Midia, Tecnologia e Linguagem Jornalística

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Mídia e experiência O processo sociogenético de invenção técnica parece ter desde sempre provocado atitudes reativas, a julgar pelos testemunhos históricos que chegaram até nós. Como exemplo destas atitudes reativas recordarei a narrativa bíblica da Torre de Babel, onde encontramos narrado de forma dramática o resultado provocado pelo orgulho desmedido da descoberta do fogo e das novas técnicas de construção que esta descoberta tornou possível (GÊNESIS, 11, 1-9). Encontramos o mesmo efeito dramático da invenção técnica no mito grego de Prometeu, que narra o destino trágico a que ele foi votado por ter ensinado aos seres humanos a descoberta do fogo, da escrita, da geometria e de toda a espécie de artes (ÉSQUILO, 1990, p.107-137). No fim do diálogo com Fedro, Platão retoma este mesmo confronto entre os adeptos e os críticos dos inventos técnicos, em geral, e da escrita, em particular, para fazer ver que não é por ter escrito e decorado o discurso do sofista Lísias, que tinha estado a ouvir nessa manhã, que passará a ser mais conhecedor das questões do amor, que nele são tratadas, e a descobrir a verdade acerca dessas questões (PLATÃO, 2011, p.274b278b). Podemos encontrar muitos outros exemplos do confronto entre as atitudes a que Simondon (1989) dava o nome de tecnoclastas e as atitudes tecnólatras, isto é, entre os defensores e os inimigos incondicionais dos novos inventos técnicos. Os primeiros encarando-os como a solução para os problemas dos seres humanos e os segundos vendo neles a fonte de todas as infelicidades da humanidade. Outros autores já desenharam oposições semelhantes, como os ‘apocalípticos’ e os ‘integrados’, de Umberto Eco (1964) ou os ‘tecnófobos’ e ‘tecnófilos’ de Neil Postman (1993). É nossa convicção de que tanto a primeira atitude como a segunda decorrem da dificuldade que os seres humanos têm de aceitar a sua condição. Aqueles a que Simondon dava o nome de tecnoclastas esquecem que os seres humanos dependem inevitavelmente dos objetos técnicos que os habilitam a constituir o mundo da sua experiência, continuando deste modo a nostalgia do mito do paraíso perdido, em que supostamente viveriam para sempre felizes, no estado de natureza. Os tecnólatras esquecem que os objetos técnicos são inventos humanos e que a experiência do mundo não depende do seu funcionamento, mas de opções feitas, individual e coletivamente, pelos seres humanos. São essas opções que explicam a invenção, a adoção e o funcionamento dos objetos técnicos ao longo do processo sociogenético. Não é de admirar que os mais recentes inventos técnicos provoquem hoje o confronto entre essas duas posições e alimentem assim uma abordagem dicotômica e ingênua das mídias. As consequências desta abordagem estão particularmente

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