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À P.20 JOSÉ RICARDO COELHO, PRESIDENTE DO SPZC: “SÓ A FNE ASSINOU O ACORDO FINAL DO ECD”

JOSÉ RICARDO COELHO, PRESIDENTE DO SPZC: “SÓ A FNE ASSINOU O ACORDO FINAL DO ECD”

José Ricardo Coelho, Presidente do Sindicato de Professores da Zona Centro (SPZC), e Vice-Secretário-Geral da FNE, é uma das figuras cimeiras do sindicalismo português. No seu sindicato, na FNE ou na UGT foi protagonista e testemunho de uma evolução desde abril de 74 aos nossos dias, sempre com um apete voraz pela necessidade de transformar o presente e melhorar o futuro. Com uma lembrança especial: a carreira única e o ECD são da FNE.

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JORNAL FNE (JF) - COMO É QUE A SUA VIDA SE CRUZOU COM O SINDICALISMO?

JOSÉ RICARDO COELHO (JRC) - Em outubro de 1980, no meu primeiro ano de aulas como professor, fui colocado no concelho de Coimbra e passados uns dias sindicalizei-me no Sindicato Professores da Zona Centro (SPZC), na altura um dos três sindicatos regionais do país. Conheci alguns dos avistas e dirigentes do SPZC, entre os quais o professor António Saraiva. Parcipei em algumas reuniões com ele, num momento em que se preparavam eleições no sindicato. Entretanto, fui convocado para cumprir o serviço militar obrigatório, na Escola Práca de Cavalaria em Santarém, estávamos em março de 1981, facto que me impediu de connuar a parcipar na vida interna do SPZC. Regressei em agosto de 1982, depois de cumprir o serviço militar, e fui colocado numa escola em Oliveira do Hospital, onde exerci funções de delegado sindical. Em 1984, fui colocado na escola da Pedrulha, em Coimbra, e recebi novo convite para integrar o Secretariado Permanente da Direção do SPZC, que era encabeçada pelo professor Renato de Ávila, num processo eleitoral que teve lugar no dia 13 de junho de 1985. Apesar de este momento ter marcado o meu percurso como sindicalista, não nha como adquirido uma connuidade na avidade sindical. No entanto, em 1995, dez anos depois, sen um apoio alargado de dirigentes e associados do SPZC para uma candidatura à presidência do sindicato. Depois de alguma hesitação e muita reflexão decidi assumir a candidatura e a parr dela não foi fácil desisr. E não o foi porque sen a responsabilidade de dar connuidade ao projeto que coloquei em desenvolvimento, assente no aprofundamento da parcipação ava e democráca de todos os dirigentes, numa abertura diferente do SPZC aos locais de trabalho, aos associados e professores em geral, dinamizando as escolas, os jardins de infância, os colégios privados e toda a rede de instuições do setor social. Em cada ano levo fomos promovendo uma calendarização de reuniões e plenários sindicais em todos as escolas e concelhos, criando uma maior dinâmica de parcipação e auscultação dos educadores e dos professores, aprofundando o projeto sindical do SPZC para a educação e para a valorização do estatuto profissional e das condições de trabalho dos docentes. Isto sempre em grande arculação com o pensamento e com as propostas construídas no seio da FNE. E foi este quadro, muito ligado a um projeto de organização sindical e de um novo formato de intervenção sindical mais mobilizador dos associados e dos professores em geral, que me fez movar para connuar a liderar o SPZC, até senr que os pilares, que esveram na base do projeto que me propus desenvolver, esvessem consolidados. Hoje sinto e vejo que esses pilares estão sólidos e sinto que é o momento para proporcionar novas lideranças, capaz de dar connuidade ao projeto sindical, naturalmente adequando-o sempre à luz dos novos tempos e dos novos ventos e com novas ideias, para responder aos desafios do presente e aos que o futuro nos traz e exige.

"Hoje sinto e vejo que os pilares que estiveram na base do projeto do SPZC, estão sólidos e sinto que é o momento para proporcionar novas lideranças, capaz de dar continuidade ao projeto sindical" .

UMA LUTA CONSTANTE PELO SINDICALISMO LIVRE E DEMOCRÁTICO

JF - QUAIS FORAM OS GRANDES MOMENTOS COMO PRESIDENTE DA DIREÇÃO DO SPZC?

JRC -O momento que mais me marcou dentro do SPZC foi ter assumido uma rutura com alguns dos dirigentes mais influentes do sindicato e assumir a responsabilidade dessa rutura com a minha candidatura à Vice-Presidência, em 1992. Eu sabia que recairia sobre mim toda a responsabilidade de dirigir o sindicato, por delegação da quase totalidade das competências do presidente do SPZC. Tinha consciência do estado em que se encontrava o SPZC, quer ao nível financeiro, quer ao nível da intervenção sindical. Foi um marco importante na minha vida sindical, porque nha de dar substância ao processo de rutura que iniciei, através de uma nova forma de estar, de assumir o SPZC e assumir os princípios do movimento sindical em que estávamos compromedos, nomeadamente na FNE, na UGT e na FESAP. No entanto, foi um momento e um tempo que me permiram aprofundar conhecimentos de liderança, de administração e gestão, de dinâmicas de grupo e de gestão de conflitos, de contabilidade e finanças, para além da gestão da agenda reivindicava do próprio SPZC e do papel que o sindicato nha de assumir nas diferentes organizações sindicais de âmbito nacional, nomeadamente na FNE e na UGT. Em minha opinião, este virar de página na história do SPZC só foi possível devido a um outro elemento preponderante que exigiu um grande esforço de liderança: o aprofundar a coesão interna dos órgãos sociais, muito parcularmente, dos órgãos execuvos, central e distritais e entre estes e os próprios associados do sindicato. Este foi o aspeto da minha liderança no SPZC, em que me empenhei, ultrapassando, muitas vezes, os meus próprios limites de resistência. Mas ve a sorte de ter comigo um corpo de dirigentes que se comprometeu de uma forma responsável neste esforço e que permiu estabelecer bases muito sólidas de entreajuda, de solidariedade, de camaradagem e de fortalecimento das relações interpessoais. Assim foram criadas criando raízes fortes para não só reerguer o SPZC, mas sobretudo para colocar o SPZC como maior organização sindical do centro do país, um sindicato forte, um sindicato respeitado e com uma voz importante em todo o movimento sindical democráco. Não fosse este trabalho de esforço connuo, para manter a coesão interna, e hoje talvez não esvesse aqui a falar do SPZC, tal como estou.

JF - E QUANTO AOS MAIORES DISSABORES?

JRC - Quando estamos nas causas com entusiasmo e com vontade de vencer os desafios que nos são colocados, os problemas, os dissabores, as dificuldades são ultrapassadas e tento esquecêlos. No entanto, não deixo de os considerar, numa perspeva de aprendizagem e acautelamento para situações futuras.

"Tive a sorte de ter comigo um corpo de dirigentes que se comprometeu de uma forma responsável neste esforço e que permitiu estabelecer bases muito sólidas de entreajuda".

JF - O SPZC TEM HOJE 12 DELEGAÇÕES. COMO FOI O DESABROCHAR ORGANIZATIVO E IDEOLÓGICO DO SEU SINDICATO?

JRC -Como referi atrás, passar de seis delegações abertas para doze foi um esforço enorme, mas era fundamental em termos estruturais para o crescimento e afirmação do SPZC. Era claramente o nosso projeto sindical. O SPZC nha de crescer no seu número de associados, mas para que isto acontecesse o sindicato nha de se afirmar no terreno, junto das escolas e estar mais próximo dos educadores e dos professores. Para que este objevo fosse conseguido entendemos que era fundamental ter um projeto expansionista, que passava por abrir mais espaços sicos (delegações) e dotá-las de recursos humanos e equipamentos, mas com uma forte ligação ao projeto sindical que pretendíamos solidificar, definindo com bastante rigor os parâmetros da linha de pensamento ideológico, claramente reformista, plural e com total independência de pardos polícos. Esta base sustentava toda a nossa linha de ação sindical, assente na construção de propostas sustentadas e realistas, capaz de serem, também elas, um elemento base para negociações construvas, que permissem sustentar um compromisso ou um acordo final com os governos e com as endades patronais do setor privado da educação e do setor social. Aproveitámos os grandes momentos reformistas realizados na área da educação, principalmente a parr do grande debate que se realizou na sociedade e na comunidade educava sobre a Lei de Bases do Sistema Educavo de 1986 e do debate em torno do Estatuto da Carreira Docente (ECD) e toda a legislação que lhes sucedeu na década de noventa, para marcarmos, de forma vincada, as propostas que nhamos para as diferentes matérias, os fundamentos que as sustentavam e, para marcarmos, sobretudo, a diferença de pensamento que lhes estavam subjacentes, numa lógica reformista, responsável e que demarcou claramente o SPZC dos sindicatos de professores mais antagónicos, agarrados a uma lógica de pensamento e de estratégia do fundamentalismo revolucionário afetos à CGTP e com forte influência da estratégia e das teses do Pardo Comunista Português (PCP). Fizemos de cada processo negocial e de cada acordo com os governos armas estruturantes da nossa estratégia sindical, construindo uma idendade própria, também ela construída com ingredientes identários, quer da FNE, quer da UGT, assumindo sempre as nossas diferenças e divergências em relação às organizações sindicais de cariz mais radical e revolucionário, na forma de defender os professores, na forma de valorizar a profissão e de lutar por uma educação de qualidade.

"Fizemos de cada processo negocial e de cada acordo com os governos, armas estruturantes da nossa estratégia sindical, construindo uma identidade própria, também ela construída com ingredientes identitários, quer da FNE, quer da UGT".

PELOS VALORES DA CARTA ABERTA

JF - RECORDA ALGUM MOMENTO DE GRANDE TENSÃO NA HISTÓRIA DO SPZC?

JRC -Para além dos momentos de tensão interna que relatei atrás, houve outros, embora não vividos por mim, mas que foram marcantes na história do sindicato. A própria constuição formal do SPZC foi caraterizada por um processo longo, de um debate muito vivo e muitas tensões até se chegar à aprovação dos seus primeiros Estatutos, publicados e 26 de outubro de 1976, ou seja, dois anos após a constuição do sindicato. Diz-se que a aprovação dos primeiros Estatutos do SPZC foi um parto muito dicil. Estávamos num momento muito marcado pela revolução de abril de 74 e o SPZC não escapou à influência do momento políco que se estava a viver. O fervor revolucionário e sobretudo as posições extremadas de natureza marcadamente ideológicas, que iam desde uma direita centralista e conservadora, um centro com projeto evoluvo e reformista e uma esquerda revolucionária e fraturante, dificultou bastante o diálogo entre os docentes e o encontro de consensos para a aprovação dos Estatutos. Outro momento de grande tensão que se viveu no SPZC foi quando se deu a grande cisão interna em 1982. Uma cisão que dividiu os professores da zona centro. Foi uma cisão ideológica e políco-pardária, originada por dirigentes do SPZC afetos à tendência unitária de esquerda e do PCP e teve origem em duas grandes decisões tomadas pela Assembleia Geral de Associados do sindicato. Uma das decisões teve que ver com o resultado da aprovação da primeira alteração dos Estatutos do SPZC, tornando-os mais abertos ao exercício democráco dos seus órgãos internos, menos exposto aos bloqueios deliberavos que os Estatutos iniciais consubstanciavam e a ação do sindicato estava a tornar-se disfuncional. A outra teve que ver com resultado de um referendo interno em que 82% dos associados do SPZC decidiram a filiação do sindicato à UGT. A intenção deste referendo foi determinante para clarificar o rumo do SPZC, colocando-o no caminho do sindicalismo livre, democráco e independente, em favor de uma unidade de classe que não prejudicasse o livre pensamento e a livre expressão de opinião, assim como o pluralismo na representação dos professores. Este foi o fator decisivo para o processo de cisão, que culminou com o abandono dos dirigentes comunistas do SPZC. Estes optaram por criar um sindicato paralelo (SPRC), optando por seguir a linha da Intersindical (CGTP), como todos sabem uma central sindical com forte influência do PCP. A cisão provocou uma grande desestabilização interna, com consequências para toda a estrutura interna do SPZC, ampliada e densificada com campanhas agressivas de desinformação, fomentadas pelo grupo de dissidentes que criou o sindicato paralelo de professores. Depois deste momento muito conturbado da vida do SPZC, a direção da altura teve de iniciar todo um processo de reorganização interna e colocar o sindicato no caminho que os associados decidiram democracamente, que era a via do sindicalismo reformista e de pensamento livre e plural, no fundo solidificar os valores do movimento da Carta Aberta, que deu origem à criação da UGT. No entanto, para além das tensões ligadas à vida interna do SPZC, vivi tensões ligadas às lutas sindicais, para a defesa de melhores condições de trabalho e de vida dos professores e educadores. E aqui posso destacar alguns desses momentos de grande tensão, nomeadamente toda a discussão em torno da Lei de Bases do Sistema Educavoou a luta pelo ECD.Mas podemos falar das vitórias dos professores quando falarmos sobre a FNE. ANOS

"Diz-se que a aprovação dos primeiros Estatutos do SPZC foi um parto muito difícil. Estávamos num momento muito marcado pela revolução de abril de 74 e o SPZC não escapou à influência do momento político que se estava a viver. "

Leia a 2ª parte desta entrevista na edição de outubro Joaquim Santos e Tiago Soares Jornal FNE

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