Os Pensadores: Diderot

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nosso canto. Sentado numa banqueta, a cabeça apoiada na parede, os braços caídos e os olhos fechados, diz-me: “Não sei o que tenho. Quando cheguei estava fresco e disposto, agora estou moído, alquebrado como se tivesse andado dez léguas. Fiquei assim de repente”. EU — Quereis refrescar-vos? ELE — Com prazer. Sinto-me rouco. Faltam-me forças. Sofro um pouco do peito. Acontece-me todos os dias sem que eu saiba por quê. EU — Que desejais? ELE — O que vos agradar. Não sou difícil. A indigência ensinou-me a adaptar-me. Servem-nos cerveja, limonada. Enche um copázio que esvazia duas ou três vezes seguidas. Depois, como um homem reanimado, tosse fortemente, sacode-se, retoma: Em vossa opinião, senhor filósofo, não é uma estranha esquisitice que um estranho, um italiano, um Douni, nos venha ensinar como realçar nossa música, submeter nosso canto a todos os movimentos, compassos, intervalos e declamações, sem ferir a prosódia? E, no entanto, não era um bicho-de-sete-cabeças. Qualquer um que tivesse escutado um mendigo pedindo esmola, um homem no transporte da cólera, uma mulher ciumenta e furiosa,

um

amante

desesperado,

um

bajulador,

sim,

um

bajulador adocicando o tom, arrastando as sílabas com voz melosa, em uma palavra, uma paixão, não importa qual, desde que por sua energia pudesse servir de modelo para o músico, qualquer um, repito, teria percebido duas coisas: primeiro, que as sílabas breves e longas não têm duração fixa, e não há sequer uma relação determinada entre suas durações; segundo, que a paixão dispõe a prosódia como lhe agradar, executando os maiores


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