Ibge brasil 500 anos

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Paulo e no sul do País. A história dos alemães é parecida, embora mais apegada às colônias agrícolas relativamente autônomas do sul e menos “abrasileiradas” do que a dos imigrantes italianos. Uns e outros passaram pelas agruras da II Guerra, depois de muitos deles terem aderido de coração ao nazi-fascismo em país que custou a se decidir de que lado ficaria no conflito mundial. Entre os imigrantes árabes predominaram, não os muçulmanos, como alguns supõem, mas cristãos, parte ortodoxa, parte católica. Imigração não estimulada por políticas colonizatórias, como no caso germânico ou italiano, e que se dirigiu sobretudo para as cidades, notadamente São Paulo. Dela saíram “mascates”, depois empresários de porte, finalmente políticos de peso. É, como diz o título do artigo, “um certo oriente” no Brasil: um “oriente” que já veio meio “ocidentalizado”, em vários aspectos, sem perder a marca “árabe” de nação, por mais que se diga o contrário. O autêntico extremo-oriente exemplificamos com os japoneses, que para o Brasil vieram no limiar do Século XX no esteio das políticas imigratórias. É migração que reproduz, em parte, a história dos colonos da cafeicultura, como em Gaijin. Frustraram-se muito, por décadas, integrando-se ao País com o tempo, sem perder, porém, suas identidades de “nação”. Vivenciaram, também, os dilemas da II Guerra e brigaram entre si, depois de 1945, porque uns aceitavam a derrota, mas outros não podiam crer na capitulação do Império nipônico, ainda que Hiroshima e Nagasaki estivessem sob a poeira atômica da bomba nuclear. Ultimamente acalentam, alguns, o sonho de retornar à terra do verdadeiro “sol nascente”, de que o Brasil chegou a ser edênica miragem. Fizemos, pois, algumas escolhas e, portanto, diversas renúncias. Renunciamos aos “eslavos”, e com isto à enormidade de russos, poloneses, lituanos e outros que, cada um com sua bagagem cultural, língua e mores, vieram para o Brasil. Ortodoxos, uns, como os russos, que no Rio de Janeiro, por exemplo, mantêm suas igrejas e patriarcas. Católicos, outros, como os poloneses, muito fortes no Paraná, por exemplo, onde apesar de “abrasileirados”, reproduzem rivalidades históricas com os alemães, herança de tempos idos, dos conflitos do “corredor polonês”, da disputa por Dantzig. Renunciamos aos chineses, os da China continental e os de Formosa, grupos rivais, ambos numerosos no Rio e, sobretudo, em São Paulo. Renunciamos aos turcos, por vezes erroneamente confundidos com os “árabes”. Renunciamos, enfim, a muitas “nações”. Mas, entre escolhas e renúncias, vale dizer que todos os grupos examinados se tornaram brasileiros, sem perder sua marca original. Procuramos mostrar neste livro, entre textos e imagens, as oscilações de identidade: de um lado, a brasilidade; de outro, a Deutschtum e a italianità, as africanidades dos santos e orixás, a nostalgia galega, a cultura nissei, a sírio-libanesa, o mundo das sinagogas brasileiras, os portugueses que nos legaram a “língua pátria”, os indígenas - que viraram pouquíssimos, mas juntamente com os africanos, moldaram, há séculos, o que viria a ser o Brasil. De todo modo, é caso de insistir: são todos brasileiros, neutralizando a autêntica “Babel cultural” que caracterizou a formação histórica do Brasil, em termos de línguas, costumes e crenças. E nisto o Brasil se diferencia muito dos Estados Unidos, país em que as minorias e microminorias têm suas identidades e direitos reconhecidos em grande parte porque o modelo anglo-saxão e protestante buscou desde cedo impor sua hegemonia. No Brasil, sociedade “amolengada”, como diria Freyre, ou “cordial”, como dela disse Sérgio Buarque, as coisas se passaram de outro modo. Conflitos, massacres e chacinas nunca faltaram à nossa história, é certo, mas a “Babel cultural” cedeu lugar - não resta dúvida - ao abrasileiramento. Abrasileiramento com frágil consciência de “nação” e formado por múltiplas nações. Um “mistério do próspero” no espelho, cuja decifração desafia o próximo milênio. Ronaldo Vainfas 15


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