Revista Cidade Verde 193

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CIDADE


Índice CAPA: O bispo dos pobres

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Páginas Verdes Lourdes Veras

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O desafio do PLAMTA

05. Editorial

62. Comércio Piauí

08. Páginas Verdes Lourdes Veras concede entrevista à jornalista Cláudia Brandão

64. Turismo O sertão piauiense é destaque na Europa

20. Saúde É de doer!

70. Política A passeata que sacudiu o país e abalou o regime

24. Geral O pequeno que assusta 28. Política O recado do não-eleitor 54. Indústria

52. Ponto de Vista Elivaldo Barbosa

56. Economia e Negócios Jordana Cury 82. Playlist Rayldo Pereira 86. Perfil Péricles Mendel

78. Meio Ambiente Pet a bordo!

Articulistas 14

Jeane Melo

19

Cineas Santos

Mais mudança na vida das empresas

51. Tecnologia Marcos Sávio

74. Saúde Mindfulness: a atenção total como remédio para o bem estar

42

58

COLUNAS

34

Fonseca Neto

90

Tony Batista


Missão Cumprida! Algumas pessoas ocupam lugar na vida de uma comunidade e deixam sua marca de forma indelével, seja por sua personalidade cativante ou por sua atuação profícua. O Arcebispo Dom Miguel Fenelon Câmara gravou seu nome na memória e no coração dos teresinenses pelos dois motivos. Nascido no Ceará, ele assumiu a Arquidiocese de Teresina em 1985 e esteve à sua frente por 16 anos, produzindo uma obra social tão vasta quanto indispensável. O homem de temperamento afável, de sorriso fácil e de coração generoso logo conquistou o povo da capital piauiense. Mas, muito mais do que pela simpatia, foi pelo trabalho corajoso e inovador realizado que ele ocupou seu lugar na história da Igreja de Teresina. Bem antes do Papa Francisco falar de uma “igreja em saída”, Dom Miguel já saía do conforto do Palácio Episcopal para ir ao encontro dos mais humildes, dos pequenos e esquecidos. Pois era ao lado deles que se sentia feliz. A sua paixão pelos pobres justifica toda a ação desenvolvida junto à população mais vulnerável, com serviços que até hoje são referência no estado, como o Centro Maria Imaculada, que presta assistência aos portadores de hanseníase, uma doença que sempre cravou o peso da dor e do preconceito nos pacientes. A mesma coisa pode-se dizer do Lar da Fraternidade, que acolhe pacientes vítimas do HIV/AIDS, e tantos outros serviços montados pelo Vicariato da Ação Social. Dom Miguel agia na mesma proporção em que orava. Oração e ação sempre andaram juntas no pastoreio

desse homem de voz fraca e atitudes firmes, de coração brando e braço forte na defesa dos excluídos. Não por acaso, arrebanhou uma multidão de amigos e colaboradores que o acompanharam até o fim da vida. Mesmo quando se aposentou, ao completar 75 anos de idade, e optou por permanecer morando em Teresina como Arcebispo Emérito, ele continuou rodeado de gente, porque era assim que sabia e gostava de viver. E foi cercado por uma legião de padres, amigos e parentes que ele se despediu da cidade que adotou, para retornar à casa de Deus, depois de cumprir com maestria sua missão aqui na terra. A Revista Cidade Verde presta uma homenagem ao Bispo dos Pobres, com a reportagem de capa desta edição, na qual é relatada toda a história de vida de Dom Miguel e o depoimento de algumas pessoas que conviveram de perto com ele. Nas páginas verdes, a médica Lourdes Veras fala dos avanços e retrocessos na área de transplantes de órgãos no Estado ao longo de 18 anos, desde que foi implantada a Coordenadoria Estadual de Transplantes do Piauí. Embora esteja à frente de muitos estados brasileiros, o Piauí ainda precisa melhorar a infraestrutura hospitalar e os equipamentos da rede pública para conseguir realizar um maior número de transplantes de diferentes órgãos aqui mesmo.

Cláudia Brandão Editora-chefe

REVISTA CIDADE VERDE | 8 DE JULHO, 2018 | 5


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CIDADE


Entrevista POR CLÁUDIA BRANDÃO

Lourdes Veras

claudiabrandao@cidadeverde.com

Piauí se prepara para realizar transplante de fígado

Fundada no ano de 2000, a Coordenadoria Estadual de Transplantes do Piauí está completando18 anos, com o orgulho de ter alcançado números positivos nas cirurgias de transplantes de orgãos. Mas ainda tem como desafio o aumento no número de doadores disponíveis. Por aqui, a média de rejeição à doação de órgãos é de 60%, equanto no Brasil esse índice é de 45%. Em 2017, o Estado realizou 30 transplantes de rim e 159 de córnea, os dois únicos tipos que são feitos atualmente no Piauí. No passado, já foram realizados transplantes de coração, em hospitais da rede privada. Hoje, no entanto, todos os transplantes são feitos pela rede pública, no Hospital Getúlio Vargas. A Coordenadora da Central, médica Lourdes Veras, diz que, antes, o procedimento de retirada do órgão do paciente diagnosticado com morte encefálica era realizado apenas nos hospitais privados da capital e comemora o fato de ter conseguido transferir todo esse procedimento para a rede pública. O que falta agora para um incremento no setor é a melhoria da infraestrutura hos8 | 8 DE JULHO, 2018 | REVISTA CIDADE VERDE

foto Wilson Filho

Ao completar 18 anos de fundação, a Coordenadoria Estadual de Transplantes se mobiliza para ampliar a possibilidade de cirurgias realizadas no Piauí, que, hoje, se restringem a córneas e rins.


pitalar e dos equipamentos utilizados pelo sistema público de saúde. Lourdes Veras está no comando da Central desde a sua fundação e, na entrevista a seguir, fala dos desafios e metas que pretende alcançar.

RCV – Quantos pacientes existem hoje no Piauí na fila de espera por um órgão? LV – Para córnea, nós temos uma

faixa de 350, mas esse número oscila porque entra um e sai outro; já para rim, em torno de 300. Córnea é o mais procurado e também o que nós mais transplantamos, só que a demanda é muito grande. Atualmente, nós só realizamos esses dois tipos. O Piauí já realizou transplante de coração, de 2001 a 2008. Nós tínhamos um apoio muito grande, no início, na rede privada, que era credenciada pelo SUS, e contávamos com o antigo Hospital Casa Mater e o Hospital Santa Maria, que foram os pioneiros no transplante no Piauí. Mas esses hospitais, posteriormente, foram vendidos para grupos que não tiveram interesse de trabalhar com SUS e nem de operar nessa área. Então, hoje, nós só temos o Hospital Getúlio Vargas. E a córnea, por não ser um transplante que tem uma complexidade muito grande, nós fazemos em alguns hospitais privados credenciados pelo SUS, como o Francisco Villar, o Hospital Raimundo Braga e o Tércio Resende. Os outros órgãos exigem uma complexidade maior. Uma vez transplantado, o paciente deverá ser acompanhado para o resto da vida. O hospital tem de ter uma estrutura de rede de urgência para atender esse paciente a qualquer hora do dia.

Pelas leis do Brasil, qualquer um de nós pode ser um doador, mas, no final, é a família que vai decidir. Dessa forma, quando a decisão é tomada previamente,fica mais fácil para a família definir. RCV – Há muitos piauienses cadastrados como doadores? LV – Pelas leis do Brasil, qualquer

um de nós pode ser um doador, mas, no final, é a família que vai decidir. Nós não temos nenhum cadastro de doadores, a família é soberana nessa decisão. Conforme o atendimento que ela teve e o entendimento obtido na hora da morte, é que ela vai decidir se doa, ou não, os órgãos do parente. O que a gente observa é que a maioria dos doadores no nosso Estado manifestou em vida a vontade de doar. Então, nessa hora, fica mais fácil para a família decidir, porque é um momento muito difícil. A maioria das mortes é por fatalidade, como acidentes, e as mortes clínicas de potenciais doadores são aquelas inesperadas, que acontecem por acidente vascular, hemorragias intracerebrais e coisas que você não está esperando, o que deixa a família desestruturada até para tomar uma decisão. Dessa forma, quando a decisão é tomada previamente,fica mais fácil para a família definir.

RCV – Quando a morte encefálica é considerada irreversível? Qual a segurança da família para tomar essa decisão? LV – O médico só dá o diagnóstico

de morte encefálica ao constatar a irreversibilidade. É um diagnóstico que obedece a critérios internacionais. A ciência não tem nenhuma dúvida e o diagnóstico tem de ser dado conforme o protocolo. O Brasil teve uma alteração nesse protocolo, de acordo com o último decreto, e uma nova resolução do Conselho Federal de Medicina já faz algumas adequações, até para dar mais segurança. Uma das coisas é que nós temos de dar o diagnóstico. Ao dar entrada em qualquer emergência, o paciente tem de ter um período de observação de, pelo menos, seis horas. Existe uma classificação da escala de coma, que vai de nove a zero. Quando esse paciente está na escala 3, ele já não possui mais nenhum reflexo e, clinicamente, está morto. Nesse caso, o paciente está em uma terapia intensiva, com ventilação mecânica e, muitas vezes, já fazendo uso de várias drogas para manter a pressão arterial. A partir desse nível, é que você vai fazer o protocolo de morte encefálica. É quando entra o médico qualificado, uma exigência da nova Lei, que vai fazer todo o exame clínico, obedecendo ao protocolo, cujos critérios são internacionais. Uma hora depois, outro médico faz novamente os sete exames clínicos. E o paciente tem de se submeter, obrigatoriamente, a um exame gráfico. Ou nós fazemos a arteriografia dos quatro vasos cerebrais ou nós fazemos o dopler transcraniano ou a eleREVISTA CIDADE VERDE | 8 DE JULHO, 2018 | 9


troencelografia. Esses exames têm de comprovar que não existe nenhuma atividade elétrica, nenhuma atividade fluxo, nem metabólica. A partir daí, ele assina a declaração de óbito.

RCV – Comprovado o diagnóstico, de quanto tempo dispõe a família para tomar a decisão de doar, ou não, os órgãos? LV – Uma vez declarada a morte do

paciente, todos os órgãos começam a entrar em deterioração. Claro que se você estiver diante de um paciente jovem, de 20 anos de idade, com coração bom, é diferente de um que já tenha mais de 60 anos. Também leva-se em conta o quadro em que ele chegou, se já fez parada cardíaca, mas é uma corrida contra o tempo. A partir daí, nós temos de entrevistar a família, depois de o médico assinar a declaração de morte. É uma hora difícil, mas a gente também não pode retardar, porque é nosso trabalho. Uma equipe de profissionais qualificados entra em campo para lidar com essa situação e fazer a entrevista com a família. Se ela autoriza, nós temos de fazer todos os exames sorológicos. Para você ter uma ideia, são exigidos mais exames do que para uma doação de sangue, porque tem micro-organismo que é passado por tecido e, não, por sangue. Geralmente, são quatro horas de exames, só na sorologia e no laboratório de imunogenética, para ver a compatibilidade e já classificar esses pacientes que estão na lista do Ministério da Saúde.Nesse momento, também, nós já vamos distribuindo e vendo quem vai receber.Isso tudo leva entre 12 e 20 horas. Nós ainda vamos distribuir os órgãos

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A maioria dos nossos órgãos vai para Recife e Fortaleza, que são também o destino preferencial dos nossos pacientes que precisam de transplante. que não ficam aqui e vão para outros estados. Então, tem de ver a logística do voo, às vezes a gente atrasa um pouquinho para esperar o voo.

RCV – A prioridade é atender a necessidade do Piauí e enviar o restante para os outros estados? LV – Não. Fígado, por exemplo, nós

não transplantamos, então na hora em que a família doa todos os órgãos, nós já estamos disponibilizando para o sistema nacional. Mas as córneas e os rins ficam aqui. A córnea pode ser guardada em meio de preservação até catorze dias – claro que, quanto mais rápido transplantar, melhor; os rins têm um prazo de até trinta horas para serem transplantados. Agora, fígado e coração têm de ser muito rápido. O fígado não pode ficar mais de doze horas em preservação.

RCV – A logística de transporte desses órgãos para outros estados tem sido eficiente? LV – Tem. Isso é uma coisa que a

gente tem de parabenizar o Ministério da Saúde. Todas as empresas aé-

reas estão conveniadas com o Ministério, espontaneamente, sem cobrar nada. O primeiro voo que chega aqui já recebe os órgãos acondicionados. E, ainda, os voos que estão transportando órgãos têm prioridade em pouso. No ano passado, o presidente Temer publicou um decreto disponibilizando todos os voos da FAB ( Força Aérea Brasileira) para locais mais distantes, de difícil acesso para voos regulares. A FAB já veio duas vezes aqui para atender uma urgência de transplante de fígado da Bahia, uma hepatite fulminante. Estava difícil fazer o transporte porque nós não temos voo direto para Bahia e a gente teve de contar com a FAB. O Brasil é um país continental, por isso nós priorizamos as regiões. Dentro do nosso estado, nós priorizamos os outros estados do Nordeste. A maioria dos nossos órgãos vai para Recife e Fortaleza, que são também o destino preferencial dos nossos pacientes que precisam de transplante.

RCV – Em que casos a pessoa não pode ser um doador de órgãos? LV – Só existem três contraindicações absolutas. São as neoplasias malignas, principalmente as linfoproliferativas – leucemias, mieloma, linfoma, que são as doenças de medula óssea - ; as septicemias ( infecções generalizadas), que são muito frequentes, especialmente quando a pessoa passa muito tempo na terapia intensiva; e a AIDS e os HTLV, que são vírus associados a várias doenças, como leucemia e doenças neurológicas. As outras contraindicações são relativas. Por exemplo, se há um doador com vírus B, mas na


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