Linguagem, Ontologia e Ação

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Fernando César Costa Xavier

da lei, democracia, mercados livres, separação da Igreja e Estado] acabam produzindo uma reação contra o ‘imperialismo dos direitos humanos’ e uma reafirmação dos valores nativos, como se pode ver no apoio ao fundamentalismo religioso pelos mais jovens nas culturas não-ocidentais” (HUNTINGTON apud PRZEWORSKI et alli:2003:28-29). Essa análise enviesada não deixou de parecer um vaticínio para muitos, à medida que organizações islâmicas fundamentalistas passaram a assumir o antiamericanismo antes propagandeado por organizações de extrema-esquerda, e a se especializar em ataques terroristas de largo alcance. O alvo preferencial, evidentemente, foram os Estados Unidos e seus aliados militares, países estes que, não apenas para Huntington, mas também outros autores culturalistas (desde Almond e Verba, passando por Inglehart, Granato e Leblang), seriam detentores de uma exemplar cultura democrática. Apesar da proeminência que a hipótese culturalista alcançou, não tardou para que muitos analistas passassem a apontar equívocos contidos nela. Przeworski et alli (2009), mitigando a relevância das divergências culturais, fizeram questão de afirmar que “a maioria dos estudiosos do fundamentalismo religioso islâmico atribui o seu crescimento à deteriorização das condições econômicas das massas urbanas” (op. cit:29). Um autor influente como Habermas, longe de ser analítico mas compactuando com a premissa da primazia da estrutura, também divergiu amplamente da tese culturalista de Huntington, e sustentou que o mote da difusão do terrorismo islâmico estaria ligado a questões econômicas, e não culturais. Segundo Giovanna Borradori (2004:77), comentando Habermas, um impacto significativo em nível estrutural seria a forma como o consumismo capitalista “explode” na periferia da sociedade internacional, inclusive no mundo árabe. Embora muitos tenham buscado – com êxito – refutar a hipótese culturalista de que nos novos tempos o “Oriente fundamentalista” se levantava contra o “Ocidente democrático”, é curioso notar que muitas premissas do culturalismo ainda guiam o exame do 11/9. Talvez porque mesmo o mainstream islâmico aproveitou-se da ilustração culturalista-religiosa para dar conta de uma luta entre “povos fiéis” e “nações hereges”. Mas até que ponto a nova dimensão do conflito Ocidente-Oriente não [mais] encerra um confronto entre “classes” (no sentido marxista)? Eis uma das questões que estimula a retomada da teoria marxista em uma de suas versões contemporâneas.

2. O Grupo de Setembro e o marxismo recuperado O Grupo de Setembro representa um círculo restrito de estudiosos destacados pela retomada da teoria marxista a partir da abordagem tipicamente anglosaxônica da filosofia analítica8.


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