Admiravel mundo novo

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capítulo quatorze

tava histórias do Outro Lado, de fora da Reserva: daquele maravilhoso, maravilhoso Outro Lado, cuja lembrança, como a de um paraíso de bondade e de beleza, ele ainda conservava completa e intata, não poluída pelo contato com a realidade daquela Londres real, daqueles civilizados autênticos. Um alarido súbito de vozes agudas obrigou-o a abrir os olhos e, depois de ter enxugado apressadamente as lágrimas, a voltar-se. O que parecia ser um fluxo contínuo de gêmeos idênticos, de oito anos, invadiu a sala. Vinham um gêmeo após outro, um após outro — um verdadeiro pesadelo. Seus rostos, ou antes, aquele rosto que se repetia — pois era um único para todos — alargava-se, de nariz achatado, narinas enormes e olhos pálidos esbugalhados. Seu uniforme era cáqui. Todos tinham a boca aberta. Entraram gritando e pairando. Em um momento, a sala parecia inçada deles. Amontoavam-se entre as camas, trepavam nelas, arrastavam-se por baixo, olhavam para os aparelhos de televisão, faziam caretas para os pacientes. Linda causou-lhes espanto e algum alarma. Um grupo reuniu-se ao pé do leito, encarando-a com a curiosidade medrosa e estúpida dos animais que se defrontam subitamente com o desconhecido. — Oh! Olhem, olhem! — Falavam em voz baixa e assustada. — Que é que ela tem? Por que será que ela é tão gorda? Nunca tinham visto um rosto como o de Linda — nunca tinham visto um rosto que não fosse jovem e liso, nem um corpo que não fosse fino e aprumado. Todas aquelas sexagenárias moribundas tinham o aspecto de


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