Princípios, seu papel na filosofia e nas ciências

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Kant e o Caráter a Priori do Espaço

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externo.3 Por um lado, a sensibilidade me apresenta estados mentais que abrangem toda a esfera de minha estória mental, independente de representarem objetos empíricos ou não. Eu posso dizer que os estados mentais que ora entretenho, e.g., a imagem da casa em que eu nasci (há não muito tempo), a imagem de um centauro, etc., sucedem-se num fluxo constante. Esse aspecto de minha sensibilidade é chamado por Kant de "sentido interno" (cf. B 37, passim). Se tivéssemos apenas um sentido interno, ou se nossa sensibilidade fosse apenas interna, tudo o que teríamos à nossa disposição seriam dados fugidios que constituem a ordem temporal. Por quê? Porque a ordem temporal é apenas uma ordem de sucessão, precedência e simultaneidade, enquanto que a ordem espacial é uma ordem por meio da qual os objetos são representados em diferentes lugares e, acima de tudo, como distintos de meus pensamentos ou, como diz Kant, "de uma maneira distinta de mim mesmo" (Ak XVIII, p. 309). Kant assinala ipso facto que o tempo é a forma do sentido interno e o espaço a forma do sentido externo (cf. B 42 e B 49, respectivamente). Através do sentido interno apenas é impossível representar os objetos sensíveis como distintos não apenas de outros objetos mas também, e especialmente, de meus pensamentos porque o sentido interno ordena os dados temporalmente e não espacialmente. Somente o sentido externo pode realizar a tarefa de representar objetos espacialmente, isto é, como fora de nós. Através do sentido externo podemos dizer que os aspectos espaciais dos objetos externos são ordenados de uma outra maneira que os meus estados mentais. 4 Uma objeção poderia ser levantada aqui. Mesmo que aceitássemos a crítica de Kant de que a ordem espacial não está subordinada à ordem temporal, o espaço é de algum modo dependente da sensibilidade. Embora Berkeley argumente que o espaço é obtido através da experiência e Kant argumente que o espaço é constitutivo dessa experiência, ambos parecem acreditar que o espaço é um aspecto de nossa sensibilidade e, por tal motivo, dependente de nós. Nesse sentido, dir-se-ia que Kant também defende a idéia de que os aspectos espaciais dos objetos são de algum modo dependentes da mente. A réplica a tal objeção é a seguinte. Por não dispor dos elemen-


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