Literatura na escola: teoria, prática e (in)disciplina

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LITERATURA NA ESCOLA:

teoria, prática e (in)disciplina

modernistas, não atenta para a problemática da consolidação identitária: as personagens são, em geral, apátridas e isoladas. Na narrativa, certos fatos da história oficial aparecem como pano-de-fundo - a referência à Segunda Guerra, à bomba atômica, ao atentado ao World Trade Center - das histórias não-oficiais/ficcionais: a de Buell Quain, antropólogo de existência comprovada e que se suicidou entre os índios Krahô; a do narrador, que investiga obsessivamente esse acontecimento e, ao mesmo tempo, recorda a relação com o seu pai. O jogo entre fato e ficção fica mais complexo quando, na orelha da primeira edição do livro, encontramos a foto de um menino fisicamente parecido com o próprio Bernardo Carvalho de mãos dadas com um índio. Diante da impossibilidade de estabelecer limites entre o fatual e o ficcional, a literatura recente joga com essas duas esferas e coloca, constantemente, uma interrogação sobre o discurso pretensamente verídico da história oficial. Um dos modos de interrogar essa história é dar atenção exatamente ao não contemplado por ela, como, no caso do romance em análise, o mistério em torno da morte do antropólogo, a condição dos indígenas “empurrados” pela civilização para o Parque do Xingu. No romance, podemos ver tal estratégia no momento em que o narrador fala sobre a curiosidade histórica que desencadeou a sua escrita: Não posso dizer que nunca tivesse ouvido falar nele, mas a verdade é que não fazia a menor ideia de quem ele era até ler o nome de Buell Quain pela primeira vez num artigo de jornal, [...], quase sessenta e dois anos após a sua morte às vésperas da Segunda Guerra. O artigo saiu meses antes de outra guerra ser deflagrada. Hoje as guerras parecem mais pontuais, quando na verdade são permanentes. [...]. O artigo [...], citava de passagem, em uma única frase, por analogia, o caso de “Buell Quain, que se suicidou entre os índios krahô, em 1939” [grifos nossos]. (CARVALHO, 2010, p.11).

No fragmento, o olhar do narrador se volta para o não-dito, para a nota, para a entrelinha, visão que não deixa de estar associada 198


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