ação cultural para a liberdade

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Algumas notas sobre conscientização1 1974

O próprio título que o Departamento de Educação do Conselho Mundial de Igrejas deu a este seminário: “An invitation to conscientization and deschooling – a continuing conversation”, o define como um encontro informal e simples. Na verdade, aqui estamos para retomar um diálogo há muito tempo começado. Com alguns, diretamente; com outros, indiretamente. Em qualquer, dos casos, através da mediação de nossos escritos. Mas, na medida mesma em que este é um encontro dialógico, a simplicidade e a espontaneidade que o devem caracterizar não podem converter- se, a prime ira, em simplismo, a segunda, em espontaneismo. Dialogar não é um perguntar a esmo – um perguntar por perguntar, um responder por responder, um contentar- se por tocar a periferia, apenas, do objeto de nossa curiosidade, ou um quefazer sem programa. A relação dialógica é o selo do ato cognoscitivo, em que o objeto cognoscível, merliatizando os sujeitos cognoscentes, se entrega a seu desvelamento crítico. A importância de uma tal compreensão da relação dialógica se faz clara na medida em que tornamos o ciclo gnosiológico como uma totalidade, sem dicotomizar nele a fase da aquisição do conhecimento existente da fase da descoberta, da criação do novo conhecimento. Esta “corresponde, alíás, como salienta o prof. Álvaro Vieira Pinto, à mais elevada das funções do pensamento – a atividade heurística da consciência”.∗ Em ambas estas fases do ciclo gnosiológico se impõe uma postura crítica, curiosa, aos sujeitos cognoscentes,.em face do objeto de seu conhecimento. Postura crítica que é negada toda vez que, rompendo- se a relação dialógica, se.instaura um processo de pura transferência de conhecimento, em que conhecer deixa de ser um ato criador e recriador para ser um ato “digestivo”. “An invitation to conscientization and deschooling” – palavras que, independentemente do desejo de Ivan Illich e meu, se converteram em palavras mágicas ou quase mágicas – nos reúne hoje precisamente para que, tomando-as como objetos de nossa curiosidade crítica, analisemos, tanto quanto possível, a sua real significação. Neste esforço analítico para o qual somos todos chamados, há, porém, tarefas específicas que, constituindo- se como ponto de partida de nossa reflexào comum, devem ser cumpridas por alguns de nós. Por Ivan Illich, por Henrich Dauber, por Michael Huberman, por mim. A mim me cabe, nesta jornada em que o tempo disponivél não corresponde à extensão da tarefa que nos impomos, iniciar este processo. E, para fazê- la, devo tomar distância do objeto de minha reflexão – o processo de conscientização – e começar a indagar- me em torno dele. Parece- me que a primeira preocupação neste perguntar- me que é, em parte, um reperguntar-me, se deve centrar na palavra mesma conscientização, cuja origem é consciência. A compreensão do processo de 1 ∗

Este texto foi publicado por RISK, W: C. C., Genebra, 1975. Vieira Pinto, Álvaro, Ciência e Existencia, Ed. Paz e Terra, Rio, 1977, 2ª ed., pág. 363.


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