Revista Cidade Verde 205

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CIDADE


Índice 48

Capa:

A fé que nos sustenta

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Páginas Verdes Bom pra cachorro! Samuel Nascimento E pra gente, também

O poder da seriguela

38. ECONOMIA Abaixo do mínimo

18. Ponto de Vista Elivaldo Barbosa

62. GERAL Astros mirins

34. Economia e Negócios Jordana Cury

14. POLÍTICA Militares voltam ao poder pelo voto

68. GERAL Tique-Tique Nervoso

72. Na Esportiva Fábio Lima

20. GERAL Voando em céu de brigadeiro

82. CULTURA Emoção em forma de gratidão

28. COMPORTAMENTO Fugindo da armadilha digital

84. GERAL O senhor das pistas

08. PÁGINAS VERDES Samuel Nascimento concede entrevista à jornalista Cláudia Brandão

79. Tecnologia Marcos Sávio 80. Playlist Rayldo Pereira 86. Perfil Péricles Mendel

36. COMÉRCIO PIAUÍ

Articulistas 13

Jeane Melo

45

Cineas Santos

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Fonseca Neto

COLUNAS

05. EDITORIAL

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Tony Batista


Tempo de Fé A celebração do nascimento de Jesus durante o Natal reacende nos cristãos do mundo inteiro o sentimento de fé, alimentado pela esperança da luz que chega com o menino que irá trazer salvação a todos os povos. É pela fé que acreditamos na promessa do que virá, mesmo que não possamos visualizar ou tocar no que nos é prometido. É este sentimento, tão forte e inexplicável aos incrédulos, que, ao longo dos anos, vem sustentado os fiéis nas suas tribulações. Não fosse assim, seriam tomados pelo desespero, a cada vez que o infortúnio batesse à porta. No entanto, para os que creem, a fé é um suporte para alma, fonte de alegria e consolação. Para entender o que significa e o que alimenta a fé, a Revista Cidade Verde foi atrás das explicações de padres, fiéis e até médicos, pois já é certo que ciência e fé não são inconciliáveis, ao contrário. Estudos mostram que pacientes com fé reagem melhor aos tratamentos médicos e têm mais chance de cura. Então, nada melhor que, nesta passagem de ano, quando iniciamos um novo ciclo de vida, possamos compreender um pouco desta força que nos mantém de pé e nos faz confiar que, acima de nós, há um Deus que rege todo o universo e que, portanto, não podemos perder a confiança.

A Revista traz ainda uma reportagem curiosa sobre o novo universo que povoa o sonho das crianças. Cada vez mais cedo, elas estão se conectando à rede mundial de computadores, não apenas para observar o que passa pelas telas dos smartphones ou tablets, mas para tornarem-se, elas próprias, produtoras de conteúdo na internet. Os pequenos youtubers e as blogueiras mirins estão fazendo fama e dinheiro com um misto de diversão e trabalho. Um fenômeno que já começa a chamar a atenção dos psicólogos. Com muitas outras reportagens interessantes, fechamos mais um ano de trabalho, nesta edição que chega agora às suas mãos. A cada quinze dias, a Revista Cidade Verde procura trazer aos leitores os assuntos que são destaques no Piauí e os fenômenos que vêm modificando a sociedade. É o caso da privatização do ensino superior no Brasil. O assunto é tema de um livro recém-lançado pelo professor Samuel Nascimento, especialista em Direito Econômico, e o entrevistado das páginas verdes desta edição. Uma reflexão para todos que se preocupam com o futuro da educação no país. A equipe deseja a todos os leitores um Feliz Natal e um Ano Novo repleto de boas notícias! Cláudia Brandão Editora-chefe

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HOUS

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CIDADE


Entrevista POR CLÁUDIA BRANDÃO

Samuel Nascimento

claudiabrandao@cidadeverde.com

A Força do Capital no Ensino Superior

A privatização da educação superior no Brasil e as consequências desse modelo para o desenvolvimento do país. foto Roberta Aline

O professor de Direito Econômico e Economia Política da Universidade Federal do Piauí, Samuel Nascimento, é um estudioso do sistema de ensino superior. Mestre e Doutor em Direito Público pela PUC de Minas Gerais, ele acaba de lançar um livro que questiona o novo modelo de ensino do terceiro grau, administrado por grandes grupos capitalistas. O livro “O Poder Econômico na Educação Superior” é resultado de uma pesquisa de dez anos, que mostra como o atual sistema vem descaracterizando a missão das universidades no projeto de desenvolvimento do país. A mercantilização da educação e as consequências que ela provoca na sociedade são temas levantados pelo professor Samuel, que podem ser conferidos na entrevista a seguir.

RCV – O acesso ao ensino superior no Brasil praticamente dobrou nos últimos anos, mas ainda está muito aquém dos números alcançados pelos países desenvolvidos. O que está impedindo esse crescimento? SN – O ensino superior é a chave para o desenvolvimento tecnológico de qualquer grande nação. Não 8 | 23 DE DEZEMBRO, 2018 | REVISTA CIDADE VERDE


se faz nenhum tipo de crescimento econômico com distribuição de renda, ou seja, com geração de igualdade, sem uma base de ciência avançada. Então, o que nos impede aqui no Brasil de alcançar esses níveis de acesso ao ensino superior é, justamente, a nossa ainda muito pequena estrutura universitária. A gente sabe que em cada estado tem uma universidade federal, mas uma universidade federal é irrisória para a quantidade de pessoas que precisam acessar o ensino superior. A distância em que nos encontramos das nações desenvolvidas no quesito inclusão é de cerca de quatro vezes a menos. Ou seja, nós temos apenas um quarto do que têm as nações da OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – dentro do padrão de países desenvolvidos. Em números, o Plano Nacional de Educação do Brasil tem como meta a inclusão de 33% dos alunos com idade de 18 a 24 anos no ensino superior, até o ano de 2024. Hoje, esse percentual é de 16%. Há quinze anos, esse índice era menor que 10%.

RCV – Esse crescimento no número de alunos matriculados no ensino superior foi acompanhado também de um crescimento na qualidade do ensino? SN – Não. É um crescimento quan-

titativo, apenas. É mais ou menos o que tem acontecido na educação básica. Você joga as pessoas para dentro do sistema, mas não garante que essas pessoas estão sendo alfa-

SN – A minha visão é de que o

O que foi feito com o FIES e o PROUNI foi apostar no modelo de mercado, porque a velocidade de crescimento é muito maior na economia de mercado. betizadas. Não se sabe se elas terão um domínio razoável das disciplinas ao final do curso. No ensino superior é a mesma coisa. Você forma profissionais, no caso do Direito, por exemplo, que é a minha área, dentro de um quadro preocupante. 80% dos alunos formados não conseguem ser aprovados no exame da Ordem (Ordem dos Advogados do Brasil). Outro exemplo: 70% dos cursos de Direito no Piauí ou atingem a nota mínima para não fechar, ou as notas 1 e 2, que preveem o fechamento. Há uma expansão, mas realmente ineficaz em termos de resultado. Você tem um aumento numérico, mas não tem garantia de que isso vai trazer algum benefício para a sociedade.

RCV – Os programas de financiamento público, como FIES e PROUNI, ajudaram a melhorar a educação superior no país ou aprofundaram ainda mais a crise no setor?

Brasil construiu um modelo de excelência na educação superior, baseado nas suas universidades, tanto as federais, quanto as confessionais, filantrópicas e comunitárias. Aqui no Piauí, por exemplo, a UFPI só se viabilizou com três faculdades privadas: a do Direito, a de Filosofia e a de Odontologia. Nos anos 1950 e 1960, surgiram as PUCs e a Mackenzie, que é muito conhecida. Esse era o modelo que apontava o Brasil para um ensino superior de alta qualidade. Mas ele era muito pequeno e, no anos 1990, com a reforma do Estado, que pregava a transferência de alguns setores públicos para a iniciativa privada – a exemplo da telefonia – se imaginou que era possível fazer a mesma coisa com a educação. Mas a história, nos últimos vinte anos, mostrou que o resultado não foi o esperado, porque a educação é um serviço complexo, que depende muito dos profissionais da área. Essa expansão, que foi feita com base no FIES e no PROUNI, apostou alto, mas muito alto, que a iniciativa privada de mercado mais avançado, que é a iniciativa de capital aberto com sociedades anônimas, iria conseguir fazer a educação crescer e dar resultados. O que os fundos fizeram foi apostar nessa iniciativa privada com fins lucrativos, em primeiro lugar. Em segundo lugar, a preocupação é como ele vai gerar esse lucro para os sócios. Essa aposta que o Brasil fez foi nesse modelo e não naquelas universidades de que

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A consequência mais imediata é que o aluno está pagando pelo diploma e não pelo seu aprendizado, porque o aprendizado é um processo complexo, sofrido, que exige bastante.

eu falei no início. Foram investidos bilhões de reais de fundo público, e com renúncia fiscal, mas não para fazer crescer o modelo que já existia com sucesso, que era o das universidades filantrópicas, comunitárias e públicas. O que foi feito com o FIES e o PROUNI foi apostar no modelo de mercado, porque a velocidade de crescimento é muito maior na economia de mercado.

RCV – E aí a educação passou a ser tratada como uma mercadoria comum? SN – Sim. E o que se vê hoje é que

a mercantilização da educação se tornou oficialmente financiada pelo governo. O Brasil estruturou jurídica e economicamente um mercado. Como se faz isso? Dando segurança jurídica; você cria leis, estabelece como vão funcionar, quais são os contratos, etc. Do ponto de vista econômico, fez a destinação financeira para os fundos e abriu a possibilidade de os consumidores acessarem esse serviço livremente.

RCV – Quais são as consequências desse modelo para o ensino superior? SN – Uma das primeiras conse-

quências é que o magistério, que já é tão desvalorizado e sofrido, foi mais prejudicado ainda. O professor vale pouco para esse sistema econômico capitalista porque ele é só a ponta da informação. O fato de o professor saber não vale, ele é pago pelo que ele transmite e, como ele transmite muito pouco

por hora, ele é mal remunerado. Quando você mercantiliza a educação, você transforma a vida do professor em uma tragédia mercantil, porque ele se torna vítima da dinâmica de mercado. Se a economia entra em crise, ele está desempregado. A primeira consequência, na minha visão, é a intensificação da precarização do trabalho do docente do ensino superior.

RCV – E do ponto de vista do aluno, qual a repercussão desse projeto adotado no Brasil? SN – No modelo mercantilizado, o aluno recebe promessas, como em qualquer outro setor de comércio. A consequência mais imediata é que o aluno está pagando pelo diploma e não pelo seu aprendizado, porque o aprendizado é um processo complexo, sofrido, que exige bastante. O que o aluno perde nesse modelo é a capacidade de aprender porque ele está sendo tratado como um consumidor e o que ele está comprando é justa-

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mente a promessa de venda. O que está em vigor ali é um contrato de compra e venda e não uma relação de educação.

RCV – Na busca por essa educação de resultados financeiros, nós estamos perdendo o senso crítico que deve permear o ensino superior? SN – Eu não tenho dúvida de que

nós já perdemos esse senso crítico na massa, no sentimento coletivo, porque a oferta é feita de uma forma rasteira e superficial. Algumas fazem propaganda da seguinte forma: “Faça faculdade e aumente sua renda”. O que eu acho mais grave disso tudo é que o fato de nós já estarmos anestesiados diante dessa mercantilização nos deixa sem saída para construirmos uma linha de desenvolvimento tecnológico e científico para o país. Se a base da expansão para o ensino superior é nesse modelo, não se tem nem como fazer um plano de desenvolvimento para o país.

RCV – Diante desse cenário, como fica a pesquisa no país? SN – O que eu posso dizer, sem

nenhum receio de estar cometendo injustiça, é que esse modelo de educação superior não tem nenhum compromisso com a pesquisa, porque ele não é feito com base em uma organização chamada universidade, mas em um outro modelo chamado faculdade. Para quem é leigo parece ser a mesma coisa. Uma faculdade só tem obrigação de dar aulas e formar gradu-


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