01 ecce homo, a fisio psicologia de um tipo (tm)

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do que um santo. Mas simplesmente leia-se este escrito. Talvez eu tenha conseguido, talvez este escrito não tenha nenhum outro sentido, do que trazer à expressão essa oposição, de uma maneira serena e humanitária (...). A mentira do ideal foi até agora a maldição sobre a realidade, com ela a humanidade mesma se tornou, até em seus mais profundos instintos, mentirosa e falsa — até chegar à adoração dos valores inversos àqueles com o quais, somente, lhe estaria garantido o prosperar, o futuro, o elevado direito a futuro (EH/EH, Prefácio, §2, tradução: RRTF).

No prefácio de Ecce homo, Nietzsche traz Dioniso como um deus filósofo e se diz um discípulo dele. A figura do deus Dioniso sempre esteve ligada à idéia de força no pensamento de Nietzsche (FW/GC, §370; GD/CI, “O que devo aos antigos”, §4) e, em Ecce homo, é a ele, que se explica como um excesso de força, que Nietzsche parece mais uma vez se filiar. Fui o primeiro que levou a sério, para a compreensão do velho, ainda rico e até transbordante instinto helênico, esse maravilhoso fenômeno que leva o nome de Dioniso: ele é explicável apenas por um excesso de força (...). Pois somente nos mistérios dionisíacos, na psicologia do estado dionisíaco, expressa-se o fato fundamental do instinto helênico — sua “vontade de vida” (GD/CI, “O que devo aos antigos”, §4, tradução, PCS).

O pathos dionisíaco, em Nietzsche, é a afirmação da efetividade mesmo diante do terrível da existência. Essa visão trágica do mundo, que comporta a afirmação na destruição, só é possível graças a esse excesso de força que é esse pathos. O ato de destruir é parte desta visão e, por isso mesmo, a torna repleta de possibilidades de criação. Um dos critérios assumidos por Nietzsche para avaliar a força ou fraqueza de um tipo é possuir ou não a psicologia deste estado. Essa psicologia é a que cria valores que afirmam a efetividade e seu vir-a-ser. A psicologia do orgiástico como sentimento transbordante de vida e força, no interior do qual mesmo a dor age como estimulante, deu-me a chave para o conceito do trágico (...) O dizer Sim à vida, mesmo em seus problemas mais duros e estranhos; a vontade de vida, alegrando-se da própria inesgotabilidade no sacrifício de seus mais elevados tipos — a isso chamei dionisíaco, nisso vislumbrei a ponte para a psicologia do trágico (...) ser em si mesmo o eterno prazer do vira-ser — esse prazer que traz em si também o prazer no destruir... (GD/CI, “O que devo aos antigos”, §5, tradução: PCS).

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