Revista Viver Casa

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Raquel Colares

Biombo

Um pouco de de gentileza Arquiteto Bernardo Farkasvölgyi diz que mais importante que verticalizar a cidade com megatorres é investir em empreendimentos sustentáveis. “Minha visão de cidade é focada no pedestre”

Fernando Torres

A

utor do projeto de edifício mais alto da América Latina, no Boulevard Arrudas, o arquiteto Bernardo Farkasvölgyi anuncia: “A proposta é trocar a torre gigante por outras três menores.” Mas como tamanho nem sempre é documento, ele rebate que o ponto mais nobre do projeto não é a altura, sim suas características sustentáveis. “Mais de 90% do terreno privado será transformado em área pública”, adianta. Na entrevista à Viver Casa, ele fala como a arquitetura pode contribuir para uma cidade mais gentil e cortês com os moradores.

Em 2012, o escritório de engenharia FarKasVölGy anunciou os planos para erguer o maior arranha-céu da América Latina, o Complexo Arrudas, em frente ao Boulevard Shopping. Dois anos depois, como está o projeto?

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O que ainda nos impede de começar a construir é a lei: a Câmara Municipal precisa aprovar o empreendimento como operação urbana consorciada, isto é, uma parceria entre o poder público e a iniciativa privada. A previsão é de ser aprovada no primeiro semestre de 2015. Mas, agora, temos a possibilidade de, em vez da torre mais alta da América Latina, de 350 metros e 85 andares, construir a torre mais alta do Brasil, de 240 metros, 60 andares. A ideia é diluir o projeto do edifício principal em mais duas torres. Duas delas seriam comerciais e a terceira de flats e apartamentos long stay, de um ou dois quartos.

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Quais as justificativas para mudar o projeto?

As condições de mercado da ci-

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dade. É mais fácil vender 50 mil m2 em cada uma das torres do que 150 mil m2 em apenas uma torre. Mas isso ainda é uma hipótese.

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O que destacaria de mais inovador no empreendimento?

A praça pública que abrange praticamente 90% do terreno. Além de ser uma área de contemplação e paisagismo, ela vai servir como ligação entre o metrô e o bairro Santa Tereza e o entorno do Boulevard Shopping, algo que agora é impedido pela linha do trem. Acho que essa contribuição a Belo Horizonte, vinda da iniciativa privada, será muito mais importante que a altura da torre. É importante salientar que minha visão de cidade não é focada no automóvel, mas sim no pedestre. Quando realizamos esse tipo de obra, estamos fazendo uma gentileza a quem caminha, de forma a criar grandes áreas públicas, com praças e paisagismo, em locais privados. É esse diferencial que quero ver na nossa cidade. Em 2014, seu escritório ganhou dois prêmios, o projeto J.M.IRFFI Business, na avenida Barbacena, e o edifício The One, na Raja Gabaglia. Que aspectos urbanísticos você destacaria nesses empreendimentos?

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Ambos, na mesma linha do Complexo Arrudas, não têm muros, não têm cerca. No caso do edifício da avenida Barbacena, localizado em um quarteirão único triangular, somente a projeção do prédio toca no chão – as garagens estão no subsolo. Aproximadamente 2,5 mil m² de área privada foram destinadas ao uso público, de forma que as pontas dos triângulos abrigassem pequenas praças de solo permeável. Já o The One, além

de estar recuado 55 metros da avenida Raja Gabaglia, com praça pública na frente, é um prédio triple A: comporta heliponto, auditório para 400 pessoas, salas de reuniões, restaurante, bancos, academia em área de quase 4 mil m².

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O que falta na cidade para haver mais obras de verticalização sustentável?

Mais planejamento e gentileza. Obviamente, é mais difícil estabelecer o conceito de áreas públicas em um prédio residencial, por questões de segurança. Mesmo assim, fazemos alguns projetos residenciais em que conseguimos retirar os muros.

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Quais os impasses para alavancar esse tipo de conceito?

Há muitas variáveis: o tipo de empreendimento, o valor da compra do terreno, o custo da obra, que automaticamente sobe... E também envolve toda a cadeia do setor de construção civil, desde o poder público até os arquitetos, que têm papel fundamental para tentar reverter a verticalização sem critérios e contribuir para uma cidade mais gentil e mais generosa.

7 anos?

Qual sua opinião sobre a verticalização que Belo Horizonte está passando nos últimos

Sou a favor em alguns locais. Não concordo, definitivamente, em verticalizar

a Pampulha e o Cidade Jardim, por exemplo. Mas o processo de verticalização tem pontos positivos. Imagine um terreno de 1 milhão de m². Em vez de urbanizá-lo completamente, posso construir prédios na área de 300 mil m² e deixar o restante em terreno natural. Sob essa ótica, sou a favor, mas sempre no sentido de verticalizar para deixar mais áreas livres, mais áreas verdes. Em alguns locais, especialmente nos planos, Belo Horizonte teve boa verticalização e, acredito, que a atual gestão da Fundação Municipal de Cultura é que mais tem se mantido preocupada com o patrimônio histórico. Em compensação, nas áreas montanhosas, como Santo Antônio e Santa Lúcia, tenho críticas. Nesses locais, a verticalização precisa ser cuidadosamente pensada, por uma questão de urbanismo.

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Que cidades no Brasil citaria como exemplo de bom planejamento urbano e por quê?

No Brasil, Curitiba é uma cidade que teve muito cuidado com seu trato urbanístico, tem um planejamento adequado, a começar das leis estabelecidas nos anos 1960. Já Brasília é um caso à parte, completamente isolado: não existe nada parecido no Brasil nem no mundo. Internacionalmente, admiro profundamente Barcelona. É uma cidade fantástica no que diz respeito à manutenção do patrimônio, cuidados com a escolha do lugar para verticalizar e como fazer isso.

Viver Casa

19/11/14 17:54


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