Revista Iniciação Científica Faculdade de Direito Milton Campos

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ANO 01 – 2014

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REVISTA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS


ISSN 0000-0000 Direção da Revista Professora Lucia Massara Editores Professor Jean Carlos Fernandes Professora Luciana Cristina de Souza

REVISTA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS 2014 Volume 1 Número 1

Rev. Inic. Cient. Facc. Dir. Milton Campos

v. 1

n. 1

Nova Lima - 2014

p. 1-102

2014


REVISTA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS Rua Milton Campos n. 202, CEP 34000-000 Nova Lima Minas Gerais Brasil

FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS

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Revista de Iniciação Científica da Faculdade de Direito Milton Campos – R454 Coordenação do Professor Marcos Afonso de Souza, Jean Carlos Fernandes e Luciana Cristina de Souza.- v. 1 n.1 (2014) – Belo Horizonte: RTM, 2014. Semestral Revista da Faculdade de Direito Milton Campos Descrição baseada em: v. 1, n. 1, 2014 ISSN 0000-0000 1. Direito – periódicos. I. Faculdade de direito Milton Campos. II. Souza, Marcos Afonso de. III. Fernandes, Jean Carlos. IV. Souza, Luciana Cristina de. CDU: 34(05) 34:378(815.1)

______________________________________________________________________ Ficha elaborada por Emilce Maria Diniz – Bibliotecária – CRB6ª 1206.


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A indicação do Editor, Comissão Editorial e Conselho Científico-Acadêmico é feita pelo período de (três) anos, podendo ser renovada, encerrando-se no 1º semestre de 2016.

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APRESENTAÇÃO

A Faculdade de Direito Milton Campos apresenta à comunidade acadêmica a sua Revista de Iniciação Científica, em cumprimento dos seus objetivos institucionais de estimular a criação cultural, a promoção da pesquisa, da investigação científica, do pensamento reflexivo e do desenvolvimento do ensino jurídico. A produção acadêmica é fundamental num contexto de universidade plural, que se ocupa da formação de profissionais para o mercado de trabalho, da pesquisa, da extensão, bem como do domínio e cultivo dos saberes pela produção científica. Na vida acadêmica, a pesquisa desponta como essencial na geração de conhecimento e promoção da cidadania, contribuindo, sobremaneira, para a formação e capacitação do indivíduo e avanço tecnológico da sociedade. Nesse contexto, a Revista da Iniciação Científica foi criada em 2014 com o intuito de ser um registro das principais reflexões que têm provocado o espírito crítico do graduando da Faculdade de Direito Milton Campos. Analisando os títulos dos artigos, bem como seus respectivos autores, é que se torna possível a devida percepção da excelência qualitativa dos temas abordados, cujo interesse acadêmico, jurídico e social é inquestionável.

Profa. Lucia Massara Diretora da Faculdade de Direito Milton Campos e da Revista


PRESENTATION

The Faculty of Law Milton Campos presents the academic community its Magazine Scientific Initiation, in fulfillment of its institutional goals of stimulating cultural creation, promotion of research, scientific research, reflective thinking and the development of legal education. The academic production is critical in the context of university plural, which deals with the training of professionals for the labor market, research, extension, as well as domain knowledge and cultivation of the scientific production. In academic life, emerges as essential research in generating knowledge and promoting citizenship, contributing greatly to the formation and training of the individual and technological advancement of society. In this context, the Journal of Scientific Initiation was created in 2014 in order to be a record of the main considerations that have led to the critical spirit of graduating from Law School Milton Fields. Analyzing the article titles and their respective authors is made possible due perception of qualitative excellence of the themes, whose academic, legal and social interest is unquestionable.

Profa. Lucia Massara Law Review Director


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1. A Revista de Iniciação Científica da Faculdade de Direito Milton Campos divulga as pesquisas realizadas no âmbito do programa de Iniciação Científica, para que estas informações sejam compartilhadas com outros pesquisadores e com a sociedade civil. 2. Serão publicadas colaborações inéditas, dentro da linha editorial da revista. 3. Os originais recebidos não serão devolvidos. 4. O recebimento do artigo enviado à Revista não implica a obrigatoriedade de sua publicação. 5. O Editor da Revista poderá reapresentar os originais ao autor para que os adapte às normas editoriais ou esclareça dúvidas porventura existentes. 6. O original deverá ser digitado no programa editor Microsoft Word, com espaço 1,5, Fonte Arial, tamanho 12, parágrafo 1,25 e sequenciais e enviado por e-mail como anexo, endereçado para nppa@mcampos.br 7. Os artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores e podem não representar as ideais desta Instituição. 8. Os artigos da revista podem ser reproduzidos, desde que citada a fonte. 9. O artigo deverá conter título; autor; resumo e abstract, com no máximo 250 palavras, palavras chaves e keywords; sumário; texto dividido em seções; conclusão; notas de referência; notas explicativas e referências bibliográficas. 10. Citações de referência no corpo do texto e citações explicativas nas notas de rodapé. 11. A bibliografia citada deverá obedecer às normas da ABNT, observando-se, para as entradas, o critério (autor, ano, p.). 12. As informações sobre titulação, email, cidade e estado do autor devem ser completas. 13. Os artigos são selecionados por pareceristas anônimos, pelo sistema double-blind peer review. 14. Ao submeter o artigo, o autor cede à Revista de Iniciação Científica da Faculdade de Direito Milton Campos, a título gratuito, os direitos autorais a ele referentes.


SUMÁRIO

ARTIGOS A FLEXIBILIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO NO DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO Orientador: Luiz Ronan Neves Kouri; João Tarcísio Borges Filho

12-26

A MINERAÇÃO EM ESPAÇOS TERRITORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS Orientadora: Fernanda Aparecida Mendes e Silva Garcia Assumpção; 27-43 Alice Borges de Almeida

A SUSPENSÃO INDIRETA DAS EXECUÇÕES FISCAIS PELO DEFERIMENTO DO PROCESSAMENTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL 44-54 Orientador: Jean Carlos Fernandes; Leonardo Sette Abrantes Fioravante DIREITO À CIDADE E A [SUB]CIDADANIA Orientadora: Luciana Cristina de Souza; Lucas Nasser Marques de Souza

55-66

O ABUSO DE DIREITO NA CONVENÇÃO CONDOMINIAL Orientadora: Mariana Alves Lara; Daniel de Pádua Andrade ; Pedro Henrique Paolucci de Almeida Guimarães

67-77

O ESTATUTO DAS CIDADES E AS OCUPAÇÕES URBANAS: UM ENFOQUE EM DANDARA Orientador: Marcelo de Oliveira Milagres; Carolina Corrêa Rebelo

78-94

RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL NO USO DE MÍDIAS SOCIAIS Orientadora: Luciana Cristina de Souza; João Pedro Ferreira Coelho

95-102


A FLEXIBILIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO NO DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO

João Tarcísio Borges Filho Orientador: Luiz Ronan Neves Kouri

------------------------------------------------ SUMÁRIO -----------------------------------------------1 Introdução 2 Isonomia Formal X Isonomia Material 2.2 Isonomia Empresarial 3 Princípio da Proteção – Corrente Clássica X Corrente da Flexibilização 3.1 O Princípio da Proteção e o Ativismo Judicial 4 Conclusão 5 Referências

RESUMO

O presente artigo busca desmistificar o princípio da proteção, equiparando-o ao princípio da isonomia material e o aproximando de um ideal de justiça, sem beneficiar somente uma das partes da relação processual em detrimento da outra. Para isso foi realizado uma análise do discurso protecionista, bem como um estudo crítico do ativismo judicial e do Modelo Processual Cooperativo, sendo, ao final, exposta a conclusão do autor.

PALAVRAS-CHAVE: Princípio da proteção. Princípio da Isonomia Material. Ativismo Judicial. Modelo Processual Cooperativo.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como escopo analisar o princípio da proteção no Direito Processual do Trabalho.


O objetivo investigatório é de estudar as correntes pró e contra a aplicação do princípio, identificando os motivos levaram os aplicadores do direito a aceitarem, em sua grande maioria, o princípio da proteção como base teleológica do Direito do Trabalho e do Direito Processual do Trabalho, para que, em um segundo momento, seja possível enfrentar o paradigma da proteção e comprovar que o princípio tuitivo não dá concretude ao princípio constitucional da isonomia. O artigo também enfatiza o Modelo Processual Cooperativo que almeja uma atitude leal das partes na relação processual e permite ao magistrado ter uma postura ativa na condução dos processos, buscando decidir as lides de forma mais justa, aperfeiçoando a prestação jurisdicional, sem beneficiar, uma das partes da relação processual em detrimento da outra.

2 ISONOMIA MATERIAL X ISONOMIA FORMAL

Ao falar em isonomia logo se tem em mente o velho adágio do filosofo Aristóteles (1998), segundo cujo termos a igualdade consistia em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Impossível também não pensar nos ideais revolucionários de isonomia da Revolução Francesa de 1789. Os revolucionários consideravam a igualdade “um direito saído da razão”. Bastaria a simples declaração de que os homens são iguais de fato para a concretização da isonomia entre eles, concepção esta que tornaria dispensável a atuação judicial no processo, já que, em tese, a igualdade decorreria meramente do texto legal (CAMPANELLI, 2006, p. 7). Questiona-se, portanto, se a igualdade perante a lei seria capaz de dar um tratamento equânime a diferentes indivíduos? Qualquer individuo desde o mais leigo ao mais esclarecido responderia negativamente. A esse respeito, vejamos os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello (2010), nas pegadas do filosofo e doutrinador, Hans Kelsen:

Colocar (o problema) da igualdade perante a lei, é colocar simplesmente que os órgãos de aplicação do direito não têm o direito de tomar em consideração senão as distinções feitas nas próprias leis a aplicar, o que se reduz a afirmar simplesmente o princípio da regularidade da aplicação do direito em geral; princípio que imanente a toda ordem jurídica e o princípio da legalidade da aplicação das


leis, que imanente a todas as leis – em outras palavras, o princípio de que as normas devem ser aplicadas conforme as normas (MELLO, 2010, p.10).

Percebe-se, pois, que conforme os ensinamentos de Kelsen, a aplicação da igualdade apenas sob o aspecto formal restringe, em demasia, o princípio sub examine, o que acarreta, uma confusão com outro princípio, de igual importância, mas assaz mais simples, o da legalidade. Em contrapartida, a igualdade material é instrumento de concretização da igualdade em sentido formal, extraindo a norma da letra fria da lei para viabilizá-la no mundo prático. A igualdade material, portanto, deve ser entendida com um tratamento igual dispensado a todos seres humanos, bem como a equiparação no que diz respeito à concessão de oportunidades, de forma igualitária, a todos indivíduos (D`OLIVEIRA, 2013). Partindo para a esfera trabalhista a igualdade material, como princípio geral de direito1, também deve ser observada. Assim, pensando na importância da isonomia com princípio geral de direito, a lei trabalhista cuida de agrupar os trabalhadores em determinados conjuntos, conferindo tratamento igual aos que se encontram nas mesmas condições e tratamento diferente aqueles que não apresentam as mesmas características (GÓIS, 2004, p. 18).

2.2 Isonomia Empresarial

O ordenamento jurídico trabalhista preocupa-se em dar tratamento diferente aos diversos grupos de trabalhadores, aqueles que exercem função de chefia percebem uma importância correspondente ao passo que os subalternos dela carecem; os que laboram sob condições insalubres e ou perigosas recebem adicionais, aos restantes não se dispensa tal benefício. 1Os

princípios gerais do direito são os fundamentais a própria legislação positiva, que não encontram escritos em nenhuma lei, mas que são os pressupostos lógicos necessários das diferentes normas legislativas, das quais se devem deduzir exclusivamente por força de abstração. Podem ser de fato princípios racionais superiores, de ética social e também princípios de direito romano, e universalmente admitidos pela doutrina; contudo têm valor não porque sejam puramente racionais, éticos ou de direito romano ou científico, mas porque informaram efetivamente o sistema positivo de nosso direito e chegaram a ser desse modo princípios de direito positivo e vigente (COVIELLO apud PLA RODRIGUES, 2000, p. 20).


Percebe-se, portando, que em qualquer dos casos acima a lei trabalhista elegeu elementos que justificam um tratamento diferenciado. Nesta linha, é logica a conclusão que a lei reconhece as peculiaridades que diferenciam cada grupo de trabalhadores. Por outro lado, são raras as normas que beneficiam os empregadores com um tratamento díspare, ou seja, um tratamento que verifique as diferenças entre estes empregadores, privilegiando as suas diferenças. O art. 74, § 2º2, da CLT é uma dessas normas (GÓIS, 2004, p. 18). Nesse sentido, salvo o permissivo legal acima, parece que o legislador trabalhista não se esforçou para dar um tratamento equânime às empresas da mesma forma do dispensado aos diversos grupos de trabalhadores. Ao assim fazer, o legislador laboral fere o princípio da igualdade material, pois é certo que cada empresa possui suas particularidades específicas, que devem ser consideradas. Diante de tal fato, pergunta-se, seria razoável dispensar o mesmo tratamento a uma grande Multinacional de amplo poder econômico e uma Microempresa ou uma Empresa de Pequeno Porte? A resposta mais coerente parece ser a negativa. O que se tem é que ambas, a Multinacional e a Microempresa, muito embora façam parte do gênero enquadrado no art. 2º da CLT, em nada se assemelham se comparadas (GÓIS, 2004, p. 20). De um lado tem-se um empregador com grande solidez econômica, capaz de suportar os custos de uma demanda judicial, com o poder de suprimir alguns direitos de seus empregados, considerando, ainda, que nem todos os seus funcionários procuraram a quem de direito, arcando com essa possibilidade e risco. De outro lado, sociedades em que os sócios quase sempre se confundem com a pessoa do empregador, onde se pratica a informalidade, que um empregado falta em um dia e compensa em outro, mesmo sem a existência de prévio acordo, que os empregadores sofrem para pagar as contas em dia, com pouco ou nenhum capital de giro, etc. 2 Art.

74 - O horário do trabalho constará de quadro, organizado conforme modelo expedido pelo Ministro do Trabalho, Industria e Comercio, e afixado em lugar bem visível. Esse quadro será discriminativo no caso de não ser o horário único para todos os empregados de uma mesma seção ou turma § 2º - Para os estabelecimentos de mais de dez trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho, devendo haver pré-assinalação do período de repouso


Tratar estas duas empresas da mesma forma é uma injustiça e, ao fazê-lo, estar-se-ia colidindo com o próprio espírito constitucional da isonomia material. A isonomia pressupõe que os indivíduos integrantes do mesmo gênero possuam diferenças e que, por esta razão, devam sofrer tratamento desigual na proporção das diferenças existentes. Apenas assim, estar-se-á agindo conforme a isonomia almejada em nossa Constituição. Nessa esteira, como nos ensina Góis (2004), outros ramos do direito público, como o Direito Tributário, fizeram um esforço para alcançar a almejada isonomia empresarial. No Direito Tributário, uma sociedade cujo objeto envolva atividades que apresentam maior grau de risco para seus empregados merecem sofrer a incidência de maiores alíquotas de contribuição social. Da mesma forma, a regulamentação do SIMPLES tem fundamento legislativo, em ideais isonômicos, eis que cuida de conferir tratamento tributário diferenciado a empresas menores, que apresentam determinadas características que as tornam especiais. Nessa mesma linha, o legislador brasileiro tenta, no Projeto de Lei (PL) nº 951/2011, dar um tratamento isonômico as Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, reconhecendo as suas particularidades. O PL 951/11 de autoria do Deputado Federal José Cesar Delgado tenta flexibilizar direitos trabalhistas as micro e pequenas empresas para que seja estimulado o trabalho formal que para o autor, muitas vezes, é inviabilizado, pois os micro empregadores não possuem condições financeiras de contratarem de maneira formalizada seus empregados. O PL 953/11, dessa maneira reconhece que o micro e pequeno empresário não possui a mesma condição do grande empresário e procura dar um tratamento mais equânime a esse grupo de empregador para estimular a atividade empresarial e fomentar o trabalho formal. Parece razoável, assim, que enquanto não haja normas vigentes capazes de diminuir a disparidade de tratamento entre as empresas, que, no caso concreto, em respeito ao princípio da isonomia material, os aplicadores do direito utilizem de regras objetivas e facilmente analisáveis para dar eficácia ao princípio constitucional da isonomia. Dentre esses critérios, sugere-se que seja analisado o faturamento anual da empresa demandada, por óbvio, aplicar-se-ia, com mais rigor, a legislação trabalhista ao empregador que possua maior capacidade econômica (GÓIS, 2004, p. 21).


Por conseguinte, não existindo normas capazes de diminuir as disparidades existentes entre as empresas, cabe aos aplicadores do direito, no caso concreto, analisar, razoavelmente, se a legislação trabalhista deverá ser aplicada com maior rigor ou não, para que assim, em última análise, seja alcançada a igualdade material prevista na Constituição Federal da Republica de 1988. Destaca-se que a nova hermenêutica constitucional do Ativismo Judicial, que será vista mais a frente, permite que o magistrado, para tentar diminuir as disparidades concretas, atue de maneira mais ativa no decorrer da relação processual.

3 PRINCIPIO DA PROTEÇÃO – CORRENTE CLÁSSICA X CORRENTE DA FLEXIBILIZAÇÃO

O protecionismo clássico tem como alvo de proteção o empregado considerado hipossuficiente, e o Estado, o protagonista da ação protetora. Em relação às técnicas de proteção enfatiza-se as normas cogentes, restringindo ou vedando transações (SILVA; FIGUEIRA, 2012, p. 305). Para os autores clássicos, dentre os quais se destaca, Americo Plá Rodriguez Eugenio Pérez Botija, o princípio da proteção é a “base” teleológica de todo o Direito do trabalho, seja direito material ou processual. Os autores clássicos defendem que o direito do trabalho surgiu para igualar uma relação jurídica inerentemente desigual. Americo Plá Rodrigues (2000) sustenta que o legislador optou por estabelecer um conjunto normativo de proteção ao trabalhador, segundo o autor o intérprete do direito do trabalho deve colocar-se na mesma orientação do legislador, buscando cumprir o mesmo propósito. Importa destacar ainda que, para Plá Rodrigues (2000), a paridade entre as partes da relação empregatícia, trabalhador e empregador só ocorre por meio da proteção chancelada pelo princípio tuitivo. Nessa ótica, defende o Autor que a proteção tem o sentido

de uma desigualdade compensatória de outras

desigualdades. Para Hector Hugo (1996), a proteção preferencial do trabalhador foi erigida como princípio normativo de todo o direito do trabalho e sua significação e


consequências motivaram valiosíssimas contribuições para os princípios que lhe devem ser remetidos. Ao analisar o discurso dos autores clássicos Sayonara Grillo e Luiz Eduardo Figueira (2012), extraem que o princípio da proteção é defendido, principalmente, sob os seguintes argumentos: 1 – O legislador trabalhista optou por favorecer os trabalhadores; 2 – Há uma compensação, no direito, de uma desigualdade econômica sofrida pelos trabalhadores. 3 – O desenvolvimento histórico do Direito do Trabalho provém do reconhecimento de uma necessidade de proteção, para operários e trabalhadores. Em outra tangente, como nos ensina Sayonara Grillo e Luiz Eduardo Figueira (2012), há autores, como a portuguesa Maria do Rosário Palma Ramalho, que defendem uma flexibilização da visão clássica do princípio protetor. A autora lusitana sustenta que há um princípio maior, o da “compensação da posição debitória complexa das partes”, que decorre da complexidade estrutural da relação de emprego, da posição que trabalhador e empregador nela ocupam, subdividindo-o em: princípio da proteção ao trabalhador (tutela interesses e patrimônio do empregado)3; e princípio da salvaguarda dos interesses de gestão do empregador (assegura condições necessárias ao cumprimento das obrigações contratuais e indiretamente viabiliza o contrato de trabalho). Os ensinos da autora lusitana foram recepcionados no ordenamento jurídico brasileiro, mesmo que de forma subconsciente, na Lei de Falência nº 11.101, no seu art. 83, inciso I 4 , ao limitar o privilégio dos créditos trabalhistas a 150 (cento e cinquenta) salários mínimos, pois o legislador ao fazer tal limitação está, claramente, impondo um limite aos créditos trabalhistas, almejando que a Empresa consiga cumprir com as demais obrigações financeiras. O legislador, ao assim fazer,

3

[...] o princípio da salvaguarda dos interesses da gestão do empregador, que lhe assegura as condições necessárias ao cumprimento das suas obrigações contratuais e, indiretamente, viabiliza o contrato de trabalho, daí as regras legais e convencionais dispondo sobre segurança no emprego, suficiência salarial, conciliação da vida profissional com a vida privada e familiar do trabalhador, assistência ao trabalhador ou o favor laboratoris que significa a prevalência da norma mais favorável, ao lado da colaboração na empresa, do poder diretivo e do poder disciplinar do empregado. (NASCIMENTO, 2005, p. 151). 4 Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem: I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) saláriosmínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho;


homenageia o princípio da salvaguarda dos interesses de gestão do empregador em detrimento do princípio da proteção. Nessa linha, entende-se que o princípio protetor seria um princípio menor ao lado do princípio da salvaguarda dos interesses de gestão do empregador, portanto, o aplicador do direito deveria fazer um exercício de sopesamento de princípios, avaliando qual deveria prevalecer em determinado caso concreto. Pelo discurso, extrai-se que a autora lusitana retira o véu da proteção do trabalhador e o equipara ao empresário, na medida em que o empresário também seria um trabalhador que labora, arduamente, com o perdão do pleonasmo, para a preservação de sua empresa e, em última analise, para manter o emprego de seus funcionários, vez que sem a empresa não há emprego. Outro Autor que defende a flexibilização do princípio tuitivo é o carioca Arion Sayão Romita (2014) em sua obra “A Proteção em Xeque”. O professor afirma que na atualidade os trabalhadores não mais necessitam de proteção, pois graças à ação sindical e à ação coletiva deixariam de estar desprotegidos. A princípio o autor rechaça a ideia de proteção, segundo ele não tem cabimento se falar, no campo do direito do trabalho, em princípio da proteção, indaga se o direito protege e responde da seguinte forma: Não constitui função do direito – de qualquer dos ramos do direito – proteger algum dos sujeitos de dada relação social. Função do direito é regular a relação em busca da realização do ideal de justiça. Se para dar atuação prática ao ideal de justiça for necessária a adoção de alguma providência tendente a equilibrar os polos da relação, o direito concede à parte em posição desfavorável alguma garantia, vantagem ou beneficio capaz de preencher aquele requisito (ROMITA, 2014).

O Autor, contudo, reconhece que o direito do trabalho equilibra as posições econômicas, dos respectivos sujeitos, por meio da concessão de garantias ao mais fraco, mas não faz com o intuito de protegê-lo, mas de realizar o ideal de justiça. O ideal de justiça se realiza quando o direito compensa desigualdades iniciais pela outorga de garantias aptas a igualar as posições ou, pelo menos, atenuar a desigualdade inicial (ROMITA, 2014). Pode-se assemelhar o ideal de justiça, de que trata o autor, do conceito de isonomia material visto no tópico anterior. A isonomia material, como alhures


demonstrado nada mais é do que tentar dar às partes de determinada relação condições equânimes e condizentes com as suas particularidades. Para o professor Romita (2014), quem fala em proteção, admite com antecedência a existência de dois atores sociais: o protetor e o protegido. Se o trabalhador – sujeito mais fraco da relação – é o protegido, sua posição de submissão se perpetua com a consequente exaltação da posição social do protetor, o Estado. A proteção, no caso em estudo, interessa não ao protegido, mas sim ao protetor. Ao protegido só interessa, em ínfima parcela, a proteção, quando ela fundamenta (quase sempre de forma não explicita) na decisão judicial pela procedência do pedido formulado pelo trabalhador. Conclui, assim, o autor fluminense que com esta modalidade de proteção oneram-se os custos da empresa condenada em juízo (custos esses repassados para os preços dos produtos e serviços por ela produzidos ou prestados), e como os consumidores ou usuários são, em ultima analise, os próprios trabalhadores, seguese que o ônus econômico decorrente da proteção recai sobre o trabalhador. Analisada a proteção, por esta ótica, conclui-se que quem protege o trabalhador é o próprio trabalhador (ROMITA, 2014). Pelo exposto, parece que os doutrinadores clássicos se apegam à ideia de proteção

ao

trabalhador,

atrelando-se

à

concepção,

principalmente,

da

hipossuficiência, mas esquecem ou ignoram o fato de que o empregador/empresário é também um trabalhador. Não se questiona que, via de regra, o trabalhador inicia a relação processual em desvantagem, entretanto, há trabalhadores que não padecem de hipossuficiência econômica, social e jurídica e da mesma forma são chancelados pelo princípio tuitvo. Assim, não se pretende olvidar do fato de que legislação trabalhista é inerentemente protecionista em virtude, em especial, do arcabouço histórico de lutas obreiras que norteiam o direito do trabalho. Contudo no presente artigo almeja-se chamar atenção do leitor para o fato que o direito processual é norteado por princípios constitucionais, dentre os quais se destacou o princípio da isonomia material e este princípio determina que nos, casos concretos, sejam analisadas as particularidades de ambas as partes da relação processual e não apenas de uma delas, o trabalhador.


3.1 O Princípio da Proteção e o Ativismo Judicial

O ativismo judicial esta ligado à ideia de equidade em que o juiz não apenas aplica a norma, mas aplica o direito. O magistrado não se atém, tão somente, à letra fria da norma e adota uma postura ativa, efetivando princípios fundamentais do ordenamento jurídico, como o princípio da isonomia material. Tem-se, pois, que o ativismo judicial é uma nova hermenêutica jurídica em que os juízes adotam uma postura mais participativa dentro da relação processual, sempre almejando dar concretude aos princípios constitucionais. Nessa linha, o Ministro do STF, Luiz Roberto Barroso (2009) ensina que:

[...] O ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretação a Constituição, expandindo o seu sentido de alcance. Normalmente ele se instala em situações de retratação do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva. (BARROSO, 2009, p.6).

Ressalte-se, contudo, que a postura ativa do juiz não o afasta da sua imparcialidade5, o ativismo somente retira o magistrado da neutralidade 6, mas ele permanece sendo imparcial. Importante destacar também que diante de lacunas legislativas o Juiz deve solucionar o caso concreto com outros elementos dentre eles os princípios, de acordo com o que dispõem o art.s 8º da CLT e 126 do CPC. Contudo, sobre o enfoque do ativismo judicial, o juiz se esforça não apenas para suprir lacunas, mas em supri-las em conformação com a nova ordem jurídica, imbuída de humanização processual (DIAS, 2013, p. 211). Aliás, o artigo 852-I, §1º, da CLT, pontua que, para o alcance de uma decisão justa, não é imprescindível a estrita aplicação da lei. O que se torna indispensável a uma decisão justa é a possibilidade de que esta seja realizada de forma equânime, o que consiste em decisões desprendidas dos formalismos legais e observada a

5O

juiz imparcial está especialmente comprometido com a pacificação social do conflito e a conscientização tanto dos litigantes quanto de todos os jurisdicionados dos seus direitos e obrigações, funções estas que, segundo a doutrina de Cândido Rangel Dinamarco, configuram escopos sociais do processo (CAMPANELLI, 2006, p. 95). 6Por outro lado, o julgador neutro ou inerte permanece totalmente inativo diante do litígio das partes por preocupar-se unicamente com o aspecto técnico do processo, inobservando a existência de fatos que ensejariam a sua intervenção (CAMPANELLI, 2006, p. 95).


relevância de cada caso, promovendo uma interpretação criativa (DIAS, 2013, p. 220). Destaca-se ainda que, como ensina Juscelia Patricia (2013), o provimento jurisdicional não se encontra, em plenitude, arraigado apenas ao direito material, vinculado aos dispositivos legais, mais corresponde a um verdadeiro instrumento de reconstrução do direito e da justiça, respaldado em preceitos constitucionais, tendo em vista que a Constituição não fixa aos magistrados um legalismo rigoroso. Durante muitos anos, prevaleceu no direito a ideia que o Processo, em qualquer âmbito, era uma luta, um entrave, e caso a lide não se resolvesse amigavelmente, as partes poderiam recorre ao Estado-Juiz. Esse espirito de conflito era chancelado pelo Modelo Adversarial 7, que predominou até a Constituição de 1988 quando o princípio do contraditório passou a ser entendido de uma maneira mais compatível com o Estado Democrático de Direito. Neste contexto, surge a concepção do Modelo Cooperativo que dá origem ao princípio da cooperação, que exigia por parte do magistrado uma postura mais ativa. Na análise da matéria ensina o prof. Luiz Ronan Neves Koury (2012) que as normas contidas na CLT justificam e ao mesmo tempo impõe essa atitude “ativa” do juiz no procedimento, independente de maior ou menor comprometimento com o exercício correto da jurisdição. Segundo o professor, o ativismo judicial, contudo, denota apenas uma cooperação referente a atividade do magistrado, comprometendo a ideia de comunidade, portanto a cooperação engloba a atividade do juiz e das partes (Koury, 2012, p. 204). A cooperação, quanto às partes, verifica-se em relação à jurisdição, deixando de criar incidentes ou dificuldades ao pleno conhecimento da questão por parte do juiz. Não se imagina que haverá uma atitude cooperativa entre as partes, o que contraria a própria essência do processo, mas se imagina que essa pode se concretizar quando não se opõe obstáculos ou mesmo distorções ao pleno conhecimento dos fatos ocorridos ou da verdade (Koury, 2012, p. 205). Esse modelo cooperativo, como leciona o professor Ronan (2012), nas pegadas de. Cássio Scarpinella Bueno, caracteriza-se pela tentativa de garantir o perfeito exercício do contraditório. Não basta que diante do juiz estejam duas partes 7

O modelo dispositivo ou adversarial assume a forma de competição, com a disputa entre as partes diante de um órgão jurisdicional (...). (DIDIER JUNIOR, 2011, p.214).


em contraditório, de modo que o juiz possa ouvir as razões das duas; mas é necessário também que essas duas partes se encontrem entre si em condição de paridade não meramente jurídica (que pode querer dizer meramente teórica), mas que exista entre elas uma efetiva igualdade prática, que quer dizer paridade técnica e também paridade econômica. A paridade que trata o professor só pode ser alcançada por uma postura mais ativa do magistrado, o que dá relevância à sua atuação. Nesse sentido, citam-se os ensinamentos de Fredie Didier Junior, extraídos do artigo do professor Luiz Ronan (2012). Para o referido autor o modelo cooperativo que vincula o princípio cooperativo e o princípio do contraditório caracteriza-se pelo redimensionamento do princípio do contraditório, com a inclusão do órgão jurisdicional no rol dos sujeitos do diálogo processual e não mais com um mero expectador do duelo das partes. O contraditório volta a ser valorizado como instrumento indispensável ao aprimoramento da decisão judicial e não apenas como uma regra formal que deveria ser observada para que a decisão seja válida. O Modelo Cooperativo denota uma lealde e boa-fé entre as partes e o juiz, de forma mais compatível com o Estado Democrático de Direito e com a atual hermenêutica constitucional de ativismo judiciário, quebrando com o paradigma do juiz inerte de outrora. Tanto é assim que no Projeto do novo Código de Processo Civil, em seus artigos 5º e 8º, há a alusão ao dever de cooperação, deixando clara a opção do legislador por um processo cooperativo. Assim, diante da opção legislativa pelo modelo cooperativo, a busca por uma decisão mais justa torna-se mais acessível na medida em que de um lado esse modelo privilegia a postura ativa do juiz e, de outro, há um dever de lealdade das partes, valorizando a postura ética ao longo de todo o procedimento. Entende-se, assim, que o modelo cooperativo se coaduna com o princípio da proteção compreendido sob o prisma da corrente da flexibilização, com destaque para os ensinamentos de Arion Sayão Romita, que defende a busca pela decisão justa, devendo o juiz, nos casos sub judice, recorrer aos princípios da isonomia material. Não se nega que o ativismo judicial e o Modelo Cooperativo trazem certo grau de subjetividade judicial, mas isso não significa que haverá arbitrariedades, porque a decisão é motivada (arts. 93, inciso IX, da CR/88, 131, 458, inciso II, 165 do CPC e


852-I da CLT), extraindo-se da fundamentação os critérios racionais que motivaram a decisão e que podem ser utilizados pelos jurisdicionados como controle do julgado. Deve, portanto, o juiz analisar o caso levando em conta o modelo cooperativo que engloba o ativismo judicial, considerando que a decisão deve ser dada de acordo com uma interpretação que privilegie os princípios esculpidos na Constituição da República de 1988.

4 CONCLUSÃO

Afastar o princípio da proteção do Direito Processual do Trabalho é muito difícil, o discurso protecionista encontra-se enraizado no inconsciente dos juristas trabalhistas, porém, como visto, este princípio pode ser entendido sob o enfoque da flexibilização com destaque para a teoria de Arion Sayão Romita. Assim a proteção deve ser aplicada considerando o ideal de justiça que se coaduna com o princípio constitucional da isonomia material. Haverá situações em que o princípio da proteção deverá ser aplicado, levando em consideração as particularidades de cada caso concreto e em que o trabalhador aparece em posição de desvantagem. Percebe-se que o princípio da proteção, nesse caso, recebe conotação constitucional, pois equipara-se ao princípio da isonomia material. Em outros casos, contudo, deverá ser aplicado princípio da isonomia material ou nos dizeres de Góis, isonomia empresarial, considerando as particularidades do empregador, que pode estar em processo de recuperação judicial ou extrajudicial, pode ser uma EPP, ME ou ate mesmo um empresário individual. Cada caso concreto, possui as particularidades que não devem passar despercebidas aos olhos do magistrado. Destaca-se que não se defende aqui o descumprimento das normas trabalhistas por parte dos empregadores, muito pelo contrário, o que conclui o presente artigo é que a aplicação da norma trabalhista, da mesma forma, a empregadores distintos, fere o princípio da isonomia, pois não se leva em consideração as suas particularidades.


O exercício judicante, portanto, deverá ser feito de acordo com o modelo cooperativo, que prega a lealdade processual das partes e permite que o juiz tenha uma atitude processual ativa, buscando o ideal de justiça que, frisa-se, nem sempre será aquele que beneficie cegamente o trabalhador. Por conseguinte, o presente artigo ao dar um enfoque ao princípio da proteção sob o ponto de vista do princípio da isonomia material quebra o paradigma de uma justiça do trabalho estritamente protecionista ou pró operária.

ABSTRACT

This article aims to demystify the principle of protection, equating it to the principle of substantive equality and approaching an ideal of justice without benefit only one part of the procedural relationship over another. For this purpose, an protectionist discourse analysis has been carried out, as well as a critical study of judicial activism and the Cooperative Model Procedure. In the end of this article, the author illustrates his conclusion.

KEYWORDS: Principle of protection. Principle of Substantive Equality. Judicial Activism. Procedural Model Cooperative.

REFERÊNCIAS

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A MINERAÇÃO EM ESPAÇOS TERRITORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS

Alice Borges de Almeida Orientadora: Fernanda Aparecida Mendes e Silva Garcia Assumpção

------------------------------------------------ SUMÁRIO -----------------------------------------------1 Introdução 2 A Mineração 2.1 A Rigidez Locacional 2.2 Utilidade Pública 2.3 Utilização de Recursos Naturais 3 Conceito e Espécies de Espaço Territorial Especialmente Protegido 4 Unidades de Conservação 4.1 Unidades de Conservação de Proteção Integral 4.2 Unidades de Conservação de Uso Sustentável 5. Reservas da Biosfera 6 Unidades de Conservação Atípica 6.1 Jardins Botânico 6.2 Hortos Florestais 6.3 Jardins Zoológicos 7 Áreas de Preservação Permanente 8 Reserva Legal 9 Conclusão 10 Referências

RESUMO

A importância da preservação dos recursos naturais para a qualidade de vida é notoriamente reconhecida no ordenamento jurídico brasileiro, que reforça o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, e valoriza a necessidade do desenvolvimento sustentável. Entretanto, é também quase impossível imaginar a vida sem mineração, vez que a sociedade necessita de minérios para inúmeras finalidades. Destarte, ao mesmo tempo em que nem todas as áreas podem ser alvo da mineração, que necessariamente faz uso de recursos naturais para se desenvolver, não seria razoável impossibilitar tal atividade em todo e qualquer tipo de espaço protegido. Isso porque é possível fazer uso de medidas mitigadoras e compensatórias, capazes de tornar o empreendimento minerário ambientalmente sustentável. Desta feita, surge a necessidade de definição e especificação dos chamados Espaços Territoriais Especialmente Protegidos, a fim de que se possa delimitar as áreas em que pode o Poder Público restringir e até proibir o desenvolvimento de atividades minerárias.


PALAVRAS-CHAVE: Mineração. Recursos Minerais. Preservação.

1 INTRODUÇÃO

A exploração mineral é quase um requisito para a vida em sociedade, vez que praticamente todas as atividades hodiernamente praticadas por todos necessitam de algum tipo de minério, como: o consumo de água mineral; a produção de alimentos (necessita de fertilizantes); a produção de equipamentos eletroeletrônicos (utiliza vários metais); construção de prédios (utiliza desde areia ao aço); entre outros. Lado outro, não há que se falar em vida sem a existência de recursos naturais. Nesse sentido, a Constituição, ao mesmo tempo em que afirma ser a atividade minerária de interesse nacional, informa que todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Portanto, considera expressamente ambas as atividades (mineração e preservação ambiental) de suma importância para a manutenção e desenvolvimento da sociedade, sem sobrepor uma a outra. Com o objetivo de fomentar a preservação dos recursos naturais, a Constituição Federal concedeu ao Poder Público a incumbência de instituir, em todas as unidades da federação, os espaços territoriais merecedores de especial proteção ambiental, sem defini-los ou especificar a forma de proteção destes. Desta feita, o presente estudo tem como objetivo especificar quais são os Espaços Territoriais Especialmente Protegidos, bem como delimitar o nível de proteção a estes conferidos, a fim de que se possa concluir acerca da (im)possibilidade de desenvolvimento de atividades minerárias em seu interior. Para esse fim, a metodologia utilizada é a exploratória, analisando-se as normas existentes, bem como doutrinas, publicações e pareceres.

2 A MINERAÇÃO

Mineração é a atividade destinada a pesquisar, descobrir e transformar os recursos minerais em benefícios não só econômicos como sociais 8 . No Brasil, 8

FREIRE, William. Código de Mineração anotado. 5ª Ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2010. p. 55.


apesar de presente desde o “descobrimento” do país, foi nas últimas décadas que tal atividade experimentou um crescimento vertiginoso, aumentando cerca de 550%, sendo hoje responsável por aproximadamente 4% do PIB brasileiro (FERRARA, 2012, p. 92-93), produzindo mais de 70 derivados minerais (JONES, 2014). Como

afirmado

pelo

Banco

Mundial

9

,

não

se

pode pensar

em sobrevivência, desenvolvimento econômico e qualidade de vida sem o aproveitamento dos recursos minerais. A exploração mineral é basicamente um requisito para a vida em sociedade nos moldes da atualidade, vez que a grande maioria das atividades hodiernamente praticadas necessita, direta ou indiretamente, de algum tipo de minério.

2.1 Rigidez Locacional

A rigidez locacional é uma das características mais marcantes e típicas da mineração, que a afasta da maioria das demais atividades econômicas. Refere-se à impossibilidade de o minerador escolher livremente o local onde irá desenvolver suas atividades, vez que deve realiza-las no local em que há a jazida (FREIRE, 2010, p. 55). Ou seja, diferentemente das demais indústrias, é a natureza que determina o local em que haverá um depósito mineral, cuja economicidade será determinada não só pela existência deste, mas também analisando a viabilidade técnica, econômica e ambiental do empreendimento. De fato, muitas são as dificuldades do minerador para transformar uma jazida (massa individualizada de substância mineral ou fóssil que tenha valor econômico, que pode estar aflorada à superfície ou subterrânea) em mina (jazida em

9

O Banco Mundial assim afirmou: “é quase impossível imaginar a vida sem minerais, metais e compostos metálicos. Dos 92 elementos que ocorrem naturalmente, 70 são metais; muitos são essenciais para a vida das plantas, dos animais e dos serres humanos. Estas substâncias fazem parte da atividade humana desde que pequenos pedaços de cobre foram martelados pela primeira vez e transformados em ferramentas simples, ao redor d [sic] ano 6.000 a.C. Atualmente, a sociedade precisa de minerais e metais para cada vez mais finalidades. Minerais industriais, como a mica, são componentes essenciais de materiais industriais avançados. A agricultura necessita de fertilizantes à base de minerais. A indústria depende dos minerais para seus maquinários e de concreto para as fábricas necessárias à industrialização”.


lavra)10. Enquanto não se conjugarem a existência de viabilidade técnica, econômica e ambiental, não se pode configurar a existência de uma mina, o que reforça a necessidade de criação de condições, pelo Estado, para o desenvolvimento da mineração.

2.2 Utilidade Pública Como bem destacado por Marina Ferrara, “a mineração se reveste de um pressuposto basilar de que cabe ao Estado Soberano (ora “Estado”) fomentar e estimular a produção mineral, em estrita consonância com o interesse nacional”, concluindo ser um poder/dever do Estado a viabilização da mineração, como “meio de desenvolvimento econômico e social” (FERRARA, 2012, p. 93-94). Inconteste a importância da atividade minerária para o desenvolvimento e manutenção da sociedade, a legislação11, formal e expressamente, considera tal como de utilidade pública.

2.3 Utilização de Recursos Naturais

Por suas próprias características, não há mineração sem intervenção nos recursos naturais. Lado outro, não podem tais intervenções ser realizadas de forma desregrada, sem se atentar à necessidade de preservação dos recursos naturais. Destarte, deve a atividade minerária observar o princípio do desenvolvimento sustentável, que consiste na “efetivação do desenvolvimento socioeconômico por meio de práticas que atuem para minimizar os efeitos causados por este ao ambiente” (FREIRE, 2010, p 110). À vista disso, devem os órgãos e autarquias ambientais, quando do licenciamento ambiental, aferir a sustentabilidade ambiental do empreendimento, e, no caso de resultados positivos, criar condições para o desenvolvimento da atividade minerária. Desta feita, não pode o desenvolvimento da mineração ser 10

BRASIL. Decreto-Lei nº 227 de 28 de fevereiro de 1967. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0227.htm>. Acesso em 23 mar. 2014. 11 Decreto-Lei n. 3.365/1941, pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Resolução CONAMA 369/2006), e pelo novo Código Florestal Brasileiro (Lei 12.561/2012)


impossibilitado caso os estudos ambientais demonstrem que, utilizando-se das tecnologias existentes, bem como de medidas mitigadoras e compensatórias, o empreendimento é ambientalmente sustentável.

3 CONCEITO E ESPÉCIES DE ESPAÇO TERRITORIAL ESPECIALMENTE PROTEGIDO

Ao tratar sobre os Espaços Territoriais Especialmente Protegidos (ETEP), a Constituição dispõe apenas ser incumbência do Poder Público definir os “espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidos somente através de lei” 12 , sendo vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção, sem conceituá-los ou especificá-los. José Afonso da Silva, ao tratar sobre o assunto, define ETEP como:

Áreas geográficas públicas ou privadas (porção do território nacional) dotadas de atributos ambientais que requeiram sua sujeição, pela lei, a um regime jurídico de interesse público que implique sua relativa imodificabilidade e sua utilização sustentada, tendo em vista a preservação e proteção da integridade de amostras de toda a diversidade de ecossistemas, a proteção ao processo evolutivos [sic] das espécies, a preservação e proteção dos recursos naturais. (SILVA, 2013, p. 251)

De fato, dúvidas não restam de que tais Espaços devem conter características ambientais especiais, que demandem proteção diferenciada, podendo ser criados por simples decreto, mas alterados ou suprimidos somente por lei. Entretanto, no que se refere à especificação das categorias de ETEP existentes, a doutrina não é uníssona. Para Celso Antônio Pacheco Fiorillo (FIORILLO, 2000, p 81) e Maurício Mercadante (MERCADANTE, 2000, p. 562), são ETEP somente as Unidades de Conservação previstas na Lei do SNUC, vez que somente esta expressamente regulamenta o art. 225, § 1º, inciso III, CF. Já Edis Milaré inclui também na definição

12

BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 30 jan. 2014.

em


de ETEP as Áreas de Preservação Permanente, as Reservas Legais, e as Áreas de Proteção Especial (MILARÉ, 2011, p. 199). Lado outro, há aqueles que entendem ser ETEP um amplo gênero, do qual seriam espécies todas as áreas protegidas pelo ordenamento jurídico. É o entendimento de José Afonso da Silva, que considera como Espaço Territorial Especialmente Protegido as (i) Unidades de Conservação; os (ii) Espaços Protegidos não incluídos no SNUC (Jardins Botânicos, Hortos Florestais, Jardins Zoológicos e Reservas da Biosfera); (iii) os Espaços de Manejo Sustentável (Patrimônio Nacional); e o (iv) Zoneamento Ambiental (SILVA, 2013, p. 249-299). Há, ainda definições ainda mais amplas, que consideram como Espaço Territorial Especialmente Protegido todo e qualquer espaço merecedor de proteção, seja ela cultural ou ambiental. Entretanto, para que se entenda ETEP como um gênero que inclui todos os tipos de espaços protegidos pelo ordenamento jurídico, tem-se que considerar parte da disposição contida no art. 225, § 1º, III, da Constituição Federal como inócua. Isso porque a Carta Magna condiciona a alteração e supressão dos ETEP à autorização legal. Todavia, no caso de espaços que têm seu regime jurídico definido na própria Constituição (como o Patrimônio Nacional), estes, por óbvio, somente poderiam ser alterados por emenda constitucional. De fato, a própria Constituição, protege diretamente determinados espaços, como aqueles que denomina Patrimônio Nacional, Patrimônio Cultural, terras indígenas, entre outros. Nesta esteira, para fins do presente estudo, será utilizado o entendimento de que os espaços protegidos pela própria Carta Magna não são simples espécies de ETEP,

mas Espaços Territoriais

Constitucionalmente

Protegidos, que não serão objeto de análise. Ainda, não haverá a inclusão do chamado Zoneamento Ambiental como espécie de ETEP13, por ser este mais um instrumento de proteção do que um espaço autônomo. Portanto, no presente estudo, serão considerados como Espaços Territoriais Especialmente Protegidos: (i) Unidades de Conservação típicas, previstas na Lei do SNUC; (ii) Reservas da Biosfera; (iii) as Unidades de Conservação atípicas (Jardins Botânicos, Hortos Florestais, Jardins Zoológicos e Reservas da Biosfera); (iv) Áreas de Preservação Permanente; e (v) Reservas Legais. 13

Nos termos do conceito de José Afonso da Silva.


4 UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

As Unidades de Conservação somente foram regulamentadas de forma sistemática no Brasil ‘em 18.06.2000, quando da promulgação e publicação da Lei 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). O artigo 2º da aludida Lei define Unidade de conservação como sendo:

[...] espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção [...]14

A Lei do SNUC divide as Unidades de Conservação (UC) em dois grandes grupos: Unidades de Proteção Integral e de Uso Sustentável, que, juntas, ocupam aproximadamente 18% do território Brasileiro 15. São espécies de Unidades de Conservação de Proteção Integral: (i) Estação Ecológica; (ii) Reserva Biológica; (iii) Parques Públicos; (iv) Monumento Natural; e (v) Refúgio de Vida Silvestre. Já as Unidades de Conservação de Uso Sustentável se subdividem em (i) Área de Proteção Ambiental; (ii) Área de Relevante Interesse Ecológico; (iii) Floresta Nacional, (iv) Reserva Extrativista, (v) Reserva de Fauna, (vi) Reserva de Desenvolvimento Sustentável e (vii) Reserva Particular do Patrimônio Natural. Considerando a extensão das espécies de tais Unidades, estas não serão tratadas individualmente no presente estudo.

4.1. Unidades de Conservação de Proteção Integral As Unidades de Conservação de Proteção Integral têm como principal objetivo a conservação da natureza, sendo permitido apenas o uso indireto 16 dos recursos naturais nelas existentes. Considerando que para a realização da atividade minerária há a necessidade de utilização direta dos recursos naturais, conclui-se

14

BRASIL. 2000. Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9985.htm>. Acesso em: 10 fev. 2014. 15 BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Tabela Consolidada das Unidades de Conservação. Disponível em <http://www.mma.gov.br/images/arquivo/80112/0813_ConsolidadoCategoria.pdf>. Acesso em 02 mar. 2014. 16 Aquele que não envolve consumo, coleta, dano ou destruição dos recursos naturais.


pela impossibilidade de desenvolvimento destas atividades no interior de Unidades de Proteção Integral. Lado outro, a mesma regra não se aplica quanto ao desenvolvimento de atividades minerárias na área de entorno destas Unidades, impondo-se ao minerador apenas o atendimento à exigências ambientais e previsões do Plano de Manejo17 da UC.

4.2 Unidades de Conservação de Uso Sustentável

As Unidades de Conservação de Uso Sustentável possuem como objetivo básico a compatibilização da conservação da natureza com o uso sustentável de recursos naturais, de forma a garantir a perenidade dos recursos ambientais renováveis e dos processos ecológicos, mantendo, de forma eficaz, a biodiversidade e atributos ecológicos existentes. Destarte, a princípio, conclui-se pela possibilidade de desenvolvimento de atividades minerárias no interior deste tipo de UC 18 , desde que devidamente autorizadas

pelos

órgãos

ambientais

competentes

e

realizada

a

devida

compensação ambiental. Um exemplo que não deixa dúvidas quanto a possibilidade de mineração no interior de Unidades de Conservação de Uso Sustentável são as Florestas Nacionais (FLONA), que têm entre seus objetivos o “uso múltiplo sustentável” dos recursos florestais. Conforme ressalta Paulo de Bessa Antunes, “muitas atividades que, à primeira vista, poderiam parecer como não sustentáveis têm sido desenvolvidas com êxito nas mais diversas unidades de conservação”, como é o caso da FLONA de Carajás, onde se se encontra a maior mina de minério de ferro em atividade do mundo, além de jazidas de manganês, ouro e cobre 19. Entretanto, analisando-se detidamente cada uma das UC de Uso Sustentável, é possível verificar que duas destas possuem restrições mais incisivas

17

Espécie de regimento interno da UC, que irá reger tidas as atividades desenvolvidas dentro da Unidade, e deve ser elaborado em até cinco anos após a criação da UC 18 É este o entendimento previsto no art. 25, parágrafo único, inciso II, do Decreto 4.340, de 22 de agosto de 2002, que regulamenta alguns artigos da Lei do SNUC 19 BRASIL. Instituto Chico Mendes da Biodiversidade. Floresta Nacional de Carajás. Disponível em: <http://www4.icmbio.gov.br/flonas/index.php?id_menu=133>. Acesso em 04 mar. 2014.


do que as demais: as Reservas Particulares do Patrimônio Natural e as Reservas Extrativistas. As Reservas Extrativistas são destinadas à exploração autossustentável de recursos naturais por populações cuja subsistência baseia-se no extrativismo. Tem como principais objetivos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações tradicionais, bem como assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade. Pela própria essência da Reserva, não é de se estranhar que a lei determina, de forma expressa e taxativa, serem proibidas a exploração de recursos minerais e a caça amadorística ou profissional em seu interior. Apesar de inserida entre as Unidades de Conservação de Uso Sustentável, as atividades autorizadas nestas são bastante restritas, sendo apenas: (i) a pesquisa científica; e (ii) a visitação com objetivos turísticos, recreativos e educacionais, sendo qualquer outra atividade terminantemente proibida. Portanto, considerando tais restrições, cabe aqui uma breve reflexão acerca do enquadramento da RPPN como UC de Uso Sustentável. Tal enquadramento tem origem na previsão contida na Lei do SNUC quando de sua aprovação pelo Congresso Nacional, tendo em vista que o inciso III do art. 21 (que trata sobre as atividades permitidas nesta unidade), previa expressamente a possibilidade de extração de recursos naturais no interior destas Unidades. Entretanto, ao apreciar o Projeto de Lei, o então Presidente da República vetou tal previsão, justificando que tal previsão “desvirtua completamente os objetivos dessa unidade de conservação, como, também, dos propósitos do seu instituidor”. Ressalta, ainda, que tal previsão possibilitaria “a extração de minérios em área isenta do ITR”. Portanto, apesar de serem estas espécies de Unidade de Conservação de Uso Sustentável, não se pode falar no desenvolvimento de quaisquer atividades minerárias em seu interior.

5 RESERVA DA BIOSFERA

Trata-se de uma categoria sui generis de unidade de conservação, vez que, apesar de integrar a Lei do SNUC, não foi incluída como unidade de proteção integral, nem como de uso sustentável. Esse tratamento diferenciado decorre do


caráter internacional desse tipo de unidade de conservação, vez que criada pelo programa intergovernamental da UNESCO (da qual o Brasil é membro) denominado “Man and Biosphere” (MAB). Este espaço possui três funções: (i) conservação dos recursos naturais, (ii) apoio à pesquisa e educação, bem como (iii) desenvolvimento sustentável dos ecossistemas, sendo possível a superposição deste com áreas objeto de outras Unidades de Conservação. Considerando que a Lei não proíbe expressamente a utilização de recursos naturais no interior das Reservas da Biosfera, e que um dos objetivos destas é o desenvolvimento sustentável, há que se concluir pela possibilidade de mineração no interior de tais espaços, desde que em área que não seja coincidente com Unidade de Conservação de Proteção Integral, RPPN ou Reservas Extrativistas.

6 UNIDADES DE CONSERVAÇÃO ATÍPICAS

6.1

Jardins Botânicos

Esta foi a primeira Unidade de Conservação Brasileira criada, em 1811, tendo sido a precursora das demais Unidades de Conservação. Ocorre que, apesar de se tratar de uma Unidade de Conservação centenária, não há lei que normatize o tema de forma geral e eficaz. Nesse sentido, o CONAMA, posteriormente à promulgação da Lei do SNUC, por meio da Resolução no 339/2003, regulamentou-os. Em leitura à norma, é possível concluir que (i) não há uma previsão taxativa do tipo de atividade que pode ser desenvolvida dentro dos Jardins Botânicos; e que (ii) os objetivos destes espaços assemelham-se às Unidades de Conservação de Uso Sustentável. O possível conflito entre Jardins Botânicos e atividades minerárias não se mostra comum. Isso porque, em sua maioria, estes são criados em áreas urbanas, havendo a chamada preservação ex situ da natureza, ou seja, se da fora do habitat natural. Destarte, em virtude da característica da rigidez locacional da mineração, em um eventual conflito entre estes, prevalecer-se-ia a atividade minerária, vez que o jardim poderia ser inclusive realocado.


6.2

Hortos Florestais

Trata-se de um espaço fechado, onde é estudada a multiplicação das espécies florestais, tendo como objetivos principais a instrução sobre botânica, a produção de mudas a serem gratuitamente ou mediante módica contribuição distribuídas, além de finalidades recreativas20. Entretanto, os hortos florestais não foram objeto de regulamentação após a promulgação da Lei do SNUC. Portanto, entende-se que não foram reavaliados pelo Poder Público, que se quedou inerte, e não ratificou a importância dessa unidade para o país. Destarte, sendo a mineração reconhecidamente uma atividade de utilidade pública, não há dúvidas que, em um eventual conflito, estas são as que deveriam prevalecer, ainda que posteriores.

6.3

Jardins Zoológicos

Assim como os hortos florestais, não foram reavaliados pelo Poder Público. Portanto, apenas a Lei nº 6.173/1983 trata sobre o assunto. Para os efeitos da Lei, considera-se jardim zoológico “qualquer coleção de animais silvestres mantidos vivos em cativeiro ou em semiliberdade e expostos à visitação pública”. Da mesma forma que os Jardins Botânicos, usualmente encontram-se em áreas urbanas, e a discussão de eventual conflito destes com a mineração acaba por se tornar estéril e acadêmica. Entretanto, da mesma forma que as demais Unidades de Conservação atípicas, há que se concluir pela prevalência da atividade minerária.

7 ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE

O novo Código Florestal, instituído pela Lei 12.651/2012, define este espaço em seu artigo 3º, inciso II, que assim dispõe: Art. 3o Para os efeitos desta Lei, entende-se por: […] 20

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 281.


II - Área de Preservação Permanente - APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas21;

Como previsto no Código, não é imprescindível que haja a cobertura da área por vegetação nativa para que seja considerada APP. Desta feita, podem também zonas urbanas serem consideradas como tal. Nos casos especificados pelo Código Florestal, não há a necessidade de que um ato do poder público defina expressamente determinados espaços como APP. Basta que o enquadramento fático da área em uma das hipóteses legalmente previstas na legislação para que se enquadrem

como

tal.

Nesta

esteira,

verifica-se

que

tais

espaços

são

demasiadamente amplos. Estima-se que 80% de todas as reservas de minério de ferro do mundo estejam localizadas em regiões com as características de área de preservação permanente.

Desta

feita,

caso

se

entendesse

pela

impossibilidade

de

desenvolvimento de atividades minerárias em tais áreas, haveria um incalculável prejuízo. Nesse sentido, sem fechar os olhos para a realidade, prevê o Código Florestal a possibilidade de intervenção e supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente nas hipóteses de “utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental”. Portanto, sendo a mineração (exceto a extração de areia, argila, saibro e cascalho) expressamente considerada como de utilidade pública pelo Código Florestal 22 , dúvidas não restam acerca da possibilidade de desenvolvimento de atividades minerárias nas Áreas de Preservação Permanente, desde que não estejam inseridas em Unidades de Conservação de Proteção Integral.

21

BRASIL. Lei nº 12.561 de 25 de maio de 2012. Código Florestal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/L12651compilado.htm>. Acesso em 23 mar. 2014. 22 Art. 3, VIII, b, do Código Florestal: “as obras de infraestrutura destinadas às concessões e aos serviços públicos de transporte, sistema viário, inclusive aquele necessário aos parcelamentos de solo urbano aprovados pelos Municípios, saneamento, gestão de resíduos, energia, telecomunicações, radiodifusão, instalações necessárias à realização de competições esportivas estaduais, nacionais ou internacionais, bem como mineração, exceto, neste último caso, a extração de areia, argila, saibro e cascalho”.


8 RESERVA LEGAL

Trata-se de uma limitação real, de caráter propter rem, que recai sobre o imóvel independentemente da pessoa do proprietário, e que se justifica pela necessidade de atendimento de interesses ecológicos específicos. Sobre a Reserva Legal, dispõe o Código Florestal: Art. 12. Todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente, observados os seguintes percentuais mínimos em relação à área do imóvel, excetuados os casos previstos no art. 68 desta Lei [casos em que a supressão ocorreu antes da entrada em vigor do novo Código, respeitando a legislação à época em vigor]: (Redação dada pela Lei nº 12.727, de 2012.23. [grifos nossos]

A lei proíbe expressamente a extração de recursos naturais, o corte raso, a alteração do uso do solo e a exploração comercial no interior das reservas legais, exceto nos casos autorizados pelo órgão ambiental via Plano de Manejo. Somente é admitida a exploração econômica da Reserva Legal mediante manejo sustentável, que depende de autorização do órgão competente, e deve, obrigatoriamente não descaracterizar a cobertura vegetal e não prejudicar a conservação da vegetação nativa da área; assegurar a manutenção da diversidade das espécies; e conduzir o manejo de espécies exóticas com a adoção de medidas que favoreçam a regeneração de espécies nativas 24. Como já dito, sendo a mineração uma atividade necessariamente “consumidora” de recursos naturais, atendo-se às regras contidas no Código Florestal, há que se concluir pela incompatibilidade da manutenção da Reserva Legal na forma pretendida pela lei e o desenvolvimento de atividades minerárias. Entretanto, a recém promulgada Lei Florestal Mineira (Lei nº 20.922/2013) prevê expressamente a possibilidade de realocação da reserva legal para desenvolvimento de atividades de utilidade pública em seu interior, desde que previamente aprovada pelo órgão ambiental competente. Dispõe a aludida Lei: 23

BRASIL. Lei nº 12.561 de 25 de maio de 2012. Código Florestal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/L12651compilado.htm>. Acesso em 23 mar. 2014,. 24 BRASIL. Lei nº 12.561 de 25 de maio de 2012, artigo 22. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/L12651compilado.htm>. Acesso em 30 mar. 2014.


Art. 27. O proprietário ou o possuidor do imóvel rural poderá alterar a localização da área de Reserva Legal, mediante aprovação do órgão ambiental competente. § 1º A nova área de Reserva Legal proveniente da alteração a que se refere o caput deverá localizar-se no imóvel que continha a Reserva Legal de origem, em área com tipologia vegetacional, solo e recursos hídricos semelhantes ou em melhores condições ambientais que a área anterior, observados os critérios técnicos que garantam ganho ambiental, estabelecidos em regulamento. § 2º A nova área de Reserva Legal proveniente da alteração a que se refere o caput poderá localizar-se fora do imóvel que continha a Reserva Legal de origem nas seguintes situações: I - em caso de utilidade pública; II - em caso de interesse social; III - se a área originalmente demarcada estiver desprovida de vegetação nativa e, na propriedade, não tiver sido constatada a presença de cobertura vegetal nativa em data anterior a 19 de junho de 200225. [grifos nossos]

Verifica-se, portanto, que a Lei Florestal Mineira visou compatibilizar o desenvolvimento de atividades de utilidade pública e interesse social com a preservação do meio ambiente, previsão esta que se mostra integralmente compatível com o ordenamento jurídico vigente, e que poderia ser repetida nas demais leis estaduais.

9 CONCLUSÃO

A mineração é uma atividade econômica única, que possui características peculiares, não podendo o minerador escolher previamente onde haverá jazidas minerais para que possa desenvolver uma mina. De fato, não raro os depósitos minerais se localizam no interior de áreas tidas como Espaço Territorial Especialmente Protegido, como é o caso da maior mina de minério de ferro do Brasil, inserida na Floresta Nacional de Carajás. No presente estudo, concluiu-se serem Espaços Territoriais Especialmente Protegidos: (i) Unidades de Conservação de Proteção Integral (nos quais a mineração é impossibilitada); (ii) Unidades de Conservação de Uso Sustentável; (iii) 25

MINAS GERAIS, Lei nº 20.922 DE 16 de outubro de 2013. <https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=260734>. Acesso em 23 mar. 2014.

Disponível

em


Reservas da Biosfera; (iv) Unidades de Conservação atípicas (Jardins Botânicos, Hortos Florestais, Jardins Zoológicos); (v) Áreas de Preservação Permanente; e (vi) Reservas Legais. Sem deixar de lado a importância da preservação dos recursos naturais, mostrou-se necessário avaliar a possibilidade do desenvolvimento de atividades minerárias no interior dos aludidos ETEP. Nesse sentido, tendo sempre em mente que a mineração, por ser uma atividade eminentemente consumidora de recursos naturais,

deve

ser

realizada

de

forma

consciente,

visando

sempre

o

desenvolvimento sustentável e o melhor aproveitamento da jazida, foi verificada no presente estudo a possibilidade de tais atividades no interior de alguns dos ETEP. No que se refere ao desenvolvimento de atividades minerárias no interior de Unidades de Conservação, entendeu-se haver a proibição absoluta destas naquelas enquadradas como de Proteção Integral, e em duas das Unidades de Conservação de Uso Sustentável, quais sejam: Reservas Extrativistas e Reservas Particulares do Patrimônio Nacional. Quanto às Reservas da Biosfera, não há que se falar em proibição absoluta, exceto nos casos de interferência com UC de Proteção Integral. Por fim, em relação às Reservas Legais, há a incompatibilidade da manutenção destas com a mineração, podendo, nos termos previstos na legislação específica, haver a realocação destas. Nas demais espécies de ETEP, comprovada a sustentabilidade do empreendimento, verifica-se a possibilidade de desenvolvimento de atividades minerárias em seu interior.

ABSTRACT

The relevance of preserving natural resources for quality of life is notorious in Brazilian’s legal system, which reinforces the right of everyone to have an ecologically balanced environment, and also values the need for sustainable development. On the other hand, it is almost impossible to imagine life without mining, since society needs minerals for growing purposes. While not all the areas can be used by mining, which necessarily utilizes natural resources to develop, it would be unreasonable to forbid mining in any environmentally protected area. It is noteworthy that mitigating and compensatory measures can be used to make the enterprise environmentally sustainable. That said, arises the need to define and


specify the Specially Protected Areas, so that the areas in which the Government can restrict or even prohibit the development of mining activities can be defined.

KEYWORDS: Mining. Mineral Resources. Preservation

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 15ª Edição. Rio de Janeiro: Atlas, 2013. BENJAMIN, Antônio Herman (Coord.). Direito ambiental das áreas protegidas – o regime jurídico das unidades de conservação. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 06 abr. 2013. BRASIL. Decreto-Lei nº 227 de 28 de fevereiro de 1967. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0227.htm>. Acesso em: 23 mar. 14. BRASIL. Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9985.htm>. Acesso em: 10 fev. 2014. FEIGELSON, BRUNO. Curso de Direito Minerário. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. FERRARA, Marina. et al. Estudos de Direito Minerário. Belo Horizonte: Fórum, 2012. FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2000. FREIRE, William. Código de Mineração anotado. 5. ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2010. FREIRE, William. Direito Ambiental Aplicado à Mineração. Belo Horizonte: Mineira Livros Jurídicos, 2005. JONES, Alisdair. et al. Brasil – não é um país para iniciantes. Relatório da Global Business Reports para Engeneering and Mining Journal. Disponível em <http://www.dnpm.gov.br/mostra_arquivo.asp? IDBancoArquivoArquivo=6150>. Acesso em 01 fev. 2014.


MERCADANTE, Maurício. Uma década de debate e negociação: a história da elaboração da Lei do SNUC. In: Direito ambiental das áreas protegidas – o regime jurídico das unidades de conservação. Coord. Antônio Herman Benjamin. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013.


A SUSPENSÃO INDIRETA DAS EXECUÇÕES FISCAIS PELO DEFERIMENTO DO PROCESSAMENTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Leonardo Sette Abrantes Fioravante Orientador: Jean Carlos Fernandes

------------------------------------------------ SUMÁRIO -----------------------------------------------1 Introdução 2 Regra Geral - Suspensão das Execuções pelo Deferimento do Processamento da Recuperação Judicial 2.1 Exceção Prevista no Artigo 6.º § 7.º da Lei 11.101/05 - A Não Suspensão das Execuções de Natureza Fiscais pelo Deferimento da Recuperação Judicial. 3 A Suspensão das Execuções Fiscais pelo Deferimento do Processamento da Recuperação Judicial à Luz do Entendimento do Superior Tribunal de Justiça. 4 Conclusão 5 Referências

RESUMO

Em que pese o atraso na promulgação - uma vez que o Projeto de Lei nº 4.376 tramitou entre 1993 e 2004 no Congresso Nacional- da nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas, a Lei 11.101/05, de 09.02.2005, surge em momento oportuno marcado, dentro outros aspectos, pela expansão das economias, aumento da competitividade e inclusão da empresa como setor básico da econômica, reclamando novas atenções dos agentes econômicos bem como dos estudos advindos da própria Ciência. A legislação anterior, a Lei 7.661/45, mostrava-se arcaica, tendo em vista que surgiu num momento em a economia do País possuía caráter eminentemente agrário. Nesse sentido, dentre outras inovações introduzidas pelo Novo Regime da Insolvência Empresarial, estão a eliminação do instituto da concordata e a possibilidade da recuperação judicial da empresa. Como em qualquer inovação jurídica, a referida Lei ainda é motivo de polêmicas no meio socioeconômico e jurídico, chegando inclusive a haver demanda envolvendo o Judiciário pátrio. Por exemplo, pode se citar o recente Recurso Especial Nº 1.166.600-RJ, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça. É a partir desse julgado que


origina o tema-problema da presente pesquisa, qual seja: é admissível a suspensão indireta das execuções fiscais pelo deferimento do processamento da recuperação judicial? Em vista disso, o presente estudo volta-se a analisar os pormenores da referida decisão e a tentar buscar uma possível solução para a mencionada problemática.

PALAVRAS-CHAVE: Recuperação. Falência. Lei nº 11.101/05.

1 INTRODUÇÃO

O esforço do presente artigo advém da recente decisão proferida pela Egrégia Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça ao apreciar o Recurso Especial nº 1.166.600 / RJ, julgado em 04/12/2012, trazendo para o mundo jurídico uma inédita e imprescindível discussão: a suspensão indireta das execuções fiscais pelo deferimento do processamento da recuperação judicial. Verificou-se quando da escolha do tema A suspensão indireta das execuções fiscais pelo deferimento do processamento da recuperação judicial, tamanha importância de se analisar os efeitos da referida decisão sobre os diversos institutos entrelaçados com o novo instituto da recuperação judicial de empresas, tais como: princípio da preservação da empresa, princípio da indisponibilidade do patrimônio público, Lei 6.830/80 que dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública. Assim, o estudo da hipótese de suspensão das execuções fiscais em face da empresa em recuperação judicial emerge como uma inovação no campo do direito empresarial e do direito tributário, o que exige um estudo aprofundado do tema ora escolhido. Atualmente, os agentes do direito, bem como os próprios tribunais aplicam de forma generalizada o preceito contido no artigo 6º, § 7º, da Lei nº 11.101/05, o qual determina de forma expressa o prosseguimento de processos executivos fiscais em casos de empresas sujeitas ao regime de recuperação judicial. Todavia, recente decisão, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, decide que a execução fiscal, em si, não se suspende, mas que são vedados


atos judiciais que inviabilizem a recuperação judicial, ainda que indiretamente resulte em efetiva suspensão do procedimento executivo fiscal, introduzindo um ponto a ser clareado: é admissível ou não a suspensão da execução fiscal pelo processamento da recuperação judicial de empresa? Dessa forma, é de suma importância a discussão do presente tema, uma vez que aborda um tema atual e excepcional ao ordenamento jurídico brasileiro, o que torna imprescindível a analise pormenorizada da possibilidade ou não de flexibilização do instituto da suspensão dos processos executivos fiscais em situações envolvendo empresas sujeitas ao regime de recuperação judicial. De forma geral, o presente estudo tem como escopo analisar as peculiaridades da aplicação das regras tributárias às empresas sujeitas ao regime judicial, sobretudo quanto à hipótese de suspensão indireta dos processos executivos fiscais em face da recuperação judicial de empresa. Ademais, objetiva-se adentrar nas especificidades da decisão proferida no julgamento do Recurso Especial nº 1166600/RJ em paralelo com as regras gerais aplicadas às execuções fiscais das empresas em recuperação judicial, conforme dispostas na Lei nº 11.101/05 (Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária); na Lei nº 6.830/80 (dispõe sobre cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública); e, na Lei 5.172/66 (Código Tributário Nacional). Assim, espera-se desenvolver um trabalho inovador no campo do direito empresarial e tributário, a partir de uma análise crítica dos principais institutos envolvendo a referida problemática. E, com isso, proporcionar uma nova fonte de consulta tanto para os agentes do direito quanto para os próprios empresários e a sociedade.

2 REGRA GERAL - SUSPENSÃO DAS EXECUÇÕES PELO DEFERIMENTO DO PROCESSAMENTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

A nova Lei Falimentar preserva a regra prevista no diploma anterior de que a tanto a decretação da falência quanto o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o prazo prescricional e o andamento das ações e execuções em face do devedor.


Art. 6.º – A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário. 26

No que concerne à prescrição, o artigo é claro em afirmar que ocorre a suspensão da prescrição, motivo pelo qual o prazo continua a correr pelo remanescente, pelo prazo que faltava para o reconhecimento da prescrição.

Anote-se que, apesar da literalidade da lei, havia autores que, em interpretação sistemática do texto do Dec.-lei 7.661, de 21.06.1945, entendiam que aqui ocorria interrupção e não suspensão. No entanto, tendo em vista a clareza do texto legal, parece não ser defensável tal entendimento nessa oportunidade. Relembre-se, ainda, que a decadência não se interrompe nem se suspende, operando o artigo apenas no que tange à prescrição. (BEZERRA FILHO, 2008, p. 66-67)

Sem adentrar em maiores detalhes, é importante salientar que o controle do lapso prescricional é fundamental para a constatação da ocorrência da extinção das obrigações. Art. 160 – Verificada a prescrição ou extintas as obrigações nos termos desta Lei, o sócio de responsabilidade ilimitada também poderá requerer que seja declarada por sentença a extinção de suas obrigações na falência.27

Quanto às ações e execuções em face do devedor, o caput do art. 6º da Lei 11.101/2005, consagra a regra geral decorrente do princípio da universalidade do juízo presente no art. 76 da mencionada Lei e já debatido em tópico oportuno na presente pesquisa.

2.1 Exceção Prevista no Artigo 6.º § 7º da Lei 11.101/05 - A Não Suspensão das Execuções de Natureza Fiscais pelo Deferimento da Recuperação Judicial

26

Lei 11.101/2005. 2006/2005/lei/l11101.htm. 27 Lei 11.101/2005. 2006/2005/lei/l11101.htm.

Disponível

em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-

Disponível

em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-


O preceito contido no artigo 6º, § 7º, da Lei nº 11.101/05, determina de forma expressa o prosseguimento de processos executivos fiscais em casos de empresas sujeitas ao regime de recuperação judicial.

Art. 6.º, §7.º - As execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação específica.28

O Código Tributário Nacional – CTN dispõe que “a cobrança judicial do crédito tributário não está sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, inventário ou arrolamento”.29 Dessa forma, em regra, o prosseguimento da execução fiscal apenas é permitido no caso de recuperação judicial. Ou seja, decretada a falência suspendese

o

curso

do

processo

de

execução

falimentar,

restando

ao

fisco,

independentemente de procedimento de habilitação, informar o respectivo crédito ao juízo falimentar, para que seja incluído no quadro geral de credores.

Afasta-se aqui, parcialmente, o chamado princípio da universalidade do juízo falimentar, princípio da força atrativa da falência (vis attractiva), processo ao qual devem acorrer todos os credores (comerciais ou civis) do devedor, porém, apenas com relação à recuperação, não se aplicando este artigo aos processos de falência. Este parágrafo configura mais uma exceção ao art. 6.º, que estabelece a suspensão das execuções. Assim, tratando-se de execução de natureza fiscal, não haverá suspensão e o feito correrá normalmente, desde que não seja objeto de parcelamento (CTN, art. 151, VI) ou plano de refinanciamento dos débitos tributários, os quais suspendem a exigibilidade do crédito tributário. (BEZERRA FILHO, 2008, p. 72)

3 A SUSPENSÃO DAS EXECUÇÕES FISCAIS PELO DEFERIMENTO DO PROCESSAMENTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL À LUZ DO ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

28

Lei 11.101/2005. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20042006/2005/lei/l11101.htm. 29 Artigo 187 do Código Tributário Nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5172.htm.


De forma inédita, o Superior Tribunal de Justiça – STJ proferiu uma decisão que a primeira vista parecia relativizar o Novo Regime da Insolvência Empresarial no que tange a regra da continuidade das execuções fiscais pelo deferimento do processamento da recuperação judicial, conforme se depreende da ementa a seguir:

RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. TRANSFERÊNCIA DE VALORES LEVANTADOS EM CUMPRIMENTO DE PLANO HOMOLOGADO. GARANTIA DE JUÍZO DE EXECUÇÃO FISCAL EM TRÂMITE SIMULTÂNEO. INVIABILIZAÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. 1. As execuções fiscais ajuizadas em face da empresa em recuperação judicial não se suspenderão em virtude do processamento da recuperação judicial ou da homologação do plano aprovado, ou seja, a concessão da recuperação judicial para a empresa em crise econômico-financeira não tem qualquer influência na cobrança judicial dos tributos por ela devidos. 2. Embora a execução fiscal, em si, não se suspenda, são vedados atos judiciais que inviabilizem a recuperação judicial, ainda que indiretamente resulte em efetiva suspensão do procedimento executivo fiscal por ausência de garantia de juízo. (grifo nosso) 3. Recurso especial não provido.30

Em síntese, a questão discutida no citado Acórdão, cinge-se em saber se é possível ou não a flexibilização do instituto da recuperação judicial de modo a autorizar a suspensão das execuções fiscais pelo deferimento do processamento da recuperação judicial.

A hipótese dos autos, portanto, traz-nos uma situação excepcional, em que o crédito tributário aparentemente não será satisfeito por ausência de sua participação de sua participação na recuperação empresarial, quando indubitavelmente a vontade da lei é a de que os créditos fiscais não sejam alcançados pelo plano de recuperação justamente em respeito à sua mera indisponibilidade.31

Para a análise do julgado foram consideradas as seguintes peculiaridades presentes nos autos: (i) execução fiscal em curso, não garantida por penhora; (ii)

30

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão. Recurso Especial nº 1166600/RJ. 3ª Turma. Recuperação judicial. Garantia de juízo de execução fiscal em trâmite simultâneo. Inviabilização do plano de recuperação judicial. Relatora Ministra Nancy Andrighi. DJU, Brasília, 04 dez. 2012, p.1. 31 ANDRIGHI, Nancy. BRASIL. Relatora do Recurso Especial nº 1166600/RJ. 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. DJU, Brasília, 04 dez. 2012, p.8.


pleiteia-se a transferência de valores provenientes da venda da unidade produtiva da empresa recorrida, ao juízo da execução para a satisfação de crédito tributário. O referido valor foi levantado em conformidade com o plano de recuperação judicial e é essencial para o seu cumprimento. A decisão proferida foi bem pontual e esclarecedora no sentido ponderar a aplicação do princípio da indisponibilidade do patrimônio público e da preservação da empresa, tendo por base as particularidades do caso concreto.

(...) a prevalência momentânea da indisponibilidade do patrimônio público resultará, na hipótese dos autos, em afastamento perene e instantâneo do princípio da preservação da empresa, com prejuízo para todos os demais credores, bem como para toda a coletividade, que deixará de conter com a geração de empregos, capital, renda e, até mesmo, impostos.32 Trata-se de uma nova hierarquia de interesses, que passou a exigir o reconhecimento de novas funções, agregando preocupações que ultrapassam o simples pagamento de débitos. Reconhece-se que a empresa, enquanto importante instrumento de organização produtiva, encerra em si um feixe de múltiplos interesses, entre os quais destacam-se os interesses dos sócios (majoritários e minoritários), dos credores, dos parceiros e fornecedores, dos empregados, dos consumidores e da comunidade ante a geração de impostos, criação de postos e movimentação do mercado). Merece, portanto, especial proteção em vista de sua característica de instrumento de ação econômica. Assim, as empresas deixam de ser encaradas sob o enfoque absolutamente privado e contratualista, para ganhar contornos públicos, por meio do desenvolvimento de teorias institucionais, que foram encapadas pelo novo sistema concursal. É com esta finalidade em mente, ou seja, da necessidade de proteção das empresas viáveis por seu caráter eminentemente econômico e social, que se deve analisar, interpretar, temperar e aplicar todas as regras jurídicas previstas em tese para as empresas em recuperação judicial, conforme se depreende da leitura do art. 47 da Lei nº 11.101/05 33

Outro importante aspecto é que o STJ confrontou a hipótese de suspensão da execução fiscal contida na Lei de Execução Fiscal e a regra de continuidade da execução fiscal prevista na nova Lei de Falências, conforme previsto no excerto a seguir:

32

ANDRIGHI, Nancy. BRASIL. Relatora do Recurso Especial nº 1166600/RJ. 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. DJU, Brasília, 04 dez. 2012, p.9. 33 ANDRIGHI, Nancy. BRASIL. Relatora do Recurso Especial nº 1166600/RJ. 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. DJU, Brasília, 04 dez. 2012, p.6.


A situação atípica que emerge do presente recurso especial decorre de mera aplicação da própria legislação reguladora do especial processo executivo fiscal. Frise-se: não se trata de uma suspensão do processo reconhecida como efeito do deferimento do processamento da ação de recuperação, nem mesmo em consequência da homologação judicial do plano de recuperação, mas, conforme relatado pela própria recorrente, da inexistência de penhora para garantia do juízo executivo fiscal, nos termos do art. 40 da LEF. Assim, o interesse no prosseguimento da execução que não fora oportunamente garantida não pode se sobrepor de tal maneira a fazer sucumbir o interesse público da coletividade na manutenção da empresa tida ainda por economicamente viável. Desse modo, concluo que o indeferimento da transferência de verbas requerida além de garantir concretude ao princípio da preservação da empresa, não impõe sacrifício definitivo e intolerável ao princípio da indisponibilidade do patrimônio público (...) de outro lado, o seu deferimento pretendido como medida de realização da regra legal posta no art. 7º, §6º, da Lei de Recuperação de Empresas, deve ser afastado por inviabilizar por completo, nas presentes circunstâncias, o objetivo primevo do instituto legalmente idealizado. 34

O que ocorre, portanto, é que na visão atual do STJ prevalece a regra de que não ocorre a suspensão das execuções fiscais em face do processamento da recuperação judicial de empresas. Ademais, infere-se que para o referido Tribunal, o princípio da preservação constitui o eixo central do regime falimentar vigente.

4 CONCLUSÃO

Em pleno século XXI, marcado dentre outros aspectos, pela intensificação e estreitamento das relações comerciais, o presente estudo mostra-se inteirado com a atualidade, uma vez que tem como problemática questão que possui reflexos não apenas na ordem jurídica, mas também para o contexto socioeconômico. Dessa forma, pode-se averiguar qual é o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça- STJ a respeito do instituto da recuperação judicial de empresas em crise econômica, no que se refere à hipótese de suspensão das ações e execuções em curso. Diante da análise concreta de caso recente enfrentado pelo STJ, constata-se que esse Tribunal, em caso envolvendo o processamento da recuperação judicial de 34

ANDRIGHI, Nancy. BRASIL. Relatora do Recurso Especial nº 1166600/RJ. 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. DJU, Brasília, 04 dez. 2012, p.10.


empresas, prevalece a regra prevista na legislação falimentar de continuidade das ações executivas de natureza fiscal e de suspensão das demais ações e execuções em curso. Ademais, verifica-se que para a correta hermenêutica e aplicação da Lei 11.101/05, é imperioso que o operador do direito tenha sempre em mente os princípios que norteiam os institutos da Recuperação de Empresas e da Falência, por constituírem primeiras disposições que influenciam o entendimento dos demais dispositivos como um todo, traçando a lógica e a racionalidade do sistema. Nesse sentido, a pesquisa mostrou-se valiosa em analisar de pormenorizada o princípio da preservação da empresa, o qual significa o primeiro objetivo a ser seguido na sistemática na nova Lei falimentar e, em última análise, desenha o caminho a ser percorrido para a correta eficácia da recuperação empresarial e da falência, sendo esta a ultima ratio desse sistema. O que se verifica, portanto, é que de um lado tem-se eventual risco de acometimento de crise financeira às empresas – cujo mal deve ser afastado pelo princípio da preservação da empresa- e, de outro lado, mas não de maneira contraditória, existe o crédito tributário encontra-se amparado pelo princípio da indisponibilidade do patrimônio público. A par disso, vigora no ordenamento brasileiro a continuidade das execuções fiscais – salvo em caso de parcelamento - e a suspensão das ações e execuções de outra natureza em curso contra a massa falida.

ABSTRACT

Despite the delay in promulgating the new National Law of Bankruptcy and Corporate Restructuring - once that the Bill n°4.376 was transacted in the period of 1993 to 2004 in the National Congress - the Law 11.101/05, dated from 09.02.2005, the Law, comes in an appropriate time marked among other aspects, by the expansion of economies, the raising of the competitiveness aspects and by the inclusion of the companies as a basic sector of the economy. All this shows the needing of great new attention by the economic agents as well as the by the new science studies. The previous legislation, the Law 7.661/45, proved up quite archaic, considering the context which the law emerged, a time characterized by a predominantly agrarian


economy. Thereby among the other innovations introduced by the New Regime of Corporate Insolvency, can be highlighted the elimination of the institute of the bankruptcy and the possibility to recovery the company judicially. As is common in any legal innovation, this new Law is still focus of controversy in the socioeconomic and legal environment, coming up to be demand involving homeland Judiciary. As an example can be highlighted the recent Special Recours, N°. 1166600 - RJ, judge by the Superior Court of Justice. In this sense, the problematic that this research aims to investigate comes from the this judgment, consisting in - is permissible the indirect suspension of the tax foreclosures by the deferment of the judiciary recuperation process? Considering all that, the main objective of this research is analyzing the important details derived from the highlighted decision and tries to find a plausible solution to the presented problematic.

KEYWORDS: Recovery. Bankruptcy. Law n° 11.101/05.

REFERÊNCIAS

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DIREITO À CIDADE E A [SUB]CIDADANIA

Lucas Nasser Marques de Souza Orientadora: Luciana Cristina de Souza

------------------------------------------------ SUMÁRIO -----------------------------------------------1 Introdução 2 Questionamentos Iniciais 3 Por que o Urbano? 4 A Trajetória da Luta pelo Direito à Cidade 5 Reforma Urbana 6 A Cidade em Xeque: as Revoltas de Junho 7 Considerações Finais 8 Referências

RESUMO

O Presente trabalho pretende discutir o paradigma de cidade que é adotado, de maneira predominante, na sociedade brasileira contemporânea, a atuação estatal perante os grandes problemas/desafios urbanos, bem como demostrar que os grupos da sociedade civil formados por cidadãos são sujeitos legítimos, no âmbito do Estado Democrático de Direito brasileiro, para tentar pressionar o poder público a elaborar políticas públicas que efetivem os direitos fundamentais relativos ao acesso à cidade. Versa também acerca dos instrumentos de política urbana do Estatuto da Cidade para a reversão da permanente reprodução da precariedade das periferias e para a universalização do direito à cidade. Ademais, procurará diagnosticar a situação de vulnerabilidade dos grupos de cidadãos com o intuito de verificar se há uma condição efetiva de subcidadania nos casos apontados; Por fim, irá problematizar a efetivação dos Direitos Humanos por meio do conceito de luta por reconhecimento, especialmente no contexto das cidades.

PALAVRAS-CHAVES: Cidade. Direito. Urbano. Universalização. Democracia. Lei.


1 INTRODUÇÃO

Eu quase que não consigo Ficar na cidade sem viver contrariado. Lamento Sertanejo- Gilberto Gil

Diante do contexto em que o modelo de cidade predominante é a de exceção em que a “democracia direta do capital” 35 dita: como, onde, por quem e para a quem a cidade deve ser construída e servida. Essa “democracia” é respaldada pelo marketing da cidade, que gera uma banalização dos projetos urbanos, vistos como instrumentos para embelezar e enobrecer a cidade (Cidade-contemplação construída calcada no processo de gentrificação). Com isso, abre-se mão de uma visão integrada dos problemas urbanos, gerando um conjunto de intervenções fragmentadas que desperdiçam seu potencial e caráter democrático. Nessa perspectiva de cidade empresa, os imperativos são: a produtividade, competitividade e a subordinação dos fins à lógica do mercado. 36 Sendo assim, partindo dessa ótica de fragmentação da cidade, o presente trabalho pretende esgrimir o Direito de morar, que foi levantado por Milton Santos 37. O referido autor problematiza a confusão conceitual que há na literatura jurídica entre direito de morar e direito de ser proprietário, in verbis: “Por enquanto, o que mais se conseguiu foi consagrar de uma visão imobiliária da cidade, que impede de enxergá-la como uma totalidade”. (SANTO, 2007 p. 61). Destarte, baseado em Lefèbvre38 abordaremos a questão das elaborações das leis do urbano, que não são leis positivas, mas que visem acabar com todas as separações que impliquem em segregações multiformes do terreno. A concepção do urbano visa, também, a re-propriação, pelo ser humano de suas condições no tempo,no espaço, nos objetos. Condições essas que lhe são arrancadas para que só as reencontre mediante a compra e a venda. Dessa forma, o urbanismo não 35

Baseado no texto “Quando a cidade vai às ruas” de Carlos Vainer (VAINER, Carlos. Cidades Rebeldes. São Paulo: Boitempo, 2013. p. 35 ). 36 Assentado na obra “Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico urbano” ( VAINER, Carlos. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico urbano. Rio de Janeiro: Mundo Urbano, 2004) 37 Fundamentado na obra do Milton Santos “O Espaço Cidadão” Editora da Universidade de São Paulo (SANTOS, Milton. O Espaço Cidadão. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: 2007) 38 Baseado nas obras: “O Direito à cidade” (LEFEBVRE, Henri. O Direito à Cidade. São Paulo: Editora Centauro, 2009) e “A revolução Urbana” do Henri Lefevre (LEFEBVRE, Henri. A revolução urbana. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2004)


procura modelar o espaço como uma obra de arte. Nem segundo razões técnicas, como pretende. O que o urbanismo elabora é um espaço político.

2 QUESTIONAMENTOS INICIAIS

Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 o Estado assumiu o papel de garantidor dos direitos fundamentais; essa prerrogativa estatal inclui a ratificação em nosso ordenamento jurídico dos valores e direitos consignados pela Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948.Sendo assim, as questões que são levantadas dizem respeito à ineficácia da efetivação desses direitos já positivados em nossa Constituição Cidadã, sobretudo, em razão da ausência de politicas públicas. Como não existe cidadania sem o cumprimento dos direitos fundamentais, é de suma importância que se possa contar com um sistema de leis que traga respostas aos anseios sociais, do contrário, poder-se-ia dizer que tais legislações são meramente simbólicas. Diante disso é preciso admitir que:

a) aqueles que se sintam concretamente prejudicados pela ineficácia do sistema de leis brasileiro podem se unir para demandar o reconhecimento de seus direitos desconsiderados e,

desse modo,

romper com uma

situação de

vulnerabilidade indesejada, a subcidadania conforme Jessé Souza (SOUZA, 2003. p. 67);

b) a população brasileira se concentra nas cidades segundo o último censo nacional (IBGE, 2010), o que torna imprescindível a eficácia das leis que garantem o acesso à cidade.

Faz-se, então, as seguintes perguntas: Seria legítima a sua luta desses subcidadãos perante o Estado para garantir a efetivação de sua cidadania? Por quais meios seria válida? Esta é a preocupação central que levou a esta pesquisa.


3 POR QUE O URBANO?

A inclusão urbana é peça fundamental para a promoção da dignidade do homem e dos direitos humanos. O Núcleo de Direito à Cidade do Programa Polos de Cidadania considera como inclusão urbana o direito à moradia sustentável, o acesso aos serviços urbanos, à regularização fundiária e a todos os direitos fundamentais relativo ao ser humano que vive e convive nas cidades. A Constituição assegura o acesso à cidade através de seu artigo 6º (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 26/2000) Este acesso é muito importante para todos os brasileiros porque os reconhecem como parte da comunidade, como cidadãos plenos. Quando o acesso não é possibilitado pelo Estado, como os casos das ocupações localizadas em Belo Horizonte: Dandara (situada no bairro céu azul, região da Pampulha) e Eliana Silva, Camilo Torres e Irmã Dorothy (situada no Barreiro), o que se tem é uma situação de subcidadania, explicada por Jessé Souza (SOUZA, 2003, p. 140 e 163) como sendo o visceral não reconhecimento da alteridade. O direito à cidade, portanto, asseguraria que, já que não há cidade sem cidadãos e nem cidadãos sem cidade, os direitos necessários para que esta convivência no espaço urbano aconteça, assim como os deveres. Deverão, portanto, democratizar radicalmente à cidade, tanto no aspecto de abrir espaços de participação, quanto garantir condições dignas de reprodução social para todos que vivem na cidade. Por fim, o Direito de morar foi levantado por Milton Santos. O referido autor problematiza a confusão conceitual que há literatura jurídica entre direito de morar e direito de ser proprietário, in verbis: “Por enquanto, o que mais se conseguiu foi consagrar de uma visão imobiliária da cidade, que impede de enxerga-la como uma totalidade.” (SANTO, 2007 p. 61). Para se ter uma ideia da dimensão do problema, estima-se que na América Latina, onde cerca de 75% da população vive em áreas urbanas, 25% dessa população está em assentamentos informais (FERNANDES, 2006). No Brasil, a população moradora de favelas nas principais metrópoles se situa, em geral, acima de 20% do total, chegando, nos casos de Recife, Salvador e Fortaleza a, respectivamente, 46%, 30% e 31% (MARICATO, 2001). Isso sem contar a enorme população vivendo em parcelamentos periféricos irregulares e de precária urbanização


4

A TRAJETÓRIA DA LUTA PELO DIREITO À CIDADE

O direito não é uma pura teoria, mas uma força viva. Todos os direitos da humanidade foram conseguidos na luta. O direito é um trabalho incessante, não somente dos poderes públicos, mas da nação inteira. R.V. Ihering

Começo esse capítulo fundamentando o posicionamento que irei adotar na Escola Teleológica do Direito, em que seu expoente de maior renome, Rudolf Von Ihering, em sua clássica obra “A luta pelo Direito” defende que direito pressupõe luta. Segundo o referido autor o fim do Direito é a paz, a luta é o único meio de consegui-la. Tal enfrentamento não é da injustiça contra o direito; pelo contrário, o direito deve lutar contra toda injustiça. Assevera que se o Direito pudesse se omitir desta luta, equivaleria a despojar-se de sua própria natureza, sua essência. Como defende a Professora da Unicamp Arlete Moysés Rodrigues (RODRIGUES, 2004, p. 9-25). Conquistar o direito à cidade é meta, objetivo, objeto de luta de vários movimentos sociais nacionais e internacionais. No Brasil, esse debate está em pauta desde a preparação da Emenda Popular para a Reforma Urbana para o Congresso Constituinte em 1988. Os artigos 182 e 183 da Constituição Federal colocaram como premissa a função social da cidade, mas remeteram aos planos diretores municipais para cidades com mais do 20 mil habitantes a aplicação dos seus preceitos. Em 2001, com a aprovação do Estatuto da Cidade foram regula- mentados os artigos da constituição sobre a função social da propriedade e da cidade – Lei 10.257/01. O Estatuto da Cidade “estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental” (Cap. I, art. 1º, par. Único). Dispõe que “a política urbana tem por objetivo ordenar o pleno funcionamento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana...” (art.2º). Embora a função social da propriedade urbana conste, desde 1934, nas várias Constituições Brasileiras, a explicitação de seu significado só ocorreu em 2001, com a promulgação do Estatuto da Cidade.


Trata-se de uma lei construída com a ativa participação dos movimentos da sociedade civil que lutam pela reforma urbana. A ênfase dos movimentos sociais, nacionais e internacionais, tem sido questionar a supremacia do direito de apropriação, da propriedade do solo, e das edificações urbanas em relação ao direito à vida. É necessário, para que a cidade cumpra sua função social, que a propriedade individual seja, no mínimo, relativizada, para garantir o acesso a todos os moradores à cidade. Essa relativização é expressa no Estatuto, em especial nos artigos que reconhecem o direito de usucapião urbano e, assim, indicam limites à especulação imobiliária. Apesar disso, cabe a ponderação que mesmo o direito de usucapião urbano, é apenas um instrumento do Direito Civil, sendo dessa forma, limitada do ponto de vista quantitativo levando-se em conta as demandas que a cidade apresenta. Além disso, com grande argúcia Manoel Teixeira Azevedo Júnior (AZEVEDO JÚNIOR, 2009, p. 219-231) faz apontamentos acerca do Estatuto da Cidade: Em que pese a enorme importância do Estatuto da Cidade, ele por si não realiza a reforma urbana. Coloca uma gama de instrumentos legais à disposição dos municípios, cabendo a estes, através do Poder Público e da participação do conjunto da sociedade organizada, usarem de forma combinada esses instrumentos, como alavancas para a construção de um novo padrão democrático e igualitário de cidade.

Ressalta-se

a

necessidade

de

elaboração

de

políticas

públicas

compromissadas em realmente satisfazer as grandes demandas da cidade. E continua o referido autor:

...uma estratégia de política urbana que inclui, entre outras, as ações sobre a estrutura fundiária, a ocupação de vazios, a produção de moradias de interesse social e a distribuição dos equipamentos públicos, disseminando- os no espaço da cidade, com prioridade para sua implantação nas áreas periféricas. Essa estratégia deve estar intimamente articulada com outras políticas públicas, notadamente as de transporte e mobilidade urbana, de educação e geração de renda, de qualificação e universalização dos serviços de saúde, entre outras.


5 REFORMA URBANA

[...] Os sentimentos mais genuinamente humanos logo se desumanizam na cidade. Eça de Queiroz

Segundo Manoel Teixeira Azevedo Júnior (AZEVEDO JÚNIOR, 2009, p. 219231) a reforma urbana é impulsionada, assim, pela necessidade de se repensar a propriedade privada da terra nas cidades e a lógica de produção do espaço urbano, que excluía, e ainda exclui as parcelas mais pobres da população do acesso ao mercado imobiliário formal, empurrando-as para as favelas ou para o mercado dos parcelamentos periféricos irregulares. Prova que atesta tal tese são os dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), referentes a cidade de Belo Horizonte e Região Metropolitana, em que apresentou aumento do déficit habitacional da ordem de 10,44% no período entre 2007, o déficit absoluto era de 117.474 moradias, e em 2012 o déficit passou a ser de 129.737. Ademais, outra constação é que aproximadamente 73% do déficit habitacional brasileiro concentra-se no grupo econômico de renda com até 3 salários mínimos. Ademais, a Urbanista e Relatora do Conselho de Direitos Humanos da ONU Raquel Rolnik aponta que a questão urbana e, particularmente, a agenda da reforma urbana,

constitutiva

da

pauta

das

lutas

sociais

e

fragilmente

experimentada em esferas municipais nos anos 1980 e início dos anos 1990, foram abandonadas pelo poder político dominante no país, em todas as esferas. Isso se deu em prol de uma coalizão pelo crescimento que articulou estratégias keynesianas de geração de emprego e aumentos salariais a um modelo de desenvolvimento urbano neoliberal, voltado única e exclusivamente para facilitar a ação do mercado e abrir frentes de expansão do capital financeirizado, do qual o projeto Copa/Olimpíadas é a expressão mais recente… e radical. Sendo assim, fica explícito o malogro dos espaços institucionais, sobretudo no âmbito municipal, para resolver os

grandes problemas/desafios urbanos:

universalização do direito à moradia, promover a regularização fundiária, transporte e mobilidade urbana, distribuição dos equipamentos públicos, "higienização" da cidade, democratização dos espaços deliberativos.


6 A CIDADE EM XEQUE: AS REVOLTAS DE JUNHO

[...] Ah, quanto tempo mais Vou ficar esperando uma mudança radical? [...] E o meu coração Rendia pólvora Samba para BH – Gustavito

Corroborando com a indagação feita pela Professora e Relatora do Conselho de Direitos Humanos da ONU, Raquel Rolnik (ROLNIK, 2013, p. 7):

Qual a conexão entre as Revoltas de Junho no Brasil, com o que ocorreu em Istambul, a Primavera Árabe, o Occupy Wall Street, os Indignados da Espanha? Esses movimentos transformaram da praça Tahrir, no Egito, à praça do Sol, em Madri, da praça Syntagma, na Grécia, ao parque Zuccotti, nos Estados Unidos, passando pela praça Taskim, na Turquia em palcos de protestos majoritariamente compostos por jovens, convocados por meio de redes sociais, sem a presença de partidos, sindicatos e organizações de massa tradicionais.

No mesmo sentido o grande intelectual contemporâneo, Slavoj Žižek (ŽIŽEK, 2013, p. 101) faz uma análise desse novo contexto democrático, com grande maestria, dizendo que até a eclosão das manifestações na Praça Taksim (e das revoltas de Junho no Brasil) o discurso hegemônico dos representantes do fundamentalismo de mercado enquadrava esses movimentos basicamente como protestos pela falta de emprego, renda e democracia representativa, ou de uma combinação desses elementos. Ignorando os inúmeros conteúdos e agendas trazidos para as ruas, sobretudo o questionamento do “sistema”, essa velha palavra que sintetiza o modo de produção econômico-político da sociedade. Sendo assim, o velho modelo de república, pautado na democracia representativa, formulado no século XVIII e finalmente implementado como modelo majoritário em praticamente todo o planeta, dá sinais claros de esgotamento. O direito à cidade é também reivindicado por coletivos ligados à produção cultural, como relata Silvia Viana (VIANA, 2013, p. 53) que colocam a ocupação do espaço público como agenda e prática. As cidades brasileiras são cada vez mais e em vários momentos não apenas palco, mas objeto de intervenções desses coletivos, como no caso da ocupação Prestes Maia, em São Paulo, que articulou os grupos de produção cultural aos dos sem-teto e outros movimentos. O texto de Silvia


Viana aponta para uma diferença substantiva que se estabeleceu nas interpretações – e apresentações

– das manifestações:

a clivagem entre “pacíficos” e

“baderneiros”. Como em outros snapshots da guerra de significados, a ocupação da cidade foi disputada por diferentes sentidos. A tropa de choque, que no cotidiano executa pessoas sumariamente nas favelas e realiza despejos jogando bombas de gás nos moradores, entrou e saiu de cena ao longo das manifestações, lembrando que, no país próspero e feliz, a linguagem da violência ainda é parte importantíssima do léxico político. Nesse cenário efervescente, surgi diversos movimentos em todo o país, com uma pluralidade de pautas. No caso belo horizontino, a sociedade civil já se organizava muito antes das Revoltas de Junho através de uma gama de coletivos e movimentos sociais, tais como: Fora Lacerda, Fica Ficus, Praia da Estação, Tarifa Zero, Comitê dos Antigidos pela Copa , Movimento de Lutas nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), Brigadas Populares, Assembleia Popular Horizontal; que pautam a reforma urbana e buscam um modelo de cidade mais justa. Portanto, as mencionadas revoltas foram apenas o ápice de uma movimentação constante de questionamento do paradigma de cidade em que vivemos. Tais grupos promoveram diversas ocupações urbanas como forma de pressionar o Estado a democratizar à cidade: desde as ocupações que promovam o acesso à moradia até as ocupações dos espaços institucionais (Câmara Municipal e Prefeitura), passando pelas ocupações dos espaços públicos marginalizados (viadutos, praças do hiper-centro e construções históricas abandonadas); que obtiveram destaque durante as Revoltas de Junho. Sendo assim, tais segmentos sociais tratam O Direito à cidade como um requisito básico para o exercício pleno da cida

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ditadura mais descarada adora leis. (VENTURA, 1988, p. 161) Vladimir Palmeira


Habermas em “Democracia e Direito” servindo-se do conceito de paradigma do direito – isto é, um pano de fundo social com o qual os direitos são interpretados e aplicados em cada época –, explica a transição do paradigma liberal ao paradigma social como fundamento na insuficiência da liberdade e igualdade apenas formais, carentes de complementação com condições materiais de gozo concreto. Dá prosseguimento explicando a transição do paradigma social ao ainda nascente paradigma procedimental como fundada na complementaridade entre autonomia privada e autonomia pública, que força que, para proteção da autonomia privada de cada indivíduo ou grupo segundo suas próprias demandas e necessidades, seja necessário o fortalecimento de sua autonomia pública de participar e interferir na engenharia das leis e das políticas que a ele se aplicam. O caminho para reafirmar o caráter emancipatório do direito e da democracia em nosso tempo seria, pois, o fomento da autonomia pública, que os paradigmas liberal e social, ao tentarem proteger a autonomia privada por meios formais e econômicos ou materiais e burocráticos, teriam ambos negligenciado ou ameaçado. Considerando o contexto nacional, sobretudo com um viés históricoanalítico, vinte e cinco anos da promulgação de nossa carta magna, que constitui um Estado Democrático de Direto em nosso país. É uma excelente oportunidade para refletirmos se os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, positivados na carta : i) construir uma sociedade livre, justa e solidária; ii) garantir o desenvolvimento nacional; iii) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; iv) promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação; foram alcançados (integral ou parcialmente), estão em curso, ou ainda trata-se apenas de legislação simbólico em um horizonte ainda obscuro.

ABSTRACT

This work aims discussing the the city paradigm wich is adapted, predominantly, in the current Brazilian society, the state action in face of the most important urban problems/challenges, as well as to demonstrate that the civil society groups formed by citivizens are legitimated subjects, in the realm of the Brazilian[democratic state of law], in order to press the public powers to elaborate public politic put into effect


accomplish constituicional rights concerning the acess to the city. This work also approches the instruments of urban polices from the city bill[Estatuto da Cidade] to the reversion of the permanent precarity reproduction from peripheries and to the right to the city universalization. Furthermore, it will seek to identify the groups of citizens in a situation of vulnerability to check if there is an effeticve condition of “sub-citizenship”[subcidadania, Souza, Jessé: 2003]

in the appointed cases; At

conclusion, it will re-think the Human Rights accomplishment throught the conception of “struggle for recognition” specially in the context of cities.

KEYWORDS: City. Rights. Urban. Universal. Democracy. Law.

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ZIZEK, Slavoj - Cidades Rebeldes – São Paulo: Boitempo, 2013.


O ABUSO DE DIREITO NA CONVENÇÃO CONDOMINIAL

Daniel de Pádua Andrade Pedro Henrique Paolucci de Almeida Guimarães Orientadora: Mariana Alves Lara

------------------------------------------------ SUMÁRIO -----------------------------------------------1 Introdução 2 Sociabilidade e Abuso de Direito 3 Cláusulas Gerais 4 Boa-Fé Objetiva 5 Função Social 6 Caracterização do Abuso de Direito na Convenção Condominial 7 Conclusão 8 Referências

RESUMO

A convivência condominial é regulada pela convenção elaborada pelos condôminos. Como exercício de direito subjetivo, tal instrumento normativo se sujeita à limitação imposta pelas cláusulas gerais definidoras do abuso de direito, mormente a boa-fé objetiva e a função social. Neste diapasão, a validade das cláusulas restritivas nas convenções de condomínio condiciona-se à existência de uma justificativa legítima. Trata-se de análise exigida pelo moderno sistema jurídico privado, que não mais se pauta pela noção individualista de autossuficiência da autonomia da vontade.

PALAVRAS-CHAVE: Convenção de condomínio. Abuso de direito. Condomínio edilício.

1 INTRODUÇÃO

O presente estudo motiva-se na crescente importância do condomínio edilício no contexto urbano, bem como na necessidade de analisar a convenção


condominial sob a égide dos paradigmas do Direito Privado no Estado Democrático de Direito. A convenção de condomínio é um negócio jurídico que consubstancia permissão legislativa para a normatização particular, vez que o instrumento aprovado e registrado pelos condôminos possui natureza estatutária e efeitos irradiantes (erga omnes). Destarte, surge a questão da legitimidade e das limitações do referido instrumento, que regrará o dia-a-dia de uma considerável coletividade e sujeitará inclusive pessoas alheias à elaboração deste documento. Por um lado, a convenção condominial concretiza a faculdade normativa dos condôminos, de regular sua microcomunidade de acordo com seus interesses. Por outro, obviamente, o exercício de tal direito subjetivo não é absoluto. Neste contexto, insere-se a análise do abuso de direito na convenção do condomínio edilício, como limite volitivo negativo a ser observado pelos condôminos. Trata-se do cerne deste trabalho, que objetiva apresentar aspectos teóricos e práticos do problema em comento. A parte inicial do texto visa estabelecer, como pano de fundo, o panorama pluralista do direito civil que ultrapassa a concepção autossuficiente da autonomia privada. Em seguida, delineia-se o fenômeno jurídico do abuso de direito, sua origem e uma explanação acerca da técnica legislativa pela qual se insere no ordenamento pátrio (cláusulas abertas), além da exposição dos principais desdobramentos do instituto, quais sejam a boa-fé objetiva e a função social. Por fim, o desenvolvimento culmina no tratamento do abuso de direito no que diz respeito à convenção condominial, com exemplos práticos e jurisprudenciais.

2 SOCIALIDADE E ABUSO DE DIREITO

Diversamente de grande parte dos institutos do Direito Privado, a figura do ‘abuso de direito’ não é original de Roma. Ao revés, na experiência jurídica romana vigorava o princípio nullusvidetur dolo facere, qui suo iureutitur, que imunizava contra responsabilidade civil, o titular de um direito subjetivo que, na utilização deste direito, causasse dano a outrem (CORDEIRO, 2001, p. 670).


Com efeito, o enfoque antigo foi deveras individualista, porquanto levava em consideração a proteção máxima dos direitos subjetivos e dos interesses singulares dos sujeitos de direitos. Contudo, já há cerca de meio século, é possível observar a caída do modelo ‘individual’ de Direito Privado, e a sua compassada substituição por um modelo mais ‘socializado e solidário’. Nesse modelo, interpreta-se o Direito Civil sob o enfoque constitucional, levando em consideração o interesse do ‘alter’, quando do exercício dos direitos subjetivos (MARTINS, 2007, p. 278-279). No que concerne ao princípio da socialidade, o Código Civil de 2002 procura superar o caráter individualista e egoísta que imperava na codificação anterior, valorizando a palavra nós, em detrimento da palavra eu. Os grandes ícones do Direito Privado recebem uma denotação social (...). (TARTUCE, 2011, p. 46)

Neste sentido, com origem francesa, a teorização acerca do abuso de direito começou a ser desenvolvida, tendo sido “criada para nominar uma série de situações jurídicas, ocorridas em França, nas quais o tribunal, reconhecendo embora, na questão de fundo, a excelência do direito do réu, veio a condenar, perante irregularidade do exercício desse direito” (CORDEIRO, 2001, p. 670). Ou seja, inobstante haver um direito subjetivo conferido pelo Estado, ou por particular (quando o direito decorre de um instrumento normativo privado – autonomia privada), a utilização deste direito não pode ser absoluta. Embora o direito subjetivo se preste a satisfazer um interesse do titular, ele não implica numa autorização para usá-lo em desrespeito a terceiros.

(...) se o direito subjetivo é concedido pelo Estado, ou por sua ordem jurídica, para que seus titulares possam defender seus interesses, os quais são, então, protegidos por meio da tutela jurisdicional, a boa-fé constitui um limite ao exercício desses direitos subjetivos, sem a observância da qual ocorre o abuso do direito. (GADENS, 2008, p. 19)

No Brasil, o abuso de direito está normatizado no art. 187 do Código Civil de 2002, in verbis: “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. Assim, depreende-se que o abuso de direito se presta a limitar o exercício de direitos subjetivos, estabelecendo parâmetros (boa-fé,


bons costumes e fim social ou econômico) que, seextrapolados, configuram o ato abusivo. Ressalte-se que não se trata apenas de um exercício de direito subjetivo que intencionalmente visa a prejudicar o outro (aemulatio), mas também caracteriza ato abusivo a utilização do direito que não atende à finalidade social e econômica do direito, que transgride a boa-fé objetiva, ou que simplesmente ignora os possíveis prejuízos que sua utilização pode ocasionara terceiros. Em síntese, (...) a admissão do abuso de direito tem sido fundada na necessidade de respeitar os direitos alheios, na violação, pelo titular exercente, de normas éticas, na ocorrência, por parte do mesmo titular, de falta e na não consideração do fim preconizado pela lei. (CORDEIRO, 2001, p. 678)

3 CLÁUSULAS GERAIS

Uma vez que os parâmetros para a caracterização do abuso de direito são cláusulas gerais (boa-fé objetiva, função social), imprescindível a análise desta técnica legislativa para melhor apreensão do assunto. Trata-se de sistema que prima pela completude do ordenamento jurídico. Neste sentido, informa-se que a ordem normativa não deve se valer de infinitas previsões casuísticas, mas sim, de critérios valorativos aptos a serem aplicados nas mais diversas situações fáticas.

É que as cláusulas gerais constituem o meio legislativamente hábil para permitir o ingresso, no ordenamento jurídico, de princípios valorativos, expressos ou ainda inexpressos legislativamente, de standards, máximas de conduta, arquétipos exemplares de comportamento, das normativas constitucionais de diretivas econômicas, sociais e políticas, viabilizando a sua sistematização no ordenamento positivo. (MARTINS-COSTA, 1999, p. 274)

Com efeito, o direito não deve procurar conter hipóteses de incidência específicas para cada fato ocorrido no mundo fenomênico, porquanto a complexidade das relações socioeconômicas hodiernas inviabiliza tal pretensão. O sistema de cláusulas gerais permite maior flexibilidade na interpretação das normas


jurídicas, mediante a adoção de uma hermenêutica valorativa e equitativa, em contraposição ao raciocínio casuístico e meramente subsuntivo.

(...) utiliza-se o legislador de conceitos mais amplos e abstratos, dependentes de interpretação: as cláusulas gerais, tais como “bons costumes”, “conduta social” e a Boa-fé objetiva, e modo que os conceitos passam a se adequar aos fatos, por meio de uma interpretação do direito privado sob enfoque constitucional. (GADENS, 2008, p. 20)

No Brasil, é possível verificar a existência de cláusulas gerais, por exemplo, quando Reale instituiu a boa-fé objetiva no Código Civil de 2002. Ora, com a disposição do artigo 113 - “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração” - e do artigo 187 - “comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” -, percebese a instituição de um standard de comportamento desejável. Em suma, as cláusulas gerais são “linhas de orientação, que, dirigidas ao juiz, o vinculam e, ao mesmo tempo, lhe dão liberdade” (GADENS, 2008, p.20).

4 BOA-FÉ OBJETIVA

Uma das cláusulas gerais que delimitam o exercício de direitos subjetivos é a boa-fé objetiva. Esta visa delinear um padrão de comportamento socialmente desejável, com espeque na proteção da confiança e da legítima expectativa. Ao contrário da boa-fé subjetiva, a boa-fé objetiva guarda cunho externo, bem como não tem um antagônico - aquele que a transgride incorre em abuso de direito, não em má-fé. Segundo Francisco José Ferreira Muniz, Boa-fé significa que todos devem guardar ‘fidelidade’ à palavra dada e não frustrar ou abusar daquela confiança que constitui a base das relações humanas, sendo pois necessário que procedam tal como deve esperar-se que o faça qualquer pessoa que participe honesta e corretamente no tráfico jurídico, no quadro de uma vinculação jurídica especial (...). Na concretização do princípio da boa-fé, está sempre um juízo valorativo que se mostra aberto às diversas circunstâncias ponderáveis por um julgador justo e equitativo. A boa-


fé não é, pois, aplicável ao caso concreto mediante critérios lógicos, mas sim, mediante juízos de valor. (MUNIZ, 1998, p. 32)

Desde sua inserção positiva com o Código de Defesa do Consumidor em 1990, o instituto da boa-fé objetiva evoluiu de modo a se estender para todo o Direito Privado (e para muitos autores, para todos os ramos do direito). Ainda, passou-se a identificar no instituto outras funções que não apenas a hermenêutica-integrativa, como a função de estabelecer deveres jurídicos anexos (fonte autônoma de obrigações) e limitar o exercício de direitos subjetivos (MARTINS-COSTA, 1999, p. 427-428). Em virtude deste desenvolvimento jurídico, a boa-fé objetiva passou a ser um dos freios à utilização egoística de direitos subjetivos, configurando-se, portanto, como parâmetro de análise do abuso de direito.

5 FUNÇÃO SOCIAL

Segundo o art. 187 do Código Civil de 2002, outra cláusula geral que parametriza a utilização de direitos subjetivos, caracterizando-os como abusivos (ou não), é a função social. Tal cláusula verifica-se quando o exercício de um direito exorbita excessivamente sua finalidade socioeconômica. Com efeito, a função social tem relação direta e decorre intimamente do processo de evolução do Direito Privado individualista para o modelo solidário, uma vez que neste segundo modelo só se reconhece a legitimidade de um direito individual na medida em que exercido em respeito à coletividadede e à dignidade do 'alter'. Embora o instituto do abuso de direito tenha começado a se desenvolver na França, a função social já era alvo de indagações desde a Antiguidade, sobretudo no que tange ao direito de propriedade. Certamente, a concepção aristotélica que justifica a propriedade em sua finalidade, seus serviços, sua função, mostra-se presente na lógica do Direito Privado moderno (MALUF, 1997 p.2).

(...) já não é mais possível admitir-se em nossos dias, sem que se lhe cominem sanções severas, que o proprietário entregue sua coisa para fins puramente egoístas, para gozo próprio; deve-se, ao contrário, usá-la de uma maneira socialmente útil, empregá-la em


benefício geral, tornando-a instrumento de riqueza e felicidade para todos. (MALUF, 1997, p.53)

Hodiernamente, a aplicabilidade da função social ultrapassa o direito de propriedade para atacar o exercício de qualquer direito subjetivo não lastreado em um fim legítimo.

6

CARACTERIZAÇÃO

DO

ABUSO

DE

DIREITO

NA

CONVENÇÃO

CONDOMINIAL

Nem todas as regras existentes na convenção condominial são válidas. Além dos requisitos atinentes à forma (quórum mínimo, higidez da convocação para a assembleia etc.), o poder normativo exercido ao se confeccionar uma convenção condominial também sofre as limitações definidas pelo artigo 187 do Código Civil. Portanto, impõe-se analisar o conteúdo das normas condominiais sob um enfoque sistêmico. Ainda que uma regra tenha sido incluída acertadamente sob o ponto de vista formal, se sua disposição afronta os limites aqui examinados, tal cláusula não possuirá validade, haja vista a incidência das consequências do abuso de direito (dever de indenizar, invalidade do ato abusivo etc.). Não há razão para a instituição de uma norma que restrinja a esfera individual de direitos de um condômino (invadindo-lhe a privacidade, cerceando-lhe a liberdade e a livre formação da personalidade) sem que tal norma seja necessária e apta à harmonização do ambiente condominial.

Obtempere-se que a convenção condominial não poderá criar restrições indevidas aos condôminos, pois as limitações só se justificam quando correspondem à aplicação do princípio genérico que atende ao bem comum e impede o mau uso da propriedade nas relações de vizinhança, por ofensa à saúde, à segurança e ao sossego dos demais condôminos (art. 1.227do CC). Ou seja: a convenção condominial é lei interna a ser observada por todos, mas as suas disposições devem guardar um mínimo de bom senso, sob pena de restrição à garantia fundamental do direito de propriedade (art. 5º, XXII, da CF). As cláusulas que não guardem harmonia com a Constituição Federal e a razoabilidade inserem-se no abuso de direito, eis que ofendem a finalidade para o qual se instituiu o condomínio. (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 723)


Por este raciocínio, constata-se que as cláusulas abusivas não têm validade, seja quando não atendam ao fim social do condomínio (harmonizar a convivência), seja quando maculam a boa-fé objetiva (a confiança e a legítima expectativa). Exemplificativamente, a proibição da venda ou locação de apartamentos a estudantes (limitação à liberdade do proprietário) não é medida necessária, nem adequada para se atingir o fim sossego. Trata-se de cláusula preconceituosa e incompatível com o princípio da confiança, razão pela qual deve ser extirpada da convenção. Lado outro, mesmo ausente disposição específica na convenção de condomínio, a prática de ato abusivo no âmbito condominial poderá ser rechaçada. É o caso, por exemplo, do indivíduo que a partir do silêncio da convenção sobre o assunto, cria número excessivo de animais de estimação, gerando incômodo desproporcional aos vizinhos e prejuízos sanitários ao prédio. Tudo depende, pois, da legitimidade do exercício do direito ante ao ordenamento jurídico. Ou seja, na análise do caso em questão deve-se verificar a (in)existência de efetivo prejuízo ao sossego e à saúde dos condôminos que legitime a restrição à liberdade trazida pela cláusula condominial. Os seguintes excertos jurisprudenciais corroboram a ideia de análise tópica no caso concreto: Convenção - Proibição da presença de animais nas unidades autônomas. Hipótese, no caso, de cão de pequeno porte, de nenhuma agressividade e de docilidade inconteste. Apartamento, ademais, destinado a desfrute esporádico e de lazer de finais de semana e períodos de férias. Vedação afastada. Interpretação dos artigos 10, inciso III, e 19 da lei Federal n. 4.591, de 1964 Embargos rejeitados (JTJ 193/273)(LOUREIRO FILHO, 1998, p. 12, grifo do autor) Regimento interno - Manutenção de animal em unidade autônoma. Proibição não absoluta. Características da raça levada em consideração. Comportamento agressivo com estranhos e cujo caráter é o de latir muito. Risco à comunidade. Multa, no entanto, reduzida. Recurso provido para esse fim (STJ 188/31). (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 723) Animal doméstico - A manutenção de animal doméstico em apartamento só é vedada quando nocivo ou perigoso ao sossego, salubridade e à segurança dos condôminos (TJSP, JTJ 167/32).LOUREIRO FILHO, 1998, p. 12)


Em suma, no âmbito da convenção condominial, tanto abusa do direito aquele que institui uma regra desproporcional e inadequada ao cumprimento de qualquer função socioeconômica, quanto aquele que se aproveita de uma permissão para exceder os limites e fazer de seu direito subjetivo um instrumento de aflição para os conviventes.

7 CONCLUSÃO

A moderna concepção de Direito Privado solidário vem, paulatinamente, suplantando a antiga lógica de tutela máxima dos interesses individuais. Com efeito, os direitos subjetivos, que se prestam, em última instância, a garantir a satisfação dos interesses dos titulares, não podem mais ser utilizados absoluta e ilimitadamente. Esta evolução jurídica ensejou a elaboração de limitadores à utilização de direitos subjetivos, dentre os quais se destaca o abuso de direito. Tal instituto não se presta a negar o direito do exercente, mas a reconhecê-lo e a definir como (i)legítima a forma com a qual foi utilizado. O Código Reale positivou a figura do abuso de direito, estabelecendo-o como ato ilícito no art. 187 e valendo-se da técnica de cláusulas gerais para delinear quais os parâmetros caracterizadores do ato abusivo (boa-fé objetiva e função social). A boa-fé objetiva firma um standard de comportamento desejável, que deve se ver refletido nas condutas fáticas dos sujeitos de direito. Este padrão comportamental preconiza a proteção da confiança e da legítima expectativa, de modo que titulares de direitos devem proceder como se espera que faria uma pessoa honesta e atenta ao próximo. Já a função social, que é estudada há mais tempo que a própria figura do abuso de direito, determina que todo direito subjetivo guarde uma finalidade lícita. A utilização diversa da que lhe é própria macula a função social deste direito, de modo que o exercício para fins ilegítimos ou meramente egoísticos são vedados. Neste contexto, verifica-se que o poder normativo dos condôminos nada mais é do que um direito subjetivo, pois constitui uma permissão legal para autorregulação da microssociedade em que se inserem. Destarte, ao exercer este


poder normativo, os condôminos também devem afastar-se do abuso, em respeito à boa-fé objetiva e à função social do direito de autorregulação. Em suma, as cláusulas condominiais desnecessárias à harmonização do ambiente condominial, bem como as incompatíveis com a tutela da legítima expectativa, denotam um exercício abusivo do poder normativo dos condôminos e devem ser extirpadas da convenção. Não obstante, pela mesma lógica jurídica, os atos abusivos praticados, ainda que não vedados expressamente pela convenção, poderão ser rechaçados.

ABSTRACT

The condominium living is regulated by the Convention drawn up by the union owners. As an exercise of a right, such normative instrument is bound to the limitation imposed by the general clauses of the abuse of right, in particular the objective good faith and the social function. In this vein, the validity of the restrictive clauses in the Convention is conditioned by the existence of a legitimate justification. This analysis is required by the modern private legal system, that is no longer guided by the individualistic notion of self-sufficiency of autonomy of will.

KEYWORDS: Condominium convention. Abuse of right. Condominium.

REFERÊNCIAS

CARPENA, Heloísa. Abuso de Direito no Código Civil de 2002. Relativização de Direitos na ótica civil-constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo (coord.) A parte Geral do novo Código Civil: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. CORDEIRO, António Manoel da Rocha e Menezes. A boa-fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 2001. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Reais. 8ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2012.


FRANÇA, Rubens Limongi. Jurisprudência do Condomínio. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977. GADENS, Angélica Elisa. O abuso de direito no condomínio edilício. Raízes Jurídicas, Curitiba, v. 4, n.1, jan-jun., p. 11-34, 2008. LOUREIRO FILHO, Lair da Silva. Condomínio: A Lei nos tribunais. 1. ed. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998. MALUF, Carlos AlbetoDabus. Limitações ao Direito de Propriedade. São Paulo: Ed Saraiva, 1997. MARTINS-COSTA,Judith. A Boa-Fé no Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999 MARTINS, Samir José Caetano. Neoconstitucionalismo e seus reflexos nas relações jurídicas privadas: em busca de parâmetros de aplicação direta dos direitos fundamentais. Revista de Direito Privado, ano 8/ n. 30, p. 265–304, 2007. MIRAGEM, Bruno. Abuso do Direito. Proteção da Confiança e Limite ao Exercício das Prerrogativas Jurídicas no Direito Privado. Rio de Janeiro: Forense, 2009. MUNIZ, Francisco José Ferreira. O Princípio geral da boa-fé como regra de comportamento contratual. Curitiba: Juruá, 1998. TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: Volume único. São Paulo: Método, 2011.


O ESTATUTO DAS CIDADES E AS OCUPAÇÕES URBANAS: UM ENFOQUE EM DANDARA

Carolina Corrêa Rebelo Orientador: Marcelo de Oliveira Milagres

------------------------------------------------ SUMÁRIO -----------------------------------------------1 Introdução 2 Distinção Histórica: Posse e Propriedade 2.1 A Posse. 2.2 A Propriedade 3 A Função Social da Posse e da Propriedade 3.1 A Função Social da Posse. 3.2 A Função Social da Propriedade 3.3 A Função Social da Propriedade Urbana e o Estatuto da Cidade 4 O Direito à Moradia 4.1 Moradia como Direito Fundamental 4.2 Moradia como Direito Especial da Personalidade 4.3 Formas de Garantia e Tutela do Direito à Moradia 5 A Comunidade Dandara 5.1 As Ocupações Urbanas e a Comunidade Dandara 6 Possível Solução à Efetivação da Segurança da Posse aos Moradores de Dandara 6.1 A Desapropriação Direta como Sanção ao Proprietário Omisso

RESUMO

Em 2001, foi publicado o Estatuto da Cidade, por meio do qual foram estabelecidas as diretrizes da política urbana apta a ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana. Neste contexto, pretende-se estudar os diversos institutos que tratam dos embates decorrentes das relações entre a coisa e seus possuidores e proprietários. Busca-se, a partir deste estudo, encontrar uma solução que conceda aos moradores da Comunidade Dandara o direito de permanecer no local ocupado, diante da omissão travada por seu proprietário, desde a sua aquisição. PALAVRAS-CHAVE: Moradia. Segurança da posse. Comunidade Dandara.


1 INTRODUÇÃO

O fenômeno da urbanização brasileira surgiu na década de 1950, quando os primeiros contingentes populacionais se deslocaram de áreas rurais em direção às cidades, em busca de melhores condições de vida e trabalho. Os dados do Censo 2010 comprovam que, atualmente, este fenômeno é uma realidade, ao demonstrar que 84% dos brasileiros vivem em áreas urbanas 39. Em 2010, o Brasil contava com 6.329 aglomerados subnormais (assentamentos irregulares conhecidos como favelas, invasões, grotas, baixadas, comunidades, vilas,

ressacas,

mocambos,

palafitas,

entre

outros).

Estes

aglomerados

concentravam 6,0% da população brasileira (11.425.644 de pessoas), distribuídos em 3.224.529 domicílios particulares, sendo que quase metade (49,8%) destes domicílios estavam na Região Sudeste40. Diante desta realidade, o Direito como instrumento de desenvolvimento e pacificação da sociedade há de cumprir um papel crucial, no sentido de promover o bem-estar e a dignidade daqueles que se encontram sob determinado ordenamento jurídico. Foi com base nestes fundamentos que, em 10 de julho de 2001, sancionouse o “Estatuto da Cidade”, que, em seu artigo 1° estabelece: “normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.”41. Tendo em vista que o Estatuto da Cidade é uma norma vigente há mais de dez anos, surge a necessidade de se analisar a Lei 10.257/2001 em seu contexto histórico e social, bem como o capítulo que trata da Propriedade no Código Civil de 2002, para compreender como ocorre sua aplicabilidade aos casos concretos de ocupações urbanas.

39

40

41

BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Indicadores. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/mapa_site/mapa_site.php#indicadores>. Acesso em: 01 abr. 2014. Idem. Notícias. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/notici a_visualiza.php?id_noticia=2057&id_pagina=>. Acesso em: 01 abr. 2014. BRASIL. Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10257.htm>. Acesso em: 01 abr. 2014.


2 DISTINÇÃO HISTÓRICA: POSSE E PROPRIEDADE

2.1

A Posse A palavra “posse” tem origem no latim possessio, que vem de potis (poder), e

sessio (que significa estar firme, assentado). Para Milagres, “mais que uma concepção social, jurídica ou econômica, a disciplina do instituto da posse decorre de um estado de fato. A posse pressupõe um poder – um domínio – sobre algo” (MILAGRES, 2011, p. 7). Na concepção de Savigny, “a posse seria o poder que a pessoa tem de dispor materialmente de uma coisa, com a intenção de tê-la para si e defendê-la contra a intervenção de outrem” (ROSENVALD; FARIAS, 2011, p. 36). Assim, o jurista elaborou sua teoria a partir de dois elementos essenciais: o corpus e o animus. O corpus seria o elemento que concederia à pessoa o poder de livremente servir e dispor da coisa, além da faculdade de se insurgir contra eventuais esbulhos de terceiros. O animus seria a intenção que o possuidor apresentaria de ter a coisa como sua, sentindo-se o dono, o proprietário do bem. Inexistindo esta vontade por parte da pessoa, configurar-se-ia a mera detenção da coisa. No pensamento de Ihering, a necessidade de se tutelar a posse provém do fato de esta ser a aparência do direito de propriedade. Portanto, o possuidor é quem concede destinação econômica à propriedade, ou seja, visibilidade ao domínio. Neste sentido, o animus não mais se configura com a intenção de ser proprietário, mas tão somente pelo comportamento próprio de proprietário. Concluem Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald que “a posse é um direito subjetivo dotado de estrutura peculiar” (ROSENVALD; FARIAS, 2011, p. 41). Isto porque o instituto da posse é tutelado por normas próprias, dirigidas direta e imediatamente a ele, ou seja, para além da concepção da posse como relação de fato ou exteriorização do direito de propriedade.

2.2

A Propriedade


Uma das possíveis explicações para a origem da propriedade pode advir do Direito Romano arcaico e consiste no poder que o pater famílias exercia sobre a casa, em benefício da estrutura familiar. Na Idade Média, houve a dissociação do conceito romano de propriedade, surgindo, também, a concorrência de proprietários, consequência direta das relações de vassalagem firmadas entre o senhor feudal e seus vassalos. Já à época do Iluminismo e do Jusnaturalismo, exaltou-se a concepção individualista da propriedade ao se conceder ao sujeito de direito a possibilidade de manifestar livremente a sua vontade (ROSENVALD; FARIAS, 2011, p. 195). No Brasil, a propriedade privada nasceu da propriedade pública, isso porque, no início da colonização de nosso país, após a conquista das terras brasileiras, toda extensão territorial “conquistada”, era de domínio da Coroa Portuguesa. Com o tempo, a propriedade foi se desmembrando por meio de concessões de sesmarias, doações, permutas, compra e venda e legitimações de posse (TORRES, 2007, p. 119). Com o Código Civil de 1916, que contava com fortes influências liberais, observou-se a prevalência das relações patrimoniais sobre quaisquer outras. O Código Civil vigente, ao estabelecer, no caput de seu artigo 1.228, que “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua o detenha”42, não inovou em relação ao antigo Código. Observa-se, portanto, a inexistência de uma definição legal para o conceito de propriedade. Segundo Carlos Roberto Gonçalves, o conceito de propriedade, embora não aberto, há de ser necessariamente dinâmico (GONÇALVES, 2006, p. 206). Deve-se reconhecer que a garantia constitucional da propriedade está submetida a um processo de relativização, de modo que a propriedade deixe de ser vista como um direito estritamente individual e seja reconhecida como um direito social.

42

Idem. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Novo Código Civil Brasileiro. Legislação Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 01 abr. 2014.


3 A FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE E DA PROPRIEDADE

3.1 Função Social da Posse

As teorias de Savigny e Ihering, ambas situadas no fundamento da proteção possessória em elementos externos à posse, tornaram-se insuficientes para externar a importância de tutela deste instituto, diante das transformações sociais ocorridas ao longo do tempo. No início do século XX, surgiu a teoria social da posse. Segundo esta teoria, configura-se a posse quando constata-se uma situação “de fato suficiente para estabelecer a independência econômica do possuidor” (GONÇALVES, 2006, p. 37). Dentre os estudiosos que se dedicaram às teorias sociológicas da posse, destaca-se o espanhol Hernández Gil, que publicou, em 1987, a obra La Possession. Por meio deste estudo, o jurista procurou fixar a posse como um fenômeno eminentemente social afirmando que “a função social atua não só como pressuposto, mas como fim das instituições jurídicas [...]” (ALBUQUERQUE, 2002, p. 137). Há três modalidades por meio das quais a posse ingressa no mundo jurídico: 1) posse real – aquela que decorre do título de proprietário ou de outro direito real; 2) posse obrigacional – poder que advém de alguma relação obrigacional; 3) posse fática – é aquela exercida por qualquer pessoa que assuma o poder de fato sobre a coisa, independentemente de relação jurídica real ou obrigacional, bastando que seja legitimamente capaz de utilizar concretamente o bem. Ao se considerar a terceira modalidade exposta, a da posse fática, ou seja, desvinculada de qualquer direito real ou obrigacional, conclui-se pela sua autonomia. A partir de 1988, com a promulgação da Constituição Federal, iniciou-se uma nova ordem jurídica no Brasil. Assim, pode-se dizer que um dos principais objetivos previstos constitucionalmente seja a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, conforme expresso no artigo 3º, I, da Carta Maior. Além disso, a busca de tais objetivos constitucionais deve sempre ser pautada pelos princípios norteadores da República Brasileira, sendo certo que o principal deles está previsto no artigo 1º, III, da Constituição: a dignidade da pessoa humana. Observa-se, portanto, um movimento voltado à garantia do bem-estar da coletividade, advindo daí o conceito de “socialidade” (AMARAL, 2012) que,


viabilizado pela correta aplicação do princípio da dignidade humana, promove a despatrimonialização das relações de direito privado. Chega-se, portanto, à ideia de função social da posse, que prevê a atuação fática de um possuidor sobre a coisa da qual o titular patrimonial desvinculou do cumprimento de qualquer finalidade. Assim, é imprescindível que o possuidor deixe de ser o sujeito passivo que tenha o dever de abstenção perante determinado título de propriedade e passe a ser o sujeito ativo que age em busca do acesso ao bem que possa assegurar a si e aos seus o mínimo existencial.

3.2 Função Social da Propriedade

Enquanto a função social da posse só passou a ser valorizada a partir da metade do século XX, a preocupação com a função social da propriedade remonta à Lei das XII Tábuas, que disciplinava e limitava o exercício do direito de propriedade (MILAGRES, 2011, p. 49). No final do século XIX e início do século XX, a função social da propriedade também foi afirmada pelos positivistas. Neste sentido, Augusto Comte, afirmou que o princípio universal da função social “deve certamente se estender à propriedade, em que o positivismo vê principalmente uma indispensável função social, destinada a formar e a administrar os capitais [...]” (MILAGRES, 2011, p. 49). O Código Civil Brasileiro de 1916, em razão de suas fortes influências liberais, não atribuiu qualquer função social à propriedade. Foi somente em 1934, na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, que surgiu a primeira ideia de função social da propriedade no direito brasileiro. Assim, o artigo 113, inciso 17, estabelecia43: É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito à indenização ulterior.

43

BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm> Acesso em: 01 abr. 2014.


Contudo, nas Constituições de 1937 e de 1946, não houve concordância quanto à função social da propriedade, sendo certo que, na primeira, o instituto sequer foi mencionado e, na segunda, ficou estabelecido, em seu artigo 147, que “o uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social”.44 Foi somente em 1969, com a Emenda Constitucional 1/69, que a função social da propriedade foi fixada como um dos princípios necessários ao desenvolvimento nacional e à justiça social (artigo 160, III).45 A função social foi definitivamente reconhecida na Constituição Brasileira de 1988, que garante a inviolabilidade da propriedade a todos os brasileiros, mas exige que o uso da coisa seja condicionado ao bem-estar geral. Neste sentido, o artigo 5º, em seu inciso XXIII é expresso ao determinar: “a propriedade atenderá sua função social”.46 Neste sentido, configura-se a função social no comportamento do proprietário que atue em uma dimensão na qual se realizem interesses sociais, sem que haja, contudo, a eliminação de seu direito privado de uso, gozo e disposição do bem. Neste diapasão, nosso constituinte, pressionado pelo movimento popular, volta a mencionar a função social da propriedade, ao incluir na Magna Carta o capítulo da Política Urbana. Dessa forma, o artigo 182, parágrafo 2º, prevê: “a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.”47

3.3

A Função Social da Propriedade Urbana e o Estatuto da Cidade

O artigo 182 da Constituição Federal, que previu a criação de um Plano Diretor pelo Município, após mais de uma década de discussões, foi regulamentado pela Lei nº 10.257/01, também denominada Estatuto da Cidade. 44

45

46

47

BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm>. Acesso em: 01 abr. 2014. Idem. Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm>. Acesso em: 01 abr. 2014. Idem. Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 01 abr. 2014. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 01 abr. 2014.


O Estatuto da Cidade “estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade em prol do bem coletivo, da segurança e do bemestar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental” (ROSENVALD; FARIAS, 2011, p. 251). Assim, o referido Estatuto é estruturado em cinco capítulos, quais sejam: 1 – diretrizes gerais; 2 – instrumentos de política urbana; 3 – plano diretor; 4 – gestão democrática da cidade; e 5 – disposições gerais. O capítulo das diretrizes gerais determina qual deve ser o objetivo da política urbana, de modo que o artigo 2º da Lei nos ensina que: “A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana.” O segundo capítulo, que trata dos instrumentos da Política Urbana, regulamenta o artigo 182, parágrafo 4º da Constituição Federal, e prevê as sanções passíveis de aplicação à manutenção de terrenos urbanos em ociosidade. Por conseguinte, o capítulo do plano diretor estabelece parâmetros a serem seguidos pelos municípios no cumprimento da elaboração do plano diretor, que é obrigatória para cidades com mais de 20 mil habitantes e municípios integrantes de área de especial interesse turístico. Já no capítulo da gestão democrática da cidade, procura-se garantir e estabelecer mecanismos de participação da sociedade civil na gestão das cidades. Por fim, no capítulo das disposições gerais, adequam-se a lei da ação civil pública e a lei de registros públicos ao Estatuto da Cidade, fixando penalidades aos prefeitos que desobedecerem ou não agirem em conformidade com a regra geral criada no Estatuto. Por meio da análise da estrutura do Estatuto da Cidade, pode-se afirmar que a função social da propriedade urbana está vinculada à busca de uma sociedade mais igualitária, à medida que submete o acesso e uso da propriedade ao interesse coletivo.

4 O DIREITO À MORADIA

4.1 Moradia como Direito Fundamental


Em 1948, o direito à moradia digna foi implementado como pressuposto à dignidade da pessoa humana, na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Contudo, só veio a ser recepcionado pela Constituição Federal brasileira 52 anos depois, com a promulgação da Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000, que alterou a redação do artigo 6° da Constituição da República para ampliar o rol dos direitos sociais (GONÇALVES, 2013). Neste sentido, o Estado cumpre papel de primordial importância no planejamento do desenvolvimento nacional e na efetivação de condições para o pleno exercício dos direitos sociais por seus cidadãos. No entanto, existem hoje, no Brasil, cerca de 6,5 milhões de pessoas que vivem em uma situação de exclusão social e segregação territorial (OSÓRIO, 2014). Portanto, é necessário se desvencilhar dessas limitações decorrentes da insuficiência dos recursos estatais na promoção das políticas públicas voltadas à efetivação da moradia como direito fundamental. Uma das formas de se vencer tais restrições é conferir ao direito à moradia uma concepção que vai além da noção de direito fundamental social. Verifica-se, assim, a necessidade de se estudar a moradia como direito de personalidade, haja vista a sua essencialidade inerente à pessoa humana, que vai além dos direitos patrimoniais de ordem econômica.

4.2

Moradia como Direito Especial da Personalidade

Os

direitos

da

personalidade

são

aqueles

inatos

à

humanidade,

imprescritíveis e vitalícios. É a partir destes direitos que a pessoa se realiza, passando a figurar como titular de direitos e deveres, ou seja, são direitos que se voltam essencialmente à proteção da Pessoa Humana (SIQUEIRA, 2014). Assim, compreendida como direito de personalidade, a moradia passa a ser entendida “como manifestação de identidade pessoal, de privacidade, de intimidade, como expressão do direito ao segredo e como valor imprescindível à dignidade da pessoa humana” (MILAGRES, 2011, p. 122). A partir da compreensão do direito à moradia como direito da personalidade, em razão de sua essencialidade, chega-se à ideia da autonomia objetiva da moradia. Em outras palavras: a moradia não se confunde com o direito de posse ou


com o direito de propriedade, figurando-se, portanto, como instituto singular, dotado de aspectos materiais próprios. Assim, é necessário que se estabeleçam formas de tutela que visem à garantia do direito à moradia, não apenas como direito especial de personalidade, como, também, direito social e fundamental. Neste sentido, vale lembrar que Raquel Rolnick, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada, elegeu a segurança da posse como um dos principais componentes do direito à moradia (ROLNICK, 2014). Portanto, não basta o direito à moradia digna, é necessário que haja a sua estabilidade no decorrer do tempo, ou seja, deve-se conferir às pessoas certo grau de segurança da posse.

4.3

Formas de Garantia e Tutela do Direito à Moradia

Ante à necessidade de prevenção e repressão das diversas formas de interferência ávidas a prejudicar o espaço de convivência alheio, foram elaboradas, no decorrer do tempo e de acordo com os anseios sociais, diversas formas de tutela e remédios jurídicos que têm como finalidade garantir o exercício do direito à moradia. O ordenamento jurídico brasileiro concede ao possuidor, no artigo 1.210, parágrafo primeiro, do Código Civil, a faculdade de praticar atos de defesa, ou de desforço, nas hipóteses em que for turbado ou esbulhado de sua posse.48 A tutela do direito à moradia também pode ocorrer judicialmente, por meio das ações possessórias e das pretensões petitórias. As ações possessórias são também denominadas interditos possessórios e compreendem, por exemplo, a ação de reintegração de posse, a ação de manutenção de posse e o interdito proibitório. Quanto às pretensões petitórias, tem-se como exemplo a Ação Reivindicatória, cuja finalidade precípua é a discussão da propriedade.

48

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em: 18 abr. 2014.


O Estatuto da Cidade49 trouxe à tona diversos instrumentos jurídicos voltados à proteção do direito à moradia e à construção de cidades sustentáveis e mais igualitárias. Dentre tais instrumentos, encontram-se: o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios (artigo 5º da Lei nº 10.257) e o usucapião de imóvel urbano (artigo 9º e 10 da mesma Lei). Outro importante instrumento que visa à proteção do direito à moradia digna é o da desapropriação judicial indireta, expressa no artigo 1.228, parágrafos 4º e 5º do Código Civil 50 . O que se observa, neste instituto, é restrição ao direito de propriedade, fundada no interesse social. No entanto, os remédios legais acima enumerados, embora abrangentes, não são suficientes para resolver o tema-problema ora em destaque. A Comunidade Dandara é uma ocupação urbana dotada de inúmeras peculiaridades, passíveis de uma análise mais aprofundada, que é o que se faz a seguir.

5 A COMUNIDADE DANDARA

5.1 As Ocupações Urbanas e a Comunidade Dandara

Embora o Estado brasileiro tenha progredido em algumas pautas sociais, ainda há muito o que ser feito em relação às populações em situação de vulnerabilidade. Atualmente, nos vemos frente a mercados imobiliários restritos e segregados, que afasta, cada vez mais, as populações vulneráveis do espaço de convivência urbano. E é assim que surgem as ocupações urbanas, como uma resposta a esta lógica de mercado, que inclui a moradia como um bem praticamente inalcançável. As ocupações urbanas, em sua maioria, são instaladas em terrenos ou construções abandonadas ou subutilizadas, ou seja, propriedades que não estejam cumprindo o seu papel social perante a coletividade. 51 Em Belo Horizonte, cuja 49

50

51

BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm> Acesso em: 18 abr. 2014 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em: 18 abr. 2014. MAPEANDO o comum em Belo Horizonte. Disponível em: <http://mappingthecommons.net/ pt/belo-horizonte/>. Acesso em: 18 abr. 2014.


região metropolitana apresenta um déficit habitacional de 148.163 moradias 52 , formaram-se inúmeras ocupações urbanas. Dentre estas ocupações, encontra-se a Comunidade Dandara. Em 09 de abril de 2009, 887 famílias ocuparam um terreno de 40 hectares, localizado nas proximidades da Pampulha, que estava inutilizado desde a década de 1970. Na Certidão de Registro do Imóvel consta que este foi adquirido em 1997 pela “Construtora Modelo”, que, até o ano de 2009, não havia concedido qualquer função àquela área. Observa-se, ainda, que a proprietária não havia sequer arcado com suas

obrigações

tributárias

relativas

ao

imóvel,

haja

vista

a

dívida

de

aproximadamente R$ 2,5 milhões perante a Prefeitura de Belo Horizonte. 53 Em outubro de 2011, foi expedida ordem de despejo das cerca de 5 mil pessoas que ocupam a área, em resposta à ação de reintegração de posse ajuizada pela construtora que alega ser a proprietária do terreno. Em sentido contrário, com o intuito de legitimar a ocupação, desapropriando o terreno em prol das famílias lá residentes, foi proposta Ação Civil Pública pela Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais. Em abril de 2012, foi deferida medida liminar que assegurou aos moradores o direito à permanência no imóvel, afastando, portanto, o risco, até então iminente, de despejo forçado e violento. No entanto, muito embora a liminar tenha sido favorável à Comunidade, aos moradores ainda não foi assegurado o direito efetivo à permanência no local, uma vez que a decisão judicial possui cunho precário e temporário, podendo ser modificada dependendo do andamento do processo. Atualmente, a Comunidade já conta com 800 casas de alvenaria construídas, um Centro Comunitário e uma Igreja Ecumênica. Contudo, enquanto não houver reconhecimento da Comunidade pelo Poder Público, às famílias lá residentes será negado o comprovante de residência, o que impede o atendimento dessas pessoas pelo SUS, a matrícula dos filhos nas escolas e o acesso aos programas do governo que trazem benefícios à população de baixa renda, dentre outros direitos básicos. A moradia, muito mais que um abrigo, é um instrumento de realização da cidadania. Assim, a precariedade da posse dos moradores da Comunidade Dandara 52

53

MINAS GERAIS. Fundação João Pinheiro. Nota técnica 1: déficit habitacional no Brasil 20112012. Resultados preliminares. Disponível em: <http://www.fjp.mg.gov.br/index.php/docman/ cei/deficit-habitacional/363-deficit-nota-tecnica-dh-2012/file>. Acesso em: 18 abr. 2014. DANDARA. Aniversário de 3 anos de luta e de resistência! Disponível em: <http://ocupacaodandara.blogspot.com.br/2012/04/aniversario-de-3-anos-de-luta-e.html>. Acesso em: 18 abr. 2014.


fere a dignidade da pessoa humana, na medida que impede a efetivação de inúmeros direitos fundamentais.

6 POSSÍVEL SOLUÇÃO À EFETIVAÇÃO DA SEGURANÇA DA POSSE AOS MORADORES DE DANDARA

6.1 A Desapropriação Direta como Sanção ao Proprietário Omisso

A desapropriação é um modo de aquisição e perda da propriedade, previsto no artigo 5º, inciso XXIV, da Constituição54: A lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;

A desapropriação é, portanto, um modo originário de aquisição da propriedade, uma vez que não advém de título do anterior proprietário, a quem será assegurada apenas justa e prévia indenização em relação ao bem desapropriado. No Código Civil de 2002, a matéria é tratada no artigo nº 1.275, que enumera, em seu inciso V, a desapropriação como uma das causas de perda propriedade. Na legislação ordinária, a matéria é tratada no Decreto-lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, e na Lei nº 4.132, de 10 de setembro de 1962, que nos trazem exemplificações de possíveis hipóteses de expropriação, principalmente no tocante à urbanização e à implementação e melhoria de condições de moradia (MILAGRES, 2011, p. 155). A desapropriação pode ser dividida nas seguintes modalidades: (i) por razões de utilidade pública, com vistas à satisfação de interesses coletivos (artigo 5º, Decreto-lei 3.365/41); (ii) por necessidade pública, em decorrência de questões urgentes de segurança e salubridade pública; (iii) por interesse social, para fins de reforma agrária (artigo nº 184, da Constituição Federal). O que se observa diante da análise destas três modalidades, é que nenhuma delas pode ser utilizada como instrumento apto a efetivar a segurança da posse aos 54

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 18 abr. 2014.


moradores do Dandara, isto porque as características peculiares da ocupação não estão previstas nos dispositivos supracitados. Cogita-se, portanto, a aplicabilidade da chamada “desapropriação-sanção” ao caso concreto. Esta modalidade de desapropriação está prevista no artigo 182, parágrafo 4º, da Constituição Federal e no artigo 8º do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.527/01) e será aplicada como pena ao proprietário inadimplente na função social imposta pelo município (ROSENVALD; FARIAS, 2011, p. 412). Entendemos que o caso da Ocupação Dandara se encaixa, tanto na hipótese do inciso III do parágrafo 4º do artigo 182, da Constituição Federal, quanto na do caput do artigo 8º do Estatuto da Cidade, haja vista a subutilização ou não utilização do imóvel pelo proprietário, bem como o conhecido débito tributário perante a Prefeitura de Belo Horizonte, que remonta ao ano de 1997. Além disso, há que se considerar o enorme contingente de pessoas que já habitam o local, há aproximadamente cinco anos, tendo criado, ali, verdadeiros laços sociais e sentimentais. No caso concreto analisado, não restam dúvidas de que o proprietário do imóvel não cumpriu com as suas obrigações de proprietário, ao deixar uma imensa parcela de terra abandonada em pleno perímetro urbano de Belo Horizonte, cidade que conta com um considerável déficit habitacional. O artigo 8º, parágrafo 2º, inciso I, do Estatuto da Cidade, determina que o valor real da indenização, a ser paga em títulos da dívida pública, “refletirá o valor da base de cálculo do IPTU, descontado o montante incorporado em função de obras realizadas pelo Poder Público na área onde o mesmo se localiza após a notificação de que trata o § 2º do art. 5º desta Lei;”55. Inicialmente, cumpre ressaltar que a área em questão não se beneficiou de nenhuma obra realizada pelo Poder Público, pelo contrário, o que se vê na Comunidade é uma completa omissão dos agentes públicos, tendo em vista a ausência da prestação dos serviços mais básicos aos moradores (saneamento básico, água, luz, telefonia etc). Há de se destacar, ainda, que o Poder Público é credor de um débito tributário, decorrente do não recolhimento de IPTU pelo proprietário do imóvel. Assim, entendemos que do valor alcançado a partir da base de cálculo do IPTU, há 55

BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10257.htm>. Acesso em: 18 abr. 2014.


de ser descontado o montante da dívida tributária relacionada ao imóvel, como forma de compensação de débitos. A consumação do processo expropriatório ocorrerá mediante o pagamento da indenização, gerando a transferência do bem. Transferido o bem, o Poder Público se encarregará de promover o efetivo aproveitamento do imóvel. No entanto, como o imóvel em questão já é devidamente aproveitado, o Poder Público (União, Estado e Município) deverá se encarregar de promover o direito à moradia de todas as famílias que habitam o local, estabelecendo na localidade um projeto habitacional urbanizado e sustentável.

ABSTRACT

In 2001, was published the Estatuto da Cidade, which stablished the guidelines of the urban policy fit to apply the full development of the social functions of the city and the urban real state. In this context, we will study the many institutes that deal with the subject of the disputes that exist due to the relations of the real state and its holders and owners. This study sought to find a solution that grant to the residents of the urban settlement Comunidade Dandara the right to remain in the occupied real state, due to the omission of its owner, since the acqusition of the area.

KEY-WORDS: Home. Safety of possession. Dandara Community.

REFERÊNCIAS

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RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL NO USO DE MÍDIAS SOCIAIS

João Pedro Ferreira Coelho Orientadora: Luciana Cristina de Souza

------------------------------------------------ SUMÁRIO -----------------------------------------------1 Introdução 2 Leading Case 3 Fundamento Moral e Constitucional 4 Considerações Finais 5 Referências

RESUMO

O presente artigo tem por intuito analisar as relações humanas que se desenvolvem por meio de mídias digitais, notadamente o “Youtube”, considerando as perspectivas jurídicas de defesa dos direitos fundamentais. Esta análise enfatizará os aspectos Penal e Cível a partir de um Estudo de Caso. Foi utilizada metodologia qualitativa e documental para coletar informações a respeito do tema proposto e aferir acerca das responsabilidades jurídicas decorrentes do uso recreativo do Youtube.

PALAVRAS-CHAVE:

Youtube.

Direitos

fundamentais.

Mídias

sociais.

Responsabilidade jurídica.

1 INTRODUÇÃO

As relações interpessoais se tornaram alvo de múltiplos conflitos no mundo contemporâneo. O ser humano tem encontrado dificuldades para se relacionar com o outro por diversos fatores, porém é relevante o fato de que atualmente o contato com o outro é maior, devido às formas de relacionamento terem aumentado, e por consequência, um está mais presente na vida do outro. A tecnologia é um dos principais meios de aproximação das pessoas, sendo possível se relacionar por


telefone celular, telefone fixo, via satélite, internet e junto destes o mais presente na vida de cada um: as mídias sociais. Este artigo pretende demonstrar para qualquer cidadão a seriedade que possui

uma

atividade

recreativa

em

mídias

sociais,

podendo

acarretar

consequências indesejadas, pois qualquer um, sem distinção de raça, etnia ou condição financeira pode ter acesso a este meio de interação social virtual e se conectar a uma rede de amigos, relacionando-se com os presentes na mesma, e compartilhando todo o tipo de informações, de má qualidade e discriminatória, inclusive. Após a inserção no meio virtual pode ocorrer a difamação de outras pessoas em razão da natureza dos comentários feitos, o que exigirá a intervenção do direito para proteger garantias fundamentais do ser humano. Antes de iniciar, contudo, apresenta-se um conceito para o termo “mídias sociais”. Segundo a definição constante no Ministério da Cultura: Mídias sociais são tecnologias e práticas on-line, usadas por pessoas (isso inclui as empresas) para disseminar conteúdo, provocando o compartilhamento de opiniões, ideias, experiências e perspectivas (e eis o seu 1º grande diferencial). Seus diversos formatos, atualmente, podem englobar textos, imagens, áudio, e vídeo. São websites que usam tecnologias como blogs, mensageiros, podcasts, wikis, videologs, ou mashups (aplicações que combinam conteúdo de múltiplas fontes para criar uma nova aplicação), permitindo que seus usuários possam interagir instantaneamente entre si e com o restante do mundo. (FONTOURA, 2008)

O foco de análise será o uso de diversos tipos de mídias sociais, notadamente o Youtube, a qual já atingiu a marca de mais de um bilhão de usuários ativos por mês (MUKHERJEE, 2013), o que evidencia, sem sombra de dúvida, o seu amplo nível de influência e de abrangência enquanto meio de comunicação de informações, nem sempre, contudo, verídicas ou autorizadas, o que acarreta sérios problemas sob a perspectiva jurídica e social. O Youtube se caracteriza como uma mídia social que serve como rede de informação diferenciada, pois trabalha com vídeos profissionais e também de natureza não profissional, carregando em si imagens, que embora possam ter ou não um caráter ofensivo, ficam à disposição publicamente para serem vistas e comentadas por qualquer um de seus usuários, número já apontado como sendo bastante alto. Pode ser usada, igualmente, como uma ferramenta de grande


importância para a sociedade contemporânea já que a possibilidade de se tornar usuário deste serviço não se condiciona à renda, pagamento de taxas de utilização ou outras restrições existentes em alguns canais de vídeos igualmente disponíveis na internet. Para publicar vídeos sobre qualquer conteúdo, basta seguir as instruções fornecidas pelo próprio site. Infelizmente esta e outras mídias sociais têm sido utilizadas, muitas vezes, de forma negativa, violando uma infinidade de direitos individuais, para confirmar essa informação, observe-se a última pesquisa divulgada pela empresa Google 56, a seguir mostrada, sobre o número de processos judiciais sofridos pela empresa na justiça brasileira, mostrando que o número é muito mais relevante do que se imagina um usuário comum. Nesse cenário, o Brasil é o país em que há o maior número de processos perante a justiça (AGUIAR, 2011).

2 LEADING CASE

Na sociedade contemporânea, a internet é um influente meio de comunicação. O fácil acesso da mesma a tornou extremamente popular mundialmente e devido a isso é permitido o seu uso a qualquer tipo de usuário, tornando-a um meio de propagação de ideias. As relações interpessoais dos membros ativos de uma sociedade se tornam cada vez mais conectada ao espaço virtual, sendo através dele o reflexo do que está se passando no mundo real, no 56

GOOGLE. Transparency Report – Brasil, janeiro a julho de 2013. Disponível em <http://www.google.com/transparencyreport/removals/government/BR/> Acesso em 05 out. 2013


grupo. Sendo assim a utilização do ciberespaço aumenta sua abrangência, estando presente em diversos ambientes sociais. Portanto, é inegável a influência das mídias sociais no cotidiano social de diferentes grupos e tipos de pessoas, sem que seja necessário obter algum conhecimento prévio para tanto. Em mídias sociais como é o caso do Youtube, para se tornar um usuário você deve inscrever-se no site, e se submeter a um termo de uso. Neste Termo de Uso, a plataforma salienta a responsabilidade jurídica do usuário, e alega que a mesma conhece apenas a legislação vigente nos EUA.

É importante saber que o Website é controlado e oferecido pelo YouTube a partir de suas instalações nos Estados Unidos da América. O YouTube não garante que o website do YouTube seja apropriado ou esteja disponível para uso em outros locais. As pessoas que acessam ou usam o website do YouTube a partir de outras jurisdições o fazem por conta própria e são responsáveis pelo cumprimento das leis regionais/nacionais. (1.Aceitação, C) 57

No Termo de Uso, o site também torna expostas as questões referentes a dignidade, privacidade e garantias fundamentais e individuais de um cidadão.

Você entende que ao utilizar o Serviço, você estará exposto ao Conteúdo de diversas fontes, e que o YouTube não se responsabiliza pela precisão, utilidade, segurança ou propriedade intelectual próprias ou relacionadas a esse Conteúdo. Você compreende e aceita que poderá estar exposto a Conteúdo que seja impreciso, ofensivo, indecente ou censurável, e Você concorda em renunciar, como o faz de fato, a qualquer direito ou indenização legal ou justa, presente ou futura, contra o YouTube em relação a esses temas, e , na medida do permitido por lei, concorda em indenizar e isentar o YouTube, seus Proprietários, Operadores, afiliadas, licenciadores e licenciados, na medida máxima permitida por lei, em relação a todos os assuntos relativos ao uso do Serviço. (5.Uso do Conteúdo, D.) 58

Entretanto, a maioria dos usuários ao se cadastrarem no site deixa passar por despercebido tais cláusulas e na condição de usuários podem ferir ou terem seus direitos e garantias feridos por outros usuários do site, como de fato aconteceu no caso a ser estudado.

57

YOUTUBE. Termos de serviço. Disponível em: template=terms&hl=pt>. Acesso em 04 de maio de 2013. 58 YOUTUBE. Termos de serviço. Disponível em: template=terms&hl=pt>. Acesso em 04 de maio de 2013.

<https://www.youtube.com/static?gl=BR& <https://www.youtube.com/static?gl=BR&


No dia 4 de julho de 2012, na cidade de Goiânia, um juiz conseguiu uma liminar para a retirada de um vídeo do Youtube com conteúdo ofensivo a sua pessoa sob pena de multa diária R$ 5 mil, ainda tendo a empresa que informar a identificação do autor das postagens, e impedir novas publicações semelhantes 59. A empresa Google foi obrigada judicialmente a excluir um vídeo ofensivo ao magistrado. Tal medida judicial vem sofrendo grandes críticas e controvérsias, já que a internet é um meio de comunicação que se assemelha ao telefone, e pelo último, é imprevisível filtrar e impedir que se propaguem diversos tipos de informações. Entretanto, o telefone possui destinatário certo, enquanto as publicações na rede virtual podem ser visualizadas por qualquer tipo de usuário, facilitando a disseminação de informações. O site alega que não possui meios para impedir que se publique esse tipo de informação previamente, e por isso não deve ser penalizado.No caso em si, a situação se agrava devido ao fato de quem um Juiz de Direito deve gozar de uma boa reputação, e uma difamação na rede mundial de internet poderia agredir o respeito para com que a população deve ter com o mesmo. Cria-se então um conflito de partes e interesses e para com que o juiz não seja difamado, o Google foi condenado a retirar o vídeo do ar sob pena de multa por dias que o vídeo continuasse a circular. É plausível a explicação do google sobre conter esse tipo de informação, entretanto se a população fosse instruída de uma forma mais clara, sob a responsabilidade ao propagar informações talvez o resultado seria outro e menos pessoas seriam difamadas. O usuário na maioria dos casos não se vê como um comunicador em potencial ou uma pessoa que pode estar propagando injúrias e difamações, tornando-se um criminoso. Ele simplesmente compartilha a informação por acreditar que aquilo desperte o interesse de outras pessoas, na maioria dos casos. O número de homicídios é contido principalmente porque as pessoas sabem que ao cometê-lo, estão realizando um crime, e por isso serão punidas. Se os cidadãos fossem instruídos da mesma forma sobre a responsabilidade ao usar as mídias sociais, a incidência de crimes virtuais seria notadamente contida.

59

GOIÁS. Comarca de Goiânia. Ação Cautelar Inominada com pedido d eliminar. Processo n. 239656-78.2012.8.09.0051. Juiz: Márcio de Castro Molinari. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI159917,81042-Google+e+condenado+a+retirar+do+ Youtube+videos+ofensivos+a+juiz>. Acesso em 02 de março de 2013.


Assim como este juiz, diversas outras pessoas tiveram seus direitos violados por postagens no site, e para que o número de fatos como esse diminua, o presente trabalho pretende expor alguns direitos individuais que entram em conflito com esse tipo de atitude, servindo-se assim de informação para que os usuários tornem-se cientes da relevância do conteúdo a ser publicado.

3 FUNDAMENTO MORAL E CONSTITUCIONAL

A ação realizada nas redes sociais possui um caráter individualista. Para se autopromoverem existem páginas com a única finalidade se expor e denegrir a imagem alheia, especialmente de personalidades públicas, que podem propagar ideias em um nível maior. Estudar sistematicamente tal assunto tornou-se relevante para o direito devido ao fato de que os tribunais recebem cada dia um número maior de processos referentes a ofensa por meio virtual, e ao invés de criar novas leis sobre o tema, acredito obter uma maior necessidade de ensinar a população a se comunicar corretamente nas redes, procurando assim diminuir a necessidade de interferência da lei. Podemos, então, afirmar, que o discurso nas redes virtuais, em nada se assemelha ao agir comunicativo, com sentido moral e ético, proposto por Jürgen Habermas. Usuários dispersam informações sem nenhum comprometimento, desejando se autopromoverem e aproveita-se de estar seguros em suas próprias residências, não necessitando uma exposição direta. Habermas utiliza o pensamento pós-metafísico (HABERMAS, 1990, p. 96) para analisar a cultura, armazém do saber, sob a forma de como se participa da comunicação para extrair ou interpretar algo, o que é fundamental quando se debate a respeito das formas de discurso nas mídias sociais. Observa, o autor, como a sociedade compõe-se de ordens legítimas em que cada um, encontra o grupo social a qual pertence da forma em que se comunica melhor. Diferentes tipos de personalidade servem para garantir ao sujeito condições de falar e agir, bem como garantir sua identidade própria. Para o que se relaciona comunicativamente, a cultura cria um ambiente de ideias na qual surgem entidades que podem ser representadas ou manipuladas; ao passo que os deveres e experiências lhes assemelham como algo no universo social ou num espaço subjetivo, na qual se pode assumir um enfoque expressivo ou conforme as normas.


Para alcançar essa comunicação, o ser humano precisa se expressar linguisticamente para que seja reconhecido e aceito por um grupo de pessoas que possuem ideais semelhantes. No período atual, houve maior aproximação dos grupos sociais, especialmente das minorias, devido ao fato de que a tecnologia estreitou tais relações, não precisando se expressar presencialmente e podendo se comunicar com pessoas de diferentes localidades, o que reforça, indubitavelmente, a necessidade de se observar mais atentamente como os direitos fundamentais, imprescindíveis ao reconhecimento da dignidade humana, têm sido tratados quando da interação por meio das mídias sociais. Habermas explica que é notável a autoconsciência e a capacidade do ser humano de assumir uma posição refletida e deliberada quanto às próprias crenças, vontades, valores e princípios, mesmo quanto em retrospecto por toda sua vida, é um dos fatores necessários para o discurso prático (HABERMAS, 2007, p. 15). Isto deve ser levado em consideração, então, a nosso ver, quando da interação comunicativa utilizando-se as mídias sociais, visto que a própria Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CR/88), em seu art. 5º, declara que: “IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Há outro fator, porém, tão relevante quanto esse. Os grupos, no momento em que se utilizam determinada prática argumentativa, têm de estar dispostos a atender à exigência de cooperar uns com os outros na busca de razões aceitáveis para os outros; e, mais ainda, têm de estar dispostos a deixar-se afetar e motivar, em suas decisões afirmativas e negativas, por essas razões e somente por elas, afinal, como assevera a CR/88, ainda em seu artigo 5 º, em uma democracia na qual se vise proteger os direitos e liberdades individuais: “VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”. Portanto, a comunicação torna-se fator fundamental para o desenvolvimento das relações interpessoais do ser humano. Se expressar é uma necessidade e, aos poucos, vai se formando indiretamente uma hierarquia no grupo, havendo sempre os que se destacam no discurso, e os que observam. Em sua obra, Habermas explica que sendo inserido em determinado grupo, ao se comunicar, o ser humano, em seus atos de fala, age com uma determinada finalidade, pois precisa estar em constante evidência internamente no grupo, utilizando de diversas formas para alcançar tal


feito. Habermas afirma que, no nível do discurso racional, os atos de fala pretendem uma validade incondicional que autorizaria o discurso como forma aceitável e ética de comunicação pela qual poderia haver o reconhecimento recíproco entre falante e ouvinte, os sujeitos participantes dessa interação (HABERMAS, 2007, p. 62-63). Assim, quando se faz uso das mídias sociais, as quais possuem o poder de amplificar enormemente as formas de comunicação, proporcionalmente cresce o desafio ético de se preservar o reconhecimento de direitos fundamentais em sites como Youtube ou Google, visto que nestes espaços, comumente, seus usuários não assumem um verdadeiro compromisso com a validez do discurso ali “postado” pela utilização de meios eletrônicos de interação. A tecnologia facilitou o intercâmbio social de informações, mas também cresceu em um ritmo maior do que nossa prática discursiva digital, provocando um hiato proposta ética e prática de interação que muitas vezes aparece nas relações humanas que se desenvolvem na internet. A partir deste ponto, começam a surgir os conflitos. Segundo Habermas, a racionalidade quando guiada para um fim, intervém no ponto de vista causal, no mundo de coisas existentes, e prejudica os processos de entendimento (HABERMAS, 1990, p. 70). Na busca egocêntrica pelo destaque, o indivíduo se submete a diversas formas de adquirir a atenção do outro, utilizando-se de discursos inverídicos e formas apelativas de conseguir a atenção do outro, em outros casos, por alguma distorção, o indivíduo subentende que conseguirá seu destaque diminuição a pessoa alheia, denegrindo a imagem e ferindo a personalidade do próximo, interferindo diretamente em seu grupo social. As formas de se discursar, supracitadas acima estão em constante presença e evidência quando do uso das mídias redes sociais, burlando a privacidade e o círculo privado de quem é exposto.

A dissolução do pano de fundo normativo revela-se sintomaticamente através da “estrutura-se então” da ameaça, a qual coloca pretensões de poder no lugar das pretensões de validez pressupostas no agir comunicativo. Nisso se manifesta a constelação modificada do agir e do falar. No agir manifestadamente estratégico os atos de fala, emasculados ilocucionariamente, perdem o papel de coordenação da ação em favor de influências externas á linguagem. A linguagem debilitada passa a preencher apenas as funções de informação que restam quando se retira do entendimento linguístico a formação do consenso, o que faz com que a validade do proferimento, deixada em suspenso na própria comunicação, não possa mais ser apreendida diretamente. (...)


Os próprios xingamentos, por se tratar de imperativos simples, possuem muitas vezes um caráter ambíguo. Eles podem ter um respaldo normativo e expressar, por exemplo, um julgamento moral; podem, outrossim, tornar-se independentes de modo perlocucionário de servir, por exemplo para assustar ou incutir medo no destinatário. (HABERMAS, 1990, p. 75-76)

Vivendo em sociedade, estamos expostos a uma série de fatores que independentemente da nossa vontade, exercem papel influenciador no nosso modo de pensar e agir, involuntariamente. Sendo assim, ao fazer parte de um grupo você será influenciado, ou influenciará alguém, e o discurso então ultrapassará qualquer sentido racional. Habermas expõe que em nosso mundo vital, os agentes agem de acordo com suas surpresas e decepções, tendo que lidar com um mundo imaginariamente objetivo, e, em virtude disso, passam a agir de acordo com uma distinção entre o que é verdade e o que só parece sê-lo (HABERMAS, 2007, p. 61). Há uma diferença significativa entre compreender o significado de uma expressão linguística e entender-se com outra pessoa em relação ao que ela enuncia. Há uma enorme diferença entre a exposição cômica, amigável e autorizada, e o uso da imagem não autorizado e pejorativo de outra pessoa, divulgando-a por meio de mídias sociais. Nesse ponto, a teoria da ação comunicativa de Habermas também nos permite discutir sobre o consenso em relação à ideia trabalhada no presente artigo. Ao inserir vídeos e comentários em uma mídia social, o agente está consentindo com seus termos e condições e em consequência em interagir com as outras pessoas também presentes na interação pela internet. A noção de consenso pode parecer trivial, à primeira vista, mas Habermas (HABERMAS, 2007, p. 85) explica que depende de uma tomada de posição em termos de “sim” e “não”, relacionando pretensões de validez criticáveis. As interações interpessoais por via de mídias sociais assumem, no caso do agir comunicativo, uma forma especialmente precária de risco de dissenso, sempre concentrado no próprio mecanismo de entendimento, pois os termos de uso de sites como o Youtube não são expostos tão claramente como deveriam para que fossem amplamente conhecidos; e todo dissenso implica grandes custos, especialmente no tocante à proteção dos direitos fundamentais. Quanto à responsabilização dos usuários do Youtube quanto aos comentários feitos sobre um vídeo postado por outrem, considerando que o simples fato de


consentir com uma ideia não quer dizer que tal ideia seja socialmente aprovável, a manifestação de opinião discriminatória ou inverídica pode ser a forma mais aceita de ser considerado parte de um grupo, no entanto a responsabilidade da ação de discurso não será desprezada. Conclui-se de forma sucinta que Habermas era desfavorável a ideia do agir instrumental, isto é, promover um discurso com seu agir completamente voltado para a satisfação egocêntrica, sem se comprometer em transmitir a verdade e sem sua fala possuir algum compromisso com a moralidade.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo enfatiza a necessidade de orientar a população ao usar as redes sociais presentes na internet. A legislação brasileira possui grande número de leis, e os Tribunais de Justiça possuem a cada dia um número maior de processos. Criar leis e ornamentar a legislação só fará com que aumente o número de processos empilhados em nossos órgãos públicos e em nada alterará a ocorrência de violações aos direitos alheios. A burocratização da justiça brasileira apenas torna o ordenamento jurídico mais nublado para a população. Evidencia-se então que a necessidade de orientar e advertir a população sobre a forma correta de se comunicar virtualmente é mais evidente do que apenas criar novas formas de punição, para uma população que muitas vezes desconhece as leis que os cercam.

ABSTRACT

This article aims to analyze human relationships that develop through digital media, notably the "Youtube" considering the legal perspectives of fundamental rights protection. This analysis will emphasize the Criminal and Civil aspects from a Leading Case. One used qualitative and documentary methodology to collect information about the proposed topic and understand the legal liabilities arising from recreational use of Youtube.


KEYWORDS: Youtube. Fundamental rights. Social media. Legal liability.

REFERÊNCIAS

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