Contra a perfeicao etica na er michael j sandel

Page 40

feiras estaduais e davam prêmios às “famílias em melhor forma”. Essa prática bizarra, porém, ilustra a tolice de se pensar na saúde em termos instrumentais, ou como um recurso a ser maximizado. Ao contrário dos talentos e traços que possibilitam o sucesso numa sociedade competitiva, a saúde é um bem limitado; os pais podem buscá-la para seus filhos sem correr o risco de ser atraídos para uma competição crescente sem sentido. Ao cuidarem da saúde dos filhos, os pais não os convertem em produtos da sua vontade ou instrumentos da sua ambição, nem se lançam ao papel de projetistas. Não se pode dizer o mesmo daqueles que pagam quantias exorbitantes para escolher o sexo do filho (por motivos alheios à medicina) ou que desejam projetar com a bioengenharia os dotes intelectuais e as competências esportivas da sua prole. Como todas as distinções, o limite entre terapia e melhoramento se torna indistinto nos extremos. (Que dizer da ortodontia, por exemplo, ou da terapia com hormônio do crescimento no caso de crianças muito baixas?) Isso, porém, não obscurece o motivo pelo qual essa distinção é importante: os pais que desejam melhorar os filhos têm mais probabilidade de exagerar, de expressar e defender atitudes que vão contra o princípio do amor incondicional. É claro que o amor incondicional não exige que os pais deixem de moldar e dirigir o desenvolvimento de seus filhos. Muito pelo contrário; os pais têm a obrigação de cultivar os filhos, de ajudá-los a descobrir e desenvolver seus talentos e dons. Como aponta May, o amor parental tem dois aspectos: aceitar o amor e transformar o amor. Aceitar o amor busca reafirmar o caráter da criança, enquanto transformar o amor busca seu bemestar. Um lado do amor parental corrige os exageros do outro: “O apego se torna quietista demais quando descamba para a mera aceitação da criança como ela é.” Os pais têm o dever de promover a excelência dos filhos.3 Hoje, no entanto, os pais exageradamente ambiciosos tendem a perder a medida na transformação do amor, ao promover e exigir todo tipo de conquista dos filhos em busca da perfeição. “Os pais sentem dificuldade para equilibrar os dois lados do amor”, observa May. “Aceitar o amor, sem transformá-lo, descamba para a indulgência e por fim para a negligência. Transformar o amor, sem aceitá-lo, vira um tormento e no fim termina em rejeição.” May faz um paralelo desses dois impulsos conflitantes com a ciência moderna: ela também nos pede que observemos o mundo natural, que o estudemos e o saboreemos, ao mesmo tempo que nos pede para moldá-lo, transformá-lo e aperfeiçoá-lo.4 A obrigação de moldar nossos filhos, de cultivá-los e melhorá-los complica o


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.