Quickbird - Fábio Cançado

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Consciente disso, o artista, como um flâneur-astronauta segue viajando livre pelo mundo na sua espaçonave-domicílio com latitudes e longitudes planificadas. A escolha dos pontos de parada, nessa viagem errática, muitas vezes recai sobre lugares marcados pela história recente de embates políticos, sócio-econômicos e comportamentais. A superfície do território, invariavelmente redesenhada pelo homem, o artista bem sabe, são vestígios claros do embate entre natureza e cultura. O homem molda a paisagem em seu benefício, determina uma lógica, impõe caminhos, domestica o que é naturalmente indomável. Essa ocupação, esses “desenhos”, “gravuras”, “pinturas” e “esculturas” captadas pelo artista via Quickbird, são o evento estético resultante desse embate. Sim, os entraves políticos, econômicos e sociais, geram formas, cores e texturas ora pela racionalidade ora pela falta dela. Transitando entre essas distensões, Cançado segue pelo mundo e encontra uma “folha de cheque” no solo do Cairo, país expropriado de tantas de suas riquezas; um “serrote” em Havana, Cuba, que nos impele a lembrar dos cortes de recursos e da penúria de seu povo imposto pelo embargo econômico; um prédio com ares de ameaça e de ficção científica na Coréia do Norte, país que desafia o mundo com testes nucleares como se isso fosse uma brincadeira de vídeo game; uma textura inimaginável à Van Gogh, no Morro Agudo, em São Paulo, estado que recebeu um grande êxodo de refugiados da Segunda Guerra Mundial que foram trabalhar na agricultura; uma construção sedutora e extremamente racionalista na China; a fragilidade de uma linha tênue sobre o oceano na Baía de Guantánamo, espaço blindado no mundo para os Estados Unidos agirem em total desrespeitos aos direitos humanos, e assim por diante. Quickbird, portanto, é um trabalho que acontece a partir do olhar do artista que se infiltra e edita sorrateiramente o olhar de uma máquina programada para vigiar os movimentos do mundo. Ao se apropriar dessa máquina que, como todas as máquinas, estão à espera de um operador que lhes dê sentido, Cançado atribui simbologias a partir de um olhar crítico, irônico e que reprograma a função do aparelho, como Flusser não podia ter imaginado em sua filosofia. Que esse flâneur-astronauta siga seu rumo e nos mande essas mensagens em códigos sobre esse improvável lugar chamado Terra, planeta onde tudo pode ser o que não é.

Éder Chiodetto 10 #


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