Revista FACOM 23

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1o semestre / 2011

Cena do filme La Jetée, 1962.

ao essencialismo da especificidade de meio da fotografia e do cinema, a qual reside na oposição entre movimento e imobilidade. Para ficar claro, as imagens de La Jetée nunca realmente atingem o movimento cinemático. Ao invés disso, elas desvelam a menor unidade do filme, o still, o frame fotográfico. Como tal, elas expõem a ilusão de duração no cinema, a qual é obtida através de um “falso” movimento.9 Afinal de contas, o movimento cinemático é apenas e sempre uma sucessão muito rápida de imagens imóveis (frames). Em La Jetée, a fotografia lembra o cinema na medida em que este nada pode a não ser buscar representar a duração real – cujo fluir não pode ser estancado, ou dividido em partes iguais (instantes, frames, fotografias). La Jetée tira do cinema aquele elemento que o emancipou da fotografia, e que é a sua verdadeira essência, o movimento. Ao fazer isto, propõe uma forma diferente de temporalidade, a qual não se apóia apenas no movimento e combina o isso foi e talvez ainda seja fotográfico com o isto é ou será cinemático. A fotografia-como-cinema abrange todos os tempos ao mesmo tempo, uma imagem que reivindica isso foi, é e será ao mesmo tempo. Esta liberação da imagem de uma rígida estrutura sintática modal e sua

conseqüente imersão numa nova forma de tempo “holístico” espelha claramente a narrativa de La Jetée, em que a viagem mental através do tempo quebra a cronologia linear e torna difusa a separação entre passado, presente e futuro e seu alinhamento num continuum (inevitavelmente imaginado numa dimensão espacial). Uma vez a cronologia tenha sido explodida (ou implodida, neste caso), os estilhaços do tempo se acendem como as muitas facetas de um cristal. De fato, Gilles Deleuze chama a imagem cinemática, a qual representa diretamente o tempo e não apenas uma medida de movimento, ou seja linearidade, de imagem-cristal.10 Mesmo que Deleuze nunca tenha mencionado La Jetée em seus livros sobre cinema, este parece ser um exemplo emblemático da imagem-cristal. La Jetée retrata tanto a rebelião do protagonista contra a tirania do presente e o tempo unidirecional, quanto a batalha da imagem por liberar o tempo de sua subordinação ao movimento. A imagem, não mais apoiada num movimento interno para representar o tempo, passa a produzir tempo através de suas relações com outras imagens. Em La Jetée a transição da imagem-movimento para a imagem-tempo se torna literalmente visível: através de uma contínua captura do movimento cinemático, o observador é mantido em contemplação, em estado de “pura” exploração espacial da imagem, a qual é transformada em “puramente” temporal, uma vez que é ligada a outras imagens. Ver La Jetée pode ser comparado a tomar parte numa expedição


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