra, tendem a explicá- las anticientificamente, considerando os camponeses como “preguiçosos e incapazes” e, às vezes também, “ingratos”. Daí que se inclinem a formas de ação vertical, paternalista, em lugar de estimular a tomada de decisão dos camponeses. Desta maneira, reativando a “cultura do silêncio” e mantendo os camponeses no estado de dependência, não contribuem em nada para a superação de sua percepção fatalista em face das situações limites; superação desta percepção fatalista por outra, crítica, capaz de divisar mais além destas situações, o que chamamos de “inédito viável” ∗∗ . Daí que, frente a estas, fatalistamente, esta modalidade de consciência busque suas razões fora das situações mesmas, encontrando- as quase sempre, no destino ou no castigo divino∗ ∗ ∗ . A este nível, não é possível, realmente, uma percepção estrutural dos problemas de que resultaria sua inserção critica no processo de transformação. Isto só é possível quando, através de uma permanente mobilização dos camponeses, de sua participação ativa numa prática política, na defesa de seus interesses e na compreensão de que estes não devem ser antagônicos aos de seus companheiros, ∗

Louis Althusser, Pour Marx, François Maspéro, Paris, 1967. Afirmação feita por um líder camponês, em conversa com o autor, num “asentamiento”. ∗∗ Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido. ∗∗∗ “A seca atual é vingança de São Pedro, por seu dia já não ser feriado santo”, disse-nos um líder camponês num dos “asentamientos” ∗


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