Linguagem, Ontologia e Ação

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Caroline Elisa Murr

Além dessa diferença, há um ponto comum entre ambos os construtos, da vida cotidiana e científicos. Schrödinger conecta a construção dos objetos da Ciência ao princípio da objetivação em Mente e Matéria, publicado em 1956. Esse seria um dos princípios básicos do método científico, segundo ele (Schrödinger, [1956], p. 131), sendo que seu uso seria um acordo tácito entre os cientistas. Para Schrödinger, a humanidade concluiu que “um quadro moderadamente satisfatório do mundo somente seria alcançado pelo elevado preço de nos retirarmos dele, descendo ao papel de um observador desinteressado” (SCHRÖDINGER, [1956], p. 133). Por essa razão, o princípio da objetivação tem sido a base do método científico. Portanto, a Ciência teria se desenvolvido a partir do princípio da objetivação, ao qual permanece profundamente ligada. Pode-se dizer que, para Schrödinger, a Ciência do seu tempo constrói os objetos baseando-se na observação de experimentos. No entanto, a Ciência não descreve tais experimentos ou os objetos utilizados nos experimentos, que fazem parte do mundo de coisas cotidianas. Deste modo, para Schrödinger, a Ciência faz predições sobre objetos que são construídos pela própria Ciência. As construções da Física, por exemplo, seriam simplesmente abstrações. BenMenahem, que escreveu o artigo “Lutando contra o realismo: o caso de Schrödinger”, interpreta que tais construções somente seriam possíveis, para ele, através da abstração da experiência. Além disso, o abismo entre o modelo construído pela Ciência e a experiência na qual esse modelo é baseado seria “intransponível” (Ben-Menahem, 1992, pp. 27-8). Em suma, a Ciência tentaria explicar a experiência humana, que envolve coisas da vida cotidiana. No entanto, a Ciência o faz abstraindo da experiência. Essa abstração envolve os construtos dos quais falamos, isto é, os objetos da Ciência. Logo, tais abstrações não se referem mais à experiência humana, mas a esses objetos científicos. Tais abstrações utilizadas pela Ciência seriam as teorias científicas. Do parágrafo anterior podemos concluir que as teorias científicas não teriam uma perfeita relação de correspondência com os fatos observados. As teorias seriam relacionadas aos fatos por meio dos objetos da Ciência. Também concluímos que os objetos da Ciência são “puras configurações”, para Schrödinger. Entretanto, ele afirma que nós só podemos nos referir aos objetos da Ciência como sendo reais. Para ele, se nós chamamos reais as construções das coisas tangíveis ao nosso redor, nós teríamos que fazer o mesmo para os objetos da Ciência. Todavia, eles são metodologicamente distintos, embora com o mesmo status ontológico.

4. Dois tipos de objetos, uma realidade De acordo com Bitbol, mais do que o mesmo status como objetos reais, Schrödinger tem a intenção de conferir o status de coisa inacabada, em construção, tanto aos objetos da Ciência quanto aos objetos da vida cotidiana. Bitbol defende que “é nessa atmosfera de ‘abertura’ que Schrödinger concebe o


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