OPINIÃO
Enigmas do foro ginecológico Dr. Pedro Vieira Baptista
- Ginecologista e responsável pela Unidade de Tracto Genital Inferior do Centro Hospitalar de São João, no Porto - Secretário-geral da International Society for the Study of Vulvovaginal Disease (ISSVD) - Preletor na sessão «Ginecologia: dispareunia/vulvodinia»
F
alar de dispareunia em geral, e de vulvodinia em particular, é sempre um desafio – independentemente da plateia a quem nos dirigimos. Contudo, fazê-lo para quem está na primeira linha dos cuidados de saúde eleva mais ainda a fasquia. Trata-se de temas que, mesmo no âmbito da Ginecologia, têm uma abordagem superficial e, claramente, insuficiente. Nesta sessão, pretendeu-se clarificar alguns conceitos: dispareunia, vaginismo e, especialmente, vulvodinia. Neste exercício, tentou-se desmistificar os «vaginismos» – a dor sexual, na maior parte das vezes, não se lhe associa. Discutiram-se causas comuns de dor sexual (e não sexual), como a atrofia vaginal associada à menopausa, à amamentação ou à toma de contraceptivos orais. O grande desafio foi, efectivamente, trazer para a discussão o verdadeiro «elefante na sala»: a vulvodinia, que, embora seja comum (6,5% em Portugal), raramente é diagnosticada e adequadamente tratada. Após uma introdução às definições deste quadro, foi lançada a seguinte questão, exclusivamente para as mulheres presentes na plateia: «Eu própria encaixo na definição de vulvodinia. Sim ou não?». Surpreendentemente, 15% responderam «sim». Entre as causas possíveis para o surgimento destes enigmáticos quadros, discutiu-se o papel
da flora vaginal, nomeadamente de entidades menos conhecidas, como a vaginite aeróbica (associada com vulvodinia mais severa) e a vaginose citolítica (associada a maior frequência de vulvodinia). Em alguns casos, uma resposta anómala ou exacerbada à presença de Candida parece estar envolvida na génese deste quadro misterioso. A referência a «vaginites» diferentes da clássica trilogia (candidose, vaginose bacteriana e tricomoníase) suscitou interesse e levantou dúvidas, em particular no que toca aos quadros de vaginose citolítica, tão frequentemente assumidos como sendo candidoses recorrentes ou resistentes aos antifúngicos. Paralelamente, discutiu-se o uso do laser no «tratamento» da atrofia vaginal, da vulvodinia e das dermatoses liquenóides: apesar da ampla propaganda, não existe evidência científica de qualidade que sustente a sua eficácia ou, sequer, segurança! Abordaram-se as estratégias de diagnóstico e o tratamento de uma situação complexa, desconhecida e, contudo, comum. Esperamos ter contribuído para que estes quadros sejam mais precocemente diagnosticados, evitando-se tratamentos desnecessários ou até perniciosos, bem como a atribuição das queixas ao foro psicológico ou psiquiátrico. Nota: por opção do autor, este artigo não segue as regras do Novo Acordo Ortográfico.
causas de dispareunia
Fissuras recorrentes
Vaginose citolítica
Vaginite aeróbica
Dermatoses
Comentários da assistência Dr.ª Fátima Gonçalves
Centro de Saúde dos Olivais, em Lisboa
«Apesar de prevalente, a vulvodinia é uma patologia muito esquecida pelos próprios médicos, pelo que as doentes acabam por ser diagnosticadas erradamente com algum problema do foro psicológico. Portanto, é crucial estarmos alerta para as disfunções genitais, ouvindo e observando atentamente. O diagnóstico é difícil, pelo que, em caso de dúvida, é preferível referenciarmos à Ginecologia, até para percebermos se será necessário o tratamento cirúrgico.» Dr.ª Julieta Carrasquinho
Centro de Saúde da Amora, no Seixal
«Achei esta sessão muito interessante, pois abordou temas pouco falados nos congressos e chamou a nossa atenção para situações que, infelizmente, são pouco valorizadas, apesar de serem muito importantes na vida da mulher. A dor sexual é limitante e, muitas vezes, erradamente associada ao foro psicológico. É difícil chegar à causa, mas não podemos estigmatizar, logo à partida, associando esta dor a um problema do foro psicológico. Devemos tranquilizar a doente, fazer uma boa observação, pedir alguns exames, excluir causas secundárias e, a partir daí, tentar algumas medicações para alcançar uma melhoria, pois não existe um tratamento específico. Em último recurso, existe a hipótese da cirurgia. Em todo o processo, é muito importante que a mulher sinta que compreendemos o seu problema.» Follow-up do Update em Medicina 2017
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