Evoé! n.01

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Revista Evoé nº1 2014

que, não sei se é falar contra, mas é falar sobre quem hoje dentro do teatro politizado, épico, dialético? SÉRGIO: Esse clichê de que você tinha um estímulo criativo na oposição à ditadura é uma bobagem completa. As questões mais interessantes do teatro brasileiro dos anos 1960 foram geradas antes do golpe. Após o golpe de estado o teatro regride, basta ler um pouco as peças com atenção. Antes de 1964, o que estava em jogo na dramaturgia brasileira era: as possíveis junções entre o campo e a cidade, as forças populares surgindo nos vários lugares do Brasil em atrito com a modernização, a possibilidade de uma crítica anticapitalista radical... Depois da ditadura o teatro abandona essas questões, deixa de ser anticapitalista e passa a se alinhar ao discurso genérico pela liberdade, o teatro deixa de tirar consequências do choque entre os mundos do campo e da cidade, e em alguns casos, tenta mesmo representar um novo lugar ambíguo, entre o atraso e o moderno, um lugar de síntese mais abstrata sobre a brasilidade, em moldes tropicalistas. O melhor teatro político é obrigado a refletir sobre a paralisia social. A ditadura pauta o teatro, que se vê obrigado a encenar o seu limite e o seu descolamento da base social. Ele é obrigado a assistir ao fato da cultura ter perdido a sua chance histórica. Então essa opinião não resiste a um pouquinho de leitura concreta sobre o assunto. Mesmo as experimentações formais mais avançadas, que inspiram o pós-golpe, todas já foram apontadas antes do golpe: o teatro épico apareceu no Arena, no Seminário

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de dramaturgia, o modelo do drama dialético veio dos Laboratórios de atuação, que inspiraram tantos grupos e o cinema, as formas de agitprop como teatro jornal surgiram no CPC. No pós-golpe essas conquistas se estabilizaram. Quando Boal vai escrever o livro dele sobre o teatro do oprimido e vai anotar as técnicas, grande parte delas, quase a maioria, foram inventadas antes do golpe militar. Então todos esses avanços são consequências de um processo muito anterior, que rigorosamente vem dos anos 1950, na América Latina toda. No caso argentino, é o movimento de teatro Independente. E mesmo na Colômbia, a sistematização do [Henrique] Buenaventura dos anos 1970 decorre de

O que a ditadura fez foi desorganizar e impedir os avanços, frear a mudança. E não facilitou nada. Pelo contrário, ela desarticulou uma geração e afastou os produtores de cultura da base social, arrebentando a chance de termos um movimento cultural que não fosse adorno de elite, que não fosse burguês como é hoje.


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