Exedra Nº 3

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Nยบ 3 - 2010


A Revista EXEDRA, propriedade da Escola Superior de Educação de Coimbra, (ESEC) assume-se, tal como a etimologia do seu nome, como um espaço de encontro e conversa entre homens e mulheres de saber. Pretende servir a sociedade e a cultura portuguesas através da promoção do intercâmbio científico, académico e artístico entre instituições e elementos representantes da comunidade educativa nacional e internacional. A EXEDRA aceita trabalhos académicos originais(1), sendo os artigos publicados, da exclusiva responsabilidade do (s) seu (s) autor (es). Os trabalhos situam-se nas áreas científicas da Educação/Formação, das Artes e Humanidades, da Comunicação e das Ciências Empresarias sob a forma de artigos, revisões de investigação e de críticas de literatura, sínteses, estudos de caso, comentários e ensaios. Os artigos enviados pelos seus autores à EXEDRA serão objecto de apreciação, numa primeira fase, pelo Director e Conselho Científico da Revista e, numa segunda, serão alvo de avaliação por dois “referees” independentes e sob a forma de análise “duplamente cega”. Neste caso, a aceitação de um e a rejeição de outro obrigará a uma terceira consulta.

A Revista EXEDRA publica números genéricos e temáticos.


Nยบ 3 - 2010


Corpo Editorial Director Ana Sarmento Coelho Conselho Científico Pedro Balaus Custódio - Educação/Formação Maria Cláudia Perdigão Andrade - Comunicação e Ciências Empresariais Francisco Moutinho Rúbio - Artes e Humanidades

Comissão editorial José Carlos Pacheco (CIC/NDSIM) Margarida Paiva Oliveira (CDI) Carla Matos Dias (CDI)

Produção edição online - José Carlos Pacheco (CIC/NDSIM) - Carla Matos Dias (CDI) logo - Agostinho Franklim Carvalho/Pedro Coutinho Lopes projecto gráfico - Agostinho Franklim Carvalho/José Carlos Pacheco

Ficha Técnica EXEDRA: Revista Científica Publicação electrónica semestral da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra Periodicidade: Semestral ISSN 1646-9526 versão impressa

Copyright A reprodução de artigos, gráficos ou fotografias da Revista EXEDRA só é permitida com autorização escrita do Director.

Contactos e endereço para correspondência e envio de artigos: EXEDRA: Revista Científica Escola Superior de Educação de Coimbra Praça Heróis do Ultramar 3000-329 Coimbra - Portugal Tel: +351 239793120 - Fax: +351 239 401461 exedra@esec.pt www.exedrajournal.com


07 Editorial 09-32 Susana Gonçalves / Valentim Rodrigues Alferes Escalas de avaliação da identidade sociomoral e civica: i - estrutura psicométrica

33-50 C. Miguel Ribeiro / Fernando Martins Sondagens versus censos. Uma primeira discussão do conhecimento matemático para ensinar organização e tratamento de dados

51-58 Gonçalo Dias / Rui Mendes Jogos tradicionais portugueses – retrospectiva e tendências futuras

59-74 Maria do Céu Ferreira Gomes O panorama actual da educação de surdos. Na senda de uma educação bilingue

75-90 Dulce Helena M. R. Melão Ler na era digital: os desafios da comunicação em rede e a (re)construção da(s) literacia(s)

91-124 Fernando Sadio Ramos “Human Rights and Citizenship Education” and in-service teacher training: an experience

125-134 José Pedro Cerdeira O valor da confiança na definição da cultura organizacional: algumas considerações gerais

135-148 Cláudia Andrade “Juggling act”: questões relativas às relações trabalho-família no contexto actual


Missão e objectivos A Revista EXEDRA, propriedade da Escola Superior de Educação de Coimbra, (ESEC) assume-se, tal como a etimologia do seu nome, como um espaço de encontro e conversa entre homens e mulheres de saber. Pretende servir a sociedade e a cultura portuguesas através da promoção do intercâmbio científico, académico e artístico entre instituições e elementos representantes da comunidade educativa nacional e internacional. A EXEDRA aceita trabalhos académicos originais(1), sendo os artigos publicados, da exclusiva responsabilidade do (s) seu (s) autor (es). Os trabalhos situam-se nas áreas científicas da Educação/Formação, das Artes e Humanidades, da Comunicação e das Ciências Empresarias sob a forma de artigos, revisões de investigação e de críticas de literatura, sínteses, estudos de caso, comentários e ensaios. Os artigos enviados pelos seus autores à EXEDRA serão objecto de apreciação, numa primeira fase, pelo Director e Conselho Científico da Revista e, numa segunda, serão alvo de avaliação por dois “referees” independentes e sob a forma de análise “duplamente cega”. Neste caso, a aceitação de um e a rejeição de outro obrigará a uma terceira consulta. A revista Exedra publica números genéricos com numeração sequencial de acordo com a sua periodicidade semestral e números temáticos extra-numeração.

Forma e preparação de manuscritos Os trabalhos podem ser escritos em português, espanhol, francês e inglês no formato Word, em Arial, corpo de letra 12, com duplo espaço, não devendo ultrapassar as 40 páginas A4 (3 cm de margem). As notas, de fim de página, em Arial 10 com um espaço entre linhas, deverão figurar no final do trabalho. As figuras (em formato jpg, png, ou gif) no corpo do texto devem aparecer em numeração árabe pela ordem de apresentação do texto, com título curto na parte inferior e, a negrito, em Arial 10. Os quadros deverão ser incluídos no corpo do texto com título curto na parte superior, a negrito, em Arial 10, espaço simples e no mesmo formato das figuras. Os artigos devem ter um título conciso, ser acompanhados de um resumo de 1000 caracteres, incluindo espaços, em Arial 10, espaço duplo, em português e em inglês, acompanhados das respectivas palavras-chave (4 a 6). Os artigos devem ainda ser acompanhados da identificação do (s) autor (es) (nome, morada, mail e filiação 4


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institucional). Na primeira página do artigo (capa) deverão constar o título do artigo, o(s) nome(s) do(s) autor(es) (excluindo graus académicos), a filiação institucional, a morada e o mail. Deve também ser indicada em qual das áreas científicas da revista o manuscrito se insere: Educação/Formação, Artes e Humanidades ou Comunicação e Ciências Empresarias. Referências bibliográficas A lista de referências bibliográficas deverá ser incluída no final do texto, em Arial 10. No caso de mais de três autores devem ser todos indicados (não utilizar a expressão “et al”). A lista deverá ser organizada por ordem alfabética dos apelidos dos autores obedecendo ao formato dos seguintes exemplos: a) Livro: Bandura, A. (1977). Social learning theory. Oxford: Prentice-Hall. b) Referências de artigos on-line: Kuhn, P.S. (1987). Alternative paradigms. Journal of Teaching, 34 (3), 7-56. Consultado em Janeiro 2005, htpp://www.apa.org/ journals/kuhn.html c) Capítulo de livro: Hughes, D. & Galinsky, E. (1988). Balancing work and family lives: research and corporate applications. In A. E. Gottfried & A. W. Gottfried (Eds), Maternal employment and children’s development (pp. 233-268). New York: Plenum. d) Artigo: Hoyt, K. B. (1988). The changing workforce: a review of projections from 1986 to 2000. The Career Development Quarterly, 37, 31-38. Para esclarecer os casos não considerados nestes exemplos, os autores deverão consultar as normas de publicação da American Psychological Association (APA), última versão. Citações As citações deverão ser apresentadas com indicação de autor, data e localização (página).

Submissão de artigos para publicação A submissão de artigos para a EXEDRA deverá ser efectuada via e-mail, anexando o ficheiro contendo o manuscrito em processador de texto Microsoft Word (*.doc) com as figuras e quadros numeradas de acordo com o formato solicitado

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editorial O presente número da Revista Exedra apresenta um conjunto de artigos originais, confirmando, na senda dos números já publicados, uma vocação editorial plural que procura fundar as suas decisões em critérios de rigor e de qualidade, mas também de tolerância e de liberdade, autorizando a multiplicidade de discursos e de linguagens, no fundo de pensamentos. A ideia original deste projecto incluiu sempre esta intenção de diversidade, e é convicção da equipa editorial que a pluralidade de vozes e de temas não se traduzirá num amontoado confuso de discursos ou de atitudes perante o saber, o ensino e a investigação, mas num reforço da intenção original de a Exedra se assumir como um espaço de interacção e entrelaçamento de saberes em múltiplas áreas de estudo. A circunstância de esta Revista incluir, para além dos seus números regulares, a publicação de números temáticos, pretende ainda, através dos segundos, viabilizar o aprofundamento por pares de assuntos que, pela sua natureza, são mais circunscritos a determinadas comunidades científicas. No caso concreto do número que agora se publica, tratando-se de um número regular, é justamente abordado um leque de temáticas que reflectem distintos olhares de pesquisa e de experiência, os quais se espera que possam ser cruzados com outras pesquisas e outras narrativas, projectando e estimulando novas colaborações e aprofundamentos. Acreditamos que a Exedra é um projecto em construção que se vem consolidando. Ultrapassadas algumas das dificuldades que, como é natural, estiveram presentes no seu arranque, a actual equipa editorial tem procurado, em 2010, recuperar algum do atraso que decorreu dessas dificuldades e dar continuidade ao esforço e empenho do grupo editorial que lançou esta Revista. À equipa editorial inicial deixamos o nosso agradecimento, empenhados em dar continuidade ao seu esforço e convictos de que o número que agora se publica representa um contributo importante para a afirmação deste projecto.

Ana Maria Sarmento Coelho

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Escalas de avaliação da identidade sociomoral e civica: i - estrutura psicométrica Susana Gonçalves

Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra Unidade de Investigação e Desenvolvimento em Educação e Formação (UIDEF) - Universidade de Lisboa Valentim Rodrigues Alferes

Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação - Universidade de Coimbra

Resumo Descrevem-se três escalas originalmente construídas para avaliar as orientações cognitivas, sociais e políticas de estudantes do ensino superior: a Escala de Identidade Sociomoral (EISM), a Escala de Sensibilidade Sociomoral (ESSM) e a Escala de Democraticidade (ED). A análise psicométrica teve por base uma amostra de 860 estudantes do ensino superior (Gonçalves, 2005). Os dados obtidos indicam que as escalas possuem uma estrutura factorial clara e as diversas subescalas são internamente consistentes. Em dois artigos subsequentes, serão apresentados os estudos de validade e as investigações substantivas envolvendo os contructos subjacentes às escalas aqui descritas. Palavras chave Identidade sociomoral, Orientação cívica, Aavaliação psicométrica

Abstract In this article we describe three psychometric scales originally designed by the authors – the Scale of Sociomoral Identity (EISM), the Scale of Sociomoral Sensitivity (ESSM) and the Scale of Democratic orientation (ED) – aiming to assess the cognitive, social and political orientations of university students. The scales were tested with a sample of 860 subjects. Further studies using these scales show that its psychometric characteristics make it useful and valid instruments of measurement of psychosocial parameters such as sociomoral and political identity of university students. Key-words Sociomoral Identity, Civism, Psicometric assesment 9


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A evolução da identidade sociomoral, política e cívica e o grau de complexidade do modo como cada indivíduo se vê a si mesmo enquanto pessoa moral e cidadão dependem de experiências sociais como a educação, a ocupação profissional, a actividade política e social, as actividades com os pares e a família, os encontros sociais com pessoas moralmente exemplares e a própria mentalidade cultural, que funciona como um filtro da percepção e interpretação das experiências de vida (Berkowitz, Gibbs & Broughton, 1980; Colby & Damon, 1995; Gardner, Csikszentmihalyi & Damon, 2001; Haan, Smith & Block, 1968; Walker, 1986, cit. in Walker, 1995). À semelhança dos grandes “marcadores sociais” (e.g., idade, género, classe social, etnia, profissão), todas estas experiências sociais estão associadas ao desenvolvimento cognitivo e moral e, de uma forma mais geral, ao desenvolvimento da própria personalidade. Como afirmam Colby e Damon (1995), “ao interagir com contextos sociais particulares — relacionamentos, ambientes, instituições e organizações culturais —, os indivíduos desenvolvem adaptações que constituem a sua configuração única de valores, crenças, ideologias, características de personalidade e padrões de comportamento” (p. 343). Ainda que fortemente condicionada pelas marcações sociais objectivas e pelos vínculos que o indivíduo estabelece com as comunidades e grupos sociais de pertença, a evolução da identidade é, igualmente, determinada pelas “teorias do self” ou princípios cognitivos em que a pessoa se baseia para organizar coerentemente e tornar significativo o seu autoconceito (Epstein, 1973; Hart, Yates, Fegley & Wilson, 1995; Ross & McFarland, 1988). Segundo estas concepções, a identidade constitui-se como um conjunto de crenças que evoluem em função das intenções, projectos de vida, contextos relacionais, grupos de pertença e processo de comunicação (Bruner, 1991; Moscovici, 1984; Porzgen, 1995; Simons, Mechling, & Schreier, 1984; Tajfel, 1972, 1983). Quando perspectivada como um sistema de crenças interrelacionadas de entendimento do eu, do mundo e da relação eu-mundo, a organização psicológica da identidade não é redutível nem a uma estrutura mental estável e rígida nem à histórica pessoal ou ao papel social do indivíduo nos grupos (Cantor & Kihlstrom, 1987). Pelo contrário, inclui uma dimensão de intencionalidade, estratégia e auto-regulação (Blasi, 1980, 1984; Campbell & Christopher, 1999; Colby & Damon, 1995; Damon & Gregory, 1997; Davidson & Youniss, 1995; Emler, 1983). O conceito de si engloba não apenas uma imagem de si mesmo, percebida e desejada, como também uma imagem do outro, percebido e desejado. Trata-se, por isso, de uma construção pessoal e social, que integra as representações das relações interpessoais e dos padrões de relacionamento social e moralmente aceitáveis. Como refere Emler (1983), na forma como cada um define a sua identidade há pouco espaço para a “anarquia moral”, onde os padrões de bem e de mal seriam meramente o fruto de visões privadas sobre a moralidade.

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Como tal, as opções sociopolíticas do indivíduo podem também ser estudadas na sua relação com a identidade sociomoral. Além disso, a cidadania corresponde, em termos psicológicos, à dimensão sociopolítica e pública da identidade, na qual se definem as lealdades, deveres, direitos, reivindicações e expectativas face à sociedade, as expectativas sobre como queremos ser tratados e tratar os outros. A cidadania funciona, deste modo, como um elemento regulador e integrador da multiplicidade de (sub)identidades de cada sujeito (Ichilov, 2003). Coloca-se, então, a questão de saber quais são as características distintivas dos indivíduos que manifestam níveis de maturidade social mais elevados, melhores competências de relacionamento social, atitudes e modos de envolvimento cívico mais democráticos, capacidades de liderança mais democrática, maior activismo, em suma, exemplaridade sociomoral. Tomando por base metodologias variadas (análise de psicobiografias, entrevistas, testes de raciocínio moral e inteligência e questionários psicossociais), vários estudos sobre pessoas moral e socialmente exemplares, líderes democráticos, activistas e profissionais altamente eficazes e socialmente responsáveis (e.g. Colby e Damon, 1995; Csikszentmihalyi, 1990, 1993; Gardner, 2002, 1995; Gardner, Csikszentmihaly & Damon, 2001; Hart et al., 1995; Rest, 1994) revelam que aquilo que está em jogo é menos uma questão de traços, temperamento, talentos ou aptidões inatas de ordem abstracta — e.g., criatividade, raciocínio ou discernimento puro) —, mas antes uma combinação de valores, disposições relacionais e de orientação para o outro, sensibilidades, princípios e competências que se desenvolvem ao longo do tempo e contribuem para a definição de um estilo de vida, de orientações intelectuais e sociomorais e para as opções de vida escolhidas. Os estudos sobre a identidade das pessoas cívica e moralmente exemplares apontam para um cenário psicológico que parece incluir as seguintes características: motivação forte em áreas comportamentais específicas; clareza na determinação de objectivos pessoais, confiança nas capacidades pessoais para os atingir e crença na utilidade e mérito do trabalho pessoal; auto-estima sólida e autoconceito positivo, baseado em teorias do self evoluídas e complexas; procura activa de informação e persistência na resolução de problemas (reflexão crítica, mente aberta); orientação intelectual para a complexidade (espírito de iniciativa, dinamismo, criatividade, aceitação de riscos, tolerância à ambiguidade); resistência à frustração e capacidade de adiamento do reforço; capacidade de transformação de obstáculos em desafios; combatividade; detenção de qualidades relacionais como carisma, popularidade, capacidade de persuasão e mediação de conflitos; orientação pró-social sólida e respeito pelo outro (cooperação, generosidade, altruísmo, compaixão, empatia, sentido de justiça, tolerância) e senso de comunidade alargada; forte consciência moral (acções congruentes com valores e princípios morais). De forma global, este conjunto de qualidades pode ser designado por complexidade, excelência ou 11


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sabedoria, no sentido de capacidade para usar faculdades e poderes pessoais excepcionais — discernimento excepcional sobre os contextos de decisão e resolução de problemas, capacidade de compreender e lidar com problemas mal estruturados ou reflexividade elevada criatividade, capacidade de liderança, conhecimentos aprofundados — com base no julgamento moral das consequências da acção e num senso de comunidade alargada (Csikszentmihalyi, 1993; Gardner, 1999; Marchand, 2003). As escalas que a seguir se apresentam foram construídas de forma consistente com os pressupostos e resultados da investigação que acabamos de sumariar e têm como objectivo principal medir as seguintes dimensões da identidade sociomoral, da sensibilidade sociomoral e da orientação democrática: valores, atitudes e tendências de acção social perante a diversidade (étnica, cultural, de competências); orientação cognitiva (atitudes perante a ambiguidade, curiosidade intelectual, conformismo) orientação social (empatia, capacidade de ajuda, sentido de justiça) e sensibilidade aos problemas do mundo contemporâneo. Estas dimensões correspondem a aspectos fundamentais da sobrevivência, da adaptação e do desenvolvimento dos indivíduos e das organizações nas sociedades plurais e complexas, pelo que é importante construir instrumentos de avaliação dos construtos subjacentes, com vista à respectiva articulação conceptual e à explicitação das relações com outras dimensões da identidade e das experiências de vida.

1. Método O estudo psicométrico das escalas tomou por base uma amostra de 860 estudantes do ensino superior, distribuídos por 16 cursos de três instituições de ensino superior de Coimbra: Universidade de Coimbra (n = 455; 36.3% da amostra total), Instituto Politécnico de Coimbra (n = 312; 52.9%) e Escola Superior de Enfermagem de Bissaia Barreto (n = 93; 10.8%). A amostra é maioritariamente constituída por indivíduos do sexo feminino (n = 671; 78.0%), solteiros (n = 815; 94.4%), portugueses (n = 827; 96.3%) e católicos (n = 705; 82.0%). As idades variam entre 17 e 50 anos, com uma média de 20.9, desvio-padrão de 3.61 e mediana de 20.0, sendo o grupo etário dos 17 aos 19 anos o mais numeroso (n = 388; 45.3%), seguido do grupo etário dos 20 aos 22 anos (n = 266; 31.0%). As classes socioeconómicas média (n = 421; 49.0%) e baixa (n = 398; 46.3%) estão representadas de forma relativamente próxima, embora a maioria dos sujeitos se perceba subjectivamente como pertencente à classe média (n = 608; 70.7%). As respostas foram obtidas por meio de aplicações colectivas das escalas, integradas, em conjunto com outras variáveis no Questionário de atitudes, valores e comportamentos em estudantes do ensino superior, instrumento utilizado no âmbito de uma investigação de natureza mais abrangente (Gonçalves, 2005). 12


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2. Estrutura psicométrica das escalas 2.1. Escala de Identidade Sociomoral (EISM) 2.1.1. Processo de construção A Escala de Identidade Sociomoral (EISM) é um instrumento de auto-resposta destinado a medir as dimensões socioafectiva (orientação prosocial) e sociocognitiva (abertura à complexidade e curiosidade intelectual) da identidade sociomoral. Na construção da escala, procurámos cobrir toda a gama de características que a investigação mostrou ser relevante para a excelência, considerando, em simultâneo, a mestria em determinadas áreas de actividade e o discernimento e reflexão sobre as consequências morais da acção pessoal. Com base na informação constante na literatura anteriormente sumariada, começámos por listar um grande número de situações que indicassem a presença e a intensidade dos vários atributos da excelência sociomoral (e.g., altruísmo, sentido crítico, inconformismo, aceitação de riscos)1. Para formular os itens tomámos em consideração outras escalas sobre o tema (e.g., Robinson, Shaver & Wrightsman, 1991, 1999) e questionámos diversas pessoas (fizemos perguntas do tipo: “dê exemplos de situações, actos ou características de pessoas que revelem combatividade”; “dê exemplos de comportamentos ou situações que mostrem que uma pessoa é moralmente bem formada”). Ao longo de vários meses, fomos registando estas expressões, frases, situações, tendo organizado uma lista de 260 frases. Depois de eliminados os itens redundantes e os itens ambíguos, apresentámos os 65 itens que compõem a escala final a uma amostra de 24 estudantes do ensino superior a quem pedimos que dissessem se compreendiam os itens, se os consideravam ambíguos, se lhes colocavam dúvidas de resposta, qual o significado dos mesmos. Uma vez que as respostas obtidas foram no sentido de afirmar a clareza dos itens, optámos por mantê-los na versão final da escala, a qual foi preenchida pela totalidade dos sujeitos. Os 65 itens da EISM são respondidos e cotados numa escala de tipo Likert (1 = discordo totalmente; 5 = concordo totalmente). A ordem de apresentação dos itens foi aleatorizada, sendo 16 itens redigidos de forma negativa e posteriormente invertidos (ver Quadro 2).

2.1.2. Análise psicométrica Procedemos à análise psicométrica da EISM, tendo em vista apurar a sua consistência interna e estrutura factorial. O primeiro componente explica 14.1% da variabilidade. Dezassete componentes principais atingem valores próprios superiores a 1, explicando 54.3% da variabilidade total. A matriz de intercorrelações é significativamente diferente de uma matriz de identidade (de acordo com o teste de Bartlett, χ2 = 13963.22, p < .01) 13


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e a amostragem é suficientemente adequada (a medida de Kaiser-Meyer-Olkin é de .87 para o conjunto das 65 variáveis). Considerando que o scree test de Cattell apontava para uma solução de 3 factores, efectuámos a extracção, rotação e interpretação deste número de factores. A análise da consistência interna dentro de cada factor revelou que a eliminação dos itens 11, 33 e 56 fazia subir o alfa de Cronbach da subescala 1 (de .84 para .85); a eliminação do item 27 fazia subir o alfa da subescala 2 (de .83 para .84) e a eliminação do item 26 fazia subir o alfa da subescala 3 (de .67 para .68). Como tal, e dada a existência de correlações fracas item-total no caso destes cinco itens (entre .11 e ..27) optámos por eliminá-los, o que se traduziu na melhoria da consistência interna nas respectivas subescalas e da escala total (com a retirada destes itens o alfa de Cronbach, para a escala total sobe de .88 para .89), a qual passou a contar com 60 itens (ver em anexo, Quadro A1, itens eliminados). Efectuada nova análise factorial, para os 60 itens restantes, verifica-se que os três factores explicam 25.5% da variabilidade total — respectivamente 14.9%, 6.8% e 3.8% —, sendo as suas contribuições proporcionais, após rotação VARIMAX, de 41.6%, 36.6% e 21.8%. No Quadro 1, apresentam-se os valores da consistência interna das subescalas e da escala total, após eliminação dos cinco itens. A escala total tem uma boa consistência interna, o mesmo acontecendo com os dois primeiros factores. O terceiro apresenta fraca consistência interna. As pontuações médias dos itens que retivemos variam entre 2.62 (item 43) e 4.69 (itens 16 e 61), como se pode ver no Quadro 2, onde apresentamos as saturações factoriais e as comunalidades. Os factores integram 26, 21 e 13 itens, respectivamente. Os itens 62 (F1), 49 (F2), 13 e 23 (F3) saturam abaixo de .30, enquanto 16 outros itens têm saturações iguais ou superiores a .50. Quatro itens apresentam saturações acima de .30 em dois factores. É o caso dos itens 47 (F1 e F3), 36 (F1 e F3), 44 (F1 e F2), 50 (F2 e F3), 48 (F2 e F3) e 9 (F2 e F3)2. Estas duplas polarizações, não reduzem a interpretabilidade dos factores, sendo notória a congruência conceptual entre os restantes itens integrados em cada factor. O Factor 1, que intitulámos orientação social, incide claramente no domínio socioafectivo, integrando aspectos como empatia, altruísmo e sentido de justiça. O Factor 2, que intitulámos orientação cognitiva, incide sobre o domínio cognitivo/intelectual e expressa a orientação para a complexidade (mente aberta), o pensamento divergente e a inteligência prática. O Factor 3 é mais problemático, pois exceptuando o item com a saturação mais baixa, todos os restantes são itens que foram invertidos, sendo negativo o sentido da afirmação (e.g., item 18_Às vezes penso que sou um pouco fútil e superficial; item 53_ Para mim estudar é um sacrifício; item 63_ Só leio livros sérios se for obrigado). Os conteúdos destes itens, agrupados como estão num factor, e anteriormente à sua inversão, parecem 14


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incidir sobre a alienação intelectual, a passividade face à aprendizagem e à expansão do saber e a incapacidade de descentração. Se considerarmos também o item 23, parece ainda relacionar-se com as expectativas de controlo dos resultados próprios, ou seja, com o locus de controlo (Rotter, 1966; Cantor & Kilstrom, 1987, Sahakian, 1977). Porém, devemos ser cautelosos na interpretação deste factor. Visto que a escala se aplica no ensino superior, contexto onde é altamente valorizado o esforço cognitivo e a aprendizagem e onde é punida a a ignorância e o seguidismo intelectual, consideramos que este factor pode estar contaminado pela desejabilidade social e que, por isso, deve ser tratado com reserva nos estudos empíricos baseados na EISM. Porque os itens foram invertidos intitulámos o Factor 3 expansão dos horizontes intelectuais.

Quadro 1 Análise da Consistência Interna da Escala de Identidade Sociomoral (EISM) Correlações interitem Número de itens

Alfa de Cronbach

Média

Mínima

Máxima

F1: Orientação Social

26

.85

.19

.00

.49

F2: Orientação Cognitiva

21

.84

.20

.03

.64

F3: Expansão dos Horizontes Intelectuais

13

.68

.13

.02

.40

Escala completa

60

.89

.12

-.18

.64

Subescala

Quadro 2 Escala de Identidade Sociomoral (EISM): Médias, Desvios-Padrão e Saturações Factoriais para a Solução Rodada e Comunalidades dos Itens (N = 860) Saturações Item

Factor 1: Orientação social

M

DP

F1

F2

F3

h2

60

Sou uma pessoa sensível aos problemas dos outros.

4.25

0.78

.67

.10

.16

.49

55

Gosto de ser útil aos outros.

4.39

0.70

.65

.11

.12

.45

12

Está na minha natureza preocupar-me com o 4.17 bem estar dos outros.

0.79

.65

.08

.05

.43

15


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65

Preocupa-me a possibilidade de ser injusto 4.34 para com alguém.

0.80

.56

.04

.05

.32

10

A generosidade é uma das minhas características mais importantes.

3.85

0.85

.55

.07

-.01

.31

Sinto que é meu dever ajudar quem necessite da 3.63 minha ajuda, mesmo que isso possa prejudicarme.

0.96

.54

.19

-.10

.34

54 61

Tenho grande admiração por pessoas corajosas e justas.

4.69

0.57

.54

.17

.16

.34

64

Quando vejo alguém em sofrimento fico facilmente comovido.

4.17

0.94

.51

-.04

.07

.27

Seria capaz de abdicar de um prémio ou privilégio, se outra pessoa o merecesse mais do que eu.

3.78

0.99

.50

.17

-.04

.28

58

Sou capaz de defender uma pessoa vítima 3.88 de alguma injustiça, mesmo que isso me prejudique.

0.92

.48

.26

-.03

.30

40 3

Acima de tudo, sou uma pessoa honesta.

4.52

0.70

.46

.01

.24

.27

36

Não sou criado de ninguém: só trabalho para os outros se isso me trouxer alguma vantagem*.

4.25

0.92

.44

-.12

.30

.30

39

Já tenho ajudado colegas meus a “acalmar os ânimos”, quando surgem conflitos entre eles.

3.97

0.89

.43

.16

.11

.22

47

Sou egoísta*.

4.28

0.93

.42

-.14

.37

.33

4.06

0.90

.40

.02

-.03

.16

25

Nos conflitos com outras pessoas prefiro sempre encontrar soluções que contentem todas as parte.

57

Tenho medo de que os meus actos possam prejudicar alguém.

3.79

1.11

.40

-.04

-.25

.22

44

Já dei algo que me fazia falta por sentir que faria mais falta a outra pessoa.

3.47

1.05

.40

.32

-.16

.28

30

Compreendo com facilidade o ponto de vista 3.76 dos outros.

0.77

.39

.17

.10

.19

37

Dou-me bem com quase toda a gente.

4.25

0.84

.36

.12

.10

.15

17

Comovo-me facilmente a ver um filme ou a ler um romance.

3.62

1.24

.36

-.05

-.02

.13

7

Aceito facilmente as diferenças entre as pessoas.

4.23

0.86

.35

.08

.19

.16

É frequente ajudar os colegas no estudo e depois 2.99 faltar-me o tempo para eu próprio estudar as matérias que ainda não domino bem.

1.06

.35

.23

-.19

.21

28 59

Sei dar o braço a torcer quando reconheço que estou errado.

4.03

0.99

.35

.03

.14

.14

34

De um modo geral sou muito crítico em relação à injustiça.

4.35

0.82

.34

.28

.17

.22

16


Susana

Gonçalves

&

Valentim

Alferes

Escalas

de

avaliação

da

identidade

sociomoral

e

civica...

1

A diplomacia e o diálogo são a base da minha relação com as outras pessoas.

4.29

0.79

.31

.09

.25

.16

Se não gostar de uma pessoa mas concordar com as suas ideias sou capaz de me por do seu lado numa discussão em público.

3.99

0.97

.28

.25

.09

.15

62

Nota 1. Indica-se em realce a saturação mais elevada de cada item. Nota 2. Os itens seguidos do sinal * foram invertidos. h2 – comunalidade

Quadro 2 (continuação) Saturações Factor 2: Orientação Cognitiva

M

DP

F1

F2

F3

h2

41

Sou bastante criativo.

3.43

0.92

.02

.57

.04

.33

20

Tento sempre descobrir a utilidade das coisas, 3.98 das ideias, dos assuntos.

0.77

.19

.55

.06

.34

51

Sou capaz de dizer a um professor que discordo da sua opinião.

3.36

1.25

.02

.54

.06

.29

42

Na minha vida diária, aplico muito do que 3.38 aprendo nas aulas e nos livros.

0.92

.13

.52

.06

.29

15

Gosto de desafios.

4.18

0.85

.13

.51

.28

.36

24

Em trabalho de grupo participo activamente na apresentação de ideias.

4.07

0.85

.22

.50

.25

.37

46

Gosto de discutir ideias controversas.

3.92

0.94

.15

.49

.20

.30

29

Tenho sido problemas.

muitos

3.78

0.80

.18

.49

.06

.27

Já me tem acontecido descobrir falhas nas teorias que os livros ou os professores me apresentam.

2.62

1.07

-.01

.47

-.14

.24

43 19

Esforço-me informado.

3.88

0.78

.12

.47

.18

.27

21

Acho que não tenho muito sentido crítico*.

3.71

1.06

-.16

.46

.28

.32

2

Penso que os meus colegas admiram a minha capacidade de reflexão.

3.13

0.79

-.02

.46

.06

.21

6

Encaro os problemas da vida de estudante como desafios.

3.85

0.91

.13

.45

.13

.23

50

Tenho consciência dos meus direitos e luto por eles.

3.95

0.85

.22

.44

.32

.34

22

Gosto de discutir assuntos sérios com pessoas experientes.

4.28

0.79

.26

.44

.18

.29

8

Por vezes, dinamizo os meus colegas para iniciativas importantes.

3.23

0.94

.14

.43

-.07

.21

Item

capaz

por

de

aprender

resolver

muito

e

estar

17


exedra • nº 3 • 2010

5

Em comparação com os meus colegas, sinto que sou bastante informado.

2.90

0.85

-.13

.42

-.07

.20

14

Em trabalho de grupo participo activamente na execução das decisões tomadas pelo grupo.

4.13

0.81

.28

.40

.24

.30

45

Sinto-me bem quando tenho muitas tarefas 2.97 para resolver.

1.13

.16

.37

.07

.17

31

O que se diz e aprende nas aulas não me deixa indiferente.

4.08

0.83

.22

.31

.18

.18

49

Sou um bom mediador de conflitos.

3.18

0.93

.23

.26

.02

.12

Nota 1. Indica-se em realce a saturação mais elevada de cada item. Nota 2. Os itens seguidos do sinal * foram invertidos. h2 – comunalidade.

Quadro 2 (continuação) Saturações Item

Factor 3: Expansão dos horizontes intelectuais

M

DP

F1

F2

F3

h2

18

Às vezes penso que sou um pouco fútil e superficial3*.

3.80

1.05

-.03

.16

.50

.27

63

Para mim estudar é um sacrifício*.

3.93

1.13

-.01

.18

.44

.23

53

Só leio livros sérios se for obrigado*.

3.97

1.03

.07

.16

.49

.27

35

Nem sempre compreendo os sentimentos dos outros*.

3.30

1.07

.19

-.07

.43

.22

48

Posso dizer que sou passivo e conformado*.

3.76

1.14

-.11

.38

.41

.32

52

Não gosto de ler*.

4.36

1.05

.10

.04

.41

.18

32

Nem sempre reparo que alguém ao meu lado 3.45 precisa de ajuda*.

1.02

.18

-.04

.41

.20

16

Se ninguém desconfiasse, seria capaz de roubar*.

4.69

0.77

.19

-.08

.40

.20

4

Considero-me um pouco apagado(a)*.

3.58

1.13

-.12

.29

.38

.24

38

Não me preocupo muito com inovações. Acho que 4.23 já está tudo inventado*.

0.95

.07

.19

.37

.18

9

É mais frequente ser eu a seguir as ideias dos outros do que o contrário*.

3.41

1.00

-.18

.36

.36

.29

13

A maioria das vezes não compreendo a utilidade dos temas dados nas aulas*.

3.13

1.14

-.14

.21

.28

.14

23

O meu destino depende, em grande parte, daquilo que eu fizer por mim.

4.60

0.69

.12

.16

.23

.09

Nota 1. Indica-se em realce a saturação mais elevada de cada item. Nota 2. Os itens seguidos do sinal * foram invertidos. h2 – comunalidade.

18


Susana

Gonçalves

&

Valentim

Alferes

Escalas

de

avaliação

da

identidade

sociomoral

e

civica...

2.2. Escala de Sensibilidade Sociomoral (ESSM) 2.2.1. Processo de construção A construção da Escala de Sensibilidade Sociomoral (ESSM) teve por objectivo identificar o grau de sensibilidade moral do estudante face aos problemas do mundo contemporâneo. Como tal, tomámos como base para a construção dos itens as problemáticas (frequentemente referidos na comunicação social portuguesa) susceptíveis de serem reveladoras de desequilíbrios, carências ou perturbações nos seguintes domínios: ambiente e património (aquecimento global, poluição, esgotamento de recursos, desastres nucleares, destruição de património cultural), instabilidade política (guerra, terrorismo), comportamento cívico (abstenção eleitoral), saúde pública (droga, sida), desigualdade social (pobreza, insucesso escolar das crianças de grupos minoritários), violação de direitos humanos (pena de morte, escravatura, exploração sexual) e falta de ética política, comercial e profissional (comercialização de produtos nocivos para a saúde pública, doping, incúria médica). De uma lista alargada de situações concretas, retivemos 19 itens que abordam situações representativas de todas estas áreas e cobrem todas estas problemáticas. A ESSM é uma escala de auto-resposta, sendo cada item respondido por meio de uma escala de tipo Likert (1 = sensibiliza-me pouco; 2 = sensibiliza-me levemente; 3 = sensibiliza-me moderadamente; 4 = sensibiliza-me intensamente). A sequência dos itens na apresentação final resulta de uma ordenação aleatória.

2.2.2. Análise psicométrica Procedemos à análise psicométrica da ESSM, tendo em vista apurar a sua consistência interna e estrutura factorial. A análise em componentes principais indica que quatro componentes atingem valores próprios superiores a 1, explicando 48.6% da variabilidade total. O primeiro componente explica 25.8% da variabilidade. A matriz de intercorrelações é significativamente diferente de uma matriz de identidade (de acordo com o teste de Bartlett, χ2 = 3435.99, p < .01) e a amostragem é suficientemente adequada (a medida de Kaiser-Meyer-Olkin é de .87 para o conjunto das 19 variáveis). Considerando que o scree test de Cattell apontava para uma solução de dois factores, efectuámos a sua extracção, rotação e interpretação. Após análise da consistência interna dentro dos factores verificámos que a eliminação do item 4 provocava a subida do valor do alfa de Cronbach da subescala 2 (de .62 para .67); como tal, e dada a existência de uma fraca correlação item-total (r = .21) optámos por eliminá-lo (ver em anexo, Quadro A1, item eliminado). Retirado o item, a consistência interna da escala total mantém o valor inicial de .81. Efectuada nova análise factorial, uma vez retirado o item 4, verifica-se que 19


exedra • nº 3 • 2010

os dois factores explicam 34.3% da variabilidade total (respectivamente 25.8% e 8.5%), sendo as suas contribuições proporcionais, após rotação VARIMAX, de 61.4% e 38.6 %. No Quadro 3, apresentam-se os valores da consistência interna das subescalas e da escala total, após eliminação do item. As pontuações médias dos 18 itens que retivemos variam entre 2.25 (item 19) e 3.80 (item 17). O Quadro 4 apresenta este dado, bem como as saturações factoriais e comunalidades dos itens. Verifica-se que o Factor 1 é composto por 14 itens e o Factor 2 pelos restantes 4. Exceptuando o item 15, incluído no Factor 2, mas com saturação factorial no factor 1 acima de .30, todos os itens saturam exclusivamente num dos dois factores, 14 deles apresentam saturações superiores a .50 e nenhum satura abaixo de .30 no factor respectivo.

Quadro 3 Análise da Consistência Interna da Escala de Sensibilidade Sociomoral Correlações interitem Número de itens

Alfa de Cronbach

Média

Mínima

Máxima

Sensibilidade aos Problemas Humanos e Sociais

14

.79

.24

.02

.46

Sensibilidade aos Problemas Ambientais

4

.67

.35

.24

.48

Escala completa

18

.81

.22

.02

.48

Subescala

A interpretação dos factores é inequívoca: o Factor 1 refere-se à sensibilidade sociomoral a problemáticas que envolvam pessoas ou grupos, enquanto o Factor 2 se refere à sensibilidade perante problemáticas ambientais. Designámos o Factor 1 sensibilidade aos problemas humanos e Sociais e o Factor 2 sensibilidade aos problemas ambientais.

20


Susana

Gonçalves

&

Valentim

Alferes

Escalas

de

avaliação

da

identidade

sociomoral

e

civica...

Quadro 4 Escala de Sensibilidade Sociomoral (ESSM): Médias, Desvios-Padrão e Saturações Factoriais para a Solução Rodada e Comunalidades dos Itens (N = 860) Saturações Item

M

DP

F1

F2

h2

Factor 1: Sensibilidade aos Problemas Humanos e Sociais 16

Faz-se comércio sexual de crianças e mulheres através da Internet.

2.63

0.82

.63

.04

.40

10

O trafico de droga é frequente junto às escolas.

3.74

0.57

.62

.10

.40

19

A escravatura ainda existe em alguns países.

2.25

0.98

.61

.11

.38

14

Existem bairros de lata em Portugal.

3.57

0.66

.59

.28

.43

9

Portugal é o país da Europa onde a taxa de jovens com sida cresce mais.

3.79

0.49

.57

.15

.35

As empresa farmacêutica comercializam medicamentos que são nocivos para a saúde de determinadas pessoas e por vezes omitem essa informação.

3.03

1.00

.56

.12

.33

13 6

Existe terrorismo na Europa.

3.60

0.72

.55

.12

.32

11

As crianças pobres e de minorias étnicas são as que têm mais insucesso escolar.

3.60

0.65

.54

.24

.35

5

No século XX não houve um só dia sem guerra.

2.84

0.98

.54

.09

.30

17

Por vezes há doentes que morrem por incompetência dos médicos.

3.80

0.52

.51

-.06

.27

Os desastres em centrais nucleares e a radioactividade provocam cancro e nascimentos de crianças com malformações genéticas.

2.86

1.06

.50

.31

.34

8 12

Um cientista está a tentar fazer a clonagem de seres humanos.

3.26

0.73

.40

.13

.17

7

A pena de morte é legal em certos estados dos EUA.

3.56

0.66

.33

.10

.12

18

Alguns desportistas recorrem ao doping para melhorar os seus resultados.

3.72

0.54

.32

.17

.13

Factor 2: Sensibilidade aos Problemas Ambientais 2

A maioria das pessoas não reciclam os desperdícios domésticos (papel, vidro, pilhas,...).

3.20

0.75

-.01

.83

.69

1

Sabe-se que o aquecimento global do planeta vai aumentar no século XXI.

3.21

0.79

.12

.75

.57

3

No nosso país, algumas fábricas despejam resíduos tóxicos nos rios.

3.73

0.52

.19

.72

.55

A construção de barragens provoca alterações 3.10 sinergéticas e por vezes desaparecimento de património arqueológico Nota. Indica-se em realce a saturação mais elevada de cada item. h2 – comunalidade.

0.76

.37

.43

.33

15

21


exedra • nº 3 • 2010

2.3. Escala de Democraticidade (ED) 2.3.1. Processo de construção A Escala de Democraticidade (ED) avalia a orientação geral em matéria de tolerância sociopolítica e o grau de adesão a princípios democráticos gerais. A nossa estratégia para elaborar a escala tomou por base uma análise prévia dos princípios subjacentes à Declaração Universal dos Direitos Humanos4, dos quais seleccionámos 15 princípios5, subjacentes a 14 dos artigos da declaração. Uma vez que a Escala de Democraticidade procura identificaa o grau de adesão a estes princípios e a sua relação com diferentes predisposições ou atitudes políticas e opções comportamentais, procurámos concretizar os princípios, que são de natureza abstracta, em situações sociopolíticas concretas, sobre as quais o estudante pudesse tomar uma posição clara, como se de um referendo se tratasse. Elaborámos uma lista de situações concretas, envolvendo temas relevantes para a cidadania democrática, relativas a tópicos tão diversos como o colonialismo, as tradições culturais, a homossexualidade, a imigração, as diferenças raciais, a pena de morte, as práticas policiais coercivas, o sistema de justiça, a privacidade, as minorias étnicas, a religião, a educação, a comunicação social, o governo, o papel social da mulher, o emprego e a guerra. Todos estes temas são sujeitos a juízos de valor moral e sociopolítico e todos dão azo a dilemas morais e a questões social e moralmente controversas. Muitas das decisões e julgamentos nestes domínios dependem de orientações como a posição ideológica, as atitudes face à democracia ou o grau de aceitação do direitos individuais e colectivos de determinados grupos presentes na sociedade. A maturidade sociomoral e as competências de julgamento moral são também um factor decisivo nas escolhas do sujeito. Algumas das questões que constam da versão final (ver Quadro 6), foram inspiradas em itens da Escala de Valores Democráticos (OVS Sample) de McClosky e Zaller (1984) e da Escala de Atitudes Face à Guerra de Stagner (1942), ambas reproduzidas em Robinson, Shaver e Wrightsman (1999). No seu conjunto, os 27 itens são indicadores gerais da orientação sociopolítica e ideológica e, em geral, do grau de tolerância sociopolítica. A redacção de 16 destes itens apresenta afirmações contrárias aos princípios dos direitos humanos ou à democracia (por exemplo, “A pena de morte deveria ser aplicada a crimes graves”). As restantes 11 questões estão formuladas de forma positiva, consistindo em afirmações favoráveis a opções sociopolítica democráticas e respeitadoras dos direitos humanos (por exemplo, “Homens e mulheres devem ter exactamente as mesmas oportunidades no emprego, no que respeita a salários e ascensão na carreira”).

22


Susana

Gonçalves

&

Valentim

Alferes

Escalas

de

avaliação

da

identidade

sociomoral

e

civica...

2.3.2. Análise psicométrica Tal como nas escalas anteriores, efectuámos a análise psicométrica e apurámos a consistência interna e a estrutura factorial da escala. Começámos por observar a fraca correlação item-total no caso dos itens 7, 17, 19, 20, 23, 25 e 26 (valores inferiores a .18), existindo dois itens com correlações negativas (itens 17 e 23), pelo que optámos por eliminá-los. O alfa de Cronbach para a escala, considerados os 20 itens restantes, é de .75 (para a escala de 27 itens o valor do alfa era de .70). Também neste caso se verifica que a matriz de intercorrelações é significativamente diferente de uma matriz de identidade (de acordo com o teste de Bartlett, χ2 = 2102.42, p < .01) e a amostragem é suficientemente adequada (a medida de Kaiser-Meyer-Olkin é de .83 para o conjunto das 20 variáveis). Uma vez efectuada a análise em componentes principais, cinco componentes principais atingem valores próprios superiores a 1, explicando 43.9% da variabilidade total. O primeiro componente explica 19.0% da variabilidade. Considerando que o scree test de Cattell apontava para uma solução de 3 factores, efectuámos a sua extracção, rotação e interpretação. Verifica-se que os 3 factores explicam 32.8% da variabilidade total (respectivamente 19.0%, 7.9% e 5.9%), sendo as suas contribuições proporcionais, após rotação VARIMAX, de 36.9%, 32.5% e 30.6%. Após análise da consistência interna dentro dos factores, verificámos ainda que a eliminação do item 3 provocava a subida do valor do alfa de Cronbach da subescala 1 (de .63 para .65) e que dada a sua fraca correlação item-total (.24) seria desejável a sua eliminação, opção que tomámos (ver em anexo, Quadro A1, itens eliminados). A escala total, com os restantes 19 itens tem um alfa de Cronbach de .74. No Quadro 5 apresentam-se os valores da consistência interna das subescalas e da escala total, após eliminação dos itens. As pontuações médias dos 19 itens que retivemos variam entre 1.81 (item 5) e 2.94 (itens 13 e 14). O Quadro 6 apresenta estes dados, as saturações factoriais e as comunalidades dos itens. O Factor 1 é composto por 5 itens, o Factor 2 por 7 itens e o Factor 3 por 7 itens. Apenas um item satura abaixo de .30 no respectivo factor (item 22, do Factor 3) e 11 itens saturam acima de .50. O item 8 do Factor 2 satura também o Factor 3 (.32). Os factores são de fácil interpretação. O Factor 1 refere-se à valorização do da igualdade e não discriminação, o Factor 2 integra situações referidas ao princípio da liberdade e aceitação do pluralismo democrático e o Factor 3 refere-se à aceitação do direito (de indivíduos e grupos sociais) a tratamento digno, à justiça e à paz. Assim, designámos estes factores como igualdade (Factor 1), liberdade e pluralismo (Factor 2) e direito a tratamento digno, justiça e paz (Factor 3).

23


exedra • nº 3 • 2010

Quadro 5 Análise da Consistência Interna da Escala de Democraticidade Correlações interitem Número de itens

Alfa de Cronbach

Média

Mínima

Máxima

Igualdade

5

.65

.29

.20

.43

Liberdade e Pluralismo

7

.59

.18

.03

.29

Direito a Tratamento Digno, Justiça e Paz

7

.56

.15

.05

.32

Escala completa

19

.74

.15

-.02

.43

Subescala

Quadro 6 Escala de Democraticidade (ED): Médias, Desvios-Padrão, Saturações Factoriais para a Solução Rodada e Comunalidades dos Itens (N = 860) Saturações Item

M

DP

F1

F2

F3

h2

Factor 1: Igualdade 13

Os homens são mais dotados para a política, 2.94 por isso não deve ser permitido um governo em que a maioria sejam mulheres.*

0.32

.72

.11

.00

.33

18

Os brancos têm mais capacidades naturais 2.91 para certas actividades do que algumas minorias, por isso deveriam ter mais poderes.*

0.35

.69

.13

.19

.29

12

O Presidente da República de Portugal 2.86 não deveria ser um indivíduo de cor, pois a maioria dos portugueses são brancos.*

0.46

.62

.28

.11

.47

14

Se uma empresa tiver que despedir 2.94 alguns trabalhadores, aceita-se que sejam despedidas as mulheres casadas em primeiro lugar.*

0.29

.56

-.04

.11

.39

2

Os homens homossexuais devem ser 2.83 considerados inaptos para o serviço militar.*

0.48

.48

.24

.05

.24

0.60

.13

.70

.08

.26

Factor 2: Liberdade e Pluralismo 9

No nosso país não deveríamos permitir a 2.64 divulgação das crenças muçulmanas, pois são fundamentalistas e podem tornar-se perigosas.*

24


Susana

Gonçalves

&

Valentim

Alferes

Escalas

de

avaliação

da

identidade

sociomoral

e

10

O ensino oficial deve ser católico, porque essa é a religião da maioria dos portugueses.*

2.59

0.69

.04

.57

.08

.51

24

O governo português pode incluir indivíduos ciganos de nacionalidade portuguesa.

2.62

0.62

.26

.52

.17

.33

11

A censura de jornais e livros deveria existir 2.65 para proteger os padrões de moralidade e decência.*

0.65

.10

.50

.07

.26

15

Ensinar que determinadas pessoas e culturas são melhores que outras é legítimo, porque apenas reconhece um facto.*

2.74

0.58

.27

.42

.06

.47

8

O direito de uma família cigana ir morar 2.42 para um determinado bairro ou prédio devia estar dependente da vontade dos que já lá vivem, a fim de evitar problemas e conflitos.*

0.77

.11

.38

.32

.54

21

Os ateus têm o direito a criticar a religião e a igreja, sem serem penalizados por isso.

2.52

0.75

-.05

.30

.23

.33

Factor 3: Direito a Tratamento Digno, Justiça e Paz 4

A pena de morte deveria ser aplicada a crimes graves.*

2.12

0.88

-.01

.22

.65

.26

16

Por patriotismo poderá justificar-se a 2.69 participação em qualquer guerra.*

0.58

.23

-.04

.54

.35

1

O colonialismo é aceitável, porque certos 2.33 povos nativos não são capazes de governar bem o seu país.*

0.77

.03

.24

.52

.53

5

Em geral a polícia não deve usar a 1.81 tortura, excepto se for pelo bem comum, nomeadamente no caso de terroristas, violadores ou grandes criminosos.*

0.89

-.18

.31

.51

.14

27

Não é legítimo recorrer a uma guerra, ainda 2.58 que seja para preservar a honra da nação.

0.67

.29

-.14

.49

.10

6

Se o tribunal não tiver provas da culpa 2.54 de um indivíduo que todos sabemos ser culpado, devemos fazer justiça por nossas mãos.*

0.68

.09

.13

.47

.36

22

A proibição das seitas religiosas não se 2.62 justifica porque as pessoas têm direito às suas convicções religiosas.

0.65

.17

.06

.26

.34

Nota 1. Para cada item, indica-se em realce a saturação mais elevada. Nota 2. Os itens seguidos do sinal * foram invertidos. h2 – comunalidade.

25

civica...


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3. Conclusão A Escala de Identidade Sociomoral (EISM), a Escala de Sensibilidade Sociomoral (ESSM) e a Escala de Democraticidade (ED) possuem uma estrutura factorial clara e as diversas subescalas são internamente consistentes. Se adoptarmos como critérios de avaliação os que foram usados por Robinson, Shaver & Wrightsman (1999) para escalas de valores e atitudes políticos, podemos dizer que os coeficientes alfa para a escala total são muito elevados na EISM e na ESSM e elevados na ED. As médias das correlações interitem são moderadas na EISM e na ED e elevadas na ESSM. Em trabalhos posteriores daremos conta dos estudos de validade e das investigações substantivas envolvendo as escalas de avaliação da identidade sociomoral e cívica.

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Anexo Quadro A1

Itens das escalas originais eliminados após análise inicial da consistência interna Itens/Sigla

Escala de Identidade Sociomoral (EISM)

E_IDE_11

É muito grave quando um estudante copia nos exames.

E_IDE_26

Detestaria sentir-me ignorante.

E_IDE_27

Envolvo-me frequentemente em actividades de voluntariado, sem ter ganhos materiais por isso.

E_IDE_33

Copiar num teste deixar-me-ia muito envergonhado, mesmo que ninguém descobrisse.

E_IDE_56

Só empresto apontamentos das aulas aos colegas da minha confiança. [*] Escala de Sensibilidade Sociomoral (ESSM)

E_SEM_4

A maioria da população adulta portuguesa abstém-se de votar. Escala de Democraticidade (ED)

E_REF_03

Os imigrantes não devem ter direito ao voto, mesmo que residam legalmente no nosso país há muitos anos.

E_REF_07

Se uma pessoa for suspeita de planear um crime é aceitável que o seu telefone seja posto sob escuta e neste caso isso não deve ser visto como invasão da privacidade.

E_REF_17

Mesmo que algumas culturas tenham usos e costumes primitivos ou bárbaros, não temos o direito de acabar com elas.

E_REF_19

Mesmo que seja por uma boa causa, a polícia não deve quebrar as regras legais, pois isso põe em causa o sistema de justiça.

E_REF_20

As crianças têm tanto direito à sua privacidade como os adultos.

E_REF_23

Os jornais e televisões privados têm o direito de favorecer ou opor-se a qualquer grupo à sua escolha, mesmo que sejam tendenciosos e as suas opiniões se baseiem em falsidades.

E_REF_25

Homens e mulheres devem ter exactamente as mesmas oportunidades no emprego, no que respeita a salários e ascensão na carreira.

E_REF_26

Na escola, as crianças de grupos minoritários têm o direito a agir de acordo com os valores e tradições da sua comunidade cultural, por muito diferentes que sejam estes valores.

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(Endnotes) 1 Vejamos, a título de exemplo, os indicadores do altruísmo. Registámos um conjunto diversificado de situações que pudessem indiciar o comportamento altruísta e a predisposição para o mesmo. Identificámos situações exemplares de comportamento de ajuda, tendo em consideração, em particular, as situações em que o comportamento de ajuda implica prejuízo próprio (por exemplo: sou capaz de defender uma pessoa vítima de alguma injustiça, mesmo que isso me prejudique) e não envolve ganhos pessoais (por exemplo: envolvo-me frequentemente em actividades de voluntariado social, sem ter ganhos materiais por isso). Pensámos também em itens referentes a situações genéricas (por exemplo: considero-me uma pessoa altruísta). Procedemos de forma idêntica para as diferentes componentes da identidade sociomoral, atendendo ao perfil acima descrito. 2 Com excepção do item 9, todos os itens foram agrupados no factor que se indica em primeiro lugar..No caso do item 9, dada a saturação idêntica em ambos os factores, optámos por incluí-lo no Factor 3, o que se traduz numa ligeira subida do alfa. 4 Declaração adoptada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua Resolução 217 A (III) de 10 de Dezembro de 1948. 5 São estes os princípios seleccionados: liberdade e igualdade de todos os seres humanos; não discriminação; direito à vida; proibição da tortura; direito a ser julgado num tribunal independente; presunção de inocência até prova em contrário; direito à vida privada, familiar e protecção da correspondência; liberdade de circulação; liberdade de pensamento, consciência e religião; liberdade de expressão e opinião; direito de participação nos assuntos públicos do seu país; igualdade de acesso a funções de natureza pública no seu país; direito ao trabalho; educação deve favorecer tolerância, compreensão mútua e amizade entre os povos; direito a que existam condições que permitam a plena aplicação dos direitos humanos.

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Correspondência Susana Gonçalves Escola Superior de Educação Coimbra Praça Heróis do Ultramar, Solum 3030-329 – Coimbra, Portugal Susana@esec.pt

Valentim Rodrigues Alferes Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação Universidade de Coimbra Rua do Colégio Novo, Apartado 6153, 3001-802 Coimbra valferes@fpce.uc.pt

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Sondagens versus censos. Uma primeira discussão do conhecimento matemático para ensinar organização e tratamento de dados C. Miguel Ribeiro

Centro de Investigação sobre Espaços e Organizações (CIEO); Escola Superior de Educação e Comunicação - Universidade do Algarve Fernando Martins

Escola Superior de Educação – Instituto Politécnico de Coimbra; Instituto de Telecomunicações, Pólo de Coimbra, Delegação da Covilhã Resumo Aos professores – actuais ou futuros – cumpre um saber/conhecer mais do que apenas o conteúdo na óptica do utilizador (saber se algo está correcto ou não), encarado como um saber fazer. Devem possuir também um conhecimento específico da profissão que exercem, conhecimento esse que se relaciona com o saber ensinar a fazer. Neste texto abordamos e analisamos uma conceptualização sobre o tipo de conhecimento de que, enquanto professores de matemática, necessitamos para ensinar (Conhecimento Matemático para o Ensino), contextualizando-a ao domínio de Organização e tratamento de dados, debatendo, em concreto quais as implicações, na posterior exploração das tarefas, entre efectuar um censo e uma sondagem (estudar uma amostra significativa da população em estudo). Terminamos com algumas implicações e potencialidades deste tipo de abordagem para o ensino/formação de professores, discutindo, também, enquanto formadores de professores, as exigências que essas potencialidades nos acarretam. Palavras-chave Didáctica da matemática, Conhecimento matemático para o ensino, Sondagens, Censos, Amostragem Abstract Teachers must possess a kind of knowledge which involves more than just know the content as a user (to know if something is correct or not), here considered as a know how to do. They must possess, also a knowledge which allows them to know how to teach to do.

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In this paper we discuss a conceptualization of the kind of knowledge teachers need to have to teach mathematics (mathematical knowledge for teaching). We will focus, in concrete, in the knowledge needed to teach the theme concerning Organization and data analysis and, in that domain, the distinctions/implications between elaborate a census or a survey (find a significant sample of the population under study). We will finish referring some implications, potentialities and demanding of this kind of approach to the mathematical knowledge in teachers’ training programs. Key-words Mathematics education, Mathematical knowledge for teaching, Census, Survey, Sampling

1. Introdução A forma como encaramos as diferentes situações depende, em larga medida, do conhecimento que possuímos das mesmas (outras experiências, próprias ou alheias, que possam estar relacionadas). É, assim, de sobeja importância capacitarmo-nos (e aos professores – actuais ou futuros – com quem trabalhamos) para “responder” de modo consciente e “preparado” a todas as situações com que somos confrontados, diminuindo deste modo, ao mínimo, as ocorrências de improvisações de conteúdo (Ribeiro, Monteiro & Carrillo, 2009) (uma vez que as de gestão que se relacionem com comportamentos são bastante mais complexas de eliminar pela actuação (ainda) isolada do professor). Se os futuros professores1 não forem confrontados com situações que coloquem em causa os seus “conhecimentos” (e crenças) mais básicos, dificilmente alguma vez poderão desenvolver uma capacidade reflexiva e de auto-questionamento, não apenas no sentido da prática mas também do próprio conhecimento dos conteúdos que terão de ensinar. Em termos da prática, essa capacidade centrar-se-á, espera-se, com a(s) Unidade(s) Curricular(es) (UC) de Didáctica (da Matemática) e a prática de sala de aula (Prática Pedagógica), onde desenvolverão, mais acentuadamente, a capacidade de ter em conta o ensino, os alunos e o currículo. Em relação aos conhecimentos do conteúdo, tanto a nível de saber/conhecer os conteúdos para si próprios, como a nível de possuir um conhecimento que lhes permita tornar esses conteúdos claros/compreensíveis para os outros, estes devem ser reforçados e iniciados, respectivamente, quanto antes, ou seja, desde o início da sua formação superior. Urge, assim, contribuir para que estes alunos (hipotéticos futuros professores)2 tenham, desde logo (1.º semestre) experiências que lhes permitam ir elaborando estes diferentes tipos de conhecimentos, com o fito de que a generalidade possa contradizer o que referem Cooney (1994), Lampert (1988), Mellado, Ruiz e Blanco (1997) e Nicol 34


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(1999) e deixam de ensinar como foram eles próprios ensinados ou, tal como refere Lortie (1975), julgam terem sido (apenas possuem imagens mentais do que pensam ser o processo de ensino, pois apenas o vivenciaram na perspectiva de alunos). A compreensão dos diferentes tipos de conhecimento será potenciada, assumimos, se os futuros professores forem confrontados com situações da sua própria prática. Essas situações poderão advir, “simplesmente”, através da gravação, discussão e reflexão sobre a apresentação de um determinado trabalho que tenham de elaborar no âmbito de uma UC (que não pertencerá ao domínio da Didáctica, uma vez que esta apenas aparece nos programas de estudo ao fim de cinco semestres). Esse trabalho poderia ser, por exemplo, a preparação de uma sequência de tarefas de modo a leccionarem, eles próprios, os princípios básicos dos conteúdos que terão de abordar em determinado período dessa UC (que são, alguns deles, na forma mais básica e simplista, similares aos que terão de leccionar aos alunos dos níveis de ensino em que irão, hipoteticamente, leccionar (abordando aqui apenas o conteúdo – conhecimento do conteúdo –, e não a forma como este seria explorado). Um dos domínios que consta do novo Programa do Ensino Básico (Ponte et al., 2007), e de forma transversal aos três ciclos, é o de Organização e tratamento de dados (Otd). Este é um dos temas que aparece, de forma explícita neste Programa e que não ocorria anteriormente. Daí que, enquanto formadores de professores, estejamos incumbidos de facultar aos nossos alunos/formandos um tipo de formação, também neste domínio, consistente com o que vem referido nas Orientações Nacionais e Internacionais (DEB, 1991a, 1991b, 1997; NCTM, 1991, 2000) sobre a forma como devem ser abordados os distintos conteúdos – aqui encaradas estas orientações como respeitantes aos tipos de conhecimentos que os professores (dos diversos níveis de escolaridade, iniciando no Pré-Escolar) deverão possuir de modo a estarem capacitados a explorar os conteúdos, preparar as tarefas e desenrolar as actividades sem qualquer tipo de “receio”. Consideramos, assim, que, independentemente do nível de escolaridade, os professores devem possuir um conhecimento sobre a forma como os diversos conteúdos “evoluem” ao longo da escolaridade (Horizon Content Knowledge – cf. a epígrafe seguinte). No Programa do Ensino Básico vem explícito que os alunos no 1.º Ciclo devem desenvolver experiências que envolvam a organização e tratamento de dados qualitativos e quantitativos discretos, logo desde o 1.º ano de escolaridade, de modo a que, a partir da recolha de dados referentes a questões ou temáticas que sejam próximas dos alunos, estes passem a construir um olhar matemático sobre o conjunto de dados recolhidos, organizados, representados e interpretados no sentido de obterem respostas à problemática inicial.

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Nos dois últimos anos do 1.º Ciclo devem ser abordados problemas que permitam a exploração de experiências envolvendo situações aleatórias e a exploração do conceito de moda – no antigo Programa (DGEBS, 1991) isso era esperado apenas no 6.º ano de escolaridade. Para que os alunos possam vivenciar um conjunto rico e diversificado de experiências que lhes permitam irem construindo e fundamentando esses conceitos ao longo deste primeiro ciclo de formação, é imperioso que os professores possuam um conhecimento aprofundado do tema de modo a poderem preparar essas tais situações e tarefas e a manterem o eu nível cognitivo aquando da sua implementação (Stein, Smith, Henningsen & Silver, 2000). Assumimos que este conhecimento não se mede, necessariamente e apenas, pelo número de UC frequentadas que abordem estes temas de forma “meramente” científica, produzindo um tipo de conhecimento que é comum a todos aqueles que possuem algum tipo de formação superior com UC de Matemática (neste caso Otd/Estatística), sendo necessário, aos professores, para além desse conhecimento, um outro muito específico e próprio para o exercício da função docente. Ao chegarem ao 2.º Ciclo, o Programa refere que os alunos devem aprofundar e alargar o trabalho iniciado no 1.º Ciclo, realizando estudos que envolvam dados de natureza variada, incluindo dados quantitativos contínuos, representando-os em tabelas de frequências absolutas e relativas e em gráficos de barras, gráficos circulares, gráficos de linha ou diagrama de caule‑e‑folhas, consoante a sua adequação e utilidade, devendo, ainda, ampliar o seu reportório de medidas estatísticas (abordando a média aritmética, extremos e amplitudes) como forma de descrever um determinado conjunto de dados (Ponte et al., 2007, p. 42). Devem continuar também o trabalho (que se espera ter sido previamente iniciado) em termos do estudo de situações aleatórias simples e da realização de experiências que possibilitem a exemplificação da regularidade, a longo termo, consolidando, simultaneamente, o vocabulário básico relativo às situações aleatórias. Assim, no Ensino Básico, preconiza-se uma especificidade crescente de conceitos, mas com uma mesma ideia central: desenvolver nos alunos a capacidade de recolher, tratar e interpretar dados a fim de resolver problemas. Nesse sentido, cumpre ao professor possuir um conhecimento que lhe permita desenvolver nos alunos: a capacidade de ler e interpretar dados organizados na forma de tabelas e gráficos, assim como de os recolher, organizar e representar com o fim de resolver problemas em contextos variados relacionados com o seu quotidiano (1.º Ciclo); a capacidade de compreender e de produzir informação estatística, bem como de a utilizar para resolver problemas e tomar decisões

,

informadas e argumentadas (2.º Ciclo) e ainda, desenvolver a compreensão da noção de probabilidade (3.º Ciclo). 36


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Tendo como pano de fundo o que se encontra expresso no novo Programa do Ensino Básico relativamente ao que se supõe abordar em cada etapa educativa, efectuamos uma análise sobre que conhecimento cumpre aos professores possuir de modo a poderem efectivar alguns desses pressupostos, sendo esse o foco de discussão e reflexão neste texto. Em concreto (e por limitações óbvias) abordaremos apenas, e de uma perspectiva mais teórica, o conhecimento de que os professores necessitam, de modo a poderem abordar (elaborar e implementar) situações que permitam aos alunos a recolha de dados conducentes a um tratamento estatístico significativo, debatendo algumas das diferenças e implicações entre efectuar‑se uma recolha de dados pretendendo realizar uma sondagem ou um censo. Este conhecimento é encarado aqui na perspectiva de Hill, Rowan e Ball (2005) – conhecimento matemático necessário ao professor no exercício da sua profissão (Mathematical Knowledge for Teaching (MKT)) – e, em particular, na conceptualização de Ball, Thames e Phelps (2008) dos domínios desse conhecimento.

2. Algumas notas teóricas Dependendo da perspectiva e forma pela qual encaramos, nós próprios, o papel do professor, assim definimos que tipos de conhecimentos e formação estes devem possuir – se uma formação fundamentalmente científica com uns rasgos de “didáctica”, ou uma formação fundamentada na didáctica (frequentemente denominada didáctica geral) na qual, por vezes, se abordam os temas que os futuros professores terão de leccionar ou, ainda, uma formação em que aos professores cumpre possuir um conhecimento do conteúdo muito próprio para o exercício da sua profissão, em que este não se resume a saber o conteúdo para si próprio, nem a saber um conjunto de técnicas/estratégias para ensinar esse conteúdo. Na primeira, e no que à matemática diz respeito, os seus defensores assumem que é suficiente que os futuros professores possuam um grande conhecimento matemático, considerando aqui o “grande”, em termos de profundidade em cada conteúdo. Na segunda, assumem que, por terem já sido alunos daquele nível de ensino (para o qual pretendem ser professores), estarão capacitados cientificamente para ensinar esses conteúdos3, sendo necessária apenas alguma formação no domínio de como ensinar esses conteúdos (conjunto de estratégias, independentes dos conteúdos – Áreas/Domínios/Temas que se abordam). Defendemos a terceira opção. Assumimos uma perspectiva “mista” que encara os professores como um grupo profissional que, para além de “saber matemática”, na óptica do utilizador (mas com um elevado nível de cientificidade), deverá possuir também um conhecimento específico 37


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que lhe permita tornar os conteúdos compreensíveis para os seus alunos. Seguindo o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido por Deborah Ball e o seu grupo de investigação (e.g. Ball (2002; 2003), Ball e Bass (2003), Ball, et al. (2008), Hill, Rowan e Ball (2005) e Thames (2009)), consideramos que os professores (actuais e futuros) devem possuir um conhecimento específico para a profissão que exercem. Denominam esse conhecimento por MKT e assumem que este integra um conhecimento substancial de matemática que se vai ensinar (não necessariamente em número de disciplinas/cursos frequentadas), uma capacidade de tornar acessíveis as ideias matemáticas ao ensino e um conhecimento do percurso escolar dos alunos, numa lógica de conexão com os conhecimentos matemáticos anteriores e com as aprendizagens futuras. Hill et al. (2005, p. 373) definem‑no como sendo

o conhecimento matemático usado para levar a cabo o ensino da matemática. Exemplo deste trabalho de ensino inclui a explicação de termos e conceitos aos alunos, interpretar as suas afirmações e soluções, analisar e corrigir a abordagem que os manuais efectuam sobre determinado tópico, utilizar representações exactas na aula, bem como proporcionar aos seus alunos exemplos de conceitos matemáticos, algoritmos e demonstrações. Esta conceptualização da existência de um conhecimento matemático necessário para o ensino4 baseia-se fundamentalmente no trabalho de Lee Shulman e seu grupo5 (e.g. Shulman (1986; 1992) e Wilson, Shulman e Richert (1987)) e emergiu como resultado de dois projectos de investigação desenvolvidos pelo grupo de Ball sedeado na School of Education da University of Michigan (USA). Com base nos resultados e evidências obtidas foi desenvolvida uma classificação de conhecimento profissional (Ball et al., 2008) – a qual abordaremos de seguida. Os dois projectos referidos são: Mathematics Teaching and Learning to Teach Project (MTLT) e Learning Mathematics for Teaching Project (LMT). No primeiro projecto (Mathematics Teaching and Learning to Teach Project (MTLT)), o grupo focou-se no que os professores faziam enquanto ensinavam (Ball et al., 2005). Em concreto, estavam interessados no ensino da Matemática e também na Matemática envolvida no processo de ensino. Com este duplo foco pretendiam desenvolver uma teoria, baseada na prática lectiva, sobre qual o conhecimento do conteúdo necessário para o ensino da matemática. No segundo projecto (Learning Mathematics for Teaching Project (LMT)), seguindo a linha do anterior, desenvolveram questionários que lhes permitiram, através do recurso a análise de factores (factor analysis), medir o conhecimento matemático para o ensino, medidas essas que possibilitaram analisar diversas hipóteses relativas à natureza desse

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conhecimento. Essas análises sugerem que o conhecimento matemático para o ensino é multidimensional (Ball et al., 2008; Hill, Schilling & Ball, 2004).

Figura 1 – Domínios do Conhecimento Matemático para o Ensino (MKT) (Ball et al., 2008)

Assim, na sua conceptualização do conhecimento profissional, e ao desenvolverem a noção de MKT, os autores aglutinam o conhecimento curricular com o conhecimento didáctico do conteúdo de Shulman, (1986) obtendo assim apenas dois grandes domínios que se encontram, por sua vez, subdivididos em três subdomínios. Consideram o conhecimento do conteúdo formado pelo Common Content Knowledge (CCK), Specialized Content Knowledge (SCK) e Horizon Content Knowledge (HCK) e os três subdomínios do conhecimento didáctico do conteúdo (que contém o conhecimento curricular de Shulman) dizem respeito ao Knowledge of Content and Teaching (KCT); Knowledge of Content and Students (KCS) e ao Knowledge of Content and Curriculum (KCC).

O Common Content Knowledge (CCK) relaciona-se com o conhecimento do conteúdo que possui qualquer indivíduo com formação matemática, mas encarada como ferramenta e sem que saiba, necessariamente, explicar o porquê ou origem do que faz. Pode ser também denominado de “conhecimento sobre como fazer”. Relativamente ao Specialized Content Knowledge (SCK), é considerado como o conhecimento do conteúdo que o professor deverá possuir de modo a que os alunos entendam/compreendam verdadeiramente o que fazem e não o executem meramente 39


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como um conjunto de procedimentos. Esta componente não se esgota no conhecimento relativo a procedimentos, possuindo um sentido mais lato, envolvendo também os necessários conceitos (Ribeiro, 2010). O professor deve conhecer também como diferentes imagens e exemplos do conceito podem fazer com que se adquira uma noção ampla do mesmo e das suas relações com outros conceitos. É, assim, um conhecimento relacionado com o saber como ensinar a fazer. Relativamente ao conhecimento do conteúdo matemático, o professor deverá possuir ainda um Horizon Content Knowledge (HCK) que lhe permita ter um conhecimento das relações existentes entre os distintos tópicos matemáticos e de que forma as aprendizagens de um mesmo tópico vão evoluindo ao longo da escolaridade. A diferença entre CCK e SCK poderá ser encarada como saber fazer e saber ensinar a fazer ou, caso se relacione com conceitos, saber ensinar a entender (Ribeiro, Carrillo & Monteiro, 2010). Esta distinção entre CCK e SCK pode ser problemática ao analisar a prática dos professores, pois não é inequívoca a atribuição que se faz a cada componente, podendo, inclusivamente, ocorrer situações em que não é possível distinguir as duas componentes. Um exemplo da diferença entre CCK e SCK, relacionado com o tema de Otd, é considerar como CCK o facto de o professor saber construir um pictograma com todas as informações recolhidas e que não é possível efectuar generalizações de forma aleatória (Ribeiro, Carrillo & Monteiro, 2009), enquanto que o SCK se prende com o saber/ conhecer a importância da representação seleccionada aquando da mudança de escala. Assim, ao nível do CCK podemos considerar o saber que se podem efectuar inferências quando se possuem resultados referentes a uma amostra significativa da população em estudo (no caso de estarmos a fazer uma sondagem), ou que não é possível inferir os resultados obtidos sobre todos os elementos de uma população (no caso de efectuarmos um censo) para uma outra população distinta. Ao professor, para o decurso das suas funções (em termos de SCK), compete ainda compreender o papel de cada variável nos pictogramas, para que possa ensinar os seus alunos a elaborá‑los correctamente, entendendo, entre outras coisas, a influência provocada na sua representação aquando das mudanças de escala. O professor deverá possuir ainda um conhecimento relacional com o tema da proporcionalidade, pois esse conhecimento permitir-lhe-á explicar de forma exequível aos alunos as razões pelas quais uma amostra terá de possuir determinadas características para que seja possível uma sua generalização. Também o Pedagogical Content Knowledge (PCK) se encontra dividido em três subdomínios, que se referem ao conhecimento que o professor deve possuir do conteúdo

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que pretende abordar e do ensino (Knowledge of Content and Teaching – KCT), do conteúdo e dos alunos (Knowledge of Content and Students - KCS) e ao conhecimento do conteúdo e do currículo (Knowledge of Content and Curriculum – KCC). O conhecimento articulado entre conhecimento sobre o ensino e sobre o conteúdo (KCT) é definido por Ball et al. (2008), como o conhecimento que o professor utiliza na aula mesmo em situações que podem não ser consideradas especificamente de exploração de conteúdos mas que estão relacionadas com os mesmos. Em particular, podemos referir as acções de decidir qual a melhor forma de sequenciar as tarefas, com que exemplo iniciar o conteúdo, escolher apropriadamente as representações mais adequadas a cada situação. O KCS combina um conhecimento dos alunos com um conhecimento sobre matemática. Este conhecimento está relacionado com a necessidade de os professores anteciparem o que os alunos pensam, quais as dificuldades/facilidades que podem sentir, quais as motivações, o facto de ouvirem e interpretarem os comentários, ou seja, situações em que é exigido que ocorram interacções entre a compreensão matemática e o conhecimento do pensamento matemático dos seus alunos. Relativamente ao KCC, os autores coincidem, integralmente com Shulman (1986, p.10) assumindo que aos professores cumpre possuir uma visão completa da diversidade e variedade de materiais didácticos disponíveis e de programas concebidos. Devem conhecer, também, um conjunto de características que servem de indicação e contraindicação para a utilização de determinada opção didáctica em cada situação concreta.

3. Uma discussão sobre recolha de dados e técnicas de amostragem Uma vez que o tema de Otd passou a ser parte integrante, de forma explícita, do novo programa do Ensino Básico (Ponte, et al., 2007), e este tem sido um dos temas pouco tratados na Formação de professores dos primeiros anos, consideramos fundamental a sua abordagem e discussão. Para além de pretendermos desmistificar alguns dos pressupostos que regem a prática e que se baseiam, não raras vezes, em princípios menos correctos (tais como sejam as de pretender efectuar inferências para uma determinada população possuindo informações sobre outra distinta) pretendemos, também, e em contrapartida, discutir diferentes formas de seleccionar os elementos, de uma população, a partir dos quais se vai recolher informação de modo a que, pela análise efectuada se possam, efectivar essas questões de inferência com alguma confiança. Uma das tarefas que, normalmente, são elaboradas e aplicadas nos primeiros anos

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(Pré-Escolar e 1.º Ciclo – e também, ainda, no 2.º Ciclo) prende-se com a realização de um questionário que reflicta os gostos/opiniões de todos os alunos sobre determinado tema ou temática (efectuam assim um censos às preferências/gostos dos alunos sobre esse tema concreto).6 Por uma questão de simplicidade, consideremos que com esse questionário se pretende obter informação sobre os gostos dos alunos em visitar algum dos Continentes. Iremos referir-nos, a título de exemplo, a um estudo anteriormente elaborado por Ribeiro et al., (2009), onde se discutem algumas situações de (i)literacia de uma professora do 1.º Ciclo no momento em que efectua a análise dos dados obtidos e também no processo de recolha dos mesmos. Após a obtenção, o registo dos dados, e a elaboração de algum tipo de gráfico, a professora referida anteriormente, ao pretender efectuar uma análise à informação recolhida, efectuou questões de observação directa (e.g. quantos alunos gostariam de ir à América?), de comparação (e.g. quantos alunos a mais gostariam de ir à Oceânia do que a África?). No entanto, e relacionado com o MKT Otd que (esta professora do 1.º Ciclo) possui, em algumas situações pretende efectuar inferências a partir dos dados que tem, assumindo que basta para as efectuar uma regra de proporcionalidade (e.g. se fossem o dobro dos alunos, quantos prefeririam ir à América). Estas carências dos professores em considerarem que a inferência se efectua recorrendo à proporcionalidade, podem ser incluídas no CCK (Ribeiro et al., 2009), enquanto que o facto de os professores não possuírem um conhecimento que lhes permita saber as razões pelas quais a amostra terá de possuir determinadas características, possibilitando a generalização se enquadrada numa carência de SCK. Um outro facto relevante é o de a professora estudada encobrir – aos olhos dos seus alunos – as suas próprias dificuldades em termos de conhecimentos do conteúdo (CCK e SCK) com a forma como explora os conteúdos e pela atribuição de um papel de relevo aos alunos, deixando à margem o(s) objectivo(s) matemáticos inicialmente considerados e focando mais a sua atenção no desenvolvimento da parte afectiva dos alunos, na gestão das respostas baseadas na opinião e no manter um ambiente de discussão e saber aceitar as diferentes opiniões (Ribeiro et al., 2009). De modo a que seja possível erradicar este tipo de práticas e de explorações (não conteudísticas), e para que os alunos possam recolher dados que permitam, efectivamente, realizar uma exploração, também ela, estatística, realizando possíveis inferências, é necessário que os professores possuam um CCK e SCK sobre censos e sondagens, bem como, necessariamente, as fases da realização de uma sondagem; a forma de interpretar

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os dados obtidos dependendo do tipo de estudo (censo ou sondagem) que se está a realizar, bem como um HCK que lhes permitam “visualizar” o processo de construção desses diferentes conceitos ao longo da escolaridade dos alunos. Para efectuar algum tipo de inferência, os professores deverão saber qual(ais) a(s) diferença(s) entre recolher informações recorrendo a uma sondagem ou a um censo, e quais as implicações que essa opção tem na forma como podem ser explorados e analisados os dados recolhidos. Assim, de modo a poderem ser efectuadas as tais questões de inferência, é necessário que sejam recolhidas informações de uma amostra da população em estudo. Consequentemente, é preciso seleccionar os elementos da população que irão constituir essa amostra e, para isso, podemos optar por um de dois processos: aleatórios e não aleatórios. Nos processos aleatórios qualquer dos elementos da população pode ser seleccionado para a amostra de acordo com uma probabilidade conhecida enquanto nos processos não aleatórios a opinião e a experiência individual são usadas para seleccionar os elementos (da população) para a amostra, ou seja, nem todos os elementos da população têm possibilidade de serem seleccionados (Pedrosa & Gama, 2004, p. 318). Assim, o procedimento para efectuar a selecção de uma amostra é extremamente importante, pois se não for feito de forma adequada, a validade e a confiança dos resultados será condicionada. Na literatura estatística é referido que deve optar‑se pelos métodos aleatórios, uma vez que nos não aleatórios não é possível saber, por exemplo, se a amostra é representativa da população e mostrar que esta não é enviesada. Por outro lado, é a aleatoriedade que nos permite concretizar a fase em que se procura retirar conclusões, com alguma confiança, sobre a população a partir da amostra. Deste modo, os métodos de amostragem não aleatórios deverão ser evitados, a não ser quando os métodos aleatórios não se possam aplicar ou, por exemplo, o estudo seja apenas para aperfeiçoar um questionário (denominada pela fase do pré-teste) ou preparar um grupo de entrevistadores (Pedrosa & Gama, 2004, p. 331). Os principais métodos de amostragem aleatória são: simples, sistemática, estratificada e por clusters.7 A amostragem aleatória simples é um método de amostragem em que cada elemento da população tem a mesma probabilidade de ser seleccionado para a amostra. Quando sistemática (amostragem aleatória sistemática) é um método de amostragem em que a selecção dos elementos da população para a amostra é feita através de um sistema pré‑estabelecido. Ao ser estratificada (amostragem aleatória estratificada), a amostra é constituída pela junção das amostras seleccionadas em todos os estratos através da amostragem aleatória simples. A amostragem aleatória por clusters é um método de 43


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amostragem cuja população é dividida em diferentes clusters, seleccionando‑se, em seguida, aleatoriamente, uma amostra de clusters e, por fim, consideram-se todos os elementos de cada um desses grupos seleccionados, obtendo assim uma amostra. Previamente à utilização destas técnicas, e directamente relacionadas com elas, é fulcral identificar o problema a estudar, pois do objectivo da análise a efectuar dependerá, em larga medida, a definição da população e a escolha do método de amostragem (de modo a obter informações que sejam de confiança). Consideremos, como exemplo, que se pretende averiguar o conhecimento que os alunos de três turmas do 3.º Ano de escolaridade de uma determinada escola possuem relativamente ao tema da reciclagem (cada turma é constituída por vinte alunos). A primeira questão prende-se, imediatamente, em decidir o tipo de estudo a efectuar, ou seja, se efectuamos um censo ou uma sondagem, pois dependendo do tipo de estudo dependerá o tipo de exploração que poderá ser posteriormente efectuada. Tendo por intuito possibilitar a elaboração de questões de inferência, temos de excluir, obviamente, a realização de um censo, pelo que teremos de efectuar uma sondagem. O questionário é uma das técnicas de recolha de informação mais utilizada na realização de inquéritos a uma determinada amostra (trinta alunos pode ser suficiente8), que deverá ser seleccionada de acordo com algum dos métodos de amostragem referidos.9 A selecção (e justificação) pelo professor do método de amostragem, tendo em consideração as questões e as oportunidades de aprender que pretende/espera poder facultar aos seus alunos estão intrinsecamente relacionadas com o CCK e SCK que possui de modo a que possa, efectivamente, saber ensinar a fazer/entender. O conhecimento que possui da especificidade de cada um dos processos (e dos possíveis resultados) levá‑los‑á à utilização de uma linguagem matemática correcta, precisa e concisa, não permitindo, por essa via, a criação de concepções erróneas nos alunos sobre os temas abordados. Esse tipo de conhecimento permitirá ao professor, também, uma visão mais ampla das possíveis dificuldades ou facilidades dos alunos (e de formas de as ultrapassar) como por exemplo, o porquê da escolha de um determinado processo para construir uma amostra de forma que a informação retirada dessa amostra possa ser inferida, com confiança, à população do estudo. De modo a facultar aos alunos tarefas promotoras de conhecimento estatístico, e situações matematicamente/estatisticamente motivadoras (de modo a que os alunos não as encarem apenas como pertencentes ao domínio dos Números e Operações (Ribeiro et al., 2009)), cumpre, ao professor, possuir um pleno conhecimento da matemática envolvida desde o processo de recolha de dados (a melhor forma de a fazer tendo em consideração aquele determinado objectivo que pretende alcançar; o melhor modo de 44


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registar os dados recolhidos, e a quem cabe essa decisão) até à fase de interpretação.

4. Alguns comentários finais Com este texto pretendemos promover/suscitar alguma reflexão sobre o tipo de conhecimento matemático que os professores (actuais ou futuros) devem possuir para que os seus alunos alicercem um conhecimento matemático rico, válido e diversificado, tornando-os indivíduos matematicamente críticos e competentes. Apenas se forem conhecedores de todas estas situações conteudísticas – em todas as dimensões do MKT – (e muitas outras, nesta mesma linha, que aqui não se abordam, obviamente), os professores poderão estar capacitados a enfrentar os seus alunos sem qualquer receio e com um completo à-vontade, desenvolvendo uma prática que busca objectivos a médio/longo prazo (e não somente imediatos) e onde os alunos assumem um papel relevante, tanto no decurso da aula como na exploração/implementação das tarefas propostas (que serão, expectavelmente, matematicamente desafiadoras, sendo mantido, no decurso da aula o seu elevado nível cognitivo). É, assim, uma prática que se baseia numa comunicação matemática reflexiva ou instrutiva (Brendefur & Frykholm, 2000) e que não receia, portanto, as questões e dúvidas dos alunos nem o rumo que as discussões podem tomar – sobre, por exemplo, o porquê de ser necessário recolher dados a partir de uma amostra (seleccionada através de um determinado método de amostragem) quando se pretende inferir algo ou, justificar, noutras situações, o recurso ao censo. Se o professor não possuir esse fundamentado MKT, em cada um dos temas, refugiar‑se‑á em práticas muito centradas em si – navegando apenas no seu porto‑seguro. Este tipo de navegação não possibilitará, expectavelmente, a geração de conhecimentos matematicamente válidos – com compreensão (também pelas suas próprias carências – ninguém poderá pretender ensinar aquilo em que sente, ele próprio, dificuldades). Para estarem aptos a ensinar adequadamente Otd, os professores devem possuir um amplo conhecimento do tema, tanto em termos científicos como didácticos. Porém, estas dimensões não poderão, de forma alguma, ser abordadas em separado, sob pena de estarmos a comprometer não apenas a formação de professores mas, consequentemente, a sociedade em geral. Assim, os Programas de Formação (inicial ou contínua) devem ter em linha de conta não apenas uma dessas componentes mas a forma como as integrar e abordar conjuntamente. Estamos conscientes de que uma tal postura implica uma ruptura completa com o tipo de formação de professores que, na generalidade das situações, tem vindo a ocorrer

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nas Instituições de Ensino Superior. Todavia, se estamos a “exigir” aos professores em exercício que alterem as suas práticas10, seremos nós, Formadores de Professores, os últimos a poder argumentar que, na nossa própria prática tal não é possível.

Agradecimentos Este artigo foi parcialmente financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

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Notas 1 Mathematics educations subject classification (MESC): B50, D20. 2 O mesmo é, consideramos, válido para os professores já em exercício. 3 Recorremos à expressão hipotéticos pois, é pretensão do Ministério que sejam efectuadas provas de acesso à Carreira (Docente), pelo que, o “simples” facto de os estudantes terem obtido sucesso a todas as UC dos Cursos que frequentam não lhes atribui, automaticamente, tal como acontecia até então, o direito/possibilidade de poderem leccionar. 4 Efectuando um paralelismo com a Língua Materna, será o mesmo que considerar que, pelo simples facto de sermos falantes nativos do português, estamos habilitados a ensinar o idioma a alunos estrangeiros (com compreensão, e não simplesmente repetição). 5 Incluem no acto de ensinar, tudo o que os professores fazem que suporte as aprendizagens dos seus alunos, as interacções na sala de aula, e todas as tarefas que surgem no decurso dessas interacções. Cada uma dessas tarefas envolve um conhecimento de ideias matemáticas, capacidade de raciocinar matematicamente, fluência com exemplos e reflexão sobre a natureza da competência (proficiência) matemática (Ball et al., 2005, p. 17). 6 Shulman e o seu grupo defendem que o conhecimento profissional se divide em sete componentes. Dividem o conhecimento profissional em: (a) conhecimento do conteúdo, (b) conhecimento didáctico do conteúdo, (c) conhecimento dos alunos e suas características, (d) conhecimento dos contextos educativos, (e) conhecimento das necessidades educativas, (f) conhecimento de outro conteúdo e (g) conhecimento didáctico geral. Consideram, no entanto, que as três componentes fundamentais e que sustentam a especificidade de cada matéria a ensinar correspondem ao conhecimento do conteúdo, conhecimento didáctico do conteúdo e conhecimento curricular. 7 Apesar de considerarmos como parte integrante do conhecimento profissional do professor, e uma das dimensões que potenciará determinado tipo de abordagem aos conteúdos e, expectavelmente, o tipo e forma das aprendizagens dos alunos, não iremos, aqui, debruçar-nos sobre o conhecimento que o professor deve possuir de modo a preparar um conjunto de tarefas que sejam desafiadoras e do tipo novo (Doyle, 1988), nem no processo de implementação das mesmas de modo a manterem o seu nível cognitivo (Stein et al., 2000). 8 Informações mais pormenorizadas em relação às técnicas de amostragem podem ser encontradas em Maroco e Bispo (2003), Martins (2008), Pedrosa e Gama (2004) ou Vicente (2009). É de salientar que o conhecimento dessas definições e processos é considerado CCC, por ser um tipo de conhecimento matemático que possui qualquer indivíduo com algum tipo de formação matemática – na óptica do utilizador. 9 Em Pedrosa e Gama (2004) ou Maroco e Bispo (2003), por exemplo, poder-se-ão encontrar algumas justificações dos motivos que nos levam a seleccionar, uma amostra mínima de trinta elementos. 10 Considerando a amostragem aleatória simples, podemos guiar-nos pelas seguintes etapas: (1) listar todos os nomes dos alunos do 3º ano; (2) atribuir a cada nome um número natural; (3) utilizar um procedimento aleatório para determinar os elementos da amostra (pode ser o da lotaria ou dos números aleatórios, tendo em conta que os números têm de ser diferentes e não superiores a 60); (4) listar os alunos que constituem a amostra (nomes associados aos números encontrados). No caso de escolher a amostragem aleatória sistemática, podemos efectuar as seguintes etapas: (1) juntar todos os nomes dos alunos do 3º ano; (2) atribuir a cada nome um número natural; (3) consideramos a parte inteira da divisão de 60 por 20, ou seja 3; (4) aleatoriamente escolher

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exedra • nº 3 • 2010 um número entre os primeiros 3 números (1, 2 ou 3); (5) ao número encontrado anteriormente somamos sempre 3 até perfazer o tamanho da amostra; (6) listar os elementos da amostra, que correspondem aos nomes associados aos números encontrados anteriormente). Optando pela amostragem aleatória estratificada, podemos efectuar as seguintes etapas: (1) identificar os estratos – no caso concreto podemos considerar três estratos quanto ao número de turmas do 3º ano dessa escola; (2) usar a amostragem aleatória simples para seleccionar a amostra em cada estrato; (3) determinar o número de elementos de cada estrato (deverá ser proporcional ao tamanho do estrato) – como temos todos os estratos com o mesmo tamanho, as amostras a seleccionar são as três com dez elementos cada); (4) juntar as amostras dos estratos formados (obtemos uma amostra com 30 alunos). A amostragem aleatória por clusters (grupos), nesta situação em concreto não se justifica devidos à quantidade de grupos distintos que se possam formar ser reduzido. 11 Quer seja por força dos pressupostos em que se baseia o novo Programa do Ensino Básico (Ponte et al., 2007) e das diversas formações que sobre o Programa têm ocorrido, como pelos pressupostos (apesar de não de forma explícita) em que se baseia o Programa de Formação Contínua em Matemática (Serrazina, Canavarro, Guerreiro, Rocha & Portela, 2008; Serrazina, Canavarro, Guerreiro, Rocha, Portela & Saramago, 2005, 2006).

Correspondência C. Miguel Ribeiro Escola Superior de Educação e Comunicação da Universidade do Algarve Estrada da Penha, Campus da Penha 8005-139 Faro, Portugal cmribeiro@ualg.pt.

Fernando Martins Escola Superior de Educação de Coimbra Praça Heróis do Ultramar, Solum 3030-329 Coimbra, Portugal fmlmartins@esec.pt.

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Jogos tradicionais portugueses – retrospectiva e tendências futuras Gonçalo Dias Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física – Universidade de Coimbra

Rui Mendes Escola Superior de Educação de Coimbra – Instituto Politécnico Coimbra

Resumo O presente trabalho tem como objectivo principal realizar uma reflexão geral sobre os jogos tradicionais portugueses. São apresentados vários estudos que contextualizam este tema no 1.º Ciclo do Ensino Básico. Os resultados e conclusões destas pesquisas demonstram que os jogos tradicionais constituem um veículo de excelência para o desenvolvimento psicomotor, sendo considerados como uma actividade extraordinariamente rica para o desenvolvimento integral da criança. Conclui-se que os professores do 1.º Ciclo do Ensino Básico têm um papel importante na perpetuação do legado e património cultural destes jogos em ambiente educativo. Palavras-chave Jogo, Tradição, Popular, Ensino básico, Motricidade infantil

Abstract This work aims at providing a general reflection on the traditional Portuguese games. Presents various studies that contextualize this issue 1.º Cycle of Basic Education. The findings and conclusions of these studies show that traditional games are an excellent vehicle for psychomotor development, being considered as an extraordinarily rich work for the global development of the child. It is concluded that teachers of 1. º Cycle of Basic Education had an important role in perpetuating the legacy and cultural heritage of these games in the educational environment. Key-words Game, Tradition, Popular, Basic education, Children’s motor skills 51


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1. Introdução O conceito de jogo encontra várias definições na literatura. É descrito como uma actividade livre, incerta, delimitada e regulamentada (Huizinga, 1999), um veículo privilegiado para a motricidade infantil (Neto, 1984, 1997; Chateau, 1987; Cabral, 1990; Guedes, 1991), uma actividade polissémica que abrange várias áreas de conhecimento (Caillois, 1990) e um património cultural que preserva as tradições dos povos (cf. Cabral, 1985; Serra, 1999; Mariovet, 2002). Deste legado lúdico e cultural fazem parte os jogos tradicionais enquanto meio educativo de elevada função pedagógica e formativa (Vasconcelos, 1992; Bragada, 2002). Os jogos tradicionais podem ser definidos como actividades lúdicas, recreativoculturais praticadas por crianças, jovens e adultos, as quais são perpetuadas ao longo de gerações pela oralidade, observação e imitação (Bragada, 2002). Estes jogos são patrimónios lúdicos que pertencem à história das ideias, das mentalidades e das práticas sociais, revelando a expressão graciosa da alma popular e tradicional que se traduz na necessidade do lazer e a alegria do trabalho (Cabral, 1985, 1998). Face ao exposto, tendo em conta que os jogos tradicionais desempenham um papel fundamental no desenvolvimento psicomotor da criança (cf. Cabral, 1985; Vasconcelos, 1989, 1992; Guedes, 1991) é apresentado de seguida o estado da arte que enquadra os jogos tradicionais no âmbito deste trabalho.

2. Estado da arte 2.1. Conceito de jogo tradicional Os jogos tradicionais têm acompanhado várias épocas e culturas, funcionando como um espelho que reflecte o perfil colectivo de um povo e a maneira de ser e de viver das gentes (Cabral, 1985; Guedes, 1991; Cabral, 1998). Basicamente, representam uma das mais espontâneas e belas formas de expressão da alma popular (Cabral, 1985), chamando para si um património lúdico e cultural com marcada relevância social (Serra, 2001, 2004). Estes jogos podem ser classificados de acordo com a idade, o género, o número de jogadores, os acessórios, os materiais utilizados, o espaço onde se realizam e pelas capacidades que desenvolvem (e.g., Guedes, 1991; Vasconcelos, 1992; Cabral, 1998; Serra, 1999; Bragada, 2002). Os jogos tradicionais encontram a sua origem no trabalho, principalmente rural, embora alguns apresentem uma estrutura compósita, com elementos provindos da imaginação estimulada em tempo de lazer, e outros, mormente os caracteristicamente infantis, tenham a ver com a fantasia desencadeada por processos inconscientes (cf. 52


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Cabral, 1985, p.13). Estes chegaram até nós, transmitidos de geração em geração ao longo do tempo, com as características próprias de cada região. Por exemplo, na região do Douro é atribuída grande importância aos jogos associados à vindima, tais como a corrida de cestos, jogo do barril e levantamento de pipos, entre outros (Cabral, 1985, 1998). Para além de serem populares, considera-se que os jogos que se desenvolvem como forma de intervenção cultural são também tradicionais. Quer isto dizer que os mesmos reconstituem uma prática lúdica, desenvolvida por várias gerações ao longo dos tempos (Cabral, 1985, 1998). Neste contexto, Cabral (1998) acrescenta que este facto pode ser facilmente comprovado pela etnografia e pela história destes jogos. Em suma, os jogos tradicionais são uma forma de passatempo, descanso e divertimento, mas sobretudo em veículo privilegiado para o desenvolvimento da motricidade infantil (Cabral, 1985; Vasconcelos, 1989; Guedes, 1991; Bragada, 2002). Como defende Cabral (1985), entender o jogo tradicional como forma de vida, quer nas crianças em que ele é activamente dominante, quer nos adolescentes e adultos em que vai da projecção do trabalho ao divertimento, parece ser uma ideia a sustentar.

2.2. Os jogos tradicionais no 1.º ciclo do ensino básico Ao observarmos as crianças que brincam, num recreio de uma escola, num jardim infantil ou no local onde habitam, verificamos que vivem com alegria e praticam uma forma de actividade global, lúdica, dispensando as regras dos adultos (Vasconcelos, 1989; Guedes, 1991). De facto, os jogos infantis são um óptimo instrumento pedagógico para desenvolver as suas capacidades psicomotoras, o domínio corporal, a organização espacio-temporal, o desenvolvimento perceptivo e motor e a integração sócio-motora da criança (Cabral, 1985). Os jogos tradicionais constituem uma actividade extraordinariamente rica para o desenvolvimento integral da criança, potenciando o desenvolvimento de várias competências psicomotoras, tais como: integração em grupo; orientação espacial; sentido rítmico; enriquecimento da linguagem; e formação da personalidade (Guedes, 1991; Bragada, 2002). De acordo com Vasconcelos (1992) os jogos tradicionais destinados às crianças do 1º CEB representam um meio de iniciação aos jogos desportivos colectivos. A autora enaltece que, pela análise dos jogos tradicionais, verificamos que muitos dos gestos que eles possuem são comuns a vários jogos desportivos colectivos, tais como: o voleibol, o andebol, o basquetebol, entre outros. Neste seguimento, autores como Cabral (1985) e Bragada (2002) defendem que os 53


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jogos tradicionais apresentam semelhanças com os jogos desportivos colectivos. Por exemplo, comparam o serviço por baixo usado no voleibol com o jogo da pelota, bem como o passe por cima do ombro em andebol e basquetebol com o jogo do mata. Para os mesmos autores, este tipo de abordagem permite desenvolver as capacidades motoras condicionais (e.g., força, resistência, velocidade) e coordenativas (e.g., coordenação geral, capacidade de reacção, de equilíbrio, de ritmo, entre outras). Cabral (1985 p. 34) reforça que os jogos têm um papel primordial na educação, daí que os professores de Educação Física, de acordo com os programas escolares, organizem, para além da ginástica, jogos de voleibol, basquetebol, andebol, entre outros desportos. Na sua óptica, os jogos tradicionais permitem abordar diferentes conteúdos programáticos que estão associados a movimentos ou habilidades motoras desenvolvidas nas aulas de Educação Física. Todavia, não obstante a importância atribuída aos jogos tradicionais, ao analisarmos detalhadamente o programa do 1.º CEB, constatamos que os mesmos não se encontram contemplados nos conteúdos programáticos, existindo apenas alusão nas orientações programáticas ao bloco: Jogos. Assim, parece que não é reconhecida a devida importância aos jogos tradicionais num documento elaborado pelo Ministério da Educação. Em nossa opinião, com a inclusão dos jogos tradicionais no programa do 1.º CEB, a área de Expressão e Educação Físico Motora podia ver reforçado o seu leque de competências motoras, fazendo com que, provavelmente, os docentes deste nível de ensino os leccionassem ou promovessem com maior frequência em ambiente educativo. Neste seguimento, e de forma a melhor compreender o papel e a identidade atribuída aos jogos tradicionais no 1º CEB, Dias e Mendes (2006) investigaram se os Professores deste nível de ensino leccionavam ou promoviam a prática destes jogos em ambiente educativo. Ao entrevistarem 31 docentes que leccionavam em escolas de todas as 31 freguesias do concelho de Coimbra, verificaram que apenas 14,3% dos professores tinham formação sobre jogos tradicionais na sua formação inicial. No entanto, não obstante os resultados obtidos, todos consideraram como muito relevante a prática destes jogos em ambiente escolar, embora só 87,1% destes tenham reconhecido que leccionavam ou promoviam regularmente a sua prática lectiva. Os mesmos autores (2006) constataram ainda que a maioria dos professores não teve formação sobre jogos tradicionais na sua formação inicial (académica), sendo que, o conhecimento destes jogos foi obtido, maioritariamente, através de acções de formação. Por último, destacam no seu trabalho que é muito elevado o número de docentes (70,4%) que não inclui jogos tradicionais nas sessões de Expressão e Educação Físico Motora. Em suma, face aos estudos anteriormente apresentados, consideramos que o jogo tradicional faz parte do quotidiano escolar das crianças e representa um veículo primordial 54


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para o desenvolvimento integral das suas capacidades psicomotoras. Deste modo, compete aos professores e educadores, usufruírem das valências lúdicas, formativas e pedagógicas do mesmo e trabalhá-lo para desenvolver a motricidade infantil (cf. Cabral, 1985; Vasconcelos, 1989; Guedes, 1991; Bragada, 2002). Especificamente sobre os jogos tradicionais no 1.º CEB, parece-nos ser uma prioridade transmiti-los às gerações vindouras, perpetuando o seu legado e património cultural ao longo dos tempos.

3. Conclusões Face ao estado da arte, podemos concluir que os jogos tradicionais: 1-

Fazem parte do nosso legado cultural e representam um património vivo que tem perdido força, expressão e notoriedade ao longo dos tempos;

2-

Desempenham um papel fundamental no desenvolvimento psicomotor da criança;

3-

Representam um meio privilegiado de iniciação desportiva, contendo vários gestos e movimentos que são transversais a diversos jogos desportivos colectivos (e.g., voleibol, andebol, basquetebol, entre outros desportos);

4-

Merecem uma maior atenção por parte das instituições de formação de Professores, tendo em conta que, embora os professores atribuam importância aos jogos tradicionais, a sua dinamização nas escolas do 1º CEB ocorre de forma pontual e, como tal, na maioria dos casos, fora do contexto lectivo. Este aspecto merece investigação futura, na medida em que poucos professores deste nível de ensino incluem estes jogos nas aulas de Expressão e Educação Físico Motora (cf. Dias & Mendes, 2006).

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Bibliografia Bragada, J. (2002). Jogos tradicionais e o desenvolvimento das capacidades motoras na escola. Lisboa: Centro de Estudos e Formação Desportiva. Cabral, A. (1985). Jogos populares portugueses. Porto: Editorial Domingos Barreira. Cabral, A. (1990). Teoria do jogo. Lisboa: Editorial Notícias. Cabral, A. (1998). Jogos populares portugueses de jovens e adultos. Lisboa: Editorial Notícias. Caillois, R. (1990). Os jogos e os homens: a máscara e a vertigem. Lisboa: Cotovia. Chateau, J. (1987). O jogo e a criança. São Paulo: Summus. Dias, G. & Mendes, R. (2006). Prática e ensino dos jogos tradicionais portugueses no 1.º ciclo do ensino básico: estudo no concelho de Coimbra (comunicação). Maia: 7.º Congresso nacional de educação física. Guedes, M. (1991). As crianças e os jogos tradicionais. Revista Horizonte, 43, 9-14. Huizinga, J. (1999). Homo Ludens. São Paulo: Perspectiva. Mariovet, M. (2002). Entrevista com Salomé Mariovet. Revista Desporto, 3, 12-17. Neto, C. (1984). Motricidade infantil e contexto social, suas implicações na organização do ensino. Revista Horizonte, 1, 8 -16. Neto, C. (1997). Motricidade e jogo na infância. Rio de Janeiro: Sprint. Serra, MC. (1999). Os jogos tradicionais em Portugal. As relações entre as práticas lúdicas e as ocupações agrícolas e pastoris. Tese de doutoramento apresentada à Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Serra, MC. (2001). O jogo e o trabalho – Episódios lúdico-festivos das antigas ocupações agrícolas e pastoris colectivas. Lisboa: Colibri, INATEL. Serra, MC. (2004). Jogos tradicionais ao serão e na taberna. Guarda: Escola Superior de Educação. Vasconcelos, O. (1989). Os jogos tradicionais portugueses, sua importância no desenvolvimento ontogenético da organização, orientação e estruturação espacial na criança e no jovem adolescente. (Comunicação). Oliveira de Azeméis. Seminário: Primeiro Encontro dos Jogos da Malha. Vasconcelos, O. (1992).

Jogos tradicionais. In Faculdade de Ciências do Desporto

e Educação Física da Universidade do Porto (Ed.), educação física na escola primária (pp. 107-113). Porto: FCDEF-UP, Câmara Municipal.

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Correspondência: Gonçalo Dias Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física Estádio Universitário de Coimbra, Pavilhão 3 3040-156 Coimbra goncalo.dias@fcdef.uc.pt

Rui Mendes

(Centro Interdisciplinar de Estudos da Performance Humana) Escola Superior de Educação de Coimbra Praça Heróis do Ultramar – Solum 3030-329 Coimbra rmendes@esec.pt

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Maria do Céu Ferreira Gomes • O panorama actual da educação de surdos. Na senda de uma educação bilingue

O panorama actual da educação de surdos. Na senda de uma educação bilingue. Maria do Céu Ferreira Gomes

Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação - Universidade do Porto Resumo Os séculos dezoito e dezanove foram uma época dourada para a educação de surdos. Existiam muitos professores surdos e era natural o uso da língua gestual. Tudo mudou com o Congresso de Milão, de 1880, que aprovou o método oral puro. Nos anos 1960, a consciência do fracasso do oralismo levou ao regresso dos gestos à sala de aula. Contudo, estes eram usados como um mero instrumento, e não como um marcador da identidade e cultura surdas. O bilingualismo/ biculturalismo apareceu nos anos 1980, procurando assegurar esse reconhecimento e garantir aos surdos o acesso à educação através da sua primeira língua. Embora a Federação Mundial dos Surdos considere que o uso deste método é uma questão de direitos humanos, as práticas escolares mostram que outras abordagens subsistem, nomeadamente o oralismo e a comunicação total. Neste artigo, reflectimos sobre os obstáculos que se têm colocado à implementação do bilinguismo na educação de surdos, questionando os discursos actuais sobre a diferença. Palavras-Chave Educação de surdos, Educação bilingue, Direitos Humanos, Práticas educativas Abstract The eighteenth and nineteenth centuries were considered an “enlightened era” for deaf education. There were many deaf teachers and the use of signed languages was dominant. Everything changed with the Milan Congress in 1880, which approved an oral approach instead. In the 1960s, a growing awareness that the oral method wasn’t working led to the reintroduction of signs inside the classroom. However, they were used as a mere instrument, not as a marker of deaf identity and culture. Bilingualism/ biculturalism appeared in the 1980s with the aim to ensure that recognition and to give deaf the right to accede education through their first language. Although the World Federation of the Deaf considers the use of this method a question of human rights, other approaches subsist such as the oral method and total communication. In this article, we reflect about the obstacles bilingualism has been facing in deaf education, questioning the speeches we have nowadays about the difference. Key-words Deaf education, Bilingual education, Human Rights, Educational practices 59


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1. Introdução Neste artigo, pretendemos reflectir sobre a situação actual da educação de surdos. Várias abordagens educativas subsistem neste campo, nomeadamente o oralismo e a comunicação total. Ao contrário do que seria de supor, e tendo em conta o conhecimento que temos da história da educação de surdos, estas abordagens continuam a ser praticadas, mesmo quando se defende a educação bilingue como uma questão de direitos humanos. No seio de alguns projectos bilingues existem também alguns constrangimentos. Torna-se pois pertinente analisar a dimensão política e epistemológica inerente a cada uma das abordagens educativas existentes e reflectir em conjunto sobre o que se almeja para a educação de surdos.

2. Relembrando um pouco a história Nos séculos XVIII e XIX, a educação de surdos viveu uma época dourada. Existiam muitos professores surdos e a língua gestual era usada em algumas escolas, nomeadamente no Instituto de Surdos de Paris. L’Epée e Sicard ficaram na história por reconhecerem o valor da língua gestual e a usarem na educação de surdos. Em 1880, o Congresso de Milão ignorou estas experiências educativas, afirmando que era incontestável a superioridade da fala para incorporar os surdos na vida social e para lhes proporcionar uma maior facilidade de linguagem (Delgado-Martins, 1986). Considerando a utilização simultânea dos gestos e da fala prejudicial, o Congresso decidiu que o método oral puro deveria ser o preferido, o que eliminou completamente a possibilidade de os gestos continuarem a ser usados, ainda que como simples suporte (ibidem). Os professores surdos acabaram por ser banidos das escolas. Importava segundo a perspectiva do método oral puro, determinar o mais precocemente possível a etiologia, o tipo e grau de perda auditiva, para a partir daí, pôr em marcha um plano de reabilitação, com o objectivo de “desmutizar e transformar a criança surda num futuro adulto ouvinte” (Ruela, 2000: 62). A medicina associou-se a esta perspectiva desenvolvendo próteses e terapias com o objectivo de aproveitar os resíduos auditivos dos surdos e assim aumentar a sua capacidade de audição. Foi apenas a partir de 1960, com os estudos desenvolvidos nos Estados Unidos, acerca da língua gestual e da surdez que as concepções em torno da educação de surdos começaram a mudar. Os trabalhos de Stokoe (1960), Klima e Bellugi (1979) mostraram que os gestos dos surdos não eram uma simples mímica, mas um código linguístico estruturado com regras para a construção de palavras e frases. Estas regras obedeciam a uma gramática própria, o que permitia atribuir aos gestos usados pelos surdos, o estatuto de uma língua e não meramente o de uma linguagem (Afonso: 2004:90). 60


Maria do Céu Ferreira Gomes • O panorama actual da educação de surdos. Na senda de uma educação bilingue

Quigley e Frisina (1961) realizaram uma investigação com alunos surdos, filhos de pais surdos, aos quais tinha sido facultada a língua gestual desde o nascimento, demonstrando que estes alunos obtinham resultados superiores em termos de rendimento educativo comparativamente a crianças surdas, filhas de pais ouvintes, às quais não tinha sido facultada a língua gestual. Mais tarde, Maestas y Moores (1980) estudou a comunicação gestual de crianças surdas, filhas de pais surdos, e encontrou as mesmas sequências de desenvolvimento, interacção e de estádios linguísticos que se encontram nas crianças ouvintes. Todas estas investigações mostraram que a língua gestual, não só não era um obstáculo à aquisição da língua oral como ainda a favorecia (Amaral, 1993). A pouco e pouco, foi-se reconhecendo que esta língua, tal como todas as outras, permitia o acesso “ao conhecimento, ao discurso lógico e criativo, em suma à plena apreensão do mundo” (Amaral, 1993:28-29). O constatar dos fracos resultados dos modelos de ensino de inspiração oralista reforçou a necessidade da adopção de novas abordagens educativas. De facto, foram inúmeras as pesquisas que alertaram para o estado de atraso considerável em que se encontrava a maioria dos alunos surdos relativamente aos seus colegas ouvintes, em quase todas as áreas académicas. Allen (1986) refere que o nível médio de leitura dos adolescentes surdos americanos era equivalente ao de uma terceira ou quarta classe. Conrad (1979) afirma que a capacidade de leitura média dos adolescentes surdos ingleses era de nove anos e dois meses. Referindo-se ao contexto italiano, Volterra (1989) dá-se conta, num dos seus estudos, de que mais de 43% dos significados de um certo número de palavras avaliadas era totalmente desconhecido pelos adolescentes surdos. Também Baptista (2008), ao pronunciar-se sobre o contexto português e em particular sobre um estudo realizado com uma aluna surda do secundário (10º ano), afirma que esta, ao nível da morfologia e da declinação verbal, não possuía as competências próprias de uma criança ouvinte de quatro, estando ainda pior ao nível da sintaxe. Estudos semelhantes ocorreram um pouco por toda a Europa e Estados Unidos, com resultados idênticos. Por todas estas razões, o oralismo puro começou a ser abandonado, sendo substituído gradualmente por outras propostas, das quais destacamos a comunicação total, introduzida em 1967 por Roy Holcomb e o bimodalismo, introduzido em 1980, por Bornstein (Cabral, 2004). A comunicação total não pode ser considerada propriamente um método, mas mais uma filosofia. Como refere Coelho, esta, para facilitar a integração dos alunos surdos no mundo dos ouvintes, “preconiza a aliança entre técnicas dos métodos oralistas e toda uma panóplia de estratégias” (2007:45) como a dramatização, o cued speech1, o finger spelling2, o makaton3, a expressão plástica e, inclusivamente, a língua gestual, tendo por objectivo “o estabelecimento de uma comunicação maximizadora de potencialidades e conducente a um desenvolvimento total e harmonioso” (ibidem).

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Na filosofia da comunicação total, os gestos usados pelos professores não obedeciam à sintaxe da língua gestual, mas sim à sintaxe da língua oral (Coelho, 2005). Afirmavase por isso, que eles continuavam a usar as respectivas línguas nacionais, só que gestualizadas. A esta forma de usar a língua gestual dá-se a designação de comunicação bimodal ou bimodalismo. Conforme refere Brito (1993), os surdos consideravam que esta prática era uma descaracterização da sua língua, uma negação do seu estatuto como língua genuína, pois os princípios ideológicos continuavam a ser os mesmos do oralismo, aceder o mais rapidamente possível à língua oral, sendo a língua gestual reduzida ao papel de mero suporte. Assim, a intenção de reconhecimento das línguas gestuais era eliminada tanto em termos de filosofia como de implementação, porque se perdiam de vista as implicações sociais da surdez. Ao manter como referencial o modelo dos ouvintes, mantinham-se as mesmas relações de poder e saber destes sobre os surdos (ibidem). Surgiu a necessidade de uma outra abordagem educativa que respeitasse a estrutura da língua gestual e reconhecesse que os surdos possuíam uma identidade e cultura próprias. Em 1982, Bouvet propôs o bilinguismo. Uma pessoa bilingue é aquela que é capaz de produzir enunciados significativos em duas línguas, mostrando capacidade de uso em pelo menos uma das esferas de funcionamento linguístico – ler, escrever, falar ou compreender (Góes, 1996). Associado ao conceito de bilinguismo está também o conceito de estatuto social de igualdade (Galisson e Coste, 1976). O bilinguismo está intimamente relacionado com o biculturalismo, ou seja, pressupõe o reconhecimento de duas comunidades linguísticas e culturais diferentes e o tratamento dos seus membros em pé de igualdade. Optar pelo bilinguismo é admitir que a educação está inserida no meio social e político de uma comunidade e assim deve ser encarada e respeitada. O processo escolar é, portanto, nesta perspectiva,

um processo no qual a integração deixa de ser a busca de integrar o surdo à comunidade ouvinte, para caracterizar-se como uma via de mão dupla: estar o surdo bem integrado em sua própria comunidade e na comunidade ouvinte e estarmos todos nós, que com ele convivemos, integrados, do mesmo modo, nas duas comunidades (Fernandes, 2002: 1).

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3. A educação de surdos nos países em desenvolvimento Em 2009, a Federação Mundial de Surdos (World Federation of the Deaf –WFD), em conjunto com a Associação Nacional de Surdos Sueca (Swedish National Association of the Deaf – SDR) publicou um relatório elaborado com base na análise de inquéritos distribuídos por 93 países do mundo inteiro. Ficaram de fora desta análise os países da América do Norte e da Europa Ocidental. Os inquiridos foram membros das associações nacionais de surdos de cada país, membros da WFD ou não. O relatório intitulado Deaf People and Human Rights procura dar uma visão geral de como se encontra a situação dos surdos em termos de direitos humanos nos países em desenvolvimento. Hauland e Allen, os responsáveis pela análise dos dados, referem que a língua gestual só foi reconhecida oficialmente em quarenta e quatro dos noventa e três países inquiridos. O relatório considera que nenhum país nega completamente o direito dos surdos à educação, porque mesmo nos países que afirmam não considerar este direito (Bolívia, Eritreia, Guiné, Seicheles e Coreia do Sul) existe uma ou mais escolas para surdos. No entanto, não existe nenhum país em que o sistema educativo e/ou níveis de literacia sejam considerados completamente satisfatórios. Os inquiridos neste relatório referem que a qualidade da educação é baixa e o nível de iliteracia alto, o que, segundo Hauland e Allen é um indicador de que existe ainda um grande desconhecimento sobre a importância da língua gestual na educação de surdos. Os mesmos investigadores referem que, dos países inquiridos, apenas vinte e três afirmam ter uma abordagem bilingue e só em algumas escolas. A confiança no método oral ainda é forte, o que significa que uma grande parte das crianças surdas continua a não aceder à educação através da língua gestual. Os mesmos investigadores informamnos que no relatório Deaf People in the Developing World (Joutselainen, 1992) existiam treze países a afirmar que usavam apenas o método oral: Argentina, Cuba, República Dominicana, Haiti, Quénia, Lesoto, Mauritânia, Nicarágua, Panamá, Suazilândia, Tanzânia, Gâmbia e Zimbabué. Desses treze países, Cuba, Quénia e Nicarágua afirmam ter agora uma abordagem bilingue. Na República Dominicana, Haiti, Lesoto, Mauritânia, Panamá, Suazilândia, Tanzânia e Gâmbia o método oral é agora usado juntamente com a comunicação total. Só a Argentina e o Zimbabué é que afirmam continuar a usar apenas o método oral. Para além destes dois países, o relatório de 2009 indica mais quatro: a Algéria, o Iraque, o Malawi e o Senegal. A abordagem mais usada é a da comunicação total, usada em 66 dos países inquiridos. Hauland e Allen (2009) assumem que não estão seguros de muitos dos dados obtidos, porque segundo eles, ainda há uma grande confusão entre conceitos. Estes investigadores dão conta da dificuldade dos inquiridos em saber exactamente em que é que consiste o bilinguismo para surdos. Segundo eles, essa dificuldade existe até no seio das próprias 63


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associações de surdos e de muitas entidades políticas. A maioria dos países que no relatório da WFD (2009) afirma ter já implementado o bilinguismo, admite que ainda há muito trabalho a fazer, antes que se possa dizer que as crianças surdas usufruem de uma verdadeira educação bilingue. São apontados alguns problemas, nomeadamente, o facto de os professores terem pouca fluência em língua gestual e continuarem a ter baixas expectativas relativamente à capacidade de aprendizagem das crianças surdas. Estes países observam que, apesar de novas orientações pedagógicas, as representações em relação aos surdos continuam a ser as mesmas, o que se traduz em baixos resultados. São poucos os alunos que têm oportunidade para prosseguir estudos no ensino secundário, profissional ou universitário. As oportunidades para os surdos arranjarem um emprego são por isso ainda muito limitadas na quase totalidade dos países inquiridos. 4. A educação de surdos na Europa e nos Estados Unidos Em 2006, o Conselho da Europa publicou um estudo preliminar designado Signed languages in Education in Europe (Leeson, 2006). Segundo este trabalho, também no continente europeu continuam a subsistir várias abordagens na educação de surdos, nomeadamente o oralismo e a comunicação total. O estudo mostra que o bilinguismo ainda não se conseguiu impor de forma consensual. Esta diversidade de respostas reflecte a controvérsia que continua a rodear a educação dos alunos surdos. Como afirma Leeson (2006), embora exista um discurso epistemológico e até político que reconhece os surdos como membros de uma minoria linguística e cultural, estes continuam a ser encarados pela maioria da população ouvinte como meros deficientes auditivos, ou seja, como indivíduos que necessitam de reabilitação para se aproximarem do modelo ouvinte. Segundo a mesma investigadora, as tensões entre a visão médica e a visão antropológica e cultural continuam a existir, devido, em grande parte, ao facto da maioria das crianças surdas (90-95%) nascer no seio de famílias ouvintes. O filho sonhado ainda continua a ser aquele que se enquadra nos parâmetros ditos normais e, como a surdez continua a ser encarada como um desvio da norma, importa mascará-la através do uso de próteses ou de implantes cocleares. A dificuldade em atribuir um estatuto de igualdade à língua gestual, reflecte-se não só na postura dos pais, mas também na forma como muitos Estados implementam as suas políticas educativas. Em muitos países europeus, a língua maioritária continua a ser considerada a primeira língua dos alunos surdos, sendo utilizada como língua de acesso à educação. Esta situação acontece mesmo em países onde se deu o reconhecimento oficial da língua gestual. Leeson (2006) considera que o problema está no facto de as línguas gestuais continuarem a ser usadas como um mero instrumento para aceder mais 64


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rapidamente à língua oral. Referindo-se ao contexto britânico, Knight e Swanwick dão conta disso mesmo:

Continuam a existir muitas escolas e serviços que trabalham com as abordagens do oralismo e da comunicação total. Mais recentemente, tem surgido o interesse em identificar mais claramente o uso e o papel da língua gestual e dos sistemas de fala complementada como suporte das línguas faladas (Knight e Swanwick, 2002:22-23)4. Estas autoras falam de um despertar para a língua gestual e para sistemas combinados que usam gestos e fala (cued speech), como uma forma de apoio para o ensino das línguas orais. Também em França se usa muito a LPC (Langue Française Parlée Complétée). Neste país, a figura do codeur LPC substitui cada vez mais a do intérprete de LSF (Langue des Signes Française). O codeur LPC é um técnico que intervém em escolas do ensino regular, onde estejam integradas crianças surdas com bastantes dificuldades na recepção auditiva e/ou labial (surdez severa e/ou profunda). O seu papel é transmitir todas as mensagens orais em língua francesa com a ajuda do código da LPC (http://anco.asso.free.fr/

index.php/codeur, 2009). Nos Estados Unidos, embora existam projectos bilingues de referência como o de Gallaudet, também existem escolas que continuam a praticar o oralismo puro e a comunicação total. No sítio da internet da American School for the Deaf pode ler-se:

A filosofia de comunicação total desta escola abarca o inglês e a língua gestual americana, a integração da fala, o treino auditivo, a leitura, a escrita e o uso de tecnologias de apoio, como partes essenciais de uma comunicação total que permite aos alunos atingir uma verdadeira linguagem e literacia comunicacional (http://www.asd-1817.org/). A Clarke School, considerada há algumas décadas a escola mais oralista do mundo, não deixou de funcionar, nem mudou de método de ensino. Pelo contrário, cresceu e hoje em dia faz parte de uma rede de escolas denominada Clarke Schools for Hearing and Speech. Estas escolas estão hoje espalhadas por cinco cidades dos Estados Unidos. Mudou o nome, mas a filosofia continua a mesma: “Dar às crianças que são surdas profundas ou surdas parciais as competências de audição e de fala que precisam para ter sucesso na vida” (http://www.clarkeschool.org/new/). O estatuto inferior que continua a ser dado às línguas gestuais em muitos contextos educativos entra em contradição com as orientações emanadas do Parlamento Europeu (Documento A2-302/87), das Nações Unidas (Resolução n.º 48/ 96 de 1994) e da UNESCO (Declaração de Salamanca, 1994), que têm vindo a reconhecer desde há algumas décadas 65


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a língua gestual como uma língua com uma gramática própria e como a língua natural das comunidades surdas. O facto de existir o direito de opção linguística para as crianças surdas, significa que os pais podem continuar a optar por várias vias, nomeadamente a oralista. Estando todas as escolhas em aberto, nada muda de forma substancial. Diferentes modelos de atendimento e diferentes métodos de ensino continuam a subsistir. Na maior parte das vezes, a definição do percurso a seguir não se baseia numa avaliação do grau e tipo de surdez das crianças surdas ou no facto de terem sido ou não implantadas. Muitos pais escolhem a via oralista, apenas por considerarem que esse é o melhor caminho para a integração social. Não são tidas em conta as possíveis consequências da sua opção em termos do desenvolvimento cognitivo, linguístico e psicológico dos seus educandos. Segundo o estudo de Leeson (2006), na maior parte dos países europeus, a tendência actual é para a integração dos alunos surdos em escolas e turmas regulares, o chamado mainstream. Entre a integração plena em turmas de ouvintes (escolas regulares da área de residência) e a frequência de escolas especiais para surdos, existe um modelo intermédio: as unidades de apoio a surdos, inseridas nas escolas regulares, onde os alunos podem estar em integração parcial ou plena ou em turma de surdos, tendo apoio da Educação Especial (ibidem). Segundo Knight e Swanwick (2002), esta é uma experiência positiva, sobretudo quando há um grande número de alunos surdos e surdos adultos que sirvam de modelos:

Os dados recolhidos parecem sugerir que as escolas regulares que concentram um número significativo de crianças surdas (…), particularmente aquelas com uma forte presença de surdos adultos, favorecem o sentimento de identidade entre os alunos. (…). A oportunidade que as crianças surdas têm de conhecer e interagir com surdos adultos permite-lhes desenvolver a sua competência em BSL e ter modelos surdos como parte da sua experiência educativa (Knight & Swanwick, 2002:38). Em algumas escolas porém, são poucos os alunos surdos e não há modelos de surdos adultos. Aí, a experiência já não é tão enriquecedora. Nesses casos, o método de ensino assenta sobretudo numa visão médica e usa-se a comunicação total (Leeson, 2006). Apesar de todas as críticas, esta abordagem continua a ser usada hoje em dia, juntamente com o bimodalismo, pois a maioria dos professores ouvintes sente bastante dificuldade em dominar a estrutura da língua gestual (ibidem). Por outro lado, há a questão das representações. Muitos profissionais ainda atribuem um estatuto inferior à língua 66


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gestual, não investindo muito nela em termos de formação. Em alguns contextos, nem sequer se usa a comunicação total. Segundo Leeson (2006), a integração plena de crianças surdas em turmas de ouvintes, seguindo um modelo oralista, continua a ser feita em grande escala por toda a Europa. Nos Estados Unidos, também existe um grande número de alunos surdos a frequentar o ensino regular (Neisser, 1990). Em nome da integração na sociedade, ignora-se a língua e a especificidade dos alunos surdos. Em Portugal, as crianças surdas podem optar pela via oralista em escolas regulares da área de residência ou pela via bilingue em escolas de referência para a educação bilingue de alunos surdos. Estas escolas de referência são antigas unidades de apoio à educação de alunos surdos (UAEAS). A sua designação mudou com a publicação do Decreto-Lei 3/2008, de 7 de Janeiro. O objectivo da mudança foi reduzir o número de unidades, de modo a aumentar a concentração dos alunos surdos e assim favorecer o ensino bilingue. As unidades seleccionadas foram consideradas escolas de referência. É de referir que as outras unidades não foram extintas. Continuam a acolher alunos surdos, embora sem recursos suficientes para tal atendimento, uma vez que os docentes e intérpretes de LGP são colocados prioritariamente nas escolas de referência. Nestas ex-UAEAS pratica-se a comunicação total. Os países nórdicos têm uma filosofia diferente, considerando que devem existir escolas próprias para os surdos. A integração nas escolas regulares não é por isso vista como uma opção viável para estes alunos (Leeson, 2006). Nestes países, defende-se o bilinguismo, sendo a Suécia uma referência nesta área. As escolas de surdos suecas estão distribuídas por cinco “cidades-modelo”, onde se encontram concentrados os recursos necessários para levar a cabo uma educação bilingue (Coelho, 2007). Estas escolas estão dispersas geograficamente e abrangem os alunos surdos de todo o país. Em cada uma destas cidades, existem creches e jardins-de-infância para crianças surdas, a partir dos 0 anos de idade, onde se fomenta a aquisição precoce da língua gestual e se dão os primeiros passos na iniciação da escrita. Dos 6 aos 16 anos, existem escolas especiais só para surdos. A partir do secundário, surdos e ouvintes frequentam as mesmas escolas (ibidem). Os pais suecos aprendem a língua gestual em massa e autorizam os filhos a frequentar escolas de surdos, mesmo que sejam distantes de casa (Baptista, 2008). É uma outra forma de encarar a surdez.

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5. O pseudo-bilinguismo Como já tivemos a oportunidade de referir, a proposta bilingue não privilegia uma língua, mas quer dar ao surdo o direito e as condições de poder utilizar duas línguas, a língua gestual enquanto primeira língua e a língua nacional, enquanto segunda língua, na sua vertente escrita e eventualmente falada. A educação bilingue para surdos é no entanto, “algo mais do que o domínio, em algum nível, de duas línguas” (Skliar, 1999:7). Se nos limitarmos a pensá-la desse modo, ela não será mais do que um mero dispositivo pedagógico especial, mais uma grande narrativa educacional, mais uma utopia a ser rapidamente abandonada (ibidem). Não podemos esquecer que o objectivo inicial da educação bilingue foi o do reconhecimento político da surdez como diferença, afirmando-se desse modo, como alternativa ao oralismo e à comunicação total, abordagens ancoradas numa perspectiva do surdo como deficiente. Este modelo propõe-se dar à criança surda não só as mesmas possibilidades psicolinguísticas da criança ouvinte, como também levá-la a criar uma identidade bicultural, isto é, a desenvolver as suas potencialidades dentro da cultura surda e aproximar-se, através dela, da cultura ouvinte (Skliar, 1997). A diferença enquanto significação política, é construída histórica e socialmente, é um processo e um produto de conflitos e movimentos sociais, de resistências às assimetrias de poder e de saber, de uma outra interpretação sobre a alteridade e sobre o significado dos outros no discurso dominante (Skliar, 1998). Como afirma Tadeu da Silva,

A cultura é teorizada como campo de luta entre os diferentes grupos sociais em torno da significação. A educação e o currículo são vistos como campo de conflito em torno de duas dimensões centrais da cultura: o conhecimento e a identidade (2000:32). O que Skliar denuncia (1999) e vários autores confirmam (Kyle, 1999; Dorziat, 1999; Hauland & Allen, 2009) é que, mesmo no seio daqueles que defendem uma educação bilingue, há por vezes práticas que denunciam uma outra perspectiva. Muitos profissionais continuam a exercer pressões sobre a linguagem, a artificializar a língua gestual, a manter baixas expectativas sobre os alunos surdos e a fazer grandes cortes no currículo destes alunos. Continua muito forte a ideia, de que o essencial é dominar a língua oral para uma melhor integração na sociedade. Ramirez (1999) afirma que, nas escolas onde se iniciaram projectos bilingues, o trabalho em equipa entre surdos e ouvintes colocou sobre a mesa a problemática das relações de poder e de saber entre ambos os grupos. Em algumas escolas, a constatação desse problema levou à criação de espaços de reflexão e debate sobre o papel dos surdos 68


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na planificação, liderança e tomada de decisões e também sobre as atitudes que surdos e ouvintes assumem em termos de trabalho cooperativo. Mas, em outras escolas não se favoreceu este debate e a relação entre surdos e ouvintes continua difícil, dificultando um trabalho articulado e proveitoso para os alunos surdos. Alguns programas bilingues têm promovido o contacto de pais ouvintes com as comunidades surdas locais, o que os tem levado a uma mudança de atitude perante a surdez dos seus filhos e a uma aceitação gradual da língua gestual (Davies, 1994). A participação em actividades sociais e recreativas com pessoas surdas das comunidades locais provoca nos pais mais confiança e esperança no futuro dos seus filhos. Mas, mais uma vez, este tipo de iniciativas não acontece em todos os países e em todas as escolas com projectos bilingues. O desconhecimento provoca a angústia e a ansiedade e deixa os pais divididos entre vários caminhos. Não é apenas nas abordagens oralistas e da comunicação total que se constatam obstáculos ao real reconhecimento da língua gestual e da identidade e cultura surdas. Também alguns projectos bilingues se afastam do tão desejado reconhecimento da surdez enquanto diferença. Assume-se um discurso que não corresponde minimamente às práticas existentes. Assim, em vez de um verdadeiro bilinguismo, existe apenas um “pseudo-bilinguismo” (Skliar, 1999:10), pois

o abandono progressivo da ideologia clínica dominante e a aproximação aos paradigmas sócio-culturais, não podem ser considerados, por si só, como suficientes para afirmar a existência de um novo olhar educacional (Skliar, 1998:8).

6. Conclusão Actualmente, os programas bilingues encontram-se em expansão por todo o mundo, sendo esta abordagem reconhecida por várias organizações internacionais como aquela que melhor satisfaz as necessidades e a especificidade das comunidades surdas. É uma questão de justiça social garantir que todos os indivíduos tenham acesso à educação através da sua primeira língua. A revisão da literatura e a análise de alguns relatórios, permite-nos constatar a prevalência das abordagens oralistas e da comunicação total, pelo que ainda são poucos os países onde a língua gestual faz parte do currículo. Como diz Ramirez (1999), apesar de aparentemente estarem reunidas condições favoráveis para a implementação de uma educação bilingue, esse processo não tem sido fácil, pois implica uma reestruturação profunda do sistema educativo que se oferece à população surda. O problema é que 69


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continua a existir uma grande diversidade de respostas para as crianças surdas. Todas essas opções continuam em aberto, ficando a escolha ao critério dos pais. Estes continuam a poder optar por escolas oralistas ou por escolas que usem a comunicação total. A educação bilingue não assume um carácter vinculativo para os alunos surdos. Assim, em nome de uma escola igual para todos, esquece-se muitas vezes a importância da diferenciação e como diz Pacheco, “a pior discriminação dos alunos é aquela que é praticada em nome da igualdade de direitos e da uniformização de conhecimentos” (2002:88). Embora seja considerado uma questão de direitos humanos, o bilinguismo continua a chegar a um número reduzido de crianças e jovens surdos. Por outro lado, constata-se que mesmo em escolas que afirmam possuir uma educação bilingue, há por vezes práticas que não são condizentes com esta filosofia, nomeadamente a pouca formação dos professores em língua gestual, a falta de articulação com as famílias e com as associações de surdos, práticas de avaliação que não têm em consideração a primeira língua dos alunos, currículos que não contemplam a história e a cultura das comunidades surdas, etc. Devido ao peso da história, o percurso afigura-se difícil. Importa recuperar os aspectos pedagógicos, a transformação das representações sociais sobre os surdos e a surdez e as relações de trabalho cooperativas entre surdos e ouvintes. De facto, há ainda vários obstáculos a ultrapassar. Como diz Leeson (2006), é importante reflectir em conjunto e lembrar que a implementação de programas verdadeiramente bilingues exige algumas condições, nomeadamente: •

Uma visão das crianças surdas como seres capazes de aprender, se lhes forem dadas as condições adequadas;

O reconhecimento real das línguas gestuais, enquanto línguas genuínas e como línguas de acesso ao currículo;

A aceitação do bilinguismo como um novo olhar sobre a surdez em vez de ser apenas mais um método para facilitar a aquisição da língua maioritária;

A avaliação das aprendizagens na primeira língua dos alunos;

A formação contínua dos docentes surdos e ouvintes em metodologias próprias e na língua gestual;

A produção de materiais bilingues;

A articulação com as famílias e com as associações de surdos;

O apoio do Estado na implementação das políticas.

Como diz Apple, “a educação é intrinsecamente política mesmo nos seus caminhos mais práticos e tortuosos” (1999:13). É nesse sentido que a existência de todas estas condições é crucial para que exista coerência e honestidade na implementação de 70


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projectos bilingues. Há princípios que não podem ser esquecidos ou relegados para segundo plano. Só assim estes projectos se poderão afirmar como um exemplo de boas práticas para a educação das crianças surdas.

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(Endnotes) 1 Sistema de apoio à leitura lábio-facial. Os gestos criados são desprovidos de significado e destinam-se a esclarecer a informação presente nos lábios, o que faz do Cued-Speech um sistema oral (Cabral, 2004:45). 2 Significa o mesmo que dactilologia. Consiste em soletrar a palavra escrita através do alfabeto manual (Coelho, 2007:45). 3

Modo de comunicação que utiliza o gesto codificado (ibidem).

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Tradução minha.

Correspondência Maria do Céu Ferreira Gomes Centro de Investigação e Intervenção Educativas (CIIE), Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação Rua Dr. Manuel Pereira da Silva 4200-392 Porto cgomes@fpce.up.pt

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Ler na era digital: os desafios da comunicação em rede e a (re)construção da(s) literacia(s) Dulce Helena M. R. Melão

Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Viseu.

Resumo Na sociedade actual, novas formas de literacia desafiam os educadores a implementar estratégias multifacetadas que tornem os estudantes leitores bem sucedidos na era digital, instigando-os a alargarem a suas competências de leitura. Este artigo explora alguns dos modos pelos quais a tecnologia está a mudar as práticas de leitura, abrindo caminho à consolidação de “multiliteracias” alicerçadas pelo desenvolvimento da comunicação em rede. Viajando da página ao ecrã, são apresentados exemplos de novas práticas de leitura na internet e enfatizadas formas multimodais da reconstrução do conceito de literacia. É defendido que a ligação entre a literacia e a tecnologia se está a fortalecer, exigindo uma maior reflexão sobre o acto de ler em si mesmo e sobre a forma como os educadores o equacionam hoje. Palavras-chave Comunicação, Educação, Literacia, Leitura, Tecnologias de informação e comunicação.

Abstract Today new forms of literacy challenge educators to implement multifaceted strategies to make students successful readers in the digital era, calling upon them to broaden up their reading skills. This article explores some of the ways in which technology is changing reading practices, setting up the path to the consolidation of “multiliteracies” paved by the development of network communication. Travelling from page to screen, examples of new practices of reading on the internet are presented and multimodal ways of rebuilding the concept of literacy are emphasized. It is argued that the link between literacy and technology is becoming stronger, calling up for further reflection upon the act of reading itself and the ways in which educators are approaching it today. Key words Communication, Education, Literacy, Reading, New information and communication technologies. 75


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Introdução Educar para a comunicação plasmada pela tecnologia ou comunicar para educar para a “tecnoliteracia” afiguram-se enquanto desafios actuais lançados ao educador do século XXI. Entre as múltiplas novas competências ditadas por uma sociedade que tem como apanágio a centralidade da comunicação, encontram-se abordagens renovadas à leitura cimentadas pelo uso da Internet que exigem hoje reflexão. Partindo das relações entre comunicação, educação e literacia(s), procura-se neste artigo perspectivar o acesso à leitura pelo meio tradicional, o livro, apresentando concomitantemente diferentes formas de aceder aos textos na era digital que implicam a exploração, aplicação e consolidação de literacia(s) em permanente reconstrução. A união entre a leitura e a tecnologia na Internet é aqui explorada, de forma sumária, através do recurso a exemplos como a biblioteca digital, alguns sites consagrados à aventura de ler e blogues de carácter educativo com semelhante intuito. Importa, sobretudo, pôr em relevo, nesta reflexão, a pletora de significados que resulta da abordagem à leitura “mediada” pelo ecrã e os diferentes modos de integrar novos trilhos de interacção desta com os alunos, no contexto educacional actual. Traçam-se, em suma, percursos conducentes a uma cidadania responsável porque (re)construída a par e passo pela consolidação de “multiliteracias”.

1. Comunicação, educação e literacia(s) É hoje um lugar-comum apontar para a relevância que a comunicação tem vindo a assumir na sociedade hodierna. As razões que presidem a tal centralidade são múltiplas e eivadas de alguma complexidade. Em primeiro lugar, como sublinha Bartolomé (2005, p.303-304) importa não esquecer que durante milhares de anos a informação acumulada pela humanidade cresceu a um ritmo lento, quase imperceptível, enquanto hoje assistimos a uma verdadeira “explosão” ao nível da informação, a qual acarreta consequências na forma como gerimos a comunicação. Em segundo lugar, como destaca Cantista (2005, p.1), esse grandioso fenómeno que apodámos de globalização aproximou-nos uns dos outros “de um modo impensável há tão-somente uma ou duas décadas”. Assistimos hoje, como sustenta Ruiz (2005, p.293), à consolidação de um novo paradigma comunicacional interactivo e à aparição de novos espaços “para a pluralidade, a diversidade, o intercâmbio multicultural e a participação dos cidadãos à escala global”. Assim, o conceito de “comunicação de massa” que durante longo tempo perpetuou um conjunto de pressupostos teóricos inerentes a uma visão centrada nos modos de interacção da “massa” (Wolf, 2006) está hoje a ser ultrapassado para dar lugar a uma nova conceptualização teórica alicerçada na construção de uma “sociedade em rede”. 76


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Como frisam Ijuim e Tellaroli (2007, p.3), estamos perante uma sociedade que mudou a dinâmica nas relações que envolvem troca de informações, “migrando do meio geográfico (físico) para o meio virtual oferecido pelas redes.” Semelhante juízo de valor é corroborado por Monteiro, Caetano, Marques e Lourenço (2008, p.364) quando encaram as redes e serviços telemáticos enquanto “veículos potenciadores de internacionalização e interdisciplinaridade, gerando comunidades globais medidas pelos serviços tecnológicos” que abrem novas vias na auto-estrada do conhecimento. Não surpreende, pois, a importância crescente assumida pelo conceito de “mediação” enquanto prática fundamental que tem vindo a alterar a nossa interacção com a realidade, ditando novos modos de acesso a múltiplos recursos comunicacionais que plasmam o contexto educativo. Tal implicará, pois, como sustentam Cardoso, Espanha e Araújo (2009, p.16), o reequacionamento dos modelos tradicionais de comunicação, sendo o enfoque colocado nos “processos de globalização comunicacional”, na “mediação em rede” e nos “diferentes graus de uso da interactividade”. Compreende-se, assim, que de tal nova realidade não esteja ausente a mudança no(s) modo(s) como interagimos com a língua Portuguesa, recorrendo a abordagens pautadas por critérios ditados por um mundo cada vez mais global. Assim, como sublinha Reis (2009, p.5), a disseminação da Internet e das comunicações em rede favoreceu o desabrochar de novas linguagens associadas a procedimentos de escrita e de leitura de textos electrónicos mediados pelo fomento das tecnologias de informação e comunicação. Face aos novos desafios hodiernos lançados pelo advento renovado da comunicação em rede, importa, pois, concatenar no quotidiano educativo, um conjunto de pressupostos que favoreçam uma educação para a comunicação, contexto do qual emergem novas abordagens ao conceito de literacia, no qual estará potencialmente imbricado uma cidadania responsável, reconstruída diariamente por novos acessos à leitura. De facto, uma das consequências mais visíveis de tal desenvolvimento tecnológico nas últimas décadas é, talvez, a relevância concedida às inter-relações entre comunicação e educação. No entender de Rei e Moreira (2005, p.275), existe entre ambas uma interacção recíproca, sublinhando os autores que a dependência da educação relativamente à comunicação “decorre da natureza dos objectivos educacionais que não prescindem daquela”. Frisam ainda, por seu lado, que a comunicação é obrigatoriamente marcada pelos símbolos, valores e visão do mundo que o indivíduo encara enquanto seus. Assim, como sintetiza Fonfonca (2010, p.4), numa reflexão sobre o “processo de educação” não poderá estar ausente a comunicação porque “a educação depende da comunicação para se concretizar”, cabendo ao educador o papel de investir na formação exigida pelo incremento das novas tecnologias de informação e comunicação. Como afirma Baccega (2005, p.384),

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O campo da comunicação/educação é um dos desafios maiores da contemporaneidade. Não se reduz a fragmentos, como a eterna discussão sobre a adequação da utilização das tecnologias no âmbito escolar, quer em escolas com aparato tecnológico de primeira linha quer nas escolas de “pés no chão”, tendo em vista que a edição do mundo realizada pelos meios está presente em alunos, professores, cidadãos.

Numa reflexão fundamentada na qual sistematiza dados e conclusões de pesquisas realizadas na América Latina e nos Estados Unidos entre 1997 e 2000, Soares (2002, p.18) sublinha que em ambos tem ganho relevo a mediação tecnológica na educação, contemplando o estudo das mudanças decorrentes “da incidência das inovações tecnológicas no cotidiano das pessoas e grupos sociais, assim como o uso das ferramentas da informação nos processos educativos”, presenciais ou à distância. Se é certo que a atenção devida a esta temática extravasa largamente o escopo deste artigo, interessa reforçar que as exigências da sociedade de informação em que vivemos postularam uma reformulação do conceito de literacia à qual não podemos ser alheios. De facto, como defende Nascimento (2006, p.290), as alterações trazidas pela “revolução” implementada pelas tecnologias de informação e comunicação, vieram reconfigurar tal conceito definido, em 1995, pela OCDE, como “capacidade para entender e usar a informação escrita no dia-a-dia, em casa, na escola, e na comunidade de forma a conseguir os objectivos pessoais e a desenvolver o próprio conhecimento e as capacidades próprias”. Esta reconfiguração é corroborada por Lankshear, Snyder e Green (2000, p.24-25) que defendem que no conceito hodierno de literacia surge obrigatoriamente imbricada a tecnologia, referindo que “a literacia está a tornar-se tecnológica”. Kellner (2002, p.158) aponta, por seu turno, o facto de as novas tecnologias exigirem o desenvolvimento de competências renovadas, lançando desafios educacionais que implicam uma expansão do conceito de literacia. Sintetizando com Jewitt (2009, p.134), “What it means to be literate in the digital era of the twenty-first century is different of what was needed previously”. Compreende-se, pois, que recentes abordagens em torno da literacia (Azevedo, 2009, p.12-15; Sylvester & Greenidge, 2009, p.284) postulem a implementação de novos modelos e práticas de acordo com as exigências da evolução perene da designada “sociedade de conhecimento”. Assim, o sucesso em literacia passará pelo reequacionar de contextos e práticas desenvolvidas que acompanhem a evolução da tecnologia, assumindo um papel de destaque não só a escola e os seus profissionais, como também as comunidades envolventes, participantes activos na construção de novas vias do conhecimento. Como sublinha Azevedo (2009, p.11), tal sucesso dependerá igualmente do esforço concentrado e sistemático de todos, florescendo de uma cultura de colaboração alimentada pelo 78


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objectivo de educar para a literacia em pleno.

2. Da emergência da literacia à mediação da leitura no mundo digital a)

Literacia e afectos – o prazer de ler

As novas tecnologias de informação e comunicação trouxeram diferentes formas de ler/ver o mundo. Deste modo, o contacto com o livro, a motivação para a leitura e as estratégias gizadas para a sua aprendizagem constituem um mosaico de saberes que terá também de espelhar o mundo digital, instaurando, porventura, novas vias no imaginário infantil. Tal imaginário não poderá, porém, excluir a relevância da partilha do livro, como sustenta Silvestre (2008) quando faz o balanço do laboratório de leitura “Dois braços para embalar uma voz para contar: actividades de leitura para bebés dos nove meses aos três anos”, patrocinado pela Fundação Calouste Gulbenkian, no âmbito do Projecto Casa da Leitura, levado a cabo pela Biblioteca D.Dinis, em Odivelas. Tendo como objectivo principal “envolver os pais e as crianças no processo de aprendizagem da leitura, estimulando as relações de afecto e de cumplicidade, através de actividades de leitura conjunta” (Silvestre, 2008, p.2), o laboratório de leitura teve resultados muito positivos, fomentando a aquisição de comportamentos emergentes de leitura. Sendo certo que os mediadores da leitura não devem funcionar como substitutos dos pais, complementando, antes, a interacção com o livro, ficou patente através deste projecto que a biblioteca pode ser encarada como um importante suporte à literacia emergente e à literacia familiar. No âmbito de um projecto que envolveu a observação de treze sessões de leitura realizadas com oito crianças na faixa etária entre os três e os dez anos de idade, numa “brinquedoteca”, tendo por objectivo investigar em que medida a prática da leitura em voz alta estimula o interesse das crianças pela leitura e pelo livro, Almeida (2007, p.30) conclui também ser muito importante o diálogo entre o leitor precoce e o livro, potenciando o desabrochar de redes de afectos. Assim, verificou que as crianças entre os três e os cinco anos de idade demonstravam particular prazer e alegria em escutar a história perto da leitora, ao mesmo tempo que partilhavam as imagens do livro. A autora constatou igualmente que os livros despertavam o interesse de todas as crianças que “se aproximavam, tocavam, folheavam, liam ou pediam para um adulto ler para elas” (Almeida, 2007, p.31). Pontes e Azevedo (2009, p.70) chamam, por seu lado, a atenção para o papel desempenhado pela biblioteca enquanto “espaço de leitura” que permite o acesso a novos deslumbramentos na aventura de ler, “lugar de encanto, magia, onde se pode imaginar ou sonhar; e ainda um espaço de leitores experientes, leitores iniciantes, leitores apenas”. Mas que possibilita, também, em concordância com as conclusões de Silvestre (2008, p.1779


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19) e de Valadão, Vaz e González (2007, p.42-45), o instaurar de uma dimensão afectiva que nasce do encontro entre o leitor e o texto, fomentando laços que consolidam o prazer de ler, tornando-o indispensável em quotidianos presentes e futuros. O livro continua, pois, a instituir-se enquanto instrumento favorecedor do incremento de competências ao longo da vida. É também ao encontro desta formação de leitores para toda a vida que pode ser encarada a reflexão aprofundada de Mata (2006) sobre as práticas de literacia desenvolvidas em contexto familiar e a descoberta da linguagem escrita. A autora frisa a importância da conjugação entre práticas familiares e práticas escolares de literacia, ficando patente que são os múltiplos contextos em que a criança se insere que potenciam um equilíbrio de estratégias impulsionadoras do desenvolvimento do gosto pela leitura, conduzindo a que esta seja encarada enquanto momento de prazer (idem, p.80-82). Tal fica particularmente patente no que diz respeito à leitura de histórias que é globalmente reconhecida enquanto prática privilegiada para o desenvolvimento de competências que melhoram os desempenhos na aquisição da leitura (idem, p.220). Importa, pois, salientar, que o contacto com o livro, pela rede de emoções que instala entre pais e filhos, é um dos elementos fundamentais a considerar na complexa teia de relações de construção de práticas de literacia sólidas. O lançamento em 2006, em Portugal, do Plano Nacional de Leitura, tendo como missão aumentar as capacidades de leitura dos Portugueses, permitiu traçar um amplo leque de objectivos baseados na promoção efectiva de hábitos de leitura em crianças e jovens em idade escolar. Estimular o prazer de ler, intensificando o contacto precoce com os livros e a leitura na escola, institui-se enquanto um dos objectivos fundamentais de tal Plano. Paralelamente foi também criado, em 2007, o Plano Nacional do Ensino do Português, do qual constam inúmeras acções de formação de professores (que continuam em curso), a nível nacional, permitindo a consolidação de competências no âmbito da educação para a literacia. Têm sido, pois, fomentados processos de colaboração efectiva ao nível do desenvolvimento profissional que hodiernamente são reconhecidos enquanto pilares da criação de uma cultura literácita, na qual o livro desempenha um papel relevante (Azevedo, 2009, p.11-12; Kennedy & Shield, 2010, p.372-373). Após uma breve reflexão sobre dimensões da literacia onde o livro se assume como objecto real que projecta novos mundos no imaginário infantil, procuraremos, num segundo momento, apontar para recentes vias da literacia que se erguem a par e passo com o auxílio das novas tecnologias de informação e comunicação.

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Tecnologia e leitura – a caminho da “tecnoliteracia”

Para além da ênfase colocada no livro - instrumento fundamental de manuseamento para novas descobertas – na leitura em voz alta e na partilha de momentos de leitura com a comunidade envolvente (extravasando as fronteiras da escolar), o Plano Nacional de Leitura tem vindo a fomentar o uso das tecnologias de informação e comunicação, surgindo a tecnologia como mediadora da literacia - ou, como sugerem Lankshear, Snyder e Green (2000), entrámos no domínio da “tecnoliteracia”. Apontamos dois exemplos que advêm da implementação de tal Plano, sendo sinónimo da busca da “comunhão” de práticas de leitura com o auxílio da tecnologia, com o objectivo de consolidar competências ao nível da literacia. Assim, partindo do reconhecido pressuposto que as histórias desempenham um papel muito relevante nas aprendizagens dos alunos do pré-escolar e do 1.º Ciclo do Ensino Básico, quer na aquisição de conhecimentos, competências e valores, quer nas actividades de carácter lúdico, está a ser lançado o concurso “Conta-nos uma história. Podcast na Educação”. O objectivo desta iniciativa é fomentar a realização de projectos desenvolvidos pelas escolas de Educação Pré-Escolar e 1.º Ciclo do Ensino Básico que incentivem a utilização das tecnologias de informação e comunicação, nomeadamente as de gravação digital áudio. Almeja, pois, o desenvolvimento de práticas de literacia renovadas, conduzindo as crianças à descoberta de novas formas de interacção com a oralidade e a escrita, favorecendo diferentes modos de acesso ao texto e, consequentemente, incrementando processos de leitura porventura mais apelativos para a construção do imaginário infantil. Recentemente foi também criado um recurso com inúmeras possibilidades de uso por parte das crianças e da comunidade educativa em que estão inseridas, possibilitando igualmente o fomento de práticas de literacia familiar. Referimo-nos à Biblioteca Digital disponibilizada quer por acesso directo, via endereço electrónico http://e-livros.clubede-leituras.pt/) quer através da exploração da página da Direcção Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular do Ministério da Educação. Nesta biblioteca digital também mora o sonho e a fantasia que são apanágio do livro impresso. O acesso às obras que se perfilam no ecrã lançando o convite à leitura é muito simples, não exigindo conhecimentos aprofundados de cariz tecnológico. Tal como é frisado pelos seus criadores,

Além da leitura, cada obra apresenta vários “extras”, nomeadamente: cinema de animação, vídeo e áudio; uma apresentação animada das personagens principais; comentários de autores e ilustradores; uma leitura dramatizada da história; e, no final do livro, há um espaço que pode ser utilizado para escrever ou ilustrar, criando uma versão personalizada. Através do registo na Biblioteca dos Livros da Malta, os leitores podem, ainda, enviar e-mails aos restantes membros da comunidade virtual, recomendando livros e divulgando os textos 81


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que escreveram. (Direcção Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular) Por um lado, há um claro investimento na aproximação a uma experiência de leitura com o livro enquanto objecto manuseado, pois temos oportunidade de ver e ouvir o passar das páginas, podendo também antecipar o prazer da leitura pela descoberta de novos trilhos de exploração. Por outro lado, a leitura digital abre a porta a um conjunto de novas linguagens, no qual aspectos de índole verbal e não verbal têm um papel preponderante. Assim, se como afirmam Macedo e Soeiro (2009, p.5) “a palavra das histórias comunica a expressa situações, expõe personagens, desenha espaços, procura definições de tempo em jogos de linguagem que pretendem dizer algo”, a interacção com o livro digital permite ao leitor ou aprendiz leitor levar a cabo processos de descodificação da mensagem, os quais, ultrapassando as fronteiras da palavra, poderão favorecer a compreensão da estrutura narrativa. É para tais novas formas de aprendizagem que implicam a convivência com diferentes suportes e com diferentes linguagens resultantes do mergulho no universo digital que aponta o recente estudo de Jewitt (2009), frisando a autora que o impacto visual da página e do ecrã são diferentes, tal como a forma como a informação está organizada. Aponta, pois, o facto de a página ser essencialmente do domínio da escrita, sendo o enquadramento da imagem na página parte integrante das “regras organizacionais da escrita”; por seu turno, o ecrã faz parte do domínio do visual, sendo enquadrado segundo as “regras organizacionais do visual”. Além disso, sublinha ainda a autora, o ecrã permite combinar imagem, imagem em movimento, escrita, discurso, som e outros modos (idem, pag.14). Tal implicará, pois, uma multiplicidade de formas distintas de aceder às mensagens veiculadas, abrindo caminho a redefinições do acto de ler. Exemplos de que assim acontece no que concerne o acto de ler, podem igualmente ser encontrados em sites da Internet que dialogam de formas distintas com o leitor, incitando a sua participação. Face ao vasto conjunto de sites que hodiernamente proliferam, seleccionámos apenas três para ilustrar o nosso ponto de vista. O site http://www.historiadodia.pt parece-nos ser um bom exemplo já que possibilita diariamente aceder a uma história diferente de António Torrado, autor de prestígio no âmbito da literatura Infanto-Juvenil Portuguesa. O leitor pode não só ouvir a história “do dia” como também partilhar os seus pontos de vista sobre a mesma com outros leitores, via correio electrónico, tornando-se membro activo de uma comunidade leitora virtual (Clube dos Amigos). É igualmente disponibilizado um Glossário que possibilita esclarecer algumas dúvidas sobre termos específicos. Em contexto de sala de aula, o docente poderá, pois, desenvolver estratégias que tornem mais estimulante o acesso às histórias exploradas. 82


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O Sotão da Inês (http://sotaodaines.chrome.pt) dá-se a conhecer através de uma página de abertura muito atractiva do ponto de vista visual, possuindo vários ícones em movimento que chamam a atenção do potencial leitor. Neste sótão residem múltiplas histórias que possibilitam levar a cabo diferentes formas de interacção com o texto seleccionado, sendo o leitor instigado a ir ao encontro de imagens e palavras que transformam o acto de ler num mosaico de significados múltiplos, apelando a novas descobertas. O leitor poder-se-á, pois, sentir mais envolvido no acto de ler pela dinâmica instaurada. O site “de dicas” de origem Brasileira, cujo exemplo consideramos também muito positivo (http://sitededicas.uol.com.br), não é dedicado, em exclusivo, à leitura, mas ilustra o modo como esta pode proporcionar dimensões renovadas de interacção, mormente no que concerne o investimento nas relações entre a imagem e a palavra. Assim, o site permite a “leitura” de “histórias visuais”, contos infantis sem texto, contos edificantes, folclóricos e fábulas ilustradas, entre outros. No que concerne as fábulas, há um convite à exploração das mesmas, já que “o leitor, Pai ou educador, poderá consultar algumas questões relativas ao texto”, clicando num botão vermelho que aparece do lado direito do ecrã. Este site revela-se, pois, multifacetado na abordagem que faz relativamente às propostas de leitura apresentadas, conferindo importância acrescida aos elementos visuais interligados com as histórias. Promove, deste modo, a exploração de múltiplos percursos de leitura já que, como sublinha Jewitt (2009, p.133), o ecrã redefine o labor do leitor, encorajando-o a encontrar novas formas de ler. Para além dos exemplos acima mencionados, pensamos ser actualmente relevante enquanto pórtico de acesso a novas formas de (re)ver a leitura, o uso do blogue em contexto educativo. Assim, se vários estudos apontam para as vantagens da sua utilização, mormente no que concerne o instaurar de práticas de colaboração entre alunos e educadores/professores e o desenvolvimento e consolidação de competências de comunicação (Faria, 2008, p.161-163; Pereira & Pimentel, 2009, p.172), o blogue parece também potenciar a abertura de novos universos, no que concerne a leitura. Importa, em primeiro lugar, não esquecer, como sublinha Amante (2007, p.54), que as tecnologias de informação e comunicação possibilitam dar resposta à grande curiosidade das crianças, favorecendo o abranger de todo um leque de conhecimentos que conduz a uma visão mais ampla do mundo. O blogue poderá funcionar, pois, como contributo relevante no que concerne a emergência da literacia, tendo sido levados a cabo vários esforços nesse sentido, conforme explicitamos em seguida. O estudo conduzido por Ádila Faria ao longo do ano lectivo de 2006-2007 no jardimde-infância do Rio Côvo (em Santa Eulália, Barcelos), com um universo de treze crianças com idades compreendidas entre os quatro e os cinco anos de idade, aponta, de facto, 83


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para a importância desta ferramenta digital no incrementar da promoção precoce de hábitos de leitura. Assim, a criação do blogue “Da janela do meu jardim”, processo no qual participaram activamente todas as crianças envolvidas, permitiu concluir que “o blogue ajuda a promover a leitura e a escrita, assim como a aquisição de competências de comunicação” (Faria, 2008, p.163). Ao incluir o conto, a adivinha, a lengalenga, o poema, os registos orais e pictóricos num novo formato, permitindo arquivar digitalmente os trabalhos dos alunos, o blogue favoreceu a prossecução de práticas conducentes à promoção da literacia, articulando competências a vários níveis da linguagem. Pereira e Pimentel (2009, p.174) corroboram a relevância do uso do blogue enquanto ferramenta ao serviço da promoção do prazer dos actos de ler e escrever, sublinhando o seu papel no desenvolvimento de competências de língua Portuguesa nos alunos do 1.º Ciclo do Ensino Básico. Assim, de entre as propostas apresentadas pelos autores a implementar no espaço de sala de aula, destaca-se o recurso áudio facilitado pelo blogue já que não só permite ao professor estimular e promover a compreensão e a produção linguísticas orais e escritas, como também mobilizar uma reflexão conjunta sobre os níveis de desempenho na leitura. Ao reflectir sobre o contributo das tecnologias de informação e comunicação para a leitura no 1.º ciclo do Ensino Básico, Santos (2006) salienta, por seu lado, os benefícios no processo de ensino/aprendizagem proporcionados através do uso do blogue, no que concerne a leitura e a escrita. A autora aponta, entre outros: a) o acesso a uma multiplicidade de géneros narrativos que potencia uma diversidade de escolhas motivadora para os alunos; b) a possibilidade de postar imagens junto dos textos, favorecendo uma interacção profícua entre o visual e o escrito e c) a possibilidade de os alunos verem textos da sua autoria serem disponibilizados online, sendo alvo de comentários dos seus pares, dos professores ou dos seus familiares, estimulando-os a ler e a escrever num processo de continuidade interactiva. Anderson e Balajthy (2009) fornecem, por seu turno, testemunho das potencialidades do blogue no que concerne a implementação de hábitos de leitura em crianças Americanas de ascendência Africana com baixos níveis de literacia. De facto, constatou-se que a criação de um blogue, ao possibilitar a troca de informações e pontos de vista sobre obras previamente seleccionadas em conjunto pelas crianças e pelos professores, fomentou o prazer de ler, encorajando os participantes a manter os objectivos previamente traçados. Os autores sublinham que embora os professores fornecessem linhas de orientação e sugestões para os conteúdos do blogue, a criatividade das crianças era incentivada no que respeita a adaptação do conteúdo de trocas de opiniões sobre livros específicos mencionados no blogue (Anderson & Balajthy, 2009, p.541). Tal permitiu, pois, motivar 84


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as crianças para continuarem activamente embrenhadas no acto de ler, melhorando concomitantemente as suas competências comunicacionais e níveis de literacia. Estas diferentes formas de reconfigurar o acesso à consolidação do imaginário infantil pelos percursos de leitura que potenciam, consubstanciando uma pletora de abordagens ao acto de ler, podem ser vividas proveitosamente em contexto educativo, sendo integradas na prossecução dos objectivos de facultar o desabrochar e alicerçar das “multiliteracias” exigidas pelo contexto comunicacional actual. É que, como defende SimSim (2009), o leitor hoje não só é “construtor de significados” mas também “consumidor crítico” de informação online, podendo participar activamente na partilha global de conhecimento e colaborar digitalmente com outros parceiros educativos. Apesar de reconhecer as potencialidades inerentes ao uso das novas tecnologias de informação e de comunicação, Sim-Sim (2009) não deixa de sublinhar os constrangimentos e desafios inerentes a tais desenvolvimentos, quer no que concerne o professor, quer no que concerne o aluno. Assim, aponta, entre outros aspectos, no primeiro caso, para a dificuldade de integração plena da tecnologia na prática e para a formação dos docentes que a utilizam. No que respeita os alunos, destaca, por seu lado, o risco do não empenhamento na leitura em profundidade, o decréscimo no consumo da cultura literária e a produção acrítica de blogues a qual, em seu entender, não promove a comunicação autêntica nem o desenvolvimento aprofundado de ideias. Importa, pois, considerar que apesar das vantagens que lhe estão inerentes, o uso das novas tecnologias de informação e de comunicação implica uma partilha renovada de saberes e um alicerçar de competências que fomente o sucesso da implementação do processo de ensino/aprendizagem mais adequado. No que respeita as práticas de leitura, tal processo favorecerá uma aproximação confiante e motivadora ao acto de ler, evitando a dispersão no oceano de escolhas facilitado pelo acesso e incremento do uso da Internet. De facto, parece haver ainda algum caminho a percorrer para que a união entre a tecnologia e a leitura se efectue em pleno, beneficiando alunos e docentes que partem à descoberta de percursos potenciadores de novos significados em suporte digital. Assim, apenas através de uma reflexão profunda e de uma colaboração dinâmica que extravase as fronteiras da comunidade educativa poderemos, talvez, responder com mais sucesso a tais desafios – mormente o de formar leitores para toda a vida que exerçam uma cidadania em pleno.

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Conclusão Com o advento da comunicação em rede, consolidada pelo incremento do uso em contexto educativo das novas tecnologias de informação e comunicação, foram dados passos decisivos para o reconhecimento da necessidade de rever práticas de literacia que hodiernamente exigem um mosaico de saberes permanentemente aberto à (re) construção. O acto de ler, à luz das mudanças de um mundo cada vez mais global, pode agora ter lugar fora dos limites tradicionais da página escrita, com o auxílio da tecnologia, a qual permite desenvolver competências que extravasam as fronteiras da palavra, aliando-lhe sons e imagens em movimento que instalam universos imaginários de forma porventura mais profícua. Se o livro continua a ser uma ferramenta fundamental para a emergência da literacia, reinando no território dos afectos e consolidando emoções em rede, a oferta de leitura proporcionada por sites na Internet, o recurso à biblioteca digital, bem como a dinâmica instaurada pelo uso dos blogues em contexto educativo, motiva também os leitores a partirem em busca de trilhos inesperados mas compensadores. Ler na era digital implica e continuará a implicar o rever de práticas em contexto educativo, conducentes a uma colaboração mais activa com a comunidade envolvente e um crescente empenhamento e motivação por parte de todos os que partilham a responsabilidade de educar para a literacia.

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Dulce Helena M. R. Melão • Ler na era digital: os desafios da comunicação em rede e a (re)construção da(s) literacia(s)

Correspondência Dulce Helena M. R. Melão Escola Superior de Educação de Viseu Rua Maximiano Aragão 3504-501 Viseu dulcemelao@esev.ipv.pt

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“Human Rights and Citizenship Education” and in-service teacher training: an experience Fernando Sadio Ramos

Escola Superior de Educação de Coimbra - Instituto Politécnico

Resumo O texto que se segue apresenta uma experiência formativa levada a cabo em três Acções de Formação Contínua de Professores sobre Educação para a Cidadania e para os Direitos do Homem. Essa experiência teve lugar dentro do contexto mais geral de um projecto de Educação para a Cidadania e para os Direitos do Homem que vem decorrendo desde 2002 e que envolve a nossa instituição – Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra –, a Universidade de Granada e o Conselho da Europa (em particular, através do Centro Europeu da Juventude de Budapeste). Para este projecto, a formação contínua de Professores é uma componente importante, mediante a qual se busca um ensino e formação de qualidade e excelência. A utilização de metodologias de Educação Não-Formal é o traço distintivo desta experiência e do Projecto em que a mesma se integra. Palavras-chave Formação de professores, Educação para a cidadania e Direitos do Homem, Educação não-formal

Abstract The text below presents a training experience on Human Rights and Citizenship Education which took place at three In-Service Teacher Training Courses. This experience occurred in the more general context of an ongoing Human Rights and Citizenship Education project, which has been overseen by our institution, the College of Education – Polytechnic Institute of Coimbra, University of Granada and the Council of Europe (in particular, the European Youth Centre Budapest). In-service teacher training is an important component of this project, which seeks excellence and high-quality in both teaching and training. The use of non-formal education methodologies is a distinctive feature of this experience and of the project it is a part of. Key-words Teacher training, Human Rights and citizenship education, Non-formal education

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Prologue This text aims at uncovering some aspects of the work we perform1 at the Escola Superior de Educação of the Instituto Politécnico de Coimbra, and, in particular, our experience of Human Rights and Citizenship Education at three In-Service Teacher2 Training Courses. The need for Teacher Training in Citizenship Education derives from the fact that the Portuguese Basic Education Curriculum contains a transversal curricular component on Citizenship Education, as well as a curricular non-disciplinary component of Civic Education (Ramos, 2007; DGIDC, 2010a; 2010b; Afonso, 2007), thus corresponding to the great importance given by this Educational System to the students’ personal and social development (Ramos, 2007; LBSE, 1986). Our institution already has a considerable experience in delivering Teacher Training in what concerns Value Education in general (Ramos, 2008; Reis; Ramos; Cunha, 2007). This work takes place within the context of a Human Rights and Citizenship Education project, which we have been implementing since 2002 at the institution we are members of and at the University of Granada, through the Research Group DEDiCA. This project has several dimensions, which refer to research, training and community and social intervention in the area of Human Rights and Citizenship Education, amongst others. The activities involved include a series of diversified tasks covering all the aforementioned dimensions, of which in-service teacher training is an important aspect. Seeking excellence and high-quality in teaching and training is constantly pursued for this project. An essential characteristic of the project is the cooperation established with the Council of Europe, in particular with the European Youth Centre Budapest, to whose work we have linked the development of this project. The result of these vectors is the training experience presented here, in a descriptive and qualitative perspective. Our text aims at presenting the training experience in itself and demonstrating the evaluation carried out by the trainees, showing their own perception of personal and professional change and their judgement of the training performed, in particular, its usefulness for their teaching work. The connection with the Council of Europe’s Human Rights Programme is peculiar to this experience, making it unique. Therefore, it is not possible to refer it to other experiences. Nevertheless, Citizenship Education is a major concern of the Portuguese National Curriculum and we will refer to it in order to establish the need for such specific training of Teachers. The text begins by presenting some basic philosophical and pedagogical theoretical notions and options supporting the definition of the programme. In line with Paulo Freire’s educational thought, we think that education always presents a choice in political terms (Freire, 1974, 2003). Therefore, the first task in the presentation of an 92


Fernando

Sadio

Ramos

“Human

Rights

and

Citizenship

Education”

and

in-service

teacher

training

assignment is the clarification of the basic axiological options of the author, in order to clarify his own statements and positions in what concerns his political and educational choices. Hereafter, we present the structure of the training courses and the results of the evaluation of the training performed by the trainees.

I Human Rights and Citizenship Education, Citizenship3, Human Rights and Intercultural Education4 As stated above, education is never value-neutral, a condition that requires that one should assume, and explain what basic understanding of sense of education lies under a given essay or presentation. Thus, its presented political orientation may be stated and clarified. In the case of this article we are required to explain the following concepts that underlie the conceptual structure of the programme defined for the training: Human Rights and Citizenship Education; Citizenship; Human Rights and Intercultural Education.

Human Rights and Citizenship Education The perspective of Human Rights and Citizenship Education presented in this article follows the Council of Europe’s understanding of the concept. According to that official definition, Human Rights Education concerns «(…) educational programmes and activities that focus on promoting equality in human dignity, in conjunction with other programmes such as those promoting intercultural learning, participation and empowerment of minorities» (Brander; Keen; Lemineur, 2002: 17). This kind of education should allow people to become aware, on a daily basis, of the Dignity that defines the Human Being (Brander; Keen; Lemineur, 2002: 17-18), and this is a major task of education that has to be promoted at all levels (COE, 2010). It is, therefore, a major line of action for European Governments that translate this concern in their educational settings and legislation, such as in the case of Portugal (Eurydice, 2005). Human Rights and Citizenship Education and the subsequent preparation of teachers to implement it are an important requirement in our time for a number of reasons. Firstly, History has shown us a series of violations of Human Dignity, which require our ongoing intervention and commitment. Secondly, a series of aspects have brought to the fore the need to assert and defend human beings as citizens entitled to inalienable rights: 1. Economic globalisation;

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2. Technological progress; 3. Migrations; 4. AIDS pandemic in Africa; 5. Current challenges brought by multiculturalism; 6. The step taken backwards by Human Rights due to terrorism, ultraliberalism and capitalism. Thirdly, the development of European Citizenship leads us to promote Citizenship and Human Rights taking the following into account: 1. The expansion of the European Union with the need to further democracy in countries that have recently come out of long dictatorships; 2. Immigration and the need to integrate the 2nd and 3rd generations of descendants in this process; 3. The need to expand the ability to participate in representative democracy; 4. The issue of whether the real seat of power in representative democracies is increasingly being held by financial and transnational organisations, thus pushing the role of the national State to one side and people’s ability to exercise their power to decide their fate; 5. The need to socially integrate youth, a somewhat pressing problem depending on the countries and their demographics; 6. The need to solve the problem of chronic unemployment and of the structure of the economy of the ultraliberal and capitalist market. From the conjunction of these factors – a non-exhaustive list, of course – emerges the necessity of caring for educational settings of such type of education, so that citizens are able to recognise the value of Human Dignity and its violations, as well as to promoting daily actions that make today’s society more and more respectful of them, thus allowing Human Rights to become an essential component of everyday’s life (Brander; Keen; Lemineur, 2002: 17:18).

Citizenship Working in the field of Human Rights and Citizenship Education presupposes the definition of the concept of “citizenship”, which is necessarily practical and political, in view of the axiological non-neutrality of education (Freire, 1974; 2003). In line with the 94


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Council of Europe’s perspective, we follow the concept of citizenship in a democratic sense and connect it to a lifelong learning perspective (Birzéa, 2000). This implies, firstly, that it chooses a specific view of what a citizen is, connecting this concept to the those elements of the European Culture and Civilisation that have lead to the emergence of Human Rights and Democracy but that are, concurrently, able to be universalised (Sen, 2003: 159-171; 237-255; Pereira, 2003: 7; Rocha, 1985: 84-86; Pérez Tapias, 1996). Secondly, citizenship is a lifelong learning process, which is to say that everyone is involved in a process in which the achievements attained in a specific moment in life are not definitive and have to be constantly renewed and developed. This has two major educational and training implications. First, the Teachers themselves have to be constantly prepared for an ever changing reality and, therefore, are in a process of continuous learning, fact that we consider as a major presupposition of the training programme, as it will be referred later on. Secondly, being aware of the precarious nature of what was achieved is also a considerable feature of Human Rights and Democratic Citizenship because, as they are the result of Human struggle and praxis for a better society, they are also subject to disappearing and, therefore, needing to be protected and fought for in the citizens everyday’s actions, in which education is included as a relevant dimension. If we analyse the concept of “citizenship”, with its Greek origins (Nogueira; Silva, 2001; Cabrera Rodríguez, 2002: 83-101), it shows us a constant presence of the idea of “exclusion”. Being a citizen is to be different from others that are excluded from citizenship, whether this differentiation is defined in terms of sex, nationality or income, for example. A citizen has always been defined by a differentiation from the others, who are deprived of the status of citizenship and its respective rights and obligations, and consequently seen as inferior in social and political terms. Throughout History, those who have been at some point excluded from participating in public affairs have struggled for gradual inclusion to access existing rights, or to gain new ones. A broader concept of “citizenship” should, therefore, strive for inclusiveness (Lister, 2008; Valadier, 1991: 82103). This outline implies that tolerance and respect for differences should be included in the concept of citizenship, acknowledging the fundamental reference to others which humanity consists of - in its individual and collective elements. Consequently, interculturality will be another dimension of citizenship, excluding the concept of identity when it negates the essential differences that make us human and our relationships with others5. Multiplicity is also at the core of this type of citizenship, since it is also exercised at various levels, for example private, local, national, supranational and cosmopolitan citizenship. 95


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The outlined concept of citizenship must, ultimately, reaffirm people’s individual

and specific situations, i.e. their personal reality. This term simultaneously covers individuality and the fundamental reference to others or human intersubjectivity, which is irreconcilable with any generic notion. It is not by chance that this anthropological concept is essential in the philosophy and deontology of Human Rights (Rocha, 1985).

In short, being a citizen today is based on a concept of citizenship understood as

personal, inclusive, intercultural and multiple.

Human Rights and Intercultural Education The concept of Citizenship can only be consistent by means of reference to Human Rights, which constitute its core values (Birzéa, 2000: 15; 26; 32; 34). They form the basis, which can become universal for all human beings, of a political and educational activity for the promotion of Human Dignity, as a fundamental and structural value of these rights. In connection with the above, the issue of Human Rights’ links with History and Western culture, and their limited applicability to other cultures and some other specific aspects of our hyper complex and differentiated societies6. The use of axiological universalisation criteria can categorise the debate and organise courses of action in the current world7. Firstly, the absolute value of the dignity of human beings must be asserted. This is an anthropological or personalist criterion, whose promotion and dignification must be constantly reaffirmed and pursued. It is followed by the dialogic or communicative criterion, which presupposes dialogue and communication between social and political actors as a necessary condition to solve inevitable differences of opinion. It must be supplemented by use of an argumentative or rational criterion, which requires the use of a logical, dialectical and rhetorical line of argument to support a change of mind and the confrontation of perspectives that occurs in communication and dialogue. In order to complete the process, urgency and opportunity of action may lead to the necessity of making a decision, after applying the criteria defined above. The democratic criterion places the decision in the hands of the majority who makes a statement on the issue, whilst still respecting the rights of the minority or minorities. Education plays an important role in the promotion of the ideals advocated hereby (CNE, 2000). By disseminating awareness, which makes it possible to unveil what does not yet exist, but should, it becomes possible to promote action and change. Consequently, Education tackles the great challenge of promoting the experience and learning this citizenship, through its initiatives and activities. This means that all its agents should 96


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be aware of their ability to change the world, and that Citizenship, Human Rights and Interculturality subjects should take part in the training of all teachers, and not just of some “specialists” (Perotti, 1994). Training should make it possible to acquire the skills of understanding and empathy, as these are essential for educational situations. However, it should also provide a chance to reflect, and, consequently, to distance oneself from one’s own cultural conditioning and respective inconsistencies. Consequently, Intercultural Education must be understood on the basis of its two important dimensions, besides the mere technological dimension of being more of an educational resource that can be included in the training curricula of teachers (André, 2005). One lies in the potential to be a powerful medium to promote understanding between different societies and cultures and to establish the dialogue our times need, presupposing their equal dignity. Consequently, it has a hermeneutic role to play (André, 2005). This does not yet suffice, since there is an effective need to transform society. This critical or political point of view emphasises the fact that Education plays an important role in the transformation of society and, as a result, Intercultural Education is given a practical and political meaning since its considerable capacity to change society is recognised, above all by disseminating awareness to everyone involved in the educational process, or determined by it in some way (André, 2005; Freire, 1974; 2003). Given this, intercultural issues are to be considered frequently in training activities, since in a globalised world no theme or question can be isolated in a specific context without considering its implications in global terms and in other societies. Human Rights’ issues are particularly keen on this, and not only those related to emerging Human Rights (3rd generation of Human Rights), but also the civil, political, economical, cultural and social Human Rights (1st and 2nd generations of Human Rights) (Brander; Keen; Lemineur, 2002: 291-295). Also, the question of the universalisation of Human Rights has to be considered, as referred above. The specific conditions of the appearance of Human Rights in Europe, indispensable in their doctrine’s definition (Rocha, 1985: 8486), are not the same features that lead other societies to define their own predecessors of Human Rights (Rocha, 1985: 84-86) and this has to be faced when dealing Human Rights’ activities in today’s intercultural social and educational contexts (Pérez Tapias, 1996). II The training courses Definition context With the previous ideas in mind, we defined a training programme applicable to 97


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several circumstances in which Teacher Training would be performed. Some variations may be considered, such as initial or complementary training, two processes that occur in the teaching preparation in Portugal. For this article, we have chosen to consider experience in terms of In-Service Training, involving teachers performing educational activities with the students similar to the ones they had received with their training. As previously stated, there’s a remarkable need for the preparation of Teachers to impart Citizenship Education due to the importance that this curricular element takes on in the Portuguese Basic Education Curriculum (Ramos, 2007; DGIDC, 2010a; 2010b; Afonso, 2007). The specific conditions of the country’s History, bearing in mind its subjection to a long dictatorship and the implementation of a democratic regime, are on the basis of the importance given to the citizenship’s issues in school curricula (BrederodeSantos, 2000: 53-62; 2004; Silva; Cibele, 2000; Menezes; Xavier; Cibele; Amaro; Campos, 1999; Ramos, 2007). In fact, this curricular element appears in the current curriculum as a major requirement for all curricula, since Citizenship Education is a transversal component, which means that all curricular subjects should focus on Citizenship. As well as a curricular non-disciplinary component, it also appears as Civic Education, thus corresponding to the great importance given by this Educational System to the students’ personal and social development (Menezes; Xavier; Cibele; Amaro; Campos, 1999; LBSE, 1986; CRSE, 1988: 119; Ramos, 2007). As shown in a study on students’ perceptions on civic/citizenship education, «(…) there are intentional efforts, at the level of the planned curriculum, to promote the role of school learning in empowering youngsters for active citizenship in a democratic context» (Menezes; Xavier; Cibele; Amaro; Campos, 1999: 500). Although this effort is translated into a carefully defined regulation and curricular orientations, as well as the production of teaching materials (Menezes; Xavier; Cibele; Amaro; Campos, 1999: 500-501), it is not noticed in everyday’s school practice by its agents who tend to perceive it as «(…) frequently episodic and discontinuous (…)» (Menezes; Xavier; Cibele; Amaro; Campos, 1999: 501) in those curricular component experiences, despite some exceptions (Menezes; Xavier; Cibele; Amaro; Campos, 1999: 501). This does not allow to «(…) ensure their potential for developing students’ citizenship concepts, attitudes and competencies» (Menezes; Xavier; Cibele; Amaro; Campos, 1999: 501), reason why this study points the existence of a wide consensus in what concerns the attribution of «(…) more space and time for teachers to speak and debate with the students (…)» (Menezes; Xavier; Cibele; Amaro; Campos, 1999: 501). The analysis of the students opinions show «(…) the crucial significance of creating, within the school and beyond, spaces for interaction and dialogue in which citizenship issues, instead of being explained to the youngsters, would be discussed and analyzed with them in the spirit of cooperation and negotiation that characterises real democracy» (Menezes; Xavier; Cibele; Amaro; Campos, 1999: 501). This would lead us to the discussion – which we 98


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will not develop as a matter of conciseness– of the necessary and potentially subversive nature of Citizenship Education for many of school and society dimensions, and its connection with the transformation of society that education should promote (Freire, 1974; 2003), as we can see in the discussion of Neil Postman and Charles Weingartner on this subject (Leighton, 2006; Clemitshaw, 2008). Nevertheless, it should be pointed out that social change may have effective outcomes through Citizenship Education, according to a study by Stephen Gorard, Beng Huat See and Robina Shaheen, in which less family support and social determination on the students’ achievements is shown for this subject (Gorard; See; Shaheen, 2009: 35-45). In this context, and in a similar manner of what is proposed for Intercultural Education (Perotti, 1994), every Teacher has to be prepared to conduct this practice, not only as the Teacher of a specific subject or equivalent curricular area, but also as someone who is able to focus the subjects on their Citizenship and Human Rights aspects and implications (Abrantes; Cibele; Simão, 2002; Pureza; Praia; Cibele; Henriques, 2001). Although our course has been previously defined (2003) – in line with a considerable work on this field of teacher training performed by our institution since its foundation in 1987 (Reis; Ramos; Cunha, 2007; Ramos, 2008) –, it is worth looking at our training programme and its results according to an international study published in 2005. In this study on Young Portuguese Students’ knowledge, conceptions and practices of Citizenship, the understanding of Civic Education/Citizenship it is also shown using the sample of participant Portuguese Teachers (Menezes; Afonso; Gião; Amaro, 2005: 157188). From the application of a Questionnaire, the study was able to reveal dimensions of the Teachers’ perceptions on Civic Education/ Citizenship, namely the way in which it is implemented in schools and the opportunities that Students have to develop the knowledge, attitudes and competencies acquired both in and out of the classroom (Menezes; Afonso; Gião; Amaro, 2005: 159). The study’s participants come from the educational levels from the 8th to the 11th year. The curricular reference and contents of the study correspond to the official definition of the Ministry of Education (DGIDC, 2010b). We will present the Teachers results and main conclusions to compare these with the results obtained with our trainees. In general, the Teachers that have integrated the study had not been prepared to impart Civic Education and only a few had attended In-Service Training programmes on the subject (Menezes; Afonso; Gião; Amaro, 2005: 159-163). Concerning their views on Civic Education/ Citizenship, the great majority thinks that it is important for the country, it contributes for the political and civic development

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of Students, schools influence the development of the students’ attitudes and opinions on citizenship, and school authorities give little importance to civic education and citizenship (Menezes; Afonso; Gião; Amaro, 2005: 165; 177). This is supported by a study carried out in England during 2007-2008 which shows «(..) that student/family background and institution-levels factors are relatively minor determinants of citizenship outcomes» (Gorard; See; Shaheen, 2009: 35), which means «that improvements here can come easier than in more traditional school outcomes, since they appear to be more sensitive to teacher and students experiences» (Gorard; See; Shaheen, 2009: 35). In what concerns the curricular approach of the subject, the vast majority thinks that it should be a part of all subjects or of those related to Human and Social Sciences. Almost half of the 8th and 9th year Teachers reject the creation of a specific subject while 51, 9% of the 11th year are in favour. The majority of all Teachers refuses an extracurricular area (Menezes; Afonso; Gião; Amaro, 2005: 165-166; 178). Concerning the contents, the majority mentions the official curriculum, but a great number emphasises the negotiation of the issues with the students; it disagrees with the idea that what is important in Civic Education/ Citizenship might not be taught at school, and a very significant number also disagrees with the idea that the social conflicts and changes do not allow for the achievement of a consensus on the issues to teach (Menezes; Afonso; Gião; Amaro, 2005: 166; 178). About the learning objectives and outcomes, we mention the fact that the majority particularly states how important is that the students learn to stand for their own opinions, to develop a sense of honesty, to become aware of the world’s problems, to fight injustice, to accept and cope with conflicts, to recognise the right of minorities to express their culture, to participate in activities aiming at promoting Human Rights, helping people in the community and protecting the environment (Menezes; Afonso; Gião; Amaro, 2005: 166-168; 179-180). Another element of the study explains how they see Civic Education/ Citizenship in school. When asked about the focus of Civic Education/ Citizenship in school, they are invited to show their perception of the ideal and the real situation. The ideal focus of Civic Education/Citizenship should draw attention to these issues, in decreasing order of importance: 1) Knowledge about Society; 2) Students’ critical and autonomous thinking; 3) Active participation in political and community activities; 4) Development of Values. The real situation’s focus, according to the majority, on a diverse order, starting with the most important: 1) Knowledge of Society; 2) Development of Values; 3) Students’ critical and autonomous thinking; 4) Active participation in political and community activities

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(Menezes; Afonso; Gião; Amaro, 2005: 168-169). This aspect of the study only concerns the 8th and 9th year Teachers, and it is not referred by the 11th year Teachers. With regards to the actual learning of students at school, it is mostly emphasised what concerns the learning of how to work in group, to act in protection of the environment and to understand people with different ideas (Menezes; Afonso; Gião; Amaro, 2005: 169; 180). About the sources of material and subjects used to prepare educational activities, the majority of the 8th and 9th year Teachers refer the media and the founding documents on Human Rights and Citizenship issues (Declaration of Human Rights and the Portuguese Constitution, for example). Nevertheless, over 60% refer the official curricular orientations and programmes on Civic Education as something not very clear since, by then, those documents had not yet been approved or distributed (Menezes; Afonso; Gião; Amaro, 2005: 169-170). The study does not refer this aspect in what concerns the 11th year teachers. About the activities developed in the classroom, Teachers mostly refer the work with school manuals, the posing of questions by the teacher answered by the students, the use of task-sheets and the discussion of subjects proposed by the Teacher. Less frequent are role-playing, participating in activities in the community, projects involving collecting information outside the school and work group presentations. A curious result is the fact that role-playing and activities in the community are never used by 23% and 14% of the 8th and 9th year teachers and 22% and 13, 5% of the 11th year teachers, as well as the discussion of controversial issues is only frequent to 47% of the former and 35, 6% of the latter (Menezes; Afonso; Gião; Amaro, 2005: 170-171; 181). We are, therefore, in the presence of a teacher-centred teaching and learning perspective, and a considerable importance is given to manuals and task-sheets (Menezes; Afonso; Gião; Amaro, 2005: 181). In order to improve the imparting conditions for Civic Education/Citizenship in the schools, the majority points out the time dedicated to the subject, the cooperation between the curricular subjects and with specialists. Materials and training centred in specific subjects are the less pointed (Menezes; Afonso; Gião; Amaro, 2005: 171). In what concerns the evaluation of students, oral participation and written tasks are the most chosen, but 13% refer that no specific form of evaluation should be used; the daily socialising of the students and the observation of attitudes and behaviours is also referred by a small percentage (9, 8%) (Menezes; Afonso; Gião; Amaro, 2005: 171-172). Another element of the study concerns the possible curricular contents for Civic Education/ Citizenship. The teachers were asked to choose from a list of topics which 101


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they considered most important for the students, but also indicating if they considered themselves prepared to work on these issues, and if they thought the students had the opportunity of learning about these issues until they finished High-School, in this case, the 11th year. Firstly, it should be stated that there is a considerable difference between what the teachers think is important to be learned, and their own ability to deal with these issues, and then there is also a considerable difference between their ability to impart the issues and the opportunity for the students to learn about them. The themes referred by 8th and 9th year teachers are, in a decreasing order of importance, the environmental themes, the rights and duties of citizens, the civil and human rights, the cultural differences and minorities, and the equal opportunities for both men and women, while the 11th year teachers point out rights and duties of citizens, civil and human rights, environmental themes, cultural differences and minorities, civic qualities and equal opportunities for men and women. The item “Important events in the History of the Country” is ranked as the 8th (8th and 9th year teachers) and 9th (11th year teachers) most important, but it is the one that the Teachers think they are better prepared to teach. It is followed by “civil and human rights”, “rights and duties of citizens” and “cultural differences and minorities”, in what concerns the 8th and 9th year teachers, while 11th year teachers mention “environmental themes”, “civil and human rights” and “rights and duties of citizens”. As for the opportunities students have to learn about those issues, the 8th and 9th year teachers consider that the item “Important events in the History of the Country” is, by far, on the top, followed by the “environmental themes”. But when asked the 11th year teachers if they worked with the students on these themes, 75% said “no” and 4, 5% said “yes”, which shows the little opportunity of the students to study civic and citizenship issues. When asked about the issues approached during their classes, 11th year teachers referred the environmental themes in the first place, followed by the rights and duties of citizens and civil and human rights, mostly performed within the context of the subjects’ curricular programmes and of everyday school life (Menezes; Afonso; Gião; Amaro, 2005: 172-173; 181-183). As for the students participation at school, teachers have positive perceptions, namely on the intervention in the Students Association and as Class Delegates. The organisation of cultural activities, cooperation with teachers in the solution of discipline problems, conflicts between students and school problems are also listed (Menezes; Afonso; Gião; Amaro, 2005: 174; 183-184). Considering if the different school experiences the students may go through allow their empowerment, although referring that all of them have some or much importance, the spaces dedicated to debating with community members, with the class-director or teachers, the school newspaper and the school trips are more valued by the 8th and 9th year teachers. Nevertheless, only 33, 8% of these teachers, and 30, 6% of 11th year, consider 102


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that their students are particularly committed in some project of intervention, which may contribute to their civic development. As to the 11th year teachers, they highlight the positive contribution of the work in the Students Association for the development of the self-decision capacity of the students, the ability to organise school trips, and to solve problems between students and teachers (Menezes; Afonso; Gião; Amaro, 2005: 174-175; 183-184).

Presentation of the training courses With the aim of realising the philosophical and educational ideas stated above, our Human Rights and Citizenship Education Project implemented an educational and training course in three In-Service Teacher Training Courses, which were prepared and performed by the author of the present article. An important dimension of In-Service Teacher Training is ensured by Teacher Training Centres, which are associations of schools established in order to perform this task. As well as similar ones aiming at enhancing their associated teachers’ preparation, these associations also provide career management counselling. In our case, the training took place in a Centre, situated in a vast region on the North of Portugal. Each session was performed in one school year, and an associated school was the venue for the training. The idea of rotating the venue was ensuring that most of the associated teachers were able to attend a training session. Teachers need the training for two main purposes, that of acquiring more competencies for their teaching activity, and that of collecting elements for their CVs and to progress in their careers. The training sessions were scheduled for when the enrollment took place (by October/November of each school year) and lasted for seven weekly sessions, interrupted by school holidays and other school commitments, which meant that the training was usually resumed in February, and finished by May. The main aim of these training initiatives was to disseminate Human Rights and Citizenship Education in the Council of Europe’s perspective on this kind of education, due to our mutual cooperation. Together with this aim is the dissemination of Compass. The Manual on Human Rights Education with Young People (edited by the Council of Europe, in 2002, and which has been translated into many languages over the years8; Brander; Keen; Lemineur, 2002), and non-formal education methodologies. In Table I we may find the total number of the Teacher Trainees that have attended the three courses, distributed by their level of teaching and gender.

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Table I – Number and gender of teacher trainees Course 1

Course 2

Course 3

Total

Men

4

6

3

13

Women

18

7

14

39

Total

22

13

17

52

The teaching experience of the attendants ranged between two and 22 years in the profession. Participants of Course 1 are Primary and Secondary School Teachers – from the 1st to the 12th year –; participants of Courses 2 and 3 are Pre-School, Primary and Secondary School Teachers – 3-5 years and 1st to 12th year . As in many other countries, the teaching profession is predominantly dominated by female professionals, as the table shows. The coincidental fact that course 2 registers a gender balance in numbers, which was not sought by the organising Training Centre, is notable There was a large variety of teaching levels and years of experience. This diversity enabled very stimulating working groups, with very considerable and rich experiences of team building, communication and exchange of experiences. Some of the performed training activities addressed gender issues (such as domestic violence, for example), which usually raise very controversial ideas and opinions, especially in a country where there still is a number of considerable fatalities as a result of that social problem. It was possible to observe that the participants were able to face its different aspects in the most empathic, objective and effective manner, trying to analyse the phenomena and apply these to particular situations they knew, and improve their understanding. The diversity of the groups was mirrored in a set of members with extensive experience in terms of different teaching levels, and also with a considerable knowledge of diverse social environments and contexts. These conditions resulted in a remarkable effectiveness of the work performed, both in the training sessions and in the tasks assigned for the autonomous extra-session work. The data presented in Table I is from the Training Courses registries, thus including all those that have attended and completed the course.

Objectives of the training courses The Courses were defined to attain the following objectives: 1. To reflect on the importance of Human Rights and Citizenship Education in 104


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contemporary World; 2. To relate Human Rights’ issues with the personal and social development of the educational agents required by the Portuguese Educational Act (LBSE, 1986); 3. To develop the trainees’ knowledge, skills and attitudes with regards to Human Rights and Citizenship Education concepts and activities; 4. To put various strategies and activities of non-formal education connected with Human Rights and Citizenship Education into practice; 5. To familiarise the participants with Compass’ perspectives and activities.

Programme of the courses The following work programme was defined to achieve the previous objectives: 1. Brief overview of Human Rights and Citizenship Education in Europe and its current challenges. Human Rights and Citizenship Education as a prominent concern of contemporary society; 2. Analysis of the skills and values of trainers committed to Human Rights and Citizenship Education; 3. Practical activities of group dynamics to promote and develop attitudes and skills connected with Human Rights and Citizenship Education and included in Compass.

Various practical activities to promote democratic values and Human Rights are implemented at the same time as the theoretical treatment of the programmed subjects. For example: 1. All equal – All different (on Racism and Xenophobia); 2 Ashique’s Story (on Child Labour); 3. Different wages (on Discrimination at Work); 4. Do we have alternatives? (On Bullying); 5. Domestic affairs (On Domestic Violence); 6. Electioneering (On Representative Democracy); 7. Let every voice be heard (On Democracy at School); 8. Path to Equality-land (On Gender Equality).

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The implemented activities addressed the following issues of contemporary society: democratic citizenship, globalisation, racism and discrimination, interculturality, child labour, youth aggression and bullying, domestic violence and violence in general. Based on these, the Trainees put together a portfolio on their themes, which included several materials susceptible of being used in future teaching of Citizenship and Human Rights (information, photographs, videos, etc). The following results were obtained from the training: 1. Activities led by the trainees; 2. Portfolios written on the subjects of these activities;

3. Other products resulting from the implementation of the Human Rights and Citizenship Education activities. Training instruments The aim of the training, in line with the ongoing cooperation between the Escola Superior de Educação of the Instituto Politécnico de Coimbra and the Council of Europe, was to promote and disseminate Compass. Thus, it was the main training tool used for the training. Other instruments were also used, such as an article on Citizenship Education written by the author of this article (Ramos, 2007), and a selection of texts for encouraging group discussions on the essence of education, democratic citizenship and Human Rights (Ramos, 2006).

Methodology The courses were conducted under a basic methodological presupposition about the relevance of the Teacher’s person for the pedagogical relationship. From the start we assume the relational and intersubjective essence of the pedagogical act, of which the Teachers’ person is an important and decisive element, with the necessary implications in terms of his/her ethical and deontological development (Reis; Ramos, 2005; Ramos, 2008; Reis; Ramos; Cunha, 2007). In the methodological procedures adopted in the training, we aim at placing the trainees in a training situation similar to the pedagogical situation in its activities, contents and procedures. The idea is to make them go through similar experiences as the students when learning these issues. The similarity was achieved by doing the same activities when possible, and dealing with the same themes they might use when working with the students in future teaching situations. 106


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Naturally, the level in which the themes were presented has to be adapted to the age and teaching level of the students. With that procedure, firstly it is possible to produce an empathic understanding of the students’ experiences when dealing with these (adapted) issues and activities. Secondly, it is possible to use those personal experiences to raise a transformative conscience of the person of the teacher by allowing circumstances in which they are faced with the essence of value education, as well as of education as value conveyer, and reflect upon it. This personal transformation of the trainees’ person may be of importance for future pedagogical practice on this subject’s issues and on the teaching act in general. The methodology used included several procedures, such as: 1. Group reading and discussion of texts; 2. Brief theoretical explanations; 3. Practical group activities, led above all by the teacher trainees, based on significant, cooperative and participative learning. These activities are conducted on the premise that the group is the real learning subject and the systematic use of group discussion and reflection is promoted. Beyond the face-to-face hours (25), the trainees have a further 25 non-classroom hours of written work and prepare materials and activities to apply in the training sessions and with their students.

III Assessment and validation of the training courses The Training Courses were assessed and validated by this group of teacher trainees using a Questionnaire, drawn up by the Institution coordinating the training in the region. It contained both open (5) and closed (9) questions (these were answerable in a 1 to 5 scale, “1” being the less positive value and “5” the most positive). The evaluation made by the trainees was completed by daily observation and registration performed by the Trainer, which goes in the same exact sense of the Trainees’ evaluation results. The answers given to the five open questions were used to produce the main corpus of a content analysis, which is made in a qualitative perspective. The quantitative results are also joined to the analysis of this corpus. The biographical elements of the Questionnaire only included the Trainees’ name, but it could be filled in anonymously, which was opted by 7 of them. Therefore, it is not possible to cross data according to the different variables of the population.

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The open question No. 1 was answered in the beginning of the first training session and it was kept with the rest of the evaluation Questionnaire, in order to be accessible to the Trainee by the time the rest of the questions were answered, in the end of the training sessions. A total of 3 trainees were not present at the final of the courses and did not fill in their evaluation Questionnaires. Therefore, there are 49 available evaluation Questionnaires.

The open questions addressed: - Their training expectations (1. “I am attending this training session to find out about or master…”); - How the training met their expectations (2. “To what extent did the training sessions meet my main expectations”); - Training contents that can be used in their own teaching (3. “Some of the contents of the training sessions which you think you will use in your future work”); - Possible obstacles to this use (4. “Some obstacles that may prevent you from putting the knowledge and skills acquired in the training sessions into practice”); - Other comments (5. “Additional comments”).

The data obtained were processed by analysing the contents from a qualitative perspective (Vala, 2003). The validation objectives of the respective categories were defined afterwards, considering that the questionnaire had been written by another entity. This is the reason why the log units for a same objective and a same category could be taken from several questions, although the accuracy and requirements of the exhaustive and exclusive categories are respected for their internal validation at all times (Vala, 2003; Navarro; Díaz, 1999: 194; Van der Maren, 1996: 137).

The analysed assessments are subordinated to the following objectives: 1. To discover the teacher trainees’ expectations of this training (Question 1). 2. To find out whether the training meets this group’s expectations (Questions 2 and 5). 3. To find out whether these teachers will perceive a factor of personal, social and professional development in the training (Questions 2 and 5). 108


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4. To find out whether this trainee group thought that the training given would be useful and applicable to their own teaching in the future (Questions 3, 4 and 2). 5. To identify obstacles perceived by the teacher trainees concerning whether the contents of the sessions could be applied in their own teaching (Questions 4 and 3).

These objectives will lead to the establishment of the corresponding analysis categories: 1. Expectations. The log units that fall under this category came from Question 1. It covers the Trainees assumptions prior to the Training start and shows their expectations on what would be delivered. 2. Meeting expectations. This category covers log units withdrawn from Questions 2 and 5. It intends to determine how the Trainees think their initial expectations were met by the training performed. 3. Personal, social and professional development. This category receives its log units from the answers to Questions 2 and 5 and it means to detach elements of perceived development of the trainee in consequence of the training performed. 4. Relevance of the training / future application. Category 4 received its log units from Questions 3, 4 and 2 and aimed at covering the perception of the Trainees about the usefulness of the training for their teaching activity. 5. Obstacles and difficulties to apply contents. Log Units for this category were obtained from Questions 4 and 3. It aims at getting the perception of the trainees about the main obstacles and difficulties they think are most likely to prevent them from applying their learning in the training. Once the respective log units were detected, they were integrated into a data reduction matrix. The following aspects of the analysis can be highlighted. After each analysis, we will show tables with some of the pertinent log units obtained in correspondence with the category which is being referred (we keep the correspondent registration number of the data treatment performed).

Results of the evaluation In a general and brief overview of the results, it is possible to say that the opinions collected show a great deal of satisfaction with the a) Type of training received; b) Subjects covered; c) Way in which these activities were implemented; d) Relevance of the training for the Trainees’ teaching practice9. 109


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Open questions of the Questionnaire Category 1 The inherent analysis in category 1 (Expectations), provides reference elements that can encompass indications given by the log units of other categories. Consequently, it is adopted as the prior and necessary basis to understand the data provided by the teacher trainees in their assessments of the training. This analysis provides a series of expectations put forward by the participants in connection with: 1. The need to acquire knowledge, as well as materials on the specific training subjects (democratic citizenship, Human Rights and current issues, education in values, personal and social training, and educational strategies or activities); 2. To learn how to make groups, putting suitable techniques into practice fit for purpose; 3. Exchanging and discussing ideas/reflections/experiences; 4. Interest in receiving training (in specific subjects and in interpersonal relationship skills) which can be used in their daily teaching activities both in the classroom and in the community; 5. Personal enrichment; 6. Interest in career progression by acquiring the necessary accreditation. In Table II, we can see some of the statements collected from those answers. What comes out of the assumption of these expectations and the needs revealed in them is coherent with what is shown by the study on the Portuguese Teachers’ previously referred perceptions (Menezes; Afonso; Gião; Amaro, 2005), mainly concerning the lack of specific preparation for this curricular element and the belief in its potential for the students improvement and its consequence in society change.

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Table II Category 2 – Expectations Log Units 2. “The best way of raising students’ awareness and respect for Human Rights and to lead them not only to act accordingly, but also to encourage others to do so. ‘Mustering’ information that will enable my own recognition and assessment of a democracy.” 4. “Rights and Duties of Citizens. To learn how to live in citizenship. Raising awareness and encouraging respect towards the liberty of ‘others’. Contemporary issues: Human Rights, Violence, Democracy.” 8. “Solving/discussing relevant ideas on certain issues related to the topic. Debating certain ideas regarding citizenship with the students, in the classroom.” 11. “Living harmoniously in society, observing Human Rights/Democratic Citizenship. Discussing and debating ideas. Issues related to the theme.” 28. “Choosing which strategies to use in the classroom in order to call upon and execute this issue. Motivational strategies designed to encourage students to live their ‘citizenship’. Strategies that will not only promote the students’ observance of citizenship’s rules, but also improve their respect towards the others.”

Category 2 The identification of expectations is followed by the analysis of the data included in category 2 (Meeting expectations). The records obtained indicate, as a result of the expressed views, that expectations were met. Some records even indicate that all expectations were met or even surpassed. The reasons given for this satisfaction are the organisation, coordination and dynamism of the Training and – especially important – the fact that the group was actively involved in the tasks. It is also possible to see the overall satisfaction as the training met their expectations and the consequent effort it required from them for those months of over-work and the awareness-raising for some of the issues addressed in the Training.

Table III Category 2 – Meeting expectations Log units 1. “(...)[it] exceeded my expectations, since the tutor was able to deliver very appealing sessions, resorting to participation and dialogue. (...).” 2. “I also appreciated the fact that recent events, as well as historical affairs, were included in the debates and related with the issues that were approached throughout the sessions.” 14. “The opportunity of applying issues to personal and social training. The promotion of collective thinking on citizenship and Human Rights. “ 15. “I became aware of child labour, domestic abuse, youth violence and workplace discrimination.” 18. “It surpassed my expectations in every way.”

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Category 3 As long as the subject of training does not merely become school contents to be conveyed and assessed at an objective level, and is taken as the transformation of the target learners and their praxis, we aim at analysing the perception of the latter aspect as revealed by the teacher trainees in category 3 (Personal, social and professional development), which to us is relatively more important than the others. The analysis of the data makes it possible to verify that these teachers have perceived a change in themselves, reflected on the three levels of development that were referred. Consequently, the following results are highlighted: 1. The acquisition of knowledge, with regards to the themes, contents and group dynamics; 2. Spreading awareness of and the change in attitude regarding values and preconceived ideas, as well as the capacity to act consistently; 3. Knowledge of oneself and others; 4. The development of capacities and skills (creativity, spontaneity, critical spirit, presentation, discussion of ideas/arguments, interpersonal relationships, application and practical implementation of education in values). As we have seen in the previously referred study (Menezes; Afonso; Gião; Amaro, 2005), these results are also relevant according to the opinions they show, and they cover a wide range of requirements and necessities of Citizenship/Civic Education teaching and learning. We would like to particularly stress the fact that our trainees are aware of the importance of the teachers’ person to perform this kind of education, and the development that has to be carried out in order to become possible.

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Table IV Category 3 – Personal, social and professional development Log units 1. “(...) I developed skills not only related to Citizenship and Human Rights, but also improved my creativity, spontaneity and critical capacity.” 4. “These were clever, useful and up-to-date training sessions, where there was no room for dullness. We discussed relevant daily life issues, which we sometimes tend to disregard, in spite of their very real nature. This training forced us to think, to debate and to share our experiences on the discussed matter we discussed.” 6. “It proved to be a very relevant space for thinking and debating ideas. It raised our awareness for certain issues which are sometimes neglected.” 9. “(...) I developed basic skills which will be useful in my teaching activities.” 12. “It opened up new horizons for me in every field. It gave me a better knowledge of myself, with regards to my relationship with others. In the end, I had a different perspective on the way others accept me and collaborate with me. I realised that teachers are great for dealing with these issues in theory, but not necessarily in their daily lives.” 13. “The tutor was able to show the trainees all the prejudices that still influence [them].” 17. “It allowed me to develop skills on group dynamics.” 21. “It allowed us to develop skills on group dynamics.” 23. “Above all, I appreciated the fact that trainees had the opportunity to share their opinions and to be creative.” 26. “The training sessions observed human rights and democratic citizenship. That was the reason why I got so involved in my self-improvement.”

Category 4 This category (Relevance of training and future application) aimed at verifying the teachers’ perception of the practical usefulness of the training for their teaching activities. Satisfaction with the training results is also pointed out. The perceived usefulness ranges from the fact that teachers are able to apply the contents, themes and activities implemented (tempered by adaptation to the specific circumstances of the course) to the group dynamics techniques learnt, especially in the perspective of their ability to promote values, personal and social development of the students, their critical spirit, sense of responsibility, interpersonal and intellectual skills and experiences sharing.

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Table V Category 4 – Relevance of training and future application Log Units 1. “Methodology of group dynamics. Some of the topics proposed for the practical part of the training. Generally, I believe the issues discussed in these training sessions can be put into practice (if not elsewhere, then at least in the classroom).” 7. “All the topics that were suggested for group work were very useful. They were so relevant and real that they can provide group work and debates, as well as the sharing of experiences between students, therefore improving their democratic sensibility and also promoting the exchange of opinions.” 10. “They can be a tool for the development of student skills. Improvement of critical thought, promotion of values and of a sense of responsibility. “ 20. “Interpersonal and intellectual skills; Human Rights; Choosing the values that should act as guidelines for education.” 27. “To use the discussed issues in order to discuss with the students in civic education classes (Portuguese School subject). Some of the provided teaching resources, as well as some of the strategies and activities to develop with the students, which I considered to be very interesting for practical work.” 35. “The ground-breaking way of applying them to my students.”

Category 5 Finally, we verified whether and to what extent the teachers perceived difficulties in transferring the training acquired to their practical activity. Consequently, category 5 (Obstacles and difficulties for applicability) has recorded the teacher trainees’ perspectives. The log units are concordant with the data obtained in the previous category, and they are above all focused on aspects which are external to the presented training proposals and capable of being exceeded by the autonomy and imagination or creativity of the teachers and the institutions where they work. The following are especially to be noted: 1. Lack of resources, facilities and time; 2. Lack of understanding and support by superior authorities; 3. Scope of programmes and rigid curricula; 4. Organisation of school activities; 5. Resistant members of the Education Community, and of the community in general; 6. Preconceived views and ideas; 7. Students’ lack of knowledge; 8. The impossibility of applying certain subjects or activities, in view of the specific 114


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circumstances of some students or groups of students.

Table VI Category 5 – Obstacles and difficulties for applicability Log Units 1. “Scarce means and manifest lack of reasoning and support by decision-makers”. 6. “The students’ notorious lack of basic skills. Space-students relationship. The short duration of this kind of training.” 7. “Too extensive curricula. Shortage of time.” 8. “The resistance offered by other elements of the educational community and the community in general.” 9. “Frames of mind, prejudices.”

Close questions of the Questionnaire The evaluation Questionnaire also contained, as stated above, nine closed questions, and briefly described in a quantitative analysis. It included a 1 to 5 scale, 1 being the lowest evaluation and 5 the highest. 49 trainees answered the Questionnaire, although the total number of trainees attending the courses was 52, as we previously stated. The questions and the mean that resulted from the answers may be seen in Table VII.

Table VII Items

Mean (N=49)

1. Global satisfaction with the training course

4,3

2. Adequate contents and activities for the programme’s objectives

4,7

3. Contribution of the activities developed to promote new learning

4,4

4. Development of the activities within the time foreseen in the programme

4,3

5. Motivation to move forward through autonomous work

4,6

6. The methodology used was adequate in practical terms

4,4

7. The methodology used was adequate in theoretical terms

4,5

8. The management of resources was adequate

4,4

9. The space was adequate

4,2

Although item No. 9 does not depend strictly on the Trainer’s capacity and resources, it could be the subject to adaptations and changes. Therefore, we have also chosen to consider its result in this evaluation, which shows the trainees’ satisfaction with the conditions offered for the training courses, although it is the lower value obtained in the process of evaluation. The remaining values are higher, and it is notable that all of them 115


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are above the value 4 of the scale.

As stated above, the observation and registration made by the Trainer confirms

evaluation corpus conclusion, both the qualitative and the quantitative.

The major difficulty with we had to deal with was the schedule of the Training

sessions. There were seven sessions, six of which were four hours long and one five, always starting at 18:30. Usually, the trainees had been working all day long and some of them had to travel from the schools to the training centre. This might have influenced the psychological and physical conditions under which they would attend the sessions, but the training methodology was particularly motivating, and lead them to remarkable levels of dedication to the tasks they were asked to perform, along with their usual work with the students. The learner-centred perspective and participatory nature of the training are among the most important factors explaining the positive evaluation achieved by the training programme.

Epilogue In conclusion, we would like to remember the descriptive and qualitative nature of this report, which only enables us to withdraw applicable results and not to transfer them to any other situations. What is valid for this group of Trainees is by no means transferable to others. Nevertheless, by presenting an experience and reflecting on its characteristics, we open the possibility of transferring the main conclusions and valid aspects to new training experiences and try them in other contexts and examples. Therefore, the conclusions drawn in this report are practice-oriented and have the scope of improving new and future sessions of the kind. We have been applying the results of the experience described here to other training situations, incorporating them in their programming in order to potentiate the effects on the trainees and what we have obtained here has been of good use. We think that the evaluation performed by the Trainees allowed us to conclude about the usefulness of this training programme. It confirms that a teacher training which a) is performed in a learner-centred perspective; b) involves people’s previous and daily experience, as well as calls to their participation and autonomy; c) appeals to their emotions, feelings, individual expression and commitment, as well as their personal interaction, may result in a very gratifying, useful and motivating process that the participants may recognise, cherish and respond with good-will and work. The use of non-formal education methodologies was particularly important to achieve this result in the experience, like in others we have performed. This training enabled teachers to develop personal and social characteristics, which 116


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are expected to help their development and that of their students. At the same time, the training gave them considerable satisfaction. These are desirable and necessary conditions to improve teachers’ personal and professional fulfilment, by giving a small contribution to their perception of the value dimension of education and their role in the educative process. The use of these same processes in the initial training of teachers is, in general, a possibility worth considering in formal educational contexts, given that they are also capable of producing the same effects in children and young people, a fact that has already been seen in other similar initiatives which we have organised, and which will be covered in other articles. Due to the reasons we have endeavoured to explain in the preceding pages, we may declare that the results of the Training are very positive in what concerns the Trainees learning. There are, nevertheless, some critical points we would like to highlight to give a more complete vision on the range of the intervention performed with this training experience. First of all, it should be referred that the training is but a start of an ideally much longer process to be accomplished with the Trainees. As a matter of fact, 25 hours are undoubtedly insufficient to produce a proficient competency of the Trainees in the subject of Human Rights and Citizenship Education methodologies, processes and contents. It becomes possible with this specific training to raise the trainees’ awareness to the issues involved and to share with them some main features on this kind of education. There should be, therefore, a continuous training process with the same group, but the conditions faced by In-service Teacher Training in Portugal can be difficult at times. Secondly, from our observation, we have identified some aspects in our trainees that must be dealt with in a second round of training, and to overcome, that is to say, the centring of the educative process around the teacher. In fact, our teachers are much used to teach in a traditional perspective that centres the educational act on the teacher and leaves little or no initiative to the student. This is absolutely inconvenient and useless in this kind of education. Another aspect that has to be intervened on concerns the shortage of teachers’ competencies and resources by systematically using group-dynamic techniques and activities. This should be the target of a second training intervention, as well as the conception, production and use of student-adapted pedagogical materials for Human Rights and Citizenship Education. Nevertheless, to perform the improvement and follow-up initiatives previously pointed out, it is of decisive importance that the Teachers start by perceiving and 117


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experiencing something different and that they have the opportunity of applying it in their training and practice. Finally, we ought to mention that the continuity of such programmes depends on many factors, the most dangerous of them being the political ones, namely of a wild capitalist nature. As a matter of fact, the Portuguese policies of education have been submitted, for the last six years, to substantially unstable and contradictory processes that have resulted, amongst other relevant aspects, in a serious compromise and general harassment towards the Portuguese teaching class which, in its turn, has been submitted to a considerable work overload. Therefore, the results of the training experience reported in this article, prompt motivation, if we consider the potential of personal growth and group building.

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Hungarian, Icelandic, Italian, Japanese, Latvian, Lithuanian (expected 2010), Macedonian, Montenegro (Serbian-Iekavian version) (expected 2010), Polish, Portuguese, Romanian, Russian, Serbian, Slovak, Slovenian, Spanish, Turkish, Ukrainian and Urdu (expected 2010). Compasito. Manual on human rights education for children (Szelenyi; Brederode-Santos; Claeys; Fazah; Schneider 2009) was published for small Children, and is already available in these languages: Albanian, Dutch, English, Georgian, German, Hungarian, Japanese, Polish, Russian, and Turkish. It had its first edition in 2007 and the second in 2009. Information on this issue is accessible (with downloadable material) at: http://eycb.coe.int/ compass/ 9 Other identical training activities, which we implemented later but aimed at different target groups, show similar results to those presented here. We hope to analyse the material obtained in their assessment and validation in future articles. The use of non-formal education strategies and activities in these training sessions in values, Intercultural Education and Human Rights and Citizenship Education, has proved relevant for other training courses that our team has performed, in which we detected change in the trainee teachers’ attitudes; for the use of non-formal methodologies and meaningful learning, please see Gonçalves; Vaz; Ramos (2003); the change in the trainee teachers’ attitudes by Intercultural Education training leads to the same results, which can be seen in Ramos; Vaz; Gonçalves (2003) and in Vaz; Gonçalves; Ramos (2003).

Correspondência Fernando Sadio Ramos Escola Superior de Educação de Coimbra Praça Heróis do Ultramar, Solum 3030-329 Coimbra, Portugal framos@esec.pt

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O valor da confiança na definição da cultura organizacional: algumas considerações gerais José Pedro Cerdeira

Escola Superior de Educação – Instituto Politécnico de Coimbra

Resumo Neste artigo são apresentados alguns argumentos sobre a importância do conceito de confiança na análise das metáforas organizacionais, sobretudo das que tomam por referência a cultura organizacional. Palavras-chave Confiança, Cultura organizacional, Metáfora organizacional

Abstract This paper presents some general arguments about the value of the trust concept for the analysis of the organizational metaphor, when the matter is the organizational culture. Key-words Trust, Organizational culture, Organizational metaphor

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Introdução Uma comunidade, tal como uma organização, pode ser definida por uma cultura e uma cultura pode definir-se por uma estrutura partilhada de referências sobre comportamentos, atitudes e valores. Referências essas que se reportam geralmente a juízos produzidos sobre experiências colectivamente vividas e que, pelo facto de se reflectirem em práticas inter-subjectivas de relacionamento, configuram precisamente uma cultura (Schein, 1985). Deste ponto de vista, a vivência de novos acontecimentos pode mudar o valor atribuído a determinadas práticas ou às suas referências e, por consequência, pode também constituir-se como um factor de reorganização dos significados socialmente partilhados, ou seja, da cultura. As mudanças ocorridas nas vivências partilhados pelos membros de uma comunidade ou de uma organização tendem assim a repercutir-se em alterações nos valores da cultura e, naturalmente, em alterações das referências assumidas pelas organizações e instituições. As últimas décadas foram férteis em mudanças importantes, uma vez que ocorreram inúmeros acontecimentos que contribuíram para alterar a própria natureza das experiências vividas pela generalidade dos membros das sociedades ocidentais, sendo por isso de supor que tiveram algum impacto também nas referências inter-subjectivas das comunidades ou das organizações. De entre esses acontecimentos, podem destacarse, por exemplo, a “terceira vaga” e o papel das novas tecnologias da informação e da comunicação, as crises energéticas e económicas, a globalização das economias nacionais, a pressão concorrencial dos mercados (a mão invisível), a expansão do sector dos serviços, a falta de supervisão transnacional e desregulamentação dos mercados, as novas funções dos media na sociedade e na economia, a “crise” do estado providência, a “quebra” demográfica, os fluxos de mobilidade das populações e a feminilização dos activos, as novas formas de organização do trabalho, a diversificação do emprego e a complexificação das carreiras, o desemprego de longa duração e o sub-emprego, etc (Hofstede, 1991). Desde o pós-guerra, são estes alguns dos muitos temas analisados e discutidos e que, habitualmente, são citados como mudanças que em muito contribuíram para a produção de alterações importantes nas referências e nos valores culturais das sociedades contemporâneas, sendo que algumas delas são também mencionadas como tendo feito sentir a sua influência na (re)definição da cultura das organizações (Huff & Kelley, 2003). Influência essa que tanto se fez notar no modo como as organizações concebem e projectam a sua actuação nos meios envolventes, como no modo como se representam inter-subjectivamente ou ainda no modo como são percebidas pelos seus colaboradores internos e externos (Gomes, 1988). No entanto, de entre este vasto conjunto de 126


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ocorrências, uma delas evidenciou-se de sobremaneira, já que veio contribuir para o desenvolvimento de um novo campo de estudos, hoje conhecido como o da cultura organizacional: “o milagre japonês”. Fruto do impacto produzido na economia e nas sociedades ocidentais, este acontecimento rapidamente suscitou o interesse dos académicos (e não só) pelos modelos de organização e gestão japoneses, tendo originado análises científicas do contexto cultural em que as organizações desenvolvem a sua actividade, numa tentativa de se encontrarem as razões do súbito sucesso da economia e das organizações nipónicas no pós-guerra. Com efeito, e contrariando o que se supunha, o estudo do caso japonês veio sugerir que as organizações não podem ser pensadas exclusivamente a partir das metáforas mecanicista ou sequer organicista, já que nas organizações parece haver “algo mais”, que transcende a própria compreensão proporcionada pela racionalidade destas abordagens clássicas e que foi sendo esquematizada pelos paradigmas estruturalista, funcionalista e até humanista, representadas pelo taylorismo e pela teoria burocrática, pela escola das relações humanas ou pela teoria contingencial (Gomes, 1988, 1994). A tomada de consciência de que esse “algo mais” poderia ser tido como uma das causas fundamentais do “milagre” económico, indiciava que a excelência das empresas japonesas não se devia tanto à adopção (quase que mimética) das “fórmulas” ocidentais de organização do trabalho ou de industrialização da sociedade, nem à utilização mais intensiva da tecnologia na produção industrial, mas sobretudo à sua distinta cultura e capacidade organizacional (Gomes, 1988). De facto, os estudos realizados sugeriram que o bem sucedido processo de industrialização da economia nipónica do pós-guerra pareceu decorrer da capacidade desta sociedade ter sabido associar simultaneamente a aplicação dos modelos ocidentais de organização do trabalho e da produção industrial com a preservação de práticas e valores culturais ancestrais no seio das suas organizações, compatibilizando assim a herança simbólica da “cultura dos samurais” e da “cultura do arroz” com as exigências das economias modernas (Peters & Waterman, 1987). Nestas circunstâncias o factor distintivo, aquele que permitia identificar a excelência do exemplo japonês, era a vivência de uma cultura organizacional diferente da ocidental.

A cultura organizacional Com a realização de sucessivos estudos comparativos entre diversas organizações, em que a vertente cultural esteve sempre presente, as metáforas tradicionais (da “organização como uma máquina” ou da “organização como um organismo”) foram perdendo gradualmente uma parte relevante do seu poder de compreensão das realidades, proporcionado ao mesmo tempo a oportunidade para a emergência de novas metáforas generativas, capazes de permitirem o desenvolvimento de novas formas de 127


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olhar as organizações (Gomes, 1994). Entre essas metáforas, a da “cultura organizacional” foi uma das que ganhou relevo paradigmático (Schein, 1985), já que permitiu pensar simultaneamente as organizações como um eco-sistema aberto e como uma entidade simbólica em permanente construção e reconstrução. Ou seja, sob esta heurística, as organizações em vez de serem concebidas apenas como realidades positivas, objectivas e factuais, passaram a poder ser também entendidas como realidades inter-subjectivas, complexas e dinâmicas, ou seja, como um conjunto de significados construídos e partilhados na sequência de processos interactivos de comunicação entre os diversos actores da organização (Gomes, 1994, 2000). Este novo entendimento das organizações, definidas como um sistema de referências, de valores e de significações partilhadas, capaz de determinar o modo como um colectivo pensa, interpreta e actua em relação ao seu meio envolvente (Schein, 1985; Gomes, 2000), permitiu uma análise dos fenómenos organizacionais bastante mais abrangente, uma vez que veio destacar a importância dos processos de formação de crenças, convicções, normas, valores, expectativas e comportamentos nas dinâmicas organizacionais. A análise das organizações enquanto culturas é assim tida como inseparável da análise simbólica da «actividade organizadora dos seus membros» (Gomes, 2000, p. 154), já que é dos processos de influência recíproca que emerge a comunicação e consequentemente a própria construção e partilha do sistema de significados e de valores. O que significa, por um lado, que é a cultura que define a especificidade de uma organização e a diferença fundamental entre várias organizações e, por outro, que de entre os múltiplos valores que emergem na cultura das organizações, o valor da confiança pode ser um dos mais relevantes, a ponto de merecer uma maior atenção (Coleman, 1990; Fukuyma, 1996; Gambetta, 1988; Kramer, 1999; Kramer & Tyler, 1996; Lazaric & Lorenz, 1998; Putnam, 2000; Rousseau et al., 1998).

O valor da confiança na cultura organizacional Com efeito, sendo a confiança um atributo essencial de toda e qualquer relação entre pessoas, grupos ou organizações que aspire a preservar-se para além do presente, não será de estranhar que questão da confiança se ponha sempre que alguém, um grupo ou uma organização decide coordenar as suas acções com as de uma outra pessoa, grupo ou organização. O que equivale a dizer que se se considerar que a confiança é simultaneamente a base onde se consolidam as relações interpessoais quotidianas (Rempel et al., 1985), as relações interpessoais no seio de uma organização (Cohen & Prusak, 2001; Dirks, 1999; Jones & George, 1998; McAllister, 1995), as relações entre os grupos de uma organização (Dirks, 1999; Dirks & Ferrin, 2001) e as relações inter-organizacionais (Das & Teng, 1998; Lazaric & Lorenz, 1998) e sociais (Fukuyama, 1996; Putnam, 2000), então seja 128


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qual for o plano em que se situem as acções humanas, a confiança desempenha um papel crítico e importante. Tão crítico quanto pode determinar a preservação ou a ruptura de um relacionamento e tão importante quanto pode influenciar a frequência, a natureza e os resultados associados ao modo como as partes envolvidas se relacionam entre si. E tanto assim, que a problemática da confiança tem merecido um interesse crescente dos académicos que se dedicam ao estudo das organizações, a ponto de – nos últimos anos, ter suscitado já várias obras de revisão da literatura (Dirks & Ferrin, 2001; Gambetta, 1988; Kramer, 1999; Kramer & Tyler, 1996; Mayer et al., 1995; Rousseau et al., 1998). De um ponto de vista genérico, são várias as razões que podem ser invocadas para justificar a relevância actual do tema da confiança organizacional. Num primeiro plano, aquele que remete directamente para a consideração das formas de relacionamento interpessoal ou intergrupal no interior das organizações ou, se assim se entender, no da cultura nas organizações (Gomes, 2000), a investigação tem sugerido que a confiança incrementa os índices de satisfação e de comprometimento com a organização, reduzindo o stress nos relacionamentos interpessoais (Costa, 2002), sendo que a confiança nos supervisores e nas lideranças gera também um efeito positivo no desempenho do grupo (Dirks & Ferrin, 2001), na aceitação voluntária das decisões da hierarquia (Tyler & Degoey, 1996), bem como uma função mediadora na manifestação de comportamentos de cidadania organizacional, tanto em relação aos superiores hierárquicos, como em relação aos pares (Podaskoff et al., 1990). No campo de investigação sobre o problema do dilema do prisioneiro e da análise das suas implicações nos processos de negociação e gestão de conflitos, Ross e LaCroix (1996) sugerem que a confiança desempenha igualmente uma função relevante na manifestação da abertura dos negociadores para explorarem novas possibilidades de compromisso, na predisposição para correrem riscos e na probabilidade de chegarem a acordo. Neste sentido também, Cook e Cooper (2003) assinalam a tendência das pessoas com elevadas expectativas de confiança interpessoal desenvolverem práticas cooperativas, baseadas no altruísmo e na reciprocidade, sobretudo quando interagem com estranhos. Num outro plano de estudos, por exemplo, enquanto Zand (1972) sugere que os grupos com baixos índices de confiança tendem a reduzir a frequência das comunicações entre si e, por consequência, a trocar menos informação e a limitar o volume de conhecimentos partilhados; McAllister (1995) salienta que em situações complexas, de incerteza ou de risco, a probabilidade dos grupos iniciarem espontaneamente procedimentos de coordenação das suas actividades, seja através de intervenções produtivas ou de práticas de interdependência recíproca, é maior quando desenvolvem elevados níveis de confiança (baseada em afectos). Num terceiro plano, agora referente às dinâmicas inter-organizacionais ou ao 129


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plano da cultura das organizações (Gomes, 2000), foram vários também os estudos que evidenciaram os benefícios da confiança (cf. Gambetta, 1988; Kramer & Tyler, 1996; Seppanen et al., 2007). Por exemplo, Mayer et al. (1995) apresentam um modelo conceptual em que a confiança tende a desempenhar um papel tão mais determinante na concretização dos fins de uma organização, quanto mais esta adopta estratégias de implementação de grupos de trabalho auto-dirigidos, de estilos de gestão mais participativos e de redução dos mecanismos formais de controlo. Na sequência deste referencial, vários outros autores conduziram investigações com o propósito de evidenciarem precisamente este papel crucial da confiança quando as organizações se envolvem em processos de reengenharia organizacional para se adaptarem a ambientes mais instáveis e competitivos (Costa, 2002; Dirks, 1999; Spreitzer & Mishra, 1999) ou para enfrentarem períodos de crise (Mishra, 1996). O que significa que quando as organizações se tornam hierarquicamente mais “achatadas”, geograficamente mais dispersas, formalmente mais interdependentes de alianças estratégicas com outras organizações e, por isso, com fronteiras mais permeáveis e difusas, passam a depender mais acentuadamente de uma cultura baseada no valor da confiança (Das & Teng, 1998; Lazaric & Lorenz, 1998). Por fim, entendidas como um todo complexo em contínua interacção com um ambiente, também ele complexo, alguns investigadores chegam a sugerir que a confiança possui igualmente um papel muito significativo na própria aprendizagem organizacional (Organizational Learning), a ponto de questionarem «se é a confiança que promove a aprendizagem organizacional ou se é a aprendizagem que promove a confiança?», sendo que, num e no outro caso, se reconhece a forte relação entre a aprendizagem organizacional e a confiança (Moigeon & Edmondson, 1998, p. 247). Pelo conjunto destas razões e pelo enorme volume de evidências empíricas já acumuladas, parece pois relevante considerar o papel da confiança no entendimento do sentido e da função da cultura organizacional na caracterização da especificidade das organizações e na compreensão dos seus processos, dinâmicas e resultados.

Conclusões As organizações são sistemas abertos complexos, não só porque quando entendidas como culturas se caracterizam por uma imensidade de significações partilhadas, que poucas vezes são “transparentes” (Gomes, 2000), mas também porque se envolvem cada vez mais em transacções com meios envolventes “turbulentos” que, pela circunstância de se apresentarem como mais e mais incertos e imprevisíveis, introduzem níveis acrescidos de complexidade nos processos organizacionais (Cohen & Prusak, 2001; Costa, 2002). Nestas circunstâncias, a confiança pode desempenhar uma função redutora da 130


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complexidade organizacional (Dirks & Ferrin, 2001; Huff & Kelley, 2003; Kramer, 1999), de modo que quando os seus actores desenvolvem uma percepção de confiança se tornam capazes de lidar com essa complexidade, sem terem necessidade de a eliminar (Cohen & Prusak, 2001; Luhmann, 1979). As organizações, mesmo quando são concebidas como estruturas sociais reguladas por decisões racionais, não se limitam apenas a gerir as três formas tradicionais de capital (físico, financeiro e humano). Antes pelo contrário, enquanto cultura, as organizações produzem também significações partilhadas (sob a forma de referências, normas e valores), pelo que gerem também um outro tipo de capital: o capital social, estruturado em torno do valor da confiança. Assim, sob este ponto de vista, a reengenharia dos processos produtivos não só deve proteger o valor intangível da confiança na cultura de uma organização (já que a mudança pode delapidá-lo inadvertidamente), como deve também reforçar a própria confiança, porque é um dos poucos capitais que se não gasta com o uso (Fukuyama, 1996; Gambetta, 1998; Kramer, 1999). A estruturação e densificação das redes informais de comunicação (e, naturalmente, de trabalho) tende a gerar confiança e, num segundo momento, bem-estar e prosperidade, instituindo um círculo virtuoso, por via do qual a confiança incrementa o bem-estar e a prosperidade, do mesmo modo como o bem-estar e a prosperidade incrementam a confiança (Coleman, 1990; Fukuyama, 1996). A confiança e o capital social geram-se assim a partir de um mesmo processo de atribuição de sentido e de valor às vivências partilhadas através de práticas de reciprocidade e de cooperação, que, uma vez iniciado, apresenta um efeito multiplicador ou sinergético, permitindo que a confiança e o capital social extravasem as próprias fronteiras da organização (Das & Teng, 1998; Hofstede, 1991; Lazaric & Lorenz, 1998). Neste sentido, a análise dos mecanismos cognitivos, sociais e culturais de produção, manutenção e degradação da confiança não deve ignorar as dinâmicas de construção de significações sobre as realidades organizacionais, por várias razões (Mishra, 1996; Podskaff et al., 1990; Ross & LaCroix, 1996; Spreitzer & Mishra, 1999). Em primeiro, porque estes processos de construção de significações proporcionam uma heurística relevante para a compreensão do papel desempenhado pelos actores na dinâmica das organizações (Gomes, 2000). Em segundo lugar, porque a análise destes processos simbólicos evidencia o peso das vivências interpessoais e grupais no modo como o presente e do futuro são interpretados pelos actores de uma organização, abrindo assim novas linhas de investigação dos fenómenos organizacionais. Por fim e em terceiro lugar, porque a ponderação destes processos (de construção, manutenção e degradação da confiança organizacional), permite ainda perspectivar uma outra forma de conceber a gestão dos comportamentos organizacionais, das relações de influência 131


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recíproca e das subsequentes aprendizagens sociais, por exemplo, no que respeita aos processos de partilha de significados, de normas e de valores na definição da cultura das organizações.

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Correspondência José Pedro Cerdeira Escola Superior de Educação de Coimbra Pr. Heróis do Ultramar 3030-329 Coimbra jpcerd@esec.pt Trabalho realizado no âmbito de uma bolsa de doutoramento concedida pelo contrato-programa de formação avançada, celebrado entre o Instituto Politécnico de Coimbra e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, e uma bolsa do programa PROTEC (referência SFRH/PROTEC/49935/2009), concedida pelo mesmo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior

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“Juggling act”: questões relativas às relações trabalho-família no contexto actual Cláudia Andrade

Escola Superior de Educação de Coimbra - Instituto Politécnico

Resumo Este artigo pretende contribuir para o debate em torno dos modelos de estudo das relações trabalho-família, provenientes de vários domínios disciplinares. A revisão da literatura apresentada está organizada em duas partes. Na primeira parte faz-se alusão aos primeiros estudos efectuados sobre o tema das relações trabalho-família. Centra-se no conflito de papéis destacando as diferenças de género para este domínio. Na segunda parte apresentam-se modelos mais recentes que perspectivam a existência de equilíbrio ou de transferências positivas no exercício concomitante dos diferentes papéis de vida. Palavras-chave Relações trabalho-família

Abstract Grounded on a multidisciplinary framework this paper aims to make a contribution to the debate of work-family relations. The review of the literature presented is divided into two sections. The first part address the research done in the field of work-family relations and is focused on the inter-role conflict. It also aims to examine the conflict perspective taking a gender approach. The second part aims to analyze the recent developments and theories about work-family relations, shedding a light about the positive transferences between the roles. Key-Words Work-family relations

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Introdução O interesse pelas relações entre o desempenho de papéis profissionais e familiares surge após a segunda Guerra Mundial, em consequência do incremento do número de mulheres que começou a aliar ao seu papel na família a um papel ao nível do mercado de trabalho (Edwards, 2001). Na origem desta realidade estão, por um lado, um aumento de oportunidades de emprego para as mulheres e, por outro lado, as crescentes exigências económicas para a manutenção da família, que se traduziram na necessidade de ambos os elementos do casal contribuírem para obter o bem-estar económico da família. Deste modo, o tipo de família em que só o elemento masculino tinha o papel de “ganha-pão” e o elemento feminino tinha um papel exclusivo de manutenção da família e do lar, deu progressivamente lugar a um modelo em que o rendimento familiar que provém do exercício de uma actividade profissional, por parte dos dois elementos do casal (Edwards, 2001). Esta nova configuração familiar levou os cientistas sociais a preocuparem-se com as possíveis consequências da competição, para as mulheres, entre o exercício de uma actividade profissional e a organização da vida familiar, sobretudo ao nível dos cuidados com o lar e mais concretamente na execução das tarefas domésticas e o cuidado com os filhos. O estudo das relações entre os papéis profissionais e familiares surge, deste modo, pela primeira vez na literatura científica, por volta dos anos 60, com os trabalhos de Rapoport. Nestes estudos, que posteriormente foram designados por “estudos sobre famílias de duplo-emprego e dupla-carreira”, a temática central prendia-se com a análise do conflito entre o trabalho e a vida pessoal em casais britânicos. Na época, o trabalho e a família eram encarados como domínios separados, existindo apenas uma ligação conceptual entre estas duas áreas de vida dos sujeitos. Posteriormente, surge a necessidade de se considerar que estes dois domínios são interdependentes e estão sob a influência dos papéis de género, dado que estes definem a divisão de papéis, tanto na família como no trabalho. Nesta linha, em 1977, Rosabeth Kanter elabora uma revisão de estudos sobre as interacções entre o exercício dos papéis profissionais e familiares na sociedade americana, contribuindo, de forma decisiva, para a divulgação desta temática enquanto domínio de investigação. Inaugura-se, assim, uma nova vaga de estudos, que se centram na identificação das bases culturais que orientam tanto a vida familiar como os contextos de trabalho e que tipificam as relações entre estes dois contextos de vida. Surge, ainda, a preocupação com as práticas de equidade de género, tanto no trabalho como na família, temática também largamente explorada pelas correntes feministas, a partir dos anos 80. Nesta época, aparece também, pela primeira vez, o estudo do conflito entre trabalho e vida familiar. Estes estudos, na sua globalidade, vieram dar às relações trabalho-família uma ênfase 136


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particular enquanto objecto de estudo científico, o que não tardou a traduzir-se em intervenções sociais em áreas específicas. Para exemplificar, no domínio sócio-político, o interesse pelas relações entre trabalho e família manifestou-se, a partir dos referidos anos 80, pela publicação das leis da igualdade de oportunidades. É, contudo, de realçar que as práticas sociais nem sempre acompanharam os esforços legislativos e, em termos práticos, ainda hoje, a igualdade não está completamente garantida, nem no domínio do trabalho, nem no domínio da família. No domínio do trabalho, as investigações continuam a evidenciar desigualdades, por exemplo, ao nível do acesso a certos tipos de actividade e do progresso nos contextos de trabalho, com situações de salários desiguais e desigualdade na profissão e nas carreiras profissionais, situação em geral desfavorável para as mulheres. De um modo geral, estes estudos documentam o facto dos estereótipos de género permanecerem ao nível dos contextos profissionais. No domínio familiar, igualmente a persistência mais ou menos generalizada de modelos culturais que identificam a mulher com o seu papel na família e no lar, acaba por gerar assimetrias na participação de homens e mulheres na vida familiar e tende a sobrecarregar estas últimas, sobretudo em virtude da acumulação dos papéis profissionais e familiares, criando por vezes o chamado dilema trabalho-família (Edwards, 2001). Não restam dúvidas de que as relações entre o desempenho de papéis profissionais e familiares continuam a ser uma temática de particular interesse na actualidade.

O conflito entre os papéis profissionais e familiares Uma das perspectivas mais referenciadas na literatura, pelo seu carácter precursor no estudo das relações entre papéis familiares e profissionais, é a análise do conflito de papéis. De facto, a maioria das famílias tem os dois elementos do casal a trabalhar fora do lar, o que por um lado permite que a família usufrua de um conjunto de benefícios, por outro faz com que a gestão das obrigações familiares e profissionais não esteja isenta de conflito (Frone, Russel & Cooper, 1992; Frone, Yardley & Markley, 1997a; Frone, Russel & Cooper, 1997b; Frone, 2000a; Frone, 200b; Greenhaus & Beutell, 1985; O’Neil, Greenberger, & Marks, 1994). Esta perspectiva considera que o exercício dos papéis de vida, como os papéis profissionais e familiares, está interligado. Assim, os aspectos negativos, associados ao desempenho de um dos papéis de vida do sujeito, não podem deixar de ter um impacto no exercício dos outros papéis, através de um efeito de “contaminação negativa” (Negative Spillover Effects). É o que sucede quando o desempenho de um dos papéis dificulta o desempenho do outro o que suscita um conflito entre eles (Greenhaus & Beutell, 1985). Os estudos sobre este conflito têm-se centrado, tanto na transmissão de atitudes, ou “estados de humor negativos”, de um domínio para o outro (Parry, 1987; Grzywacz, 137


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Almeida & McDonald, 2002), como nos efeitos da competição na utilização dos recursos, como, por exemplo, o tempo disponível para o exercício concomitante dos vários papéis de vida (Carlson, 1999; Carlson & Kacmar, 2000; Frone, Russel & Cooper, 1992; Frone, Yardley & Markley, 1997a; Frone, Russel & Cooper, 1997b; Frone, 2000a; Frone, 200b; Greenhaus & Beutell, 1985; O’Neil, Greenberger, & Marks, 1994). De entre as várias análises que têm vindo a ser efectuadas sobre esta temática, destaca-se o modelo de Edwards e Rothbard (2000), que descreve a existência de três tipologias de conflito: o conflito baseado no tempo, que surge quando os sujeitos não dispõem do tempo que consideram suficiente para o cumprimento satisfatório das obrigações associadas a cada um dos papéis de vida; o conflito baseado na pressão associada ao exercício concomitante de papéis, que ocorre quando a insatisfação no exercício de um papel dificulta a resposta às exigências do outro papel. Por último, o conflito comportamental, que surge quando os comportamentos aprendidos e mesmo reforçados no exercício de um dos papéis não são válidos para o desempenho de outros papéis, sendo mesmo disfuncionais, pois o indivíduo tem dificuldades em adaptar-se às novas exigências do outro papel. No primeiro tipo de conflito, baseado no tempo destaca-se, entre outros, o estudo de O´Neil, Greenberger e Marks (1994) que concluiu que, quando o indivíduo dedica muito tempo ao exercício de um dos papéis, seja profissional, familiar ou outro (por exemplo, um papel de carácter social ou político), surgem sentimentos de esgotamento ou sobrecarga, que vão influenciar o desempenho dos outros papéis de vida. Este sentimento de sobrecarga, associado ao desempenho de um dos papéis, é apontado como um dos principais factores responsáveis pelo desencadear do conflito de papéis (Greenhaus & Beutell, 1985; O’Neil, Greenberger, & Marks, 1994) e pode fazer-se sentir tanto no exercício do papel profissional, como no exercício do papel familiar, o que desencadeará um conflito, que se direcciona do trabalho para a família ou da família para o trabalho. Contudo, e independentemente da origem do conflito se situar no trabalho ou na família, os estudos indicam que o conflito de papéis é sentido de forma mais notória quando se exerce uma actividade profissional a tempo inteiro (Almeida, Wethington & Chandler, 1999, Crouter, Bumpus, Maguire, & McHale, 1999). Frone (2000a) acrescenta que tanto as exigências de cada um dos papéis (por exemplo, em termos de tempo disponível para exercer o papel e tempo desejado pelo sujeito para o envolvimento psicológico com o papel), como as características do próprio sujeito (por exemplo, níveis elevados de neuroticismo e depressão) são variáveis que contribuem para o aumento da conflitualidade entre papéis. Em qualquer dos casos o conflito entre papéis profissionais e familiares apresenta consequências ao nível do bemestar individual, familiar e profissional (Almeida, Wethington & Chandler, 1999; Carlson & Frone, 2003; Crouter, et al., 1999; Frone, 2000b). Além disso, quanto à direcção das consequências do conflito de papéis, torna-se 138


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importante distinguir dois tipos. Quando este ocorre ao nível do trabalho e se repercute na vida familiar, os autores identificam tanto consequências ao nível do indivíduo (onde se destacam o desenvolvimento de depressão, baixa auto-estima, fraca saúde física e aumento de consumo de substância aditivas) (Frone, 2003a), como ao nível da dinâmica familiar (insatisfação geral com a família e com a relação conjugal, fraca participação nas actividades familiares, ausência em momentos importantes da vida familiar e dificuldades de interacção com os filhos) (Crouter et al., 1999; Frone, 2003a). Quando o conflito se manifesta da família para o trabalho, destacam-se consequências como baixo desempenho profissional, insatisfação profissional, elevado absentismo e mudanças frequentes de actividade profissional, bem como problemas de saúde física e mental (Carlson & Kacmar, 2000; Carlson & Frone, 2003; Frone, 2000a). Estas consequências são cumulativas quando o conflito é bidireccional, ou seja, trabalho-família e famíliatrabalho, ou quando o sujeito apresenta determinadas características de personalidade, como, por exemplo, introversão, elevado neuroticismo e baixa auto-estima (Carlson & Frone, 2003; Frone, 2000a). A crescente atenção que a literatura tem dedicado ao estudo das relações, muitas vezes conflituosas, entre o trabalho e a família, assim como o destaque que a comunicação social dá à temática, são testemunho das responsabilidades crescentes e muitas vezes competitivas entre o trabalho e a família, bem como o facto do equilíbrio de papéis se constituir como um dos maiores desafios na vida das famílias de duploemprego e de dupla-carreira. Apesar das alterações sociais e das diversas modificações ao nível do trabalho e da vida familiar, o conflito entre papéis familiares e profissionais parece manter-se como uma temática de grande actualidade (Andrade & Fontaine, 2007; Edwards & Rothbard, 2000, Grzywacz, Almeida & McDonald, 2002; Frone, 2000b; Milkie & Peltola,1999; Voydanoff, 1999). Contudo, e como sugeriram os estudos anteriores, as exigências dos papéis profissionais e familiares, sobretudo destes últimos, podem ser diferentes para homens e mulheres. Assim, cruzamo-nos com um dos aspectos que poderá diferenciar este processo: o impacto do género no conflito entre papéis profissionais e familiares.

Diferenças de género no conflito entre papéis profissionais e a divisão do trabalho familiar Apesar das alterações que os papéis de género têm sofrido por força das alterações sociais, o género é ainda visto como uma base legítima e ideologicamente aceitável para a distribuição dos direitos, poder e responsabilidades no exercício dos papéis profissionais e familiares (Bielby & Bielby, 1989; Fontaine, Andrade, Matias, Gato & Mendonça, 2007a; Hoffman & Pasley, 1984; Hughes & Galinsky, 1994; Major, 1993; Poeschl, 2000). Tal 139


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como foi evidenciado anteriormente, o género, desde sempre, diferenciou o exercício dos papéis profissionais e familiares por parte de homens e mulheres. No entanto, nos contextos de trabalho actuais, a mulher não só tende a exercer actividades em quase todos os sectores, como os horários de trabalho e as exigências inerentes ao mesmo são, na maioria dos casos, idênticas para homens e mulheres (Cabral-Cardoso, 2003; Ferreira, 1993; Inglez, 1997). Pode, assim, falar-se, na maioria dos casos, de igualdade em termos de exigências de disponibilidade para o papel profissional. Já que a participação das mulheres no mercado de trabalho constituiu uma grande mudança para os papéis de género neste domínio, seria esperado que esta transição afectasse a organização da vida familiar, mais concretamente a realização das tarefas domésticas (Arrighi & Maune, 2000; Baxter, 2000; Stier & Lewin-Epstein, 2000). Porém, a literatura aponta para duas evidências contraditórias neste campo: por um lado, as atitudes relativas aos papéis de género mudaram no sentido de uma ideologia de género mais igualitária mas, por outro lado, a divisão das tarefas e responsabilidades domésticas não se modificou na mesma extensão. É assim que a divisão assimétrica, no que se refere às responsabilidades familiares, tem sido alvo de análise, na medida em que parece suscitar sentimentos de sobrecarga e tornar consequentemente, o conflito de papéis, mais notórios nas mulheres do que nos homens. Tal facto foi documentado por vários autores, que identificaram nelas, mais do que nos homens, sintomas de mal-estar físico e psicológico, tais como níveis elevados de depressão e ansiedade associados ao conflito de papéis (Parry, 1987), e ainda níveis mais elevados de sobrecarga e conflito de papéis do que aqueles (Grzywacz, Almeida & McDonald, 2002). Nesta linha, destaca-se um conjunto de estudos acerca dos sentimentos de sobrecarga das mulheres, quando acumulam o papel parental com o papel profissional (Almeida, Wethington & Chandler, 1999), assim como estudos que dão conta de uma relação negativa entre a necessidade de investimento no trabalho e o envolvimento no papel parental, por parte das mulheres (Greenberger & Goldberg, 1989). Outros estudos centram-se assim na importância de variáveis de natureza social, que contribuem para a diminuição do conflito trabalho-família nas mulheres, como por exemplo, a existência de redes e de estruturas sociais de apoio à família (Chen & Kaplan, 2001). Quanto ao exercício do papel parental por parte dos homens, não há estudos que realçam a existência de conflitos entre o exercício do papel parental e do papel profissional. Contudo, o estudo de Coltrane (2000) revelou que o envolvimento dos homens no papel parental, apesar de promover activamente sentimentos de bem-estar subjectivo se traduz num certo desinvestimento ao nível do seu papel profissional.

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O equilíbrio entre papéis profissionais e familiares Mesmo existindo uma quantidade apreciável de estudos centrados sobre o conflito de papéis e suas consequências, a análise das relações entre papéis profissionais e familiares não se esgota nesta perspectiva. A “Teoria da Valorização do Papel” (Theory of Role Enhancement) constitui-se como um dos primeiros quadros teórico, que parte do pressuposto de que a actividade profissional pode influenciar positivamente a família, e vice-versa (Sieber, 1974). A tese fundamental do autor baseia-se no princípio segundo o qual o desempenho simultâneo de vários papéis, ou a acumulação de papéis, facilita o acesso a recursos, que podem ser úteis para o desempenho de outros papéis (por exemplo, os recursos económicos provenientes do exercício de uma actividade profissional podem ser utilizados na melhoria das condições de vida familiar). Assim, os recursos obtidos, bem como, as competências individuais desenvolvidas no exercício concomitante de vários papéis, podem desencadear resultados positivos, tanto no domínio familiar, como no domínio profissional. Alguns estudos demonstraram a influência positiva do exercício de uma actividade profissional remunerada, no exercício mais satisfatório do papel parental (Hughes & Galinsky, 1994). Outros estudos comprovaram que os sentimentos de bem-estar físico e psicológico, decorrentes do exercício do papel profissional, têm repercussões positivas na vivência do papel familiar (Barnett & Hyde, 2001). Parece, portanto, que a possibilidade de investir em vários papéis de vida pode ser vista como um estímulo e um desafio, que potencia o desenvolvimento do indivíduo e do casal. Assim, o conceito de “Equilíbrio de Papéis” (Role Balance) de Marks e McDermid (1996) realça que, apesar do mesmo indivíduo poder estar intensamente envolvido num ou noutro papel, consoante as circunstâncias, o “equilíbrio dos papéis” apresenta-se como uma orientação geral, ou corresponde a uma certa predisposição para integrar os múltiplos papéis de vida. Esse equilíbrio organiza-se, deste modo, em torno de comportamentos que actuam transversalmente em todos os papéis de vida e que permitem alcançar um equilíbrio satisfatório, ao nível da concretização de cada um deles (Marks & McDermid, 1996). De acordo com esta perspectiva, o indivíduo faz ajustamentos constantes, transferindo aspectos positivos de um papel para outro, tanto na profissão como na família, de modo a que o resultado final traduza um sentimento de equilíbrio. Contudo, é de realçar que este equilíbrio é dinâmico e sustentado pelas experiências e aprendizagens que são transferidas do trabalho para a família, e vice-versa (Marks & MacDermid, 1996). Se o género representa, como foi visto anteriormente, um factor de diferenciação na análise do conflito entre papéis profissionais e familiares na análise do conceito de equilíbrio de papéis que está associado ao sentimento de harmonia no seu desempenho, 141


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retomamos as questões associadas à distribuição do trabalho pago e do trabalho não pago na família. Apesar dos estudos não serem abundantes, destacam-se algumas que comparam as percepções de homens e de mulheres sobre o equilíbrio de papéis e que identificam os factores que estão associados ao seu sucesso para uns e para outros (Milkie & Peltola, 1999; Marks, Huston, Johnson & McDermid, 2001). Por um lado, o facto das responsabilidades familiares das mulheres tenderem a ser maiores, às quais acrescem as suas responsabilidades profissionais, leva-as a apresentarem percepções de equilíbrio de papéis inferiores às dos homens (Milkie & Peltola, 1999). Algumas mulheres afirmam que o trabalho e a família surgem frequentemente como domínios competitivos, os quais, exercendo pressões constantes, as levam a ter dificuldade em sentir o equilíbrio de papéis (Milkie & Peltola, 1999). Apesar de este tema ter sido analisado desde os anos 80, parece que ainda hoje se torna relevante encontrar respostas concretas sobre o modo de conciliar a parentalidade com a actividade profissional remunerada, ou de obter reconhecimento pelo trabalho que a parentalidade implica de modo a fomentar e melhorar o empenho dos homens na sua tarefa parental (Andrade, 2006; Voydanoff, 1999).

Modelo da facilitação entre papéis profissionais e familiares Apesar dos efeitos promissores do equilíbrio dos papéis para o bem-estar individual e familiar, surgiu uma nova linha de estudos que investiram na identificação dos mecanismos de transferência positiva entre papéis (por exemplo, comportamentos, atitudes ou mesmo valores). De facto, cada vez mais autores defendem a possível existência de efeitos e experiências positivas, que ocorrem ao nível de um dos papéis de vida e que se transferem para outro (Positive Spillover Effects) (Edwards & Rothbard, 2000). Greenberg e Goldberg (1989) referem que, em geral, as condições de trabalho afectam directamente o exercício do papel parental, sobretudo ao nível do humor, e podem contribuir directamente o desenvolvimento de competências parentais. Outros estudos documentam a importância das experiências e sentimentos de apoio familiar, mais concretamente do cônjuge, para se lidar melhor com as exigências do papel profissional (Grzywacz & Marks, 2003). O modelo de Edwards e Rothbard (2000) salienta que as interacções entre os papéis são contínuas, logo, os aspectos positivos do desempenho de um papel, traduzidos em atitudes e comportamentos, podem influenciar positivamente o desempenho de outros papéis. Baseando-se neste modelo, Klute, Crouter, Sayer e McHale (2002) efectuaram um estudo, junto de 167 famílias de duplo emprego, onde analisaram a influência das 142


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experiências de trabalho e das atitudes acerca dos papéis familiares. Os resultados confirmam que, tanto os homens como as mulheres que assumiam valores elevados de autonomia no exercício da sua profissão apresentam atitudes menos tradicionais relativamente aos papéis na família, independentemente do nível educacional ou do número de horas de trabalho. Estes indicadores contribuíram para sustentar a hipótese de que as experiências de trabalho podem socializar os indivíduos através da modelação dos seus valores, os quais estão ligados a um tipo de relacionamento e de prática mais igualitária na vida do casal, verificando-se, por conseguinte, uma interferência positiva entre papéis. Ainda na tentativa de clarificar as relações positivas estabelecidas no exercício dos papéis profissionais e familiares, surge o modelo da facilitação trabalho-família concebido por Grzywacz e Bass (2003). Trata-se, também, de um fenómeno bidireccional, em que o envolvimento de cada indivíduo num papel pode facilitar o envolvimento no outro papel. Deste modo, a combinação das características individuais e das características do contexto, que tipificam cada papel, vai gerar uma estrutura causal através da qual pode emergir o processo de facilitação entre trabalho e família. Este consiste, essencialmente, na transferência de aspectos positivos de um papel para outro papel. Este modelo assume, assim, a existência de dois pressupostos relativos à influência de um papel sobre o outro: primeiro, a própria conceptualização do modelo defende que o trabalho e a família são domínios interligados e que se beneficiam mutuamente. Segundo, deve ser concebido de forma independente, relativamente ao conflito trabalho-família. Para clarificar este último pressuposto, Grzywacz e Bass (2003) indicam que, do mesmo modo que saúde é mais do que a ausência de doença, também a facilitação entre trabalho-família é mais do que ausência de conflito. Para o autor, trata-se de um processo mais complexo, que não se esgota em conceitos como compensação, ajustamento ou estabelecimento de fronteiras flexíveis. É um processo adaptativo, de ajustamentos dinâmicos do indivíduo enquanto parte de um sistema geral onde se integram os papéis profissionais e familiares. Um dos principais interesses deste modelo, relativamente aos anteriormente apresentados, prende-se com o facto de ser uma tentativa para encontrar uma conjugação entre o conflito e a conciliação de papéis. Pretende, assim, encontrar uma combinação optimizada, que constitui um estímulo ao nível do desempenho individual, profissional e familiar.

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Reflexões finais O interesse pelas relações entre o exercício concomitante de papéis profissionais e familiares surgiu por volta dos anos 60. Para tal contribuíram, entre outros, as alterações do contexto laboral, nomeadamente a integração progressiva das mulheres no mercado de trabalho a tempo inteiro e o, consequente, aumento do número de famílias de duplorendimento. Este novo modelo familiar levou os cientistas sociais, numa primeira fase, a preocuparem-se com as possíveis consequências negativas da competição, para as mulheres, entre o exercício de uma actividade profissional e a organização da vida familiar, ao nível da execução das tarefas domésticas e do cuidado com os filhos. Assim, os primeiros estudos sobre a temática salientam as repercussões negativas do conflito entre papéis familiares e profissionais, com especial incidência para o conflito de papéis sentido pelas mulheres. Estes estudos apontaram para a necessidade de se considerar que os domínios profissionais e familiares são interdependentes e estão sob a influência dos papéis de género, dado que estes definem a divisão de papéis, tanto na família como no trabalho. Contudo, as dinâmicas sociais apontam cada vez mais para o facto, das famílias em que ambos os elementos do casal exercem uma profissional remunerada a tempo inteiro. Nesta linha, surge uma nova vaga de estudos que se centra na identificação das influências culturais que orientam tanto a vida familiar como os contextos de trabalho e que tipificam as relações entre estes dois contextos de vida. De um modo geral, estes estudos confirmam a influência dos estereótipos de género tanto ao nível dos contextos profissionais, como no domínio familiar. A persistência, mais ou menos generalizada, de modelos culturais que identificam a mulher com o seu papel na família e no lar acabam por gerar assimetrias na participação de homens e mulheres na vida familiar e tendem a sobrecarregar estas últimas, sobretudo em virtude da acumulação dos papéis profissionais e familiares. Mais recentemente foi inaugurada uma nova linha de estudos que versa a análise das relações entre os papéis familiares e profissionais, identificando a existência de processos de interferência positiva entre papéis, dos quais se destacam os processos de facilitação. Estes estudos assumem que o exercício de um dos papéis pode beneficiar o exercício de outro papel de vida, por meio da aquisição de competências específicas que podem ser transferidas de um domínio para outro. Em conclusão, o estudo dos processos que ligam a vida profissional e familiar sofreram alterações ao longo do tempo. O desafio é, actualmente, colocado ao nível dos processos pelos quais estas esferas estão ligadas e os efeitos que cada um dos sistemas pode ter no outro e no indivíduo. Deste modo, a análise das relações trabalho-família nos contextos actuais pode trazer benefícios importantes não apenas para a compreensão da vida das famílias e mas, também, para o desenvolvimento de políticas sociais e organizacionais 144


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exedra • nº 3 • 2010

Correspondência Cláudia Andrade Escola Superior de Educação de Coimbra Pr. Heróis do Ultramar 3030-329 Coimbra mcandrade@esec.pt

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