#3 Revista Taipa - Março 2018

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ofereceram novas oportunidades de trabalho e disponibilizaram serviços, construindo um percurso que, passadas várias décadas, já lhes assegurou importância na memória afetiva dos moradores. O aumento da população, por sua vez, trouxe novos consumidores que movimentaram os negócios estabelecidos havia tempo, os quais souberam se adaptar às exigências de cada época, tirando proveito de novidades e oportunidades. Se, por um lado, chegava ao bairro um novo ritmo de vida, marcado mais fortemente pelo tempo recente do trabalho, e por formas de lazer diferentes das que existiam antigamente, por outro, atividades tradicionais e culturalmente significativas têm persistido, como as dos corais de igreja e de sociedades recreativas, que congregam várias gerações e encantam com sua música. E assim, ano após ano, na convivência diária nos diferentes espaços de sociabilidade, criaram-se novas relações sociais, travaram-se amizades e resistências foram sendo vencidas. Forjava-se, passo a passo, uma nova realidade, que ganhou contornos próprios à medida que outras memórias foram construídas e compartilhadas.

No entanto, apesar de todas as mudanças consolidadas, o Bigorrilho ainda guarda, nas ruas de traçados que parecem fugir à simetria estabelecida, e nas áreas de casario baixo e quintais, certo espírito do que foi no passado, ao mesmo tempo em que ainda considera, como partes de seu território afetivo, as regiões que lhes são vizinhas. Sem dúvida, um grande contraste com a monumentalidade das edificações que ladeiam suas grandes avenidas e que surgem em destaque quando vistas do alto. E, agora como antes, as grandes construtoras estão atentas aos espaços ainda passíveis de ocupação intensiva. Trata-se, portanto, da cidade em sua contínua e permanente reconstrução, no entrelaçar ininterrupto de temporalidades e memórias, percebida e apreendida de modo diferenciado pelas sucessivas gerações, guiadas pela memória individual e coletiva.

REVISTA DA DIRETORIA DO PATRIMÔNIO CULTURAL / FCC

Decorridas algumas décadas, é inegável, agora, que muitos dos que se instalaram no Bigorrilho nos anos 1980, lá construíram sua vida, exerceram atividades profissionais, constituíram família e, talvez, contem para seus netos acontecimentos e experiências que vinculam a história pessoal à da região. Eles já tiveram, portanto, tempo suficiente para tecer um conjunto de memórias que lhes assegura um sentimento de pertencimento ao bairro e à história do lugar. Por outro lado, é possível, hoje, que moradores recémchegados ao Bigorrilho, desprovidos de laços com a região, sejam, por eles, vistos com a mesma reserva com que eles próprios foram recebidos, pela população tradicional, quando se instalaram nos primeiros grandes edifícios dos anos 80 e 90.

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