Caixa para guardar o vazio

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FERNANDA FRAGATEIRO FERNANDA FRAGATEIRO

Nasceu em Lisboa. É docente na Escola de Teatro e Cinema de Lisboa e coordenador da programação Jardins para o Fórum Cultural O Estado do Mundo, na Fundação Calouste Gulbenkian. Entre 2003 e 2006 foi director artístico do Teatro Viriato em Viseu. Born in Lisbon. He is a teacher in the Theatre and Cinema school of Lisbon and coordinator of programme Jardins for the Cultural Forum The State of the World. Between 2003 and 2006 he was the artistic director of Teatro Viriato, in Viseu.

DELFIM SARDO Nasceu em Aveiro. É curador, ensaísta e docente universitário na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. Entre 2003 e 2005 foi director do Centro de Exposições do Centro Cultural de Belém, Lisboa.

CAIXA PARA GUARDAR O VAZIO

MIGUEL HONRADO

CAIXA PARA GUARDAR O VAZIO

FERNANDA FRAGATEIRO Nasceu no Montijo. Estudou na Escola Superior de Belas Artes e no Ar.Co, e desde meados dos anos 80 começou a expor publicamente em Lisboa, cidade onde vive e trabalha. Desde então, tem apresentado o seu trabalho em exposições individuais e colectivas em Portugal e no estrangeiro. O seu trabalho de características multifacetadas tem-se revelado em diversos projectos de instalação, cenografia, ilustração e escultura, alguns dos quais resultaram de colaborações com outros artistas plásticos, arquitectos, arquitectos paisagistas e performers. Em 2001, ganhou o prémio Tabaqueira de Arte Pública com a escultura Um círculo que não é um círculo. Entre 2004 e 2005 foi bolseira da Fundación Marcelino Botín, Santander, Espanha, no âmbito da qual visitou a Ciudad Abierta, Ritoque, Chile. A partir desta experiência, desenvolveu vários projectos, entre os quais: Caixa para guardar o vazio. A sua obra está representada em várias colecções públicas e privadas, entre as quais o Museu de Arte

Born in Aveiro. He is a curator, essayist and university teacher at Fine Arts Faculty of Lisbon University. From 2003 to 2005, he

Contemporânea de Serralves e o Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, Espanha.

was director of the Exhibition Centre at the Centro Cultural de Belém, in Lisbon.

Born in Montijo, she studied at Escola Superior de Belas Artes and Ar.Co. Fragateiro began exhibiting her work publicly in the mid 80s in Lisbon, where she currently lives and works. Since then, she has presented her work at individual and group

CLAUDIA TABORDA

exhibitions, in Portugal and abroad. Her special relationship with architecture, city space and landscape has led to collaborations

Nasceu em Lisboa. É arquitecta paisagista e estudou nas universidades de Évora, York e de Harvard. Em 2006, comissariou o

with architects, landscape architects and performers. In 2001, she the won the Tabaqueira Public Art Prize with the sculpture

projecto LISBOSCÓPIO, que representou oficialmente Portugal na 10.ª Exposição Internacional de Arquitectura Bienal de Veneza.

Um círculo que não é um círculo. From 2004 to 2005, she held a scholarship from the Fundación Marcelino Botín, Santander,

Born in Lisbon. She is graduated in landscape architecture from the University of Évora and from the Harvard Graduate School of

Spain, which enabled her to visit Ciudad Abierta, Ritoque, Chile. This experience inspired several new projects, including Caixa

Design. She studied landscape history at the Institute of Advanced Architectural Studies-University of York. In 2006, she was

para guardar o vazio. Her work is featured in several public and private collections, including Museu de Arte Contemporânea de

curator of LISBOSCÓPIO, the Portuguese Official Representation at the 10th International Architecture Exhibition Venice Biennale.

Serralves, Portugal, and Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, Spain.

A S S Í R I O & A LV I M



FERNANDA FRAGATEIRO

CAIXA PARA GUARDAR O VAZIO

© ASSÍRIO & ALVIM RUA PASSOS MANUEL, 67 B, 1150-258 LISBOA E FERNANDA FRAGATEIRO (2007)

CONCEITO/CONCEPT: FERNANDA FRAGATEIRO, FILIPE MEIRELES E PATRÍCIA CATIVO TEXTOS/TEXTS: MIGUEL HONRADO, DELFIM SARDO E CLAUDIA TABORDA, COPYRIGHT © MIGUEL HONRADO, 2007. COPYRIGHT © DELFIM SARDO, 2007. COPYRIGHT © CLAUDIA TABORDA. TRADUÇÃO/TRANSLATION: JOSÉ GABRIEL FLORES DESIGN GRÁFICO/GRAPHIC DESIGN: PATRÍCIA CATIVO FOTOGRAFIA/PHOTOGRAPHY: JOSÉ ALFREDO, LUIS ASÍN, MANUEL AZEVEDO, FERNANDA FRAGATEIRO, TIAGO LOURENÇO, FILIPE MEIRELES, CARLOS MENDES PEREIRA, LEONARDO PAELLA, MARK RICHIE CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS/PHOTOGRAPHY CREDITS: CAPA E BADANA: FILIPE MEIRELES, LAR- ESCOLA DE STO ANTÓNIO, VISEU. 2005 | P. 12, P. 16, P. 17, P. 18, P. 19, P. 20, P. 21, P. 23, P. 24, P. 26, P. 27, P. 28, P. 29, P. 30 E P. 31: MARK RITCHIE, CGAC, SANTIAGO DE COMPOSTELA. 2007 | P. 32, P. 43, P. 45, P. 58, P .59, P. 60 E P. 61: JOSÉ ALFREDO, LAR-ESCOLA DE STO ANTÓNIO, VISEU. 2005 | P. 43: FERNANDA FRAGATEIRO, LAR-ESCOLA DE STO ANTÓNIO, VISEU. 2005 | P. 54 E P. 55: TIAGO LOURENÇO, CENTRO DE EXPOSIÇÕES DO CENTRO CULTURAL DE BELÉM. LISBOA. 2007| P. 56 E P. 57: MANUEL AZEVEDO, BIBLIOTECA MUNICIPAL DE SANTA MARIA DA FEIRA, SANTA MARIA DA FEIRA. 2006 EDIÇÃO 1149 ABRIL 2007 / EDITION 1149 APRIL 2007 ISBN: 978-972-37-1214-8 REVISÃO/EDITING: ANTÓNIO LAMPREIA, JOSÉ GABRIEL FLORES IMPRESSÃO/PRINTING: TEXTYPE. ESTRADA DE BENFICA, 212-A 1500-094 LISBOA. DEPÓSITO LEGAL: 00000-000 TIRAGEM: 1000 EXEMPLARES


MIGUEL HONRADO APRESENTAÇÃO Caixa para guardar o vazio é a todos os títulos um projecto excepcional, pelo acto criador, pela qualidade da execução, pela cumplicidade e esforço de uma equipa que soube, desde o primeiro momento, que este seria um dos projectos mais fascinantes na vida do Teatro Viriato. Importa assinalar, todavia, dois aspectos da maior importância: o primeiro diz respeito ao papel preponderante que a escultura desempenhou como uma das expressões máximas do trabalho que o projecto pedagógico do Teatro Viriato vem construindo desde 2004, nomeadamente no que respeita à criação de novas obras que permitam uma relação intensa com a comunidade. A reunião em torno do projecto de seis estruturas de programação que o tornaram viável é o segundo aspecto que convém sublinhar aqui. Creio que é de algum modo inédita a difusão tão ampla no território nacional de uma obra de arte contemporânea, num país onde conhecemos as enormes lacunas a nível da sua divulgação, e o longo caminho a percorrer em prol da sensibilização de públicos. Curioso será ainda referir que atribuímos algum «valor sintomático» ao facto deste projecto não ter a sua génese em Lisboa – um atavismo nacional difícil de contrariar – e ser, portanto, resultado de um investimento proveniente na sua maioria de estruturas do Centro e do Norte do país – teatros e organismos municipais. Tal não teria sido possível há menos de uma década; Caixa para Guardar o Vazio é também a este título um primeiro sinal de mudança, e a prova de que existem, mais ou menos distantes de Lisboa, instituições culturais potencialmente dispostas a investir e arriscar neste domínio.

PRESENTATION Caixa para guardar o vazio [Box to keep the void] is on every level a remarkable project, be it in terms of creativity, quality of handicraft or in the collaborative effort of a team that knew from the beginning they had in their hands one of the most fascinating projects in the life of Teatro Viriato. Two aspects of the utmost importance must, nonetheless, be enhanced here: the first concerns the prominence of sculpture as one of the most important elements of the work carried out since 2004 by the Teatro Viriato’s educational project, namely concerning the creation of new works that may inspire an intense relationship with the community. The fact that six entities have joined together around this project in order to make it viable is the second aspect to be highlighted here. I believe that this is probably the first time that a contemporary work of art has been so widely displayed across Portugal, a country with so many deficiencies in terms of artistic promotion, with so much yet to be done in terms of captivating audiences for art events. We also give some “symptomatic value” to the fact that this project did not originate in Lisbon – a quite ingrained national atavism –, being instead the result of the efforts of mainly Northern and Central institutions – theatres and councils. Less than a decade ago, this would not have been possible; Caixa para guardar o vazio is thus a sign of change in that direction, and proof that, away from Lisbon, there are cultural institutions potentially willing to take risks with such projects. 4




Toda a presença é apenas presença à distância. Maurice Blanchot

FIGURAS DE ESPAÇO NA ARQUITECTURA DE UM VAZIO CLAUDIA TABORDA Caixa para guardar o vazio é uma possibilidade1 onde o vazio é construção2 . O primeiro encontro percepciona espaço através de um sistema auto-referencial e de justaposição, que se origina e opera entre a percepção do lugar posicionado da obra e o contexto espacial onde se instala. O espaço da obra ocupado destaca-se pelo plano das suas figuras fixas; o vertical do cubo, o horizontal do tapete e o oblíquo da figura humana, e significa as suas formas enquanto se representam apenas a si. No tempo e no espaço perde-se a forma inicialmente fixa. O processo de transmutação da obra liberta espaços sucessivos, nos quais permanente ou simultaneamente se actualizam a relação entre o observador e a representação, e entre esta e o reconhecido. Os processos de abstracção originados extraem formas essenciais e temporárias, intensificam e complexificam a experiência performativa do seu habitar. A obra do encontro inicial, aparentemente imutável, mostra-se impermanente e indeterminada. As figuras fixas desdobram-se e o espaço liberta-se e amplia-se. Na experiência da obra, o observador confronta-se com a possibilidade de construir espaço indeterminado, não regulado e livre. Um espaço que invariavelmente lhe permite reinventar e reformular a intensidade dos efeitos produzidos, porque a Caixa para guardar o vazio é uma construção que se actualiza permanentemente. É uma arquitectura de espaço alheia às regras construtivas do espaço arquitectónico, que exige ser recriada para assegurar a continuidade da abstracção que torna experienciável a realidade de uma habitação de espaço na qual a arquitectura não existe. O espaço é dinâmico e não permanece numa só imagem. A caixa-superfície, o corpo-forma e o horizonte-plano são elementos e função; diagramas que cartografam os territórios de movimento e, nestes, a duração do tempo-espaço. A figuração espacial é plástica e autónoma de um sistema normalizador que imobiliza as formas e organiza o visível, tornando-

1

A possibilidade entendida como concepção e construção de espaço e tudo o que ainda é possível construir através dele.

Cf. John RAJCHMAN, Constructions, MITPress, Cambridge MA, 1999, p. 7. 2

Construir é erguer um plano livre no qual se move o pensamento, inventam conceitos e se fundam narrativas. Cf. Idem, p. 2.

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-se paradoxal em relação à sua aparente clareza e estabilidade formal. Caixa para guardar o vazio é uma obra de arte para se experienciar através de uma arquitectura que se esconde e cuja estruturação do espaço é organizada e produzida por movimento: uma sequência de espacializações geradas na sua própria forma e estrutura. No espaço, os planos sucedem-se e desdobramse coerentemente unidos à referência da imagem geométrica inicial: um volume puro, que imediatamente remete à ideia primária de abrigo, dentro do qual o vazio não é conteúdo. O vazio é a sua condição operativa3, permitindo às figuras corpóreas a criação de múltiplas espacializações que afectam [surpreendem] o seu observador de um modo ainda não percepcionado. O reconhecimento da obra e o binómio continente-conteúdo são relacionais e interdependentes, e apreendem-se num presente performativo em tempo constante. A espacialização constrói-se de relações integradas e contínuas entre os processos de deslocalização e de polarização, que consecutivamente originam novos centros e outras gravitações4 . As formas mutantes dissipam-se num espaço conectivo de invariáveis tipológicas (parede, porta, janela, passagem), e a forma estável aparece como um registo performativo do qual se abstrai uma cartografia coreográfica5. A arquitectura da Caixa transforma-se num dispositivo de observação e [re]criação, adquirindo um significado e simbolismo que amplia o horizonte da sua experiência. Uma experiência totalizante e continuadamente actualizada pelos processos de espacialização da Caixa para guardar o vazio, que impõem ao observador a mudança constante do seu movimento no exterior. A Caixa abre-se e os planos desdobram-se e ocultam-se conjuntamente. A obra é experienciada como uma série de fragmentos em sucessão espacial e temporal contínua. Um dos seus planos é fixo e espelho; paradigma para a dissolução da composição estática que cria espaço para o movimento dentro da imagem no espaço interior. O plano-espelho revela o espaço interior e desequilibra a sua homogeneidade, introduz dinâmica e fragmenta, expande e descontinua o espaço interior percepcionado. À medida que o observador se movimenta em torno da obra, no plano-espelho reproduzse a realidade não-visível que reflecte o espaço interior no exterior, e o exterior no interior. O reflexo de cada momento visível dispersa-se em fragmentos de espaço e de tempo. A imagem dissipada pelo movimento, do observador e da espacialização da obra, é sistematicamente devolvida ao domínio espacial e temporal da experiência. A forma do seu espaço-invisível é equivalente à do espaço criado para expandir o olhar. A figura-corpo introduz a possibilidade de percepcionar a escala, sendo a sua materialidade um atributo para percepção do volume e da profundidade que o vazio ocupa. O vazio celebrado poderá ser interpretado como espaço complementar 6 , no qual cada coisa se desmembra na

trama das reverberações que a complementam, e em que a sua representação mais abstracta é a efemeridade que se representa; um espaço que anuncia uma ideia do que este vai ser em movimento. O agente-operador do movimento do engendramento da imagem é o corpo 7 ; um ponto material 8 que pode consubstanciar-se em corpo real. Nesta obra de Fernanda Fragateiro, todos os pontos materiais performizados são corpos reais de materialidade distinta. O corpo descreve a geometria espacial num campo de acção aberto, imprevisível e em constante renovação. A distribuição do corpo no espaço e no tempo é condicionada pela sua corporalidade e campo gravitacional específico, e a potencialidade cinestésica da obra é activada por um corpo que se reinventa como figura através do espaço desdobrado e aberto. As relações de espaço-tempo entre os planos espaciais, estes e o corpo e o seu movimento, e a sua expressividade caracterizam a circunstância de produção, temporalidade [permanência] e re-criação da espacialização do espaço nãopreenchido: o vazio é um lugar desocupado pelo corpo. A representação do espaço torna-se uma construção. O corpo designa uma realidade material e conceptual9, e um dos aspectos mais críticos da sua importância para o entendimento da realidade é a relação entre ele e o que realmente existe10. Caixa para guardar o vazio é simultaneamente construção e tempo, corpo e performance, espaço e coreografia; é um continente onde o corpo encontra inúmeras possibilidades para ser corpo11. A experiência da obra convoca a impossibilidade de figurar a constância do corpo, de o fixar numa imagem em relação à posição ou percepção do observador. O dinamismo que cambia o corpo é correspondente e unívoco, correlativo e coincidente no processo de espacialização da obra. O corpo é espacializado como unidade formativa e figurativa dinâmica, sendo impossível apreender-lhe a imagem enquanto tal porque as duas realidades, de ordem diferente e antagónica, transformável e permanente, ocupam o mesmo espaço em simultâneo e neste se confrontam, substituem, agregam e excluem. A forma estável e mutante do corpo dilui-se na alterabilidade dos planos que se sucedem em movimento e dissimula-se no movimento que os desdobra. A unidade corpórea multiplica-se em partes e é reconstituída e reconfigurada na percepção reconstrutiva do observador. As figuras-imagem do padrão

7

José GIL, A imagem-nua e as pequenas percepções - Estética e Metafenomenologia, Relógio d’Água Editores, Lisboa,

2005, p. 172. 8

Ibidem.

9

Idem, p. 43.

10

Dalibor VESELY, «The Architectonics of the Embodiment», in Body and Building, MITPress, Cambridge MA, 2005, p. 30. Merleau-Ponty, The Phenomenology of Perception, Routledge, London, 2002.

3

Cf. Idem, p. 75 e p. 104

11

4

Juan NAVARRO BALDEWEG, La Habitación Vacante, Editorial Pre-Textos, Girona, 2001, p. V.

12

5

Idem, p. 74.

Ostfildern-Ruit, 2000, p. 108.

6

Idem, p. 37.

13

12

Gabriele BRANDSTETTER, «Choreography as a Cenotaph», in Remembering the Body, Hatje Cantz Publishers, William Forsythe.

13


espacial do corpo coreografado e o da sua espacialização são memorizadas: a coreografia é uma notação espacial e temporal, e uma cartografia do movimento12. O corpo definido como uma forma de tempo13 não se pode fixar ou reduzir numa imagem homogénea e unificada. Ele percepciona-se e compreende-se como um processo de representação coincidente e síncrona de tempo e de espaço. A experiência performativa do corpo e a do observador nunca se fundem como a completada da obra. O corpo-espaço e o corpo-tempo fundem-se e auto-representam-se para construir uma espacialização transformativa aberta e inconstante, na qual o tempo e o espaço são pontos materiais equivalentes e substanciais, que se 14

14

Gabriele BRANDSTETTER, Idem, p. 104.

15


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Every presence is only presence at a distance. Maurice Blanchot

FIGURES OF SPACE IN THE ARCHITECTURE OF A VOID CLAUDIA TABORDA Caixa para guardar o vazio is a possibility1 in which the void is construction2. On first encountering it, space is perceived by means of a self-referential, juxtaposing system, which originates and operates between the perception of the place where the work is positioned and the spatial context that contains it. The space occupied by the work stands out via the plane of its fixed figures; vertical for the cube, horizontal for the mat, and oblique for the human figure; it signifies their forms, while they represent only themselves. Form, initially fixed, becomes lost in time and space. The work’s transmutation process liberates space after space, in which the connection between observer and representation, representation and recognisable elements is permanently or simultaneously actualized. The resultant processes of abstraction reveal essential and temporary forms, intensifying and complexifying the performative experience of their dwelling. The once (on first encounter) apparently immutable piece is now seen as impermanent and indeterminate. Fixed figures unfold, space liberates and amplifies itself. While experiencing the work, the observer is confronted with the possibility of constructing indeterminate, unregulated, free space. A space that invariably allows the observer to reinvent and reformulate the intensity of the effects produced, because Caixa para guardar o vazio is a construction that permanently actualizes itself. It is an architecture of space that ignores the rules for the construction of architectural space, that demands its re-creation in order to ensure the continuity of the abstraction that allows us to experience the reality of a dwelling of space in which architecture plays no part. Space is dynamic and does not remain limited to a single image. The surface-box, the form-body and the plane-horizon are elements and function at once; diagrams that map out the territories of motion and, in them, the duration of space-time. Spatial figuration, here, possesses a sort of plasticity, separate from a normalising system that immobilises forms and organises the visible elements, eventually becoming paradoxical regarding its apparent formal clarity and stability.

1

Possibility as the conception and construction of a space, including everything else that may still be built through it. Cf.

John RAJCHMAN, Constructions, MIT Press, Cambridge MA, 1999, p. 7. 2

‘To think would always be to construct, to build a free plan in which to move, invent concepts, unfold drama’. Cf. Idem, p. 2.

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Caixa para guardar o vazio is a work of art that must be experienced through a self-concealing architecture, whose structuration of space is organised and produced by movement: a sequence of spatializations generated by its own form and structure. In space, planes coherently follow each other and unfold, under the aegis of the initial geometric image: a pure volume, which immediately evokes the founding notion of shelter, within which the void does not play the role of contents. The void is its operative condition3, allowing the corporeal figures to create multiple spatializations that affect [surprise] their observer in a way yet unperceived. The piece’s recognition becomes performative present in constant time, while the container and its contents are relational and interdependent. Spatialization is made of integrated and continuous connections between the delocalization and polarization processes, which consecutively organise new centres and gravitations4. The mutant forms dissolve in a connective space of typological invariants (wall, door, window, passage), while the stable form appears as a performative notation from which a choreographic cartography is abstracted5.

3

Cf. Idem, pp. 75 and 104.

4

Juan NAVARRO BALDEWEG, La Habitación Vacante, Editorial Pre-Textos, Girona, 2001, p. V.

5

Idem, p. 74.


The Caixa’s architecture becomes a device of observation and [re-]creation, gaining a meaning and symbolism that amplify the spectrum of its experiencing. A totalising experience, continuously actualized by the Caixa para guardar o vazio’s processes of spatialization, which compel observers to constantly change their movement on the outside. As the Caixa opens, the planes unfold and conceal themselves at the same time. The piece is experienced as a series of fragments in continuous spatial and temporal succession. One of its planes is fixed and a mirror; a paradigm for the dissolution of static composition that creates space for movement inside the image in the inner space. The mirror-plane reveals the inner space at the same time it unbalances its homogeneity by introducing dynamics, thus fragmenting, expanding and discontinuing the perceived inner space. As the observer moves around the piece, the mirror-plane reproduces the non-visible reality that reflects the inner space on the outer, and the outer space on the inner. The reflection of each visible moment becomes dispersed as fragments of space and time. The image, dispersed by the movement of the observer and of the work’s spatialization, is systematically sent back to the spatial and temporal realm of experience. The form of its invisible-space is equivalent to the form of the space created to

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expand the gaze. The body-figure brings in the possibility of perceiving scale, and its material is an asset for perceiving the volume and depth occupied by the void. The celebrated void can be read as complementary space6, in which each thing is dismembered in the web of reverberations that complement it, the most abstract representation of which is ephemerality representing itself; a space announcing the notion that it will exist in movement. The operating agent of the image-generating movement is the body7; a material point8 that can consubstantiate itself as a real body. In this work by Fernanda Fragateiro, every material point in action is a real, materially-distinct body. The body describes the spatial geometry in an open, unpredictable, constantly renewed field of action. The body’s distribution across space and time is conditioned by its corporeality and specific gravitational field, while the piece’s kinaesthetic potential is activated by a body that reinvents itself as a figure by means of unfolded, open space. The space-time connections between spatial planes, the body and its movement and expressiveness characterise the circumstances of production, temporality [permanence] and [re-]creation of the spatialization of non-filledin space; the void is a place unoccupied by the body. The representation of space becomes a construction. The body indicates a material and conceptual reality9, and one of the most ‘critical aspects of the role of the body in understanding reality is the relation between the body and that which truly exists.’10 Caixa para guardar o vazio is simultaneously construction and time, space and choreography; it is a container in which the body finds countless possibilities of being a body.11 Experiencing the work reminds us of how impossible it is to figure the body’s constancy, fixing it into an image related to the observer’s position or perception. The dynamism that changes the body is corresponding and univocal, correlative and coincident in the work’s spatialization process. The body is spatialized as a dynamic formative and figurative unit; it is impossible to capture its image as such, because the two realities, belonging to different, antagonistic orders, one changeable, the other permanent, occupy simultaneously the same space, in which they confront, replace, aggregate and exclude each other. The body’s stable and mutable form becomes diluted in the changeability of the planes that move one after another, concealing itself in the movement that unfolds them. Corporeal unity multiplies itself into parts, which the observer’s reconstructing perception recovers and reconfigures. The image-figures of the

6

Idem, p. 37.

7

José GIL, A imagem-nua e as pequenas percepções - Estética e Metafenomenologia, Relógio d’Água Editores, Lisbon,

2005, p. 172. 8

Ibidem.

9

Idem, p. 43.

10

Dalibor VESELY, ‘The Architectonics of the Embodiment’, in Body and Building, MIT Press, Cambridge MA, 2005, p. 30.

11

Merleau-Ponty, The Phenomenology of Perception, Routledge, London, 2002.

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spatial pattern of the choreographed body and of its spatialization are memorised: choreography is a spatial and temporal notation, as well as a cartography of movement.12 The body as a form of time13 cannot be fixed into, or reduced to, a homogenous, unified image. It is perceived and understood as a process of coincident, synchronous representation of time and space. The performative experiences of the body and the observer never blend, unlike the work’s accomplished performative experience. The space-body and time-body fuse and self-represent themselves in order to construct an open, fluctuating transformative spatialization, in which time and space are equivalent and substantial material points, which contract and expand while being experienced. Caixa para guardar o vazio is experienced as a possible attempt at constructing and retaining as a percept that which cannot be held: movement.14

12

Gabriele BRANDSTETTER, ‘Choreography as a Cenotaph’, in Remembering the Body, Hatje Cantz Publishers, Ostfildern-

Ruit, 2000, p. 108. 13

William Forsythe.

14

Gabriele BRANDSTETTER, Idem, p. 104.

24

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ECOLOGIA EMOCIONAL DELFIM SARDO

Não sabemos já o que é a escultura. Não é um dado recente, mas uma evidência que está já inscrita na história da arte do século XX. As suas raízes estendem-se para lá da evidente detecção do campo alargado do escultórico durante a década de setenta, muito antes, no cruzamento entre arte e espaço real. Quer isto dizer que não é só a partir da constatação de que a escultura se desenvolve num campo expandido por Rosalind Krauss1, nem antes, com a difícil tentativa de saída do espaço de atelier em direcção ao mundo de Gordon Matta-Clark e Robert Smithson, com a afirmação peripatética de Richard Long, ou com a metáfora de Berndt e Illa Becher; nem tão-pouco antes, com o esforço de Donald Judd2 em estabelecer um campo de tridimensionalidade que não se resumisse ao escultórico ou à inscrição na história da escultura. Poderemos tentar localizar as raízes desta impossibilidade de definição de um campo para a escultura no construtivismo russo, ou seja, na impossibilidade em encontrar uma prática artística que se distanciasse de si a partir de uma metáfora arquitectónica. Talvez mesmo a afirmação do escultórico face à estatuária, que se afirma com Rodin e a afirmação de modernidade dos Bourgeois de Calais e do monumento a Honoré de Balzac. Talvez ao escultórico seja inerente a sua própria negação, como provavelmente a qualquer campo artístico seja imprescindível a saída de si que, do exterior, lhe confere possibilidade. Talvez. Mas o que é facto é que, no campo da escultura contemporânea se encontram todas as modalidades possíveis do procedimento artístico, mesmo aquelas que podem já não pertencer ao domínio do artístico, mas do arquitectónico, do social, do antropológico, do documental, da mera recolecção, da inventariação,

1

Krauss, Rosalind, «Sculpture in the Expanded Field», Passages in Modern Sculpture, MIT Press, Cambridge,

Massachusetts, 1978. 2

30

Judd, Donald, «Specific Objects», Art Year, Nova Iorque, Dezembro de 1965.

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© Carlos Mendes Pereira

Contínuo, construído e variável, 2006. 265 x 800 x 100 cm. Madeira / Wood. Galeria Presença, Porto.

do arquivo, da performatividade e do cinemático. Este âmbito de multiplicidade acaba por reivindicar para si um paradoxo: a escultura, que sempre se tentou afirmar como objecto no espaço, público ou privado, só tem sentido como agenciamento do próprio espaço e não como objecto tout court. O que quer dizer que a sua matéria não está em si, mas reside no exterior, fora de si. É deste cruzamento que é feita a obra de Fernanda Fragateiro. Não só esta peça, a Caixa para guardar o vazio, mas o contínuo do seu percurso. O que quer isto dizer, ou que implicações imediatas possui? Sobretudo, três afirmações principais: primeiro, que a obra de Fernanda Fragateiro se desenvolve num eixo de tradição histórico, que identifico como oriundo da utopia das vanguardas russas, mas que se estendeu de formas diversas ao longo do século XX; segundo, que a sua forma de entender a escultura sempre foi inseparável de um plano de realidade que é materializado num primado do uso; finalmente, em terceiro lugar, porque este novelo de relações se processa no espaço, interior ou exterior, expositivo ou urbano, a partir de métodos construtivos que possuem na arquitectura o seu transcendental, ou seja, a sua condição de possibilidade. Podemos adiantar já que, a estas condições, gostaria de acrescentar um pressuposto e uma consequência. O pressuposto é o de que a obra de Fernanda Fragateiro e, no seu interior, a Caixa para guardar o vazio, se define como uma proposta de entendimento da espacialidade que se situa fora de uma tradição do «perante», do que está à nossa frente, sob os nossos olhos, face à qual lacanianamente nos situamos como observadores, mas pressupõe uma penetrabilidade espacial, um carácter háptico da proposta escultórica. A consequência é a da definição de uma proposta artística que, necessariamente, se desenvolve como uma arquitectura para a sua fruição, ou seja, como um dispositivo que se propõe existir pelo seu uso. Este carácter de uso é, julgo, uma proposta política, uma afirmação feminista e uma

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sensibilidade estética. Comecemos pelo início e tentemos explicitar um pouco melhor estas três afirmações a propósito da intervenção escultórica que é a Caixa para guardar o vazio. Trata-se, numa descrição sucinta, de um paralelepípedo, aparentemente fechado, ou evidentemente aberto como uma Caixa, dependendo do momento em que o observamos. Este paralelepípedo abre-se ao exterior, sendo totalmente construído em madeira (com esparsas utilizações de metal nas dobradiças e trancas das aberturas). A sua visão enquanto grande sólido fechado no espaço remete para uma escala que já é a da arquitectura porque, possuindo uma dimensão próxima da habitabilidade, nega a sua qualidade de receptáculo pelo hermetismo. Não possui uma clara porta, nem uma entrada, mas cameos de portas, janelas, aberturas opacas para o visitante, ainda espectador. É ainda interessante verificar como o carácter monolítico da obra encontra um estranho matiz na qualidade sensorial da madeira. Esta qualidade vocacionada para o toque, para o tacto, é particularmente nítida quando a obra é instalada em edifícios que possuem no plano da construção da visão sobre o espaço interior, ou na sua relação com o exterior, o centro das suas possibilidades arquitectónicas. É o caso da instalação da peça no CEGAC, de Santiago de Compostela, obra do arquitecto Álvaro Siza Vieira e notável peça arquitectónica que propõe um desenho relacional do espaço sob a égide da visão, do ponto de vista. Montada no foyer da entrada, a Caixa para guardar o vazio demonstrava o seu carácter magnético para o toque de duas formas: pela localização escolhida, que tocava a arquitectura num só ponto, e porque a sua compleição habitacional solicitava ao espectador que, entrando, toque nas paredes de madeira, viva o espaço da obra a partir do seu interior sob a égide da ex-periência sensorial do tacto, da temperatura. Assim, a peça possui uma segunda e ainda uma terceira formulação: abre-se para o exterior a partir de

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© Luis Asín

uma série de dispositivos que, saindo como gavetas da estrutura, multiplicam a sua volumetria, mas é (ou pode ser), um sistema cénico para o desenvolvimento de um conjunto de actividades do domínio da dança, especialmente concebidas pela coreógrafa Aldara Bizarro para uma exploração com crianças em torno, dentro e a propósito do espaço da Caixa. O sistema de aberturas para o exterior da peça fazem-na pertencer ao domínio evidente do dispositivo, na medida em que, através de processos mecânicos simples e precisos, a Caixa se transforma numa possibilidade de jogo exploratório, num crescendo de complexificação do seu espaço exterior, mas também do seu espaço interno. Este processo de complexificação processa-se através da multiplicação de interiores no interior da Caixa, mas também pela utilização de um sistema de espelhos, mecanismo que tem vindo a ser usado frequentemente por Fernanda Fragateiro. Num certo sentido, a Caixa para guardar o vazio representa uma súmula integrada de um conjunto de sub-sistemas espaciais que a artista tem vindo a desenvolver, nomeadamente através da inclusão de espelhos, da produção de «chãos» que recobrem áreas, por vezes também com o uso de espelhos por baixo de reticulados de madeira, como de corredores ou estruturas de madeira que possuem um valor de passagens, por vezes possibilitando a intervenção dos seus espectadores, convertidos (em utilizadores), que possuem a possibilidade de agir sobre a própria opacidade do dispositivo de passagem. Assim, para quem chega à Caixa com os dispositivos de entrada «activados», ou seja, com o sistema de aberturas para o exterior transformados em portas de acesso ao interior, a obra possui uma presença absolutamente diversa no espaço. Por um lado, trata-se, já não de uma habitação hermética, mas de uma mimética de um sistema exploratório, que possui, por essa via, uma clara relação com um ponto de vista construtivo, mas que não se refere a nenhuma alegoria específica de um sistema habitacional, o que não significa que não possua uma sinalização poderosa de contextos de habitabilidade informal. Quer isto dizer que, se a obra, na sua formulação aberta, não remete para uma arquitectura da racionalidade, não deixa, também, de evocar sistemas de arquitectura de uso informais, como construções precárias, arquitecturas de favela, processos orgânicos de desenvolvimento de espaços habitacionais, aquilo a que tem vindo a ser sistematicamente baptizado como anarquitecturas (fazendo uma utilização livre do termo que designou o grupo em torno de Gordon Matta-Clark). Esses sistemas abertos anarquitectónicos, vernaculares no seu primado da utilidade e definidos por um crescimento funcional, servem frequentemente como modelo para a prática artística, na medida em que não são dirigidos por um primado estético e, por isso, não possuem em si nenhum outro agenciamento senão a um primado de realidade, ficando disponíveis as instâncias da articulação sensível para poderem ser trabalhadas. Esta matriz tem vindo a ser usada por Fernanda Fragateiro, não numa vertente de aproximação a uma estética da vernacularidade, mas, pelo contrário, salientando o princípio háptico, táctil , da sua vinculação ao uso, ao toque, iniciado com as estruturas que definem passagens, inserindo-se na relação formal com o chão

Expectativa de uma paisagem de acontecimentos, 2006. Dimensões variáveis. Madeira e aço / Variable size. Wood and steel. Galería Elba Benítez, Madrid.

e, finalmente, no caso da Caixa, como construção que se inscreve no ponto sensível entre habitação, gruta e construção. Para as vanguardas russas das segunda e terceira décadas do século XX, o problema do espaço transformou-se, por via de Lazar El Lissitzky e Vladimir Tatlin, na questão do espaço real. Esta transformação, primeiro com os relevos de parede de Tatlin de 1914-1915, depois com os projectos de Lissitzky de construção de espaços expositivos, procede de uma primeira transformação no campo da escultura que deriva da opção pelo trabalho com múltiplos materiais, em oposição ao carácter de monomaterial da tradição escultórica. Esta opção substitui a «moldura» do dispositivo material por outras «molduras», estas já da ordem do construtivo, do auto-portante. Segundo David Summers3, é este movimento que aponta, pela primeira vez, para um esborratamento entre práticas artísticas, na medida em que o campo de unidade fornecido pela matéria cede agora lugar à necessidade de uma outra identidade própria, como arte, como construção e como deposição de materiais que, no seu carácter heteróclito, convocam uma unidade outra que reside simplesmente no espaço, sobretudo quando a tipologia dos materiais sai do campo «artístico» e passa a, por si só, não construir outro próprio senão a ocupação de um espaço real. A proposta de Tatlin, proto-construtivista, monta-se na ligação entre duas paredes (é uma peça de canto) e nessa saída da espacialidade votada à arte – a parede que recebe pintura, o chão que recebe escultura, o plinto que fornece uma hierarquia – encontra uma outra tipologia de espaço, transformado em matéria de realidade, espaço objectivo, no sentido em que é comum. Em última instância, viria a ser social. Nos anos que se seguiriam, Tatlin viria a fazer parte de um grupo de artistas profundamente empenhados

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Summers, David, Real Spaces, Phaidon, Londres, 2003.

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na revolução e, nesse âmbito, propõe o Monumento à Terceira Internacional que, de facto, não é uma escultura no sentido tradicional do termo, mas um edifício que albergaria a sede da Terceira Internacional, com diferentes níveis que possuiriam um movimento de rotação (um ano para o piso inferior, uma semana para o piso intermédio, um dia no piso superior), numa gloriosa alegoria da revolução. Nunca construído, dele foram apresentadas várias maquetas, nomeadamente uma com a altura de dois andares e que firmou a habitual convicção de que trataria de uma escultura de grandes dimensões, quando de facto era previsto medir mais de 400 metros de altura. Para lá do inerente carácter utópico do projecto, o mais importante será a constatação de que se trata de passar do espaço de representação para o espaço real, movimento que também é notável, embora com outros contornos, em Lissitzky, sobretudo no projecto do Espaço Proun, que apresentou em Berlim em 1923, como depois no Kabinet für Abstrakte Kunst, encomendado por Alexander Dorner para o Landes Museum de Hannover. O espaço Proun consistiu num espaço que, como narra Eva Forgáks, «convidado para expor […] na Grosse Berliner Kunsaustellung, que teve lugar no Lehrter Banhoff em Berlim de Maio a Setembro de 1923, Lissitzky obteve um quarto que media aproximadamente 3 x 3 x 2,5m que ele transformou numa única e coerente obra de arte. Um conjunto de formas abstractas e geométricas estão ao longo das paredes. Em vez de usar a maior parede, a que se situava em frente ao espectador quando ele entra na sala, ou deixar o espectador no meio da sala para experienciar todo o espaço em simultâneo, Lissitzky predeterminou o itinerário do espectador, encorajando-o a caminhar ao longo das paredes da sala, no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio.» Este eixo de relações, a que se poderia, por outras razões – digamos, sobretudo pela intimidade em relação à ideia de penetrabilidade, de gruta –, juntar Kurt Schwitters 4 , interessa a Fernanda Fragateiro, de formas diversas durante o seu percurso artístico. No início, interessar-lhe-ia, sobretudo, o seu carácter de pesquisa formal sobre o espaço e a arquitectura. Posteriormente, esse interesse veio a incidir sobre o centro deste núcleo de questões artísticas, ou seja, o arco que realizam entre a dimensão da corporalidade e a escala pública do espaço. Diria que, mais recentemente, também sobre a vertente social da espacialidade que aqui encontra um primeiro eixo de confluência. Repare-se que, ao longo do século XX, este interesse pelo espaço real – e por uma passagem do modelo estético-contemplativo para um modelo estético-participativo –, é uma das pedras de toque das transformações dos processos artísticos, normalmente analisados a partir de questões de imagem (o que revela uma história e teoria de arte que se construiu em torno de um modelo que é o da distância). Essa é a saga que passa pelo minimal na sua vertente de difícil crítica da escultura e que viria a constituir o centro das práticas artísticas que, produzindo-se a partir do espaço real, se remetem para uma instância de partilha a partir de dispositivos.

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Portanto, o trabalho de Fernanda Fragateiro situa-se numa perspectiva que mergulha na história da arte do século XX, provavelmente uma das instâncias de debate mais profícuas do seu processo de migração, que poderemos localizar como de passagem entre o espaço de representação e o exercício de espaço real. O segundo eixo que propusemos para pensar a Caixa no contexto da sua obra foi o primado de uso. Muitas das suas peças possuem este mesmo atributo, simultaneamente uma característica e uma dificuldade. No caso da Caixa, ambos os eixos desta equação se amplificam, parecendo que este estranho objecto só existe para uma utilização. Repare-se que a sua exclusiva «existência-para» é uma inevitabilidade, mas o uso a que nos referimos é, especificamente, a sua habitação enquanto estrutura lúdica, no sentido de Schiller. De facto, a Caixa é, como referimos acima, uma peça que é votada a exercícios, sejam eles absolutamente incontroláveis por parte da artista, sejam parte de um programa que, em determinadas circunstâncias, faz parte da obra. Assim, o uso é uma parte imprescindível do trabalho, mas a questão que se coloca é o da validade da peça independentemente do seu uso, ou de que forma a obra negoceia as suas condições de autonomia face a esses mecanismos de uso – isto é, que entendimento possui Fernanda Fragateiro da forma como inseparável do processo escultórico? A ambivalência deste processo é particularmente curiosa, na medida em que a manipulação da peça e a sua mobilidade são a sua razão de ser, mas não a esgotam, isto é: a Caixa é um dispositivo, e é como tal que pode ser usado, sendo portanto sob esta égide que possui a sua valência mais marcante. No entanto, o seu carácter de dispositivo não demite um aturado e lento pensamento sobre a forma e um enorme cuidado de execução que transforma a obra em objecto que vive para a sua fruição estética. O que quer isto dizer? Não só, claro, que existe um primado de pensamento formal, no sentido em que as suas especificidades são insubstituíveis – a Caixa é o que é, porque necessita de ser absolutamente específica, não só ao nível gestáltico, mas também ao nível do pormenor significante, como a exacta tonalidade da madeira, o cuidado em ser completamente lixada entre utilizações, a qualidade acetinada do toque, o rigor da manufactura construtiva, o detalhe que confere uma específica qualidade imanente. Mais, a sua qualidade estética expande-se para um outro campo que é o da sensibilidade em termos mais amplos, a apetência para ser tocada, a resposta térmica das paredes, aquilo a que já chamámos a sua qualidade háptica, aspecto a que voltaremos. Assim, a Caixa situa-se num limbo entre dispositivo e forma, entre uma razão pragmática e um primado estético que permite compreender que, sendo-o, não é um cenário. Não é um adereço de palco, por natureza substituível, mas a coisa mesma, uma escultura (pronto, está dito) penetrável e disponível para valências de uso.

Pela proposta extraordinária que é a Merzbau, conversão última do atelier do artista em espaço global, penetrável e múltiplo.

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© Leonardo Paella

Caixa para guardar o vazio, 2005. Maqueta escala 1:10. Madeira, cartão micro-canelado e espelho / 1:10 model. Wood, ribbed cardboard and mirror.

O terceiro aspecto que parece importante para compreender o novelo de relações que a Caixa providencia reside na sua relação com a arquitectura como sua condição de possibilidade. O que queremos dizer com esta afirmação? As peças de Fernanda Fragateiro possuem, como é habitual dizer-se, uma relação arquitectónica. Essa relação é produzida por vários processos, entre os quais se conta a utilização de uma escala real e o permanente recurso a uma disciplina de projecto que pertence a uma ordem cultural de edificação. Já mapeamos essas relações a partir do interior da história de arte, mas o uso da escala real pela artista inscreve-se como uma marca pessoal desde as suas primeiras peças. Recentemente, a sua proposta de obras que configuram passagens possui um tratamento da escala do corpo que, sendo subtilmente manipulada, permite relações de estranheza arquitectónica (no sentido que lhe dá Anthony Vidler5), ou seja, desajustes precários em relação à escala do corpo adulto – instaurando uma outra linha de premência que se situa na procura de uma razão regressiva, mas a este aspecto lá iremos. Nos chãos que a artista propõe, por exemplo, a sua adequação exacta ao espaço inalterado do edifício situa-se num esforço mimético em relação às normais valências de dispositivos arquitectónicos, como revestimentos, soalhos, entidades reais que permitem a nossa mobilidade sobre eles. Não se trata, portanto, meramente de usar dispositivos oriundos de uma cultura arquitectónica, mas de produzir obras escultóricas que o são porque o seu processo exógeno encontra nos dispositivos arquitectónicos a sua possibilidade de existência. São o que são, porque necessitam, para o ser, de outra coisa – a saber, de um processo arquitectónico. Assim, a sua escultura processa-se via arquitectura para se reencontrar, não como arquitectura, mas como escultura, como se não pudesse existir sem o recurso a um mediador arquitectónico. «Como se» é, ainda, uma afirmação titubeante. A arquitectura é o seu outro interno, o seu processo – embora não seja como arquitectura que existam, mas como arte, não como modelo, mas

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Vidler, Anthony, The Architectural Uncanny, Essays in the Modern Unhomely, MIT Press, Cambridge Mass., 1992.

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como uma entidade única. Esta afirmação é válida para as obras que possuem uma escala 1:1, mas é também válida para as obras de menores dimensões, simulacros de outras que seriam, hipoteticamente, à escala real. O que se passa é que a sua escala real pode ser a do modelo, que passa, por isso, a ser um objecto real e não uma metáfora com relações semânticas codificadas em relação a um outro real e futuro. E é neste sentido que a afirmação de que a sua obra possui relações com a arquitectura é ainda muito débil. A sua proximidade é o motivo da sua distância porque a arquitectura é o seu transcendental6. Fora dela, não existe condição de possibilidade para a sua obra. Mas, por isso mesmo, não é arquitectura. Aqui chegados, podemos finalmente recuar em direcção aos seus pressupostos e avançar para tentar compreender as consequências destas três condições. Temos vindo a repetir a afirmação de que a obra de Fernanda Fragateiro se situa num pressuposto de um primado háptico. Este primado da sensação e da tactilidade reside na ancoragem da sua obra a um uso repetido de um leque principal de materiais, nomeadamente as madeiras e contraplacados e os espelhos. O uso conjunto destes materiais sugere uma oposição, em primeiro lugar, térmica, embora também de jogo entre opacidade e transparência. No entanto, a devolução espacial que o espelho aqui propicia situa-se menos ao nível da imagem e mais, creio, em relação a uma possibilidade espacial de criação de relações entre realidade e virtualidade, por vezes claramente demonstradas (quando os espelhos, por exemplo, reflectem texto, marca indelével da sua relação virtual), outras centradas sobre um aprofundamento do espaço, um mergulho proposto à vertigem do corpo. Por outro lado, o espelho reforça o carácter metaóptico7 do programa de Fernanda Fragateiro, no sentido em que faz disparar as possibilidades de ângulos de visão no espaço, desmultiplicando-o. No caso da Caixa, a introdução da permeabilidade de visão fornecida pela colocação do espelho no solo, por debaixo da grelha de madeira 6

Agamben, Giorgio, Image et Mémoire.

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Summers, D., op. cit., pp. 555 ss.

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que pisamos, possui uma qualidade de duplicação espacial, como se o que víssemos do exterior da estrutura fosse só uma parte da sua complexidade – e de facto é assim. O seu espaço prolonga-se virtualmente, possibilitando mesmo a imaginação de um ponto de vista que é o nosso reflectido na profundidade especular. No entanto, este domínio do virtual, sendo colocado ao serviço de uma proposta metaóptica, nunca é conectado com qualquer possibilidade panóptica, na medida em o pressuposto do seu trabalho é, precisamente, o inverso: o espaço é uma entidade que pode ser vivida como condição de possibilidade da experiência, mas não é possível dominar as condições de visão, nem tão-pouco é interessante propiciar mecanismos de absoluta transparência porque são, sobretudo, mecanismos de dominação e controlo – e, nesta recusa, temos o primeiro sintoma de que, nas obras recentes de Fragateiro e na Caixa, em particular, se define um plano que é, também, o de um entendimento político da prática artística. Mais: o carácter háptico do espaço é gerado a partir de uma sensibilidade que é, em primeiro lugar, nómada, peripatética, e, em segundo lugar, emocionalmente táctil. Este carácter táctil requalifica o espaço da obra, estabelece a sua especificidade, fornece a sua condição emocional e afectiva – mas também o seu preceito e o seu conceito. Ou seja, o estabelecimento de uma espacialidade táctil – que Giuliana Bruno8 define como uma espacialidade feminista e claramente oposta a uma espacialidade óptico-geométrica –, implica a gestação de um sujeito corporalizado e, portanto, de uma relação estética corporalizada, centrada num corpo que se desloca. Por isso é que as obras recentes de Fernanda Fragateiro necessitam de processos de deslocação do corpo no espaço. Por outro lado, a definição de um sujeito corporalizado destas esculturas é simultânea com a eleição de um corpo colectivo provisório de habitantes destes espaços. Isto é, o carácter de espaço social que possuem (porque são, de facto vocacionados para actividades conviviais) instaura ficções comunitárias, mecanismos de relação, frágeis colectivos que partilham um espaço comum. E neste sentido, a Caixa transforma-se num dispositivo de uma micro-utopia que não procura qualquer processo de mudança, mas que se inscreve dentro do eixo da bio-política, quanto mais não seja porque a relação que propõe ao espectador se materializa na proposta de um protocolo ficcional de coexistência. E nesse sentido, a vocação da Caixa para a sua utilização por um público infantil enquadrado dentro de um processo performativo, implica uma outra micro-ficção dentro das miríades de possibilidades que a peça comporta: agora é uma comunidade específica que o habita, uma comunidade ideal, uma metáfora da última ambição perdida do estético, o do ver-pela-primeira-vez, o estar-pela-primeira-vez, o tocar-pela-primeira-vez. E nesse sentido, a obra de Fernanda Fragateiro entrega-se a mais essa ficção, com o sentido claro de que a vivência metafórica do espaço cénico só possui um sentido porque é convertido num espaço real, transversal e tangível.

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Bruno, Giuliana, Atlas of Emotion, Journeys in Art, Architecture and Film, Verso, Nova Iorque, 2002.

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EMOTIONAL ECOLOGY DELFIM SARDO

We no longer know what sculpture is. This is no news, but a consensual notion that is already part of 20th-century art history. Its roots stretch beyond the detection, during the 1970s, of the expanded field of sculpture, reaching back to the intersection of art and real space. This means it does not simply date back to Rosalind Krauss’ verification of the fact that sculpture develops in an expanded field 1, or even to earlier events, such as Gordon MattaClark and Robert Smithson’s problematical attempt at exchanging the studio space for the world, Richard Long’s peripatetic assertion, or Berndt and Illa Becher’s metaphor; not even to Donald Judd’s attempt 2 to create a three-dimensional field that would not limit itself to the sculptural realm or to the history of sculpture; the roots of this impossibility to define a field for sculpture lie probably in Russian Constructivism, that is to say, in the impossibility to find an artistic expression that could distance itself from itself by means of an architectural metaphor. Or even in the separation of the sculptural from statuary, which began with Rodin and such modern statements as his Bourgeois de Callais and Honoré de Balzac’s monument. Perhaps the negation of the sculptural is inherent to the sculptural itself, just as probably every artistic field needs an exit from itself, which makes it possible from the outside. Perhaps. But it is a fact that the field of contemporary sculpture contains all possible modalities of artistic procedure, even those that may no longer belong to the artistic realm, but rather to the architectural, social, anthropological, documental fields, or even to mere recollection, inventory, archives, performative activities and kinematics.

1

Krauss, Rosalind, “Sculpture in the Expanded Field”, Passages in Modern Sculpture, MIT Press, Cambridge,

Massachusetts, 1978. 2

Judd, Donald, “Specific Objects”, Art Year, New York, December 1965.

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Fernanda Fragateiro’s work is built on this intersection. Not just the present piece, Caixa para guardar o vazio [Box to keep the void], but the whole of her artistic career. What does this mean, or rather: what are its immediate implications? Three basic statements come to mind: first, that Fernanda Fragateiro’s oeuvre develops itself within a historical tradition that, in my opinion, descends from the utopia pursued by th the Russian avant-gardes, though it has developed in several different ways over the 20 century; second, that her perception of sculpture has always been inseparable from a plane of reality that takes the material form of something primarily designed to be of use; finally, and thirdly, that this network of connections develops itself in space, be it inner or outer, an exhibition room or a part of the cityscape, resorting to construction techniques that find in architecture their transcendental condition of possibility. Before continuing, I would like to add a presupposition and a consequence to the above conditions. The presupposition is that Fernanda Fragateiro’s body of work, of which Caixa para guardar o vazio is a part, defines itself as an attempt at understanding spatiality that is outside of an “in front of” tradition, of whatever faces us, before our eyes, before which we take up the Lacanian position of observers; instead, it presupposes a spatial penetrability, a haptic quality of the sculptural work. Consequently, her artistic creations necessarily develop themselves as architectures in order to be enjoyed, that is to say, as devices aimed at gaining existence by being used. This quality of use is, I believe, a political proposal, a feminist statement and an aesthetic sensibility at the same time. Let us start at the beginning, and try to explain a little better these three statements about the sculptural intervention that is Caixa para guardar o vazio. Succinctly, it is a parallelepiped, apparently closed or evidently open as a Box, according to the moment when we observe it. This parallelepiped opens itself to the outside, and is totally made of wood (except for a few bits of metal in the hinges and locks of its openings). Its appearance as a large, closed solid in space already suggests an architectural scale, because it is almost large enough to be inhabited, though its airtight quality belies that possibility. It does not possess a clear door, or entry; only outlines of doors and windows, openings which are opaque to the eyes of the visitor, still a spectator at the moment. It is also interesting to observe how the piece’s monolythical character finds a strange flavour in the sensory quality of wood. This quality, especially in terms of touch, is particularly observable when the piece is installed in buildings whose construction is particularly concerned with the vision of their inside, or with their relationship with the outside, which constitute the focal point of their architectural possibilities. Such is the case of the piece’s installation at Santiago de Compostela’s CEGAC, a remarkable project of architect Álvaro Siza Vieira that organises space around

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© Fernanda Fragateiro

This ambit of multiplicity ends up by claiming for itself the following paradox: sculpture, which has always tried to define itself as an object in (private or public) space, only makes sense as a way of treating space, rather than simply as an object, which means that its material reality is not in itself, but outside itself.

Existe um substituto para a experiência?, 2, 2002. 200 m x 1200 cm. Aço inox e espelho / Stainless steel and mirror. Galeria Carlos Carvalho, Lisboa.

one’s point of view. Displayed at the entrance hall, Caixa para guardar o vazio demonstrated its magnetic power over touch in two ways: by its chosen setting, in which it touched the architecture at a single point, and because its apparently inhabitable quality invited visitors to enter it, touching the wooden walls and living the piece’s space from the inside, by means of touch and temperature. Thus, the piece includes a second, and even a third formulation: it opens to the outside through a series of devices that, sliding out of the structure as drawers, multiply its volume, but it is (or may be), a scenic system for the development of a set of dance-related activities, especially conceived for children by choreographer Aldara Bizarro, which take place around, inside and about the Box’s space. The piece’s system of outward openings evidently define it as a device, since the Box can, through a series of simple and precise mechanical procedures, become a possibility for exploratory recreation, by means of which both its outside and inside become increasingly more complex. This process of increasing complexity takes place via the multiplication of inner spaces inside the Box, but also through the use of a system of mirrors, a mechanism frequently used by Fernanda Fragateiro. In a certain sense, Caixa para guardar o vazio represents an integrated summary of a set of spatial subsystems the artist has lately been developing, namely through the inclusion of mirrors and the production of “floors” that cover certain areas, sometimes also resorting to mirrors placed under wooden grids, or corridors and wooden structures that act as passages, sometimes allowing for the intervention of viewers, who now become users, enjoying the possibility of intervening in the opacity itself of the passage device. Consequently, for those who come to the Box when its entry devices are “activated”, that is to say, when the system of outside openings becomes a system of entry doors to the piece’s inside, it possesses an absolutely distinct presence in space. On the one hand, it is no longer a hermetic dwelling, but the mimicry of an exploratory system, which possesses a clear connection with a constructive stance, but does

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© Fernanda Fragateiro

Pandora’s box, 2003/2005. Dimensões variáveis. Texto e espelho / Variable size. Text and mirror. Museu Bordalo Pinheiro, Lisboa.

not refer to any specific allegory of an inhabitable system, though that does not imply it does not include a powerful set of hints at informal inhabitability. This means that, if the piece, in its open formulation, does not evoke an architecture of rationality, it nonetheless suggests informal architectures, like provisory constructions, shanties, organic developments of inhabitable spaces, what has been systematically called anarchitectures (to make free use of the term used to describe the group surrounding Gordon Matta-Clark). Such anarchitectural open systems, vernacular in their eminent usefulness and defined by functional growth, are often used as models for artistic production, in the sense that they are not ruled by aesthetic prerogatives, being concerned with the interests of reality only, which thus leaves their possibilities of sensitive articulation open to development. This field has been worked by Fernanda Fragateiro, not as an approach to some vernacular aesthetics, but, on the contrary, by stressing the haptic, tactile principle of its connection to use, to the touch, a process that began with the structures that define passages, then spread to her formal approach to the floor and finally, in the Box, took the form of a construction that inscribes itself in that sensitive point between dwelling, cave and building. For the Russian avant-gardes of the 1920s and 1930s, the problem of space became, via Lazar El Lissitzky and Vladimir Tatlin, the issue of real space. This transformation, which began with Tatlin’s 1914-1915 wall reliefs and continued with Lissitzky’s projects for the construction of exhibition spaces, comes from a previous change in the field of sculpture, namely the option to work with various materials, unlike the single-material approach which until then characterised sculptural tradition. This option replaced the

“frame” of the material with other “frames”, now connected to the constructive sphere, to a self-portable quality. According to David Summers3, this is the first instance of a blurring of borders between artistic genres, since the unity once offered by a single material starts to be replaced by the need for a new kind of identity, as art, as construction and as a combination of materials that, in their heteroclite quality, invoke a new unity that exists simply in space, especially when the materials’ typology leaves the “artistic” field and, from now on, will not in itself create a space of its own, except through the occupation of a real space. Tatlin’s proto-Constructivist piece, for instance, is installed on the connection between two walls (it is a corner-piece), and by thus escaping the traditional spatiality of art – walls for paintings, the ground for sculptures, the plinth that confers a hierarchy – it finds a new typology of space, turned into the material of reality, objective, common and, ultimately, social space. Over the following years, Tatlin would join a group of artists deeply committed to the Revolution. As a member of the group, he presented his project for the Monument to the Third International, which actually was not a sculpture in the traditional sense, but a building that would house the headquarters of the Third International, with three levels rotating at different speeds (the lower levels would take a year to rotate completely, the middle level one week, and the upper level one day), in a glorious allegory of the Revolution. The project was never built, but several models were presented, namely one as high as two storeys, which created the mistaken and widespread notion that it would be just a large sculpture, when in fact it was supposed to be over four hundred metres high. Besides the project’s inherent utopian character, its most important point is the fact that it was concerned with moving from the representational space into the real space, a dislocation that is also quite visible, though in different forms, in Lissitzky, especially in his Proun Space project, which he presented in Berlin, in 1923, and later in the Kabinet für Abstrakte Kunst, commissioned by Alexander Dorner for the Landes Museum, in Hannover. The Proun Space was described as follows by Eva Forgáks: “invited to exhibit (…) at the Grosse Berliner Kunstausstellung, held at the Lehrter Banhoff, in Berlin, from May to September 1923, Lissitzky was given a room measuring approximately 3x3x2,5mts, which he turned into a single, coherent work of art. A set of abstract and geometric forms cover the walls. Instead of using the biggest wall, the one facing the visitor at the moment he enters the room, or of leaving him in the middle of the room to experience all the space simultaneously, Lissitzky predetermined the visitor’s itinerary, encouraging him to walk anti-clockwise along the walls.” This set of relations, to which we could, for different reasons – especially because of a similar interest in the notion of penetrability, of cave – add Kurt Schwitters4, has interested Fernanda Fragateiro in various ways throughout her artistic career. In the beginning, what interested her most was probably the formal research on space and architecture. Later, her attention would focus on the centre of this core of artistic 3

Summers, David, Real Spaces, Phaidon, London, 2003.

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By means of his extraordinary Merzbau, the ultimate conversion of the artist’s studio into a global, penetrable and mul-

tiple space. 46

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issues, that is to say, the arc they describe between the corporeal dimension and the space’s public scale, and, more recently, also on the social side of spatiality, first approached at that time. Throughout the 20th century, this interest in real space – and in passing from an aesthetic-contemplative model to an aesthetic-participative one – is a crucial element in the transformations of artistic processes, usually analysed from an image standpoint (revealing an art history and theory that has built itself around the model of distance). This saga includes minimalism as a difficult critique of sculpture, and would eventually become the centre of artistic disciplines that, using real space as a material for their production, adopt a strategy of sharing by means of devices. Consequently, Fernanda Fragateiro’s oeuvre is part of an outlook that lies deep into 20th century art history, probably one of the most useful instances in its migrating process, which we may describe as a passage between the representational space and the exploration of real space. The second line of thought we have adopted to consider the Box within the context of her oeuvre was the fact that it is something primarily designed to be of use. Many of her pieces share this attribute, which is at once a characteristic and a difficulty. In the Box, both terms of the equation become amplified, making it look as if this strange object exists only for a single use. Of course, its exclusive “existencefor” is inevitable, but the use we mention here is, specifically, the playful (in the Schillerian sense) inhabiting of its structure. In fact, the Box, as we have previously mentioned, a piece consecrated to exercises, which are either totally out of the artist’s control or part of a program that, under certain circumstances, is part of the work. Thus, use is an indispensable part of the work, but that brings in the question of the piece’s validity apart from its use, or of how autonomous is it from the mechanisms of use – in other words, does Fernanda Fragateiro understand form as something inseparable from the sculptural process? The ambivalence of this process is especially intriguing, given that the piece’s manipulation and mobility are its reason for being, but there is more to it than they, that is to say: the Box is a device, and must be used as such, which means that only thus it will attain its fullest validity. Yet, the fact that it is a device does not rule out a thorough, slowly-developing meditation on form and an extremely painstaking handicraft, which turn this piece into an object that lives to be aesthetically enjoyed. What does this mean? Not only, of course, that formal thought is of paramount importance here, in the sense that its specificities are irreplaceable – the Box is what it is because it needs to be absolutely specific, not only on a gestaltic level, but also on the level of meaningful detail, like the precise hue of wood, its careful sandpapering between uses, its satiny feel, the precision of its construction, the detail that gives it a specific immanent quality. More than that, its aesthetic quality spreads over to another field, the field of sensibility in a broader sense, its appeal to the touch, the walls’ warm response, all that we have already described as its haptic quality, an aspect we will soon return to.

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Thus, the Box is situated in a limbo between device and form, between a pragmatic reason and an aesthetic preeminence that allows us to understand that it is not a set, even though it is one. It is not a stage prop, replaceable by nature; it is the thing itself, a penetrable sculpture (there, I have said it), available for use. The third aspect that seems important to understand the network of connections supplied by the Box lies in its relation with architecture as its condition of possibility. What do we mean by this statement? Fernanda Fragateiro’s pieces possess, as it is usually said, an architectural connection. This connection is produced by several different processes, two of which are the use of a life-size scale and the permanent employment of a form of project that belongs to the cultural order of building. We have already mapped out these connections within art history, but the artist’s use of life-size scale is a personal mark since her first pieces. Her recent works configuring passages display a treatment of the body’s scale, which, through subtle manipulations, connects with the architectural uncanny (in the sense used by Anthony Vidler 5), that is to say, precarious disagreements with the adult body’s scale – thus bringing into action another kind of urgency that consists of the search for a regressive motivation, but more of that later. For instance, the way the floors created by the artist precisely fit the unchanged space of the building where they are displayed is part of a mimetic effort concerning such architectural devices like coverings or floorboards, real entities over which we can move. It is not, then, merely a matter of using devices from architectural culture, but of producing works that are sculptural because their exogenous process finds in architectural devices its possibility of existence. They are what they are, because to be they need something else, an architectural process. Thus her sculpture processes itself through architecture to find itself again, not as architecture, but as sculpture, as if it could not exist with resorting to a mediator. “As if” is still a hesitant statement. Architecture is its internal other, its process – even though it does not exist as architecture, but as art, not as a model, but as a unique entity. This statement is valid for the works on a 1:1 scale, but also holds true for smaller pieces, the simulacra of others that would hypothetically be lifesized. What happens is that their actual scale can be the model’s, which becomes thus a real object, instead of a metaphor with codified semantic connections with a real and future object. It is in this sense that the statement that her work is connected with architecture still comes through as rather tentative. Its proximity is the reason for its distance, because architecture is its transcendent 6. Outside of it, her work has no condition of possibility. But that is precisely the reason why it is not architecture. Having reached this point, we may finally go back to its presuppositions and then advance, to try and understand the consequences of these three conditions. We have repeatedly stated that Fernanda Fragateiro’s oeuvre is based on the presupposition of its haptic pre-eminence. This pre-eminence of feel and touch lies in the fact that her work is connected to the

5

Vidler, Anthony, The Architectural Uncanny, Essays in the Modern Unhomely, MIT Press, Cambridge Mass., 1992.

6

Agamben, Giorgio, Image et Mémoire.

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7

Summers, D., op. cit., pp. 555 ff.

8

Bruno, Giuliana, Atlas of Emotion, Journeys in Art, Architecture and Film, Verso, New York, 2002.

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© Luis Asín

recurring use of a basic set of materials, namely wooden boards, plywood and mirrors. The combined use of these materials suggests an opposition, firstly of a thermal nature, but also of the interplay between opacity and transparency. Yet, the spatial multiplication performed here by the mirror happens less in terms of image than, I think, of a spatial possibility for creating connections between reality and virtuality, sometimes clearly displayed (when, for instance, the mirrors reflect texts, the indelible sign of their virtual connection), sometimes only focused on a deepening of space, a suggestion to plunge into bodily vertigo. On the other hand, the mirror stresses the meta-optic7 character of Fernanda Fragateiro’s program, in the sense that it increases greatly the possible vision angles of the space, multiplying it. In the Box, the permeability of vision allowed by placing the mirror on the floor, under the wooden grid on which we stand, possesses a quality of spatial duplication, as if what we saw of the structure from the outside were only a part of its complexity – and indeed it is. Its space prolongs itself virtually, even allowing us to imagine our point of view as if reflected on the mirror’s depth. Yet this pre-eminence of the virtual, while made to serve a meta-optic program, is never connected with any panoptic possibility, since the guiding principle of her work is precisely the inverse of that: space is an entity that can be lived as a condition of possibility for the experience, but it is impossible to control the conditions of vision, and any mechanisms of absolute transparency are to be avoided, because all such mechanisms are devices of domination and control – in this refusal, we find the first symptom that, in Fragateiro’s most recent works, particularly in the Box, a political reading of the artistic work can be found. Furthermore, the space’s haptic character has its source in a sensibility that is, first of all, nomadic and peripatetic, and, secondly, emotionally tactile. This tactile character re-qualifies the space of the work, establishes its specificity and supplies its emotional and affective condition – as well as its precept and concept. In other words, the creation of a tactile spatiality – what Giuliana Bruno 8 defines as a feminist spatiality, clearly opposed to an optic-geometric spatiality –, implies the gestation of an embodied subject and, consequently, of an embodied aesthetic connection, centred in a body that moves around. That is the reason why Fernanda Fragateiro’s recent pieces need ways to incorporate the body as it moves in space. On the other hand, these sculptures’ definition of an embodied subject is simultaneous with the election of a temporary collective body of inhabitants of such spaces. In other words, their quality as social spaces (for they are indeed destined to sociable activities) brings in communal fictions, relational mechanisms, fragile collectives that share a common space. In this sense, the Box becomes a device that serves a micro-utopia which is not intent on finding any process of change, but nonetheless inscribes itself in the field of bio-politics, at least because the connection it offers to its visitor becomes materialised in the offer of a fictional protocol of coexistence.

Só é possível se formos 2, #2, 2000. Dimensões variáveis. Redes de tecido, cabos de aço inox e duas pessoas / Variable size. Cloth, stainless steel cables and two persons. Galería Elba Benítez, Madrid.

Also in this sense, the Box’s use as a performative device for interaction with an audience of children implies one further micro-fiction, besides the myriad possibilities already contained in the piece; now, it is inhabited by a specific, ideal community, a metaphor for the last, lost ambition of aesthetics, the act of seeing for the first time, being there for the first time, touching for the first time. And, in this sense, Fernanda Fragateiro’s work gives itself to this other fiction, for the metaphorical living of the scenic space clearly only makes sense because it has become a real, transversal, tangible space. It is by means of this tactility, of the sculpture’s specific, thermal character, of the architectural approach and the fragile proposition of temporary communities that Fernanda Fragateiro’s work finds its emotional ecology. Together with ourselves.

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CONCEPÇÃO/ART WORK BY: FERNANDA FRAGATEIRO COLABORAÇÃO/ARTISTIC COLLABORATOR: FILIPE MEIRELES COREOGRAFIA/COREOGRAPHY: ALDARA BIZARRO

BAILARINOS/DANCERS AND PERFORMERS: AINHOA VIDAL, ALBAN HALL, FILIPA

FRANCISCO, RICARDO MACHADO, SUSANA MENDES, TERESA PRIMA E YOLA PINTO. CAIXA PARA GUARDAR O VAZIO, 2005 400 cm x 400 cm x 310 cm (FECHADA/CLOSED), 1200 cm x 12 cm x 3100 cm (ABERTA/OPEN) MADEIRA, CONTRAPLACADO, ESPELHO E AÇO INOX / WOOD, PLYWOOD, MIRROR, STAINLESS STEEL TAPETE/CARPET: 400 cm x 4 cm. 100% ALGODÃO/100% COTTON. PRODUÇÃO/PRODUCTION: TEATRO VIRIATO, VISEU PROJECTO PEDAGÓGICO/EDUCATIONAL PROGRAM: SERVIÇO EDUCATIVO DO TEATRO VIRIATO CONSTRUÇÃO DA ESCULTURA/ART WORK CONSTRUCTION: JIZ, ARQUITECTURA DE INTERIORES, S.A. PORTO EQUIPA TÉCNICA/TECHNICAL STAFF: PAULO MATOS E NELSON ALMEIDA APOIOS/SPONSORSHIP: JIZ, S.A., HABIDECOR, PATINTER, COVIPOR, UNIÃO DE SÁTÃO E AGUIAR DA BEIRA CO-PRODUTORES/CO-PRODUCERS: TEATRO VIRIATO | A OFICINA | TEATRO AVEIRENSE | CÂMARA MUNICIPAL DE SANTA MARIA DA FEIRA | TEATRO MUNICIPAL DA GUARDA | CENTRO CULTURAL DE BELÉM/CENTRO DE PEDAGOGIA E ANIMAÇÃO ITINERÂNCIA/EXHIBITIONS LAR- ESCOLA DE STO ANTÓNIO, VISEU. 2005 | PALÁCIO DO CENTRO CULTURAL VILA FLOR, GUIMARÃES. 2006 | SALA ESTÚDIO TEATRO AVEIRENSE, AVEIRO. 2006 | BIBLIOTECA MUNICIPAL DE SANTA MARIA DA FEIRA, SANTA MARIA DA FEIRA. 2006 | GALERIA DE ARTE DO TEATRO MUNICIPAL DA GUARDA, GUARDA. 2006 | CENTRO GALEGO DE ARTE CONTEMPORÁNEO, SANTIAGO DE COMPOSTELA. 2006/7 | CENTRO DE EXPOSIÇÕES DO CENTRO CULTURAL DE BELÉM, LISBOA. 2007 AGRADECIMENTOS/ACKNOWLEGMENTS ALUNOS DO LAR-ESCOLA STº. ANTÓNIO | CARLOS ALBERTO | VÍTOR AFONSO | FÁTIMA ALÇADA | JOSÉ ALFREDO | NELSON ALMEIDA | ETELVINA ARAÚJO | MANUEL AZEVEDO | INÊS BARAHONA | SARA BARRIGA | JOSÉ BASTOS | ELBA BENÍTEZ | ALDARA BIZARRO | RITA BORGES | ANTÓNIO DE CAMPOS ROSADO | PATRÍCIA CATIVO | MARIA JOÃO CERVEIRA | DAVID COSTA | LÚCIA COSTA | MANUEL COSTA CABRAL | FILIPA FRANCISCO | ANA LÚCIA FIGUEIREDO | JANGADA DE PEDRA | PAULA GARCIA | TESSA GOFFIN | ALBAN HALL | MIGUEL HONRADO | FERNANDO LEMOS | CÓNEGO ARMÉNIO FERREIRA LOURENÇO | TIAGO LOURENÇO | ANTÓNIO MARQUES | SARA MARTINS | PAULO MATOS | FILIPE MEIRELES | SUSANA MENDES | ARMANDO NEVES | JOÃO OLIVA | MANUEL OLVEIRA PAZ | LEONARDO PAELLA | ELISABETE PAIVA | JOSÉ PEREIRA | MARIA JOÃO PINTO | YOLA PINTO | PEDRO POLÓNIO | CRUZ PROVECHO | TERESA PRIMA | JOANA QUADROS | LUCINDA RAMOS | RUI RAPOSO | ANTÓNIO PINTO RIBEIRO | MANUEL ROSA | MONICA RAVAZZOLO | MARK RITCHIE | AMÉRICO RODRIGUES | DELFIM SARDO | JOÃO SARDOEIRA | DUARTE SILVA | PEDRO SILVA | MARIA JOSÉ SOLLA | CLAUDIA TABORDA | MADALENA VICTORINO | AINHOA VIDAL | FUNDACIÓN MARCELINO BOTÍN | FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN

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